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Geopolítica da África

Date post: 24-Feb-2023
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Geopolitica Colonial da África: as disputas interimperialistas. Francisco Carlos Teixeira Da Silva/ Professor Titular de História Moderna e Contemporânea/Laboratório de Estudos do Tempo Presente/TEMPO/UFRJ e Professor Emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. (Em Revista Eletrônica do Tempo Presente/TEMPO ISSN 1981-3384, Ano 3, Nº11, Rio, 2008/ www.tempopresente.org ) Em três ocasiões durante o século XX a África tornar- se-ia cenário de grandes rivalidades geo-estratégicas entre as grandes potências mundiais: (a.) no ínicio do século, com o auge dos conflitos interimperialistas europeus; (b.) na década de ’70, com a extensão da rivalidade soviético- americana e, no (c.) final do século, com a chamada Guerra contra o Terrorismo, levada a cabo pelos Estados Unidos. O desenho político do mapa africano, no alvorecer do século XX, está praticamente definido a partir das rivalidades interimperialistas desenvolvidas entre Grã-Bretanha, França, Itália, Alemanha e Portugal, os principais jogadores no cenário diplomático continental. Excetuando-se a Libéria – criada a partir de 1821 pela American Colonization Society, visando estabelecer na África ex-escravos negros americanos – e o milenar reino da Etiópia ( ou Abissínia ), todo o continente havia sido repartido entre as principais potências européias. A mais antiga presença branca no continente era portuguesa, restrita, até o século XIX, a
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Geopolitica Colonial da África: as disputas

interimperialistas.

Francisco Carlos Teixeira Da Silva/ Professor Titular de História Moderna eContemporânea/Laboratório de Estudos do Tempo Presente/TEMPO/UFRJ eProfessor Emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.

(Em Revista Eletrônica do Tempo Presente/TEMPOISSN 1981-3384, Ano 3, Nº11, Rio, 2008/ www.tempopresente.org)

Em três ocasiões durante o século XX a África tornar-

se-ia cenário de grandes rivalidades geo-estratégicas entre

as grandes potências mundiais: (a.) no ínicio do século, com

o auge dos conflitos interimperialistas europeus; (b.) na

década de ’70, com a extensão da rivalidade soviético-

americana e, no (c.) final do século, com a chamada Guerra

contra o Terrorismo, levada a cabo pelos Estados Unidos. O

desenho político do mapa africano, no alvorecer do século

XX, está praticamente definido a partir das rivalidades

interimperialistas desenvolvidas entre Grã-Bretanha, França,

Itália, Alemanha e Portugal, os principais jogadores no

cenário diplomático continental. Excetuando-se a Libéria –

criada a partir de 1821 pela American Colonization Society,

visando estabelecer na África ex-escravos negros americanos

– e o milenar reino da Etiópia ( ou Abissínia ), todo o

continente havia sido repartido entre as principais

potências européias. A mais antiga presença branca no

continente era portuguesa, restrita, até o século XIX, a

algumas feitorias e presídios no litoral da Guiné, Angola e

Moçambique. A empresa portuguesa limitava-se, então, a

praticar um comércio aleatório, mesmo episódico, com forte

rivalidade com os árabes, no Oceano Índico, além, claro, do

tráfico negreiro ( principalmente no Oceano Atlântico ).

A partir do final do século, em particular depois da

derrota francesa frente aos alemães em 1871, a França –

principalmente sob a influência de Jules Ferry ( 1832-1893 )

- o grande incentivador das conquistas coloniais e ministro

da III República francesa durante longo tempo - passa a

desenvolver um amplo projeto de poder a realizar-se na

África ( como também na Ásia ). Em grande parte, e com apoio

interessado de Bismarck visando desviar a atenção francesa

das questões européias, tratava-se de compensar a perda da

Alsácia-Lorena e da humilhação sofrida, pela construção de

um império que devolvesse ao país sua noção de orgulho

nacional. Para manter o novo equilíbrio europeu – tendo a

Alemanha como país central na Europa – desviava-se o ímpeto

belicista da França em direção da África e da Ásia. O ponto

de partida de tal império será a Argélia, onde desde 1830 a

França tinha interesses especiais.

O eixo estratégico inicial da penetração francesa na

África se dá no sentido Norte/Sul, ou seja Argélia/Senegal,

procurando reunir as possessões mediterrâneas da França aos

seus fortes estabelecidos no litoral do Senegal, submetendo

ao seu domínio os vastos territórios da chamada África

Ocidental. Aí constituir-se-á, como o Sahara – que será

futuramente anexado a Argélia francesa -, um forte bloco

continental, incluindo o Norte Francês a África com a

Mauritânia e o Mali. Alguns enfrentamentos com ingleses –

estabelecidos junto ao rio Gâmbia – e com portugueses –

estabelecidos na Guiné-Bissau – marcarão os primeiros

choques interimperialistas na região ocidental da África.

Aos poucos a exploração de fibras e óleos vegetais, no

momento do arranque da Revolução Industrial no país, bem

como a implantação do sistema de plantations, com culturas de

amendoim e cacau, compensava amplamente os esforços

desenvolvidos pelo Estado francês para ocupar a região. A

conquista do confrontante atlântico da África pela França

implicava, contudo, em tensões crescentes em duas direções:

em face ao Marrocos, que acabava envolvido pela África

Ocidental Francesa, e em direção ao Nilo, através dos rios

Volta e do Niger até o Lago Tchad ( hoje Burkina Fasso,

Niger e Tchad ). O envolvimento do Marrocos, um reino

autônomo só nominalmente e formalmente sujeito ao

ImpérioTurco, colocava a França diretamente em choque com a

Alemanha imperial, que via no país uma última esperança de

estabelecer uma colônia própria em um importante país

mediterrâneo. Da mesma forma, o ímpeto em direção ao Nilo

colocava os franceses numa situação de enfrentamento direto

com os ingleses, fortemente estabelecidos em torno do Canal

de Suez. Tal situação era típica do final do século XIX e

representava bem o isolamento francês em face da Alemanha e

Grã-Bretanha após a derrota de 1871.

Os ingleses haviam estabelecido suas bases de ocupação

da África a partir de três pontos estratégicos: o próprio

Canal de Suez, ( ocupado pelos ingleses desde 1888, quando

através da Convenção de Constantinopla, do mesmo ano, são

estabelecidas suas regras de funcionamento ), e que

facilitando a chamada rota curta para as Índias, através do

Mar Vermelho e do Oceano Índico, abrindo, assim, o Egito e

todo o Nilo à dominação britânica; um segundo ponto da

penetração britânica foi a área entre o Golfo de Benin e o

rio Niger, onde se estabeleceram desde 1880 e de onde se

partiria para a dominação da área tropical africana; em

fim,um terceiro ponto de apoio formou-se em torno da Cidade

do Cabo, onde os ingleses haviam se estabelecido em 1795,

parte fundamental da chamada longa rota para as Índias

( Atlântico/Cidade do Cabo/Cingapura e depois em direção a

Hong-Kong e/ou Austrália ). A razão inicial para os

britânicos interessarem-se pela África prendia-se ao

controle e a segurança das rotas para as Índias. Assim, o

Canal de Suez, de um lado, e a Cidade do Cabo, de outro ( ao

lado de várias ilhas do Atlântico e pontos chaves no litoral

africano ) representavam parte fundamental da estratégicas

rotas de acesso às Índias, centro nevrálgico de todo o

Império Britânico.

O projeto britânico de ocupação da África mostrava-se,

assim, bem mais orgânico e coerente do que o avanço francês

e integrava-se, plenamente, a um projeto imperial de mais

longo alcance, valorizando Alexandria, Suez, Somália e Áden

como pontos de apoio e acesso ao Império das Índias. Assim,

no quadro mais geral da política colonial britânica a África

ocupava um papel de monta na estratégia de ocupação das

fímbrias da Ilha do Mundo, conforme a geopolítica de

Mackinder ( e mais tarde retomada por Nicholas Spykman ).

Qualquer hegemonia estranha no continente negro, em especial

ao longo do Nilo, poderia representar um risco para outras

áreas vitais do império, como o Golfo Pérsico, Áden, as

Índias, Cingapura e Hong-Kong.

Enquanto um potencial econômico em si mesmo, somente

após 1880 é que o imperialismo europeu, em seu conjunto,

começa realmente a se interessar pelos recursos naturais da

África, colocando em prática uma política que vá além da

exploração predatória do litoral. Assim, a primeira vaga

imperialista, francesa e britânica, explicava-se bem mais

através das noções de prestígio, orgulho nacional e de

imperiosidades geoestratégicas ( argumento da Escola

Geopolítica de Mackinder/Spykman ou da Escola Histórica

Alemã , com Wolfgang Mommsen ). Somente depois daquela data

é que os interesses econômicos, em matérias-primas e de

mercados – além da alocação de excessos populacionais e

empregos remunerativas para amplas camadas sociais ociosas

na metrópole – passam a caracterizar o imperialismo em seu

classicismo ( argumento da Escola Marxista, com

Hobson/Lênin/Hobsbawm ). Deve-se, desta forma, procurar uma

certa reconciliação entre os argumentos de ambas as

vertentes explicativas, evitando excluir, in limine, qualquer

das explicações em presença. Dependendo da fase expansiva do

Imperialismo na África, e de sua localização geográfica, os

argumentos geopolíticos e os argumentos puramente econômicos

podem ser, ambos, plenamente cabíveis.

De qualquer forma, com a crescente expansão industrial

européia, a rivalidade franco-britânica amplia-se

rapidamente a partir de 1880.

Os franceses aceleram sua expansão em direção ao sul,

redirecionando o eixo Argélia/Senegal em dois vetores: de um

lado, para o sul em direção à África Equatorial, buscando a

Bacia do rio Congo, principalmente através da ação do

Coronel Brazza ( 1852-1905 ), onde criaram a África

Equatorial Francesa ( com o Gabão e o Congo ) em 1910,

buscando atingir o Nilo através do Congo ( pensava-se que o

rio Ubangui, afluente ao norte do rio Congo ou o rio

Lualaba, afluente ao sul, dariam acesso ao rio Nilo, o que

era, evidentemente hoje, um erro geográfico ). Por outro

lado, dirigiriam-se para o leste, buscando a partir do Mali

atravessar o Niger e Tchad, então denominado de Sudão

francês. Daí atingiriam o Nilo, no Sudão propriamente dito,

pretendendo a junção com a colônia francesa de Djibouti,

entre o Mar Vermelho e o Oceano Índico, onde já possui

algumas ilhas e o imenso território da ilha de Madagascar,

ocupado desde 1885. O projeto equatorial francês não

encontrará maior resistência, atingindo rapidamente a Bacia

do Congo e a foz do mesmo rio, na altura de Cabinda,

estancando apenas em face da imensa colônia belga – em

verdade do rei Leopoldo II - do Congo. Será o Congresso de

Berlin, em 1884/5, que estabelecerá os limites sul da

expansão imperial francesa na África. Nas suas resoluções o

Congresso de Berlin reconhecia o Estado do Congo, governado

autonomamente por Leopoldo II, rei da Bélgica, – imenso

território de floresta equatorial englobando a Bacia do

Congo até a Região dos Grandes Lagos ( Vitória, Tanganica e

Malawi ) e a colônia portuguesa de Angola ( com o enclave de

Cabinda contornando a foz do rio Congo ), rico em ouro,

diamantes, cobre, fibras vegetais, peles, marfim, etc... A

pequena Bélgica, e seu ambicioso rei, só conseguiram manter

o controle sobre uma região tão ampla e rica como a Bacia do

Congo ( englobando as terras altas de Ruanda e Burundi ) em

virtude das rivalidades européias, em razão das quais nenhum

dos concorrentes europeus confiava nos demais, em especial

nos interesses dos alemães em estabelecer-se na região,

ameaçando simultaneamente as fontes do Nilo e a África

Equatorial Francesa. Em troca do reconhecimento do Estado do

Congo, sob controle de Leopoldo II, os belgas tiveram que

aceitar a política de “Portas Abertas”, admitindo a

navegação e o comércio internacional no rio Congo para todas

as nações européias. Da mesma forma, capitais franceses e

belgas associar-se-iam rapidamente para a exploração das

riquezas minerais do país, conformando, um pouco mais tarde,

a empresa Union Minière, que exercerá o verdadeiro controle

sobre o cobre, ouro e diamantes do Congo.

Na direção leste, contudo, a expansão francesa deparou-se

com a forte projeção de força do império britânico, que

fazia a subida do rio Nilo, estabelecendo um longa linha

férrea paralela ao rio como principal ferramenta de

dominação do rico e estratégico Vale do Nilo. Ambas as

frentes imperialistas encontrar-se-iam na junção dos dois

Nilos, em Fachoda, no Sudão. Estava em jogo, aí, em 1898,

dois ambiciosos projetos geopolíticos: a travessia francesa

da África no sentido Atlântico/Índico ou a travessia

britânica da África no sentido Alexandria/Cidade do Cabo,

através de uma longa ferrovia, que deveria ligar o Cairo à

Cidade do Cabo, idealizada por Cecil Rhodes ( 1853-1902 ).

Os dois países, levados a beira de um conflito, resolveram

negociar uma partilha do continente em áreas de interesses,

em grande parte em função da postura pacificadora do

ministro francês Delcassé (1898-1905). As negociações

franco-britânicas conduziriam a formação da Entente Cordiale,

em 1904, um amplo acordo de cooperação entre a França e a

Inglaterra, que definiriam as relações internacionais na

Europa até depois da II Guerra Mundial ( ao menos até o

afastamento da Inglaterra do Mercado Comum Europeu por

Charles De Gaulle nos anos ’60 ).

A Grã-Bretanha pode, assim, consolidar seu projeto de

criação de um imenso eixo vertical cortando o continente

africano no sentido norte/sul acompanhando a linha do Nilo e

dos Grandes Lagos, através do Condomínio Anglo-Egípcio sobre

o Sudão, estabelecido em 1898. Abria-se assim os acessos às

terras altas, povoadas por pastores e camponeses, do Quênia,

daí voltando-se para a ocupação de Zanzibar, Uganda e da

Niassalândia ( atual Malawi ). Toda a região fazia parte de

um próspero sultanato marítimo centrado originalmente em Omã

– na costa da Arábia – e depois em Zanzibar, njo litoral

índico da África, de onde o sultão controlava uma imensa

rede de comerciantes árabes que haviam se estabelecido nas

margens do Índico, sujeitando todo o comércio entre o Mar

Vermelho, o Golfo Pérsico e a África oriental. A

miscigenação racial e cultural entre árabes e bantus

originaria uma civilização original centrada sobre o idioma

swahili, o comércio marítimo – inclusive de escravos – e a

religião islâmica. Para os ingleses era fundamental

aniquilar qualquer poder naval autônomo na área do Oceano

Índico, claramente em virtude da busca de segurança para o

fluxo comercial com as Índias, além, é claro de assumir o

controle de um lucrativo comércio que se expandia na área do

Oceano Índico. Entre 1885 e 1898 toda a área entre o litoral

índico e os Grandes Lagos, no interior do continente, será

colocada sob domínio britânico, que procurarão valorizar a

região introduzindo a propriedade privada, com grandes

plantações de café, cana-de-açúcar, algodão e chá, com um

típico sistema de plantation, causando grande dano aos

sistemas tradicionais de pastoreio nativo em áreas coletivas

tribais.

Completando a projeção de força britânica sobre o

continente os ingleses, sob a inspiração do milionário

aventureiro Cecil Rhodes, procurarão expandir sua colônia da

Cidade do Cabo em direção às repúblicas boers do Transvaal e

Orange, originando a Guerra dos Boers ( 1899-1902 ), o que

permitirá a ocupação de todo o sul da África, com suas

fabulosas minas de ouro e diamantes, além das vastas

planícies agroculturáveis. Daí, os ingleses dirigem-se para

o Vale do rio Zambeze, procurando atingir os Grandes Lagos

pelo sul, ocupando os planaltos da Botswana, Rhodesia ( hoje

Zimbabwe ) e da Zâmbia, realizando, em fim, a junção com a

frente norte já estabelecida em Zanzibar e no Quênia. Os

três vastos países passam a ser administrados pela Companhia

Britânica da África do Sul, fundada por Cecil Rhodes, e

voltada para a exploração de diamantes, ouro, cobre – super-

valorizado com a expansão da indústria elétrica e de motores

-, além de outros minerais estratégicos.

Os imperialismos menores. A realização do projeto de

britânico, idealizado por Rhodes, de criar um domínio tão

extenso, do Cairo até a Cidade do Cabo, acaba por frustrar

um outro projeto geoestrátégico, desta feita formulado por

Portugal, interessado em unir – através da savana centro-

africana e do Vale do rio Zambese – suas colônias de Angola

e Moçambique, colocando em comunicação o Atlântico

diretamente com o Índico. Contudo, as condições financeiras

de Portugal, bem como suas sucessivas crises políticas no

início do século XX, impediram a concretização do projeto

luso. A bem da verdade, Portugal não possuía quaisquer

condições de reação contra os ingleses, dependendo dos

mesmos para financiar sua presença na África, além de evitar

que os alemães ocupassem Angola e Moçambique. Durante bom

tempo os alemães almejaram expandir suas coloniais da

Namíbia, então o Sudoeste Africano Alemão, com a anexação de

Angola, além de estender a colônia de Tanganica - atual

Tanzânia – com anexação de Moçambique. Somente o medo dos

ingleses em permitir um aumento da presença germânica na

África - já desafiadora através do projeto alemão de

construção de uma frota de alto mar pelo Almirante Tirpitz,

em 1912 - impediu a transferência das colônias portuguesas.

A Alemanha foi, ainda, frustrada em seus intentos

expansionistas no Marrocos pela ação dos franceses, íntima

aliança com a Inglaterra. Considerado como um alvo

inicialmente fácil, o Morrocos acabou por gerar duas crises

sucessivas entre alemães e franceses. Desde o Incidente de

Fachoda, em 1898, entre ingleses e franceses, estes teriam

conseguido colocar o Marrocos em sua área de interesses,

compensando a Espanha – também interessada no país – com o

domínio de uma longa franja atlântica do litoral ocidental

africano, o Sahara Ocidental ( anexado pelo Marrocos em 1975

). Os alemães não reconhecem, contudo, a soberania francesa

sobre o Marrocos, causando uma grave crise européia entre

1905 e 1906 ( Primeira Crise do Marrocos ou Crise de Tanger ). Pela

Conferência de Algeciras, em 1906, onde a Entente Cordiale de 1904 –

a nova aliança franco-britânica – dá mostras funcionar

perfeitamente, a França vê seus direitos exclusivos sobre o

país reconhecidos. Contudo, em 1911, a Alemanha voltará a

exigir uma participação na exploração do Marrocos, enviando

uma canhoneira para Agadir ( Crise de Agadir ou Segunda Crise do

Marrocos ), o que acaba sendo resolvido através da cessão de

um território francês junto ao Congo para os alemães. A

Alemanha, por fim, perderá todas as suas colônias africanas

( e nos demais continentes ) nas estipulações do Tratado de

Versalhes, ao final da I Guerra Mundial.

Outro país que teve seus planos frustrados, em razão

das atividades da Entente Cordiale na África, foi a Itália. O

projeto estratégico italiano visava, sob a grandiloqüência

da recriação do domínio romano sobre o Mediterrâneo,

estabelecer um Mare Nostro na região, estabelecendo pontos de

apoio por todo o Mediterrâneo e adjacências. Contava com a

fragilidade do Império Turco para ocupar suas províncias

africanas, como a Tunísia e a Líbia – as então províncias

otomanas da Cirenaica e Tripolitânia -, além dos

arquipélagos gregos sob ocupação turca ( Creta,

Dodecanesos ). Contavam, ainda, em estabelecer-se em um rico

e populoso país, a Etiópia ( ou Abissínia ), onde já

ocupavam, na região denominada Chifre da África, na confluência

entre o Mar Vermelho, o Golfo Pérsico e o Oceano Índico, a

Eritréia e a Somália. Contudo, a invasão lançada contra os

etíopes redunda em amplo fracasso, sendo os italianos

derrotados na Batalha de Ádua, em 1896 – primeira grande

derrota de um país europeu frente a um povo de cor.

Contrariados, e humilhados, no Chifre da África, os

italianos lançaram tentativas de ocupar a Tunísia, onde

também serão expelidos pelos franceses. Por fim, assinam com

a França o Tratado Secreto de 1900, onde renunciam aos

territórios tunisianos em troca da Cirenaica e Tripolitânia

( hoje Líbia ). Em 1911, aproveitando-se da debilidade

turca, lançam uma ofensiva no norte da África ( Guerra Ítalo-

turca, 1911 ), apropriando-se de amplas regiões entre a

Tunísia e o Egito. Mais tarde, já sob o regime fascista de

Mussolini, os italianos renovaram o projeto de um império

africano, lançando um brutal e fulminante ataque contra a

Etiópia, finalmente conquistada em 1936 ( Conquista da Etiópia,

1935-36 ). A Itália perderá, ao final da II Guerra Mundial,

todas as suas colônias africanas, ensejando nos desertos da

Líbia, uma das mais fulgurantes campanhas militares da II

Guerra Mundial.

Resistências locais. A penetração ocidental e a partilha da

África não serão processos históricos jogados exclusivamente

pelas potências européias. As forças políticas locais,

organizadas de formas extremamente diferenciadas – da

organização tribal dos hotentotes do Sudoeste Africano

Alemão até o Império do Negus da Etiópia – reagiram, na

medida dos seus meios, contra a conquista européia. Desde o

final do século XIX até os anos ’70 do século XX ( ou mesmo

até os anos ’90, se considerarmos o regime de Apartheid uma

decorrência do colonialismo ocidental ) as populações

africanas lutaram intensamente contra a dominação colonial.

Os ingleses para consolidarem seu domínio sobre o continente

tiveram que enfrentar duas grandes revoltas: no Sudão,

organizada por Mohammad Ahmed, a Revolta do Mahdi, entre 1881-

1898, que foi capaz de impor duras derrotas às tropas

coloniais britânicas; lutaram ainda na Somália, contra

Mohammed Hassan ( 1899-1920 ), o chamdo mulá louco e na

África do Sul, a Guerra dos Zulus, em 1879, onde a população

bantu original do país resistiu longamente contra a presença

branca. Em Madagascar uma ampla resistência nacional foi

organizada contra os franceses entre 1894 e 1897, com

levantes sucessivos nos anos de 1905, 1915, 1929 e 1947, com

mais de 120 000 mortos, só neste último levante. Os alemães,

por sua vez, tiveram que enfrentar um amplo levante em sua

colônia do Sudoeste Africano, a Revolta dos Hereros e

Hotentotes, entre 1905 e 1907, resultando no massacre de 90%

da população nativa do território. Por toda a África, nas

colônias portuguesas, no Congo belga, no Quênia ou no Tchad

populações nativas foram expulsas de suas terras, obrigados

a formas de trabalho compulsório em grandes plantações e em

obras públicas de interesse colonial, como fortes, portos e

ferrovias. Além disso, os missionários cristãos impunham

normas e idiomas ocidentais, aceleravam a desintegração das

hierarquias tradicionais de linhagens, como no caso de

Ruanda, da Costa do Marfim ou da Rodésia, com conseqüências

futuras terríveis para o destino do continente.

O Início da Descolonização. Passada a grande maré

imperialista e as redivisões decorrentes da II Guerra

Mundial ( sendo o principal acontecimento o fim do Império

colonial italiano, principalmente em favor dos ingleses ), o

movimento anti-colonial tornou-se dominante na África,

abrindo uma nova fase nas relações estratégicas no

continente. Tratava-se, agora, de assegurar a presença

ocidental no continente mesmo na situação precária em que se

encontravam as metrópoles. Tanto a França como a Inglaterra

perceberam que não poderiam deter o processo de emancipação

dos países homogeneamente negros, principalmente na África

equatorial. Eram áreas densamente povoadas, com grandes

reservas de matérias-primas e minerais – café, amendoim,

cacau, óleos, fibras, algodão, cobre, ouro, diamantes e,

pouco depois, petróleo – e com escassa presença branca mas,

com uma importante elite negra formada em universidades

européias e americanas, convencidas pelos ideais de

africanidade e negritude e, mais ou menos, tocadas por

formas variadas de socialismo. Assim, Senegal e Gana foram

casos paradigmáticos de independência nacional, formando as

bases para um profundo sentimento de africanidade. Em torno

de 1960 – o chamado ano africano, em virtude do grande

número de países que chegaram a sua independência – mais de

uma dúzia de países, principalmente na faixa central do

continente, compunham uma África independente. Dois outros

grupos de países, ao norte e ao sul da África, apresentavam

contudo condições bem diferenciadas de acesso à

independência. Ao norte, em especial na Argélia, uma forte

minoria branca opunha-se ferozmente a qualquer projeto de

autonomia, mesmo enfrentando uma maioria islâmica cada vez

mais organizada, mobilizada ideologicamente e com forte

apoio exterior ( no caso, proveniente do Egito nacionalista

de Gamal Abdel Nasser ). Ao sul, por razões semelhantes, os

colonos exigiam sua independência. Calcados na experiência

sul-africana, que evoluíra da condição de Estado autônomo no

interior da Comunidade Britânica das Nações, desde de 1910,

para a condição de Estado soberano desde 1948, os colonos

brancos da chamada Rodésia, articulam sua independência como

uma forma de impedir que o processo de descolonização

apontasse para a emergência de um estado negro onde

perderiam suas condições privilegiadas. Da mesma forma, a

permanência do colonialismo português – com seu aspecto

paternalista, autoritário e culturalista, donde a

denominação de ultra-colonialismo – com as grandes colônias do

Moçambique e de Angola, somando-se ao regime racista da

Rodésia e ao domínio sul-africano sobre o antigo Sudoeste

Africano Alemão ( atual Namíbia ), cria ao sul do continente

um poderoso bloco colonial, pro-ocidental e inteiramente

dependente da economia e dos investimentos americanos,

ingleses e holandeses.

A Guerra Fria na África. A grande novidade é, sem dúvida, o

fato de que o centro de gravidade desse imenso glacis neo-

colonial ter se deslocado da Europa e, interiorizando-se,

residir, principalmente a partir de 1958 ( Administração do

premier Hendrik Verwoerd, 1958-1966 ) na própria África do

Sul. Com uma vasta população – algo entorno de 40 milhões de

habitantes, dos quais apenas 12% são brancos -, vastos

reservas minerais como ouro, platina, diamantes, cobre,

urânio, etc... além de uma próspera agricultura e uma

poderosa indústria a República Sul-Africana aproveitou-se do

clima de Guerra Fria para construir uma poderosa panóplia

militar, atingindo até o controle e o fabrico de armas

nucleares, químicas e biológicas. Com a divisão bipolar do

mundo, entre Estados Unidos e URSS, a África do Sul assumiu

um novo papel geoestratégico central. A paralisia de

qualquer movimento reformista e a consequente expansão dos

movimentos de libertação nacional, em especial no sul do

continente, muitos de cunho marxista, lançava os regimes

autoritários e racistas em vigor no sul da África,

diretamente no âmbito do chamado Ocidente, contra uma

pretensa e nova estratégia africana da URSS.

Os regimes colonial português e racista na África do Sul,

Rodésia e Namíbia mostraram-se absolutamente contrários a

qualquer possibilidade de auto-reforma, recusando

sistematicamente todas as recomendações das Nações Unidas e

a Organização da Unidade Africana. Contrariamente, desde o

final da II Guerra Mundial, ambas as grandes potências

coloniais, a França e a Inglaterra, procuraram desde cedo

organizar da melhor forma possível a transição do regime

colonial para formas de estados soberanos, ainda que sob a

tutela das ex-metrópoles, e no interior de comunidades de

nações que substituíssem os antigos impérios colonais.

A iniciativa de organizar os impérios coloniais sob uma

forma mais leve e dinâmica coube inicialmente ao ingleses,

preocupados com o potencial independista de suas coloniais

consideradas “brancas” ( Canadá, Nova Zelândia, Austrália e

África do Sul ), capazes de imitar o comportamento dos ex-

súditos norte-americanos. Foi assim que surgiram as chamadas

conferências imperiais, desde 1911, e que culminam, em 1926, na

criação da Comunidade Britânica das Nações ( British

Commonwealth of Nations ). O novo modelo organizativo do

império deveria valer exclusivamente para as coloniais de

povoamento europeu. Contudo, depois de 1945, o Partido

Trabalhista, principal força organizativa da descolonização

na Inglaterra, entendeu transformar a Comunidade Britânica

na ferramenta básica de manutenção dos laços econômicos,

políticos e estratégicos do antigo império, evitando os

imensos e dolorosos custos de uma multiplicidade de

conflitos de libertação nacional. Os franceses, ao

contrário, reagiram algumas vezes mais duramente, tentando

manter o império – tanto na Ásia quanto na África – por mais

tempo, gerando conflitos sangrentos na Indochina, Argélia e

em Madagascar. Foi, contudo, na antiga África Ocidental

Francesa e na África Equatorial que conseguiram os maiores

sucessos em manter os antigos laços de dependência com as

novas nações que emergiam do processo de descolonização.

Desde 1946, a constituição francesa, criara uma Union Française

compreendendo a metrópole e as colônias e visando claramente

manter a dependência colonial, agora sob nova roupagem. Para

os franceses, tratava-se de tentar uma última cartada,

oferecendo a possibilidade de cidadania para os conjuntos

populacionais assimilados, utilizando-se da cultura e da

língua francesa como instrumentos de assimilação à

metrópole, e dessa forma garantindo a hegemonia sob as

antigas áreas coloniais. Contudo, mesmo a reafirmação da

União pela constituição gaulista de 1958 não assegura

resultados duradouros para os interesses franceses e, por

volta de 1960 – sob impacto da Guerra da Argélia – a maior

parte das colônias abandona a União. De qualquer forma, nem

os britânicos, nem os franceses – ao contrário do que

fizeram na Ásia - abandonaram seus interesses econômicos e

estratégicos na África ao fim do processo de descolonização.

Enquanto a Inglaterra concentrava seus recursos estratégicos

na bacia do Mediterrâneo, controlando o eixo formado por

Gibraltar/Malta/Chipre possibilitando a projeção de força

imediata sobre o Oriente Médio, Canal de Suez, Líbia e os

estreitos do Bósforo e Dardanelos – paralisando os

soviéticos e seus aliados egípcios e líbios na região

mostrando uma grande continuidade da geopolítica de domínio

das fímbrias do continente eurasiano -, os franceses

concentraram-se na segurança das posições européias na

África negra. O golfo da Guiné e do Benin eram áreas

centrais dos interesses franceses, com acordos de segurança

com Gabão, Costa do Marfim, Senegal e Camarões. Do outro

lado, no Oceano Índico, na estratégica região do Mar

Vermelho em face da Arábia Saudita, os franceses

estabeleceram a base militar de Djibuti - com uma força

rápida de deslocamento, de caráter residente, de 3.500

homens, de um total de 25 mil homens em armas no mantidos no

continente - e, a mais ao sul, na ilha de Madagascar, onde

mantinham um outra base, compunham um dueto estratégico com

a África do Sul. Estabelecia assim condições de acesso

direto e de securitização do Golfo Pérsico e das fontes de

petróleo indispensáveis ao ocidente europeu.

Em alguns momentos, o processo de descolonização descambava

claramente para crises de extrema gravidade, com a tentativa

das potências ultra-colonais e racistas do Sul da África em

garantir pontos de apoio e manter uma presença mais atuante

na África ocidental. Foi assim, através do apoio de Portugal

e da África do Sul à secessão dos ibos, cristãos e

ocidentalizados, frente à maioria islâmica da Nigéria, que a

guerra civil no país, denominada Guerra de Biafra ( 1967-

1970 ) transforma-se numa terrível catástrofe humanitária do

continente. Assim, a riqueza petrolífera do país ibo, a

grande esperança de desenvolvimento de toda a Nigéria, gera

dois campos de força opostos: França, Portugal, África do

Sul e Rodésia apóiam a República de Biafra, enquanto

Inglaterra e Estados Unidos sustentam a federação nigeriana.

A Guerra de Biafra, com seus quase um milhão de mortos,

deixa uma lição para o conjunto da África: a intangibilidade

das fronteiras herdadas do período colonial. Com apoio da

OUA, a maioria dos Estados africanos concordam que as

fronteiras existentes, por mais artificiais e injustas que

sejam, representavam uma expectativa de paz e de convivência

comum, enquanto qualquer tentativa de alteração do mapa

colonial poderia lançar as jovens nações em um redemoinho de

destruição mútua.

No centro da África, Tchad e República Centro-Africana

por sua vez,, postos permanentes da França, vigiavam as

investidas do Coronel Muamar El-Khadafi – com presença

marcante em mais de 15 países da África Negra - , em direção

à África negra, limitando um importante e incontido aliado

soviético. Com tais apoios a França passou a agir

diretamente no continente, visando evitar mudanças,

revoluções ou perda dos interesses europeus, com incursões

militares seguidas no Tchad, Gabão, Mauritânia e, inúmeras

vezes, no Congo/Zaire. Ao mesmo tempo, a África do Sul

obtinha ampla liberdade de ação para preservar os interesses

ocidentais na chamada da Rota do Cabo.Particularmente após

1967, quando em virtude do conflito árabe-israelense o Canal

de Suez foi fechado ao tráfico internacional, a rota ao sul

do continente, chamada rota do Cabo, readquiriu um imenso

valor estratégico, conhecendo um intenso fluxo de

superpetroleiros, indispensáveis ao abastecimento das

grandes economias industriais do Atlântico norte. Da mesma

forma, as linhas aéreas em demanda do Cone Sul, da América

do Sul, da Índia, Austrália e da chamada Insulíndia -

Malásia, Filipinas, Indonésia - dependiam das condições de

segurança e abastecimento em Pretória, Johanesburgo ou no

Cabo, o que faz com que a OTAN instalasse um poderoso

sistema de detecção aéro-espacial em Simonstown ( junto à

Cidade do Cabo ). Cada vez mais envolvida na Guerra Fria,

transformando seus próprios projetos de dominação da maioria

negra em parte da guerra entre Ocidente e Oriente, sob

impacto da Revolução dos Cravos de 1974, a África do Sul

lança – possivelmente com a ajuda de Israel -, nesse mesmo

ano, seu programa nuclear secreto, chegando a construção de

seis bombas atômicas ( projeto paralisado em 1989 e arsenais

destruídos em 1991, data de adesão do país ao TNP ).

A URSS e a África. Assim, dois acontecimentos maiores nas

relações internacionais, entre 1974 e 1975, marcam uma

grande virada nas relações estratégicas na África negra: a

Revolução dos Cravos em Portugal e a derrota norte-americana

no Vietnam. A relativa hegemonia ocidental sobre a África,

em grande parte marcada pelo eixo estratégico representado

pela França e a África do Sul, cede frente às novas

pressões. De um lado, com o desmoronar do império colonial

português, a partir de 1974, o grande cinturão de segurança

em torno da África do Sul perde sua invulnerabilidade.

Angola e Maçambique deixam de ser escudos protetores, bem

como fornecedores de mão-de-obra dócil e de recursos

naturais para Pretória; o movimento de libertação da Namíbia

– SWAPO – e a resistência negra na Rodésia colonial se

avolumam, enquanto um movimento simultâneo exterior e

interior questiona o regime de apartheid na própria África

do Sul. Os soviéticos, por sua vez, aproveitando-se da

paralisia provisória dos Estados Unidos, aceleram a

penetração na Somália e na Etiópia. Com um regime marxista

já estabelecido no Yemen, a outra margem do Estreito do Bab

el Mandeb, os soviéticos construem amplas bases aéreas e

navais em Massua, na Etiópia, e na Ilha de Dhalak, no Mar

Vermelho, colocando a estratégica região do Chifre da

África fora do controle ocidental. Pela primeira vez desde

sua criação, no século XIX, o Canal de Suez estava sob risco

real de estrangulamento, enquanto o acesso ao Oceano Índico

e o Golfo Pérsico abria-se aos soviétic

Aos poucos a Guerra Fria, em sua última fase – a

chamada Segunda Guerra Fria, a partir de 1979 -, instala-se

no coração da África. Os Estados Unidos, até então pouco

envolvidos nos negócios africanos – dada a ação francesa e

sul-africana – voltam-se diretamente para o continente,

procurando barrar a crescente presença soviética no

continente. Através da CIA e do exército da África do Sul,

os Estados Unidos, ao lado da China Popular, apóiam os

movimentos mais reacionários do continente, como a UNITA, em

Angola, Charles Taylor, na Serra Leoa, inúmeros grupos

terroristas no Zaire e em Moçambique, além, é claro, do

racista National Party, em Pretória. Quando tais

enfrentamentos desbordam em guerra aberta, como no Zaire,

Angola ou na Etiópia, os soviéticos lançam mão de tropas

expedicionárias cubanas, que passam a agir amplamente no

continente.

Em algum momento no final dos anos ’70 a URSS parece

ter adquirido uma posição permanente e privilegiada na

África, com pontos de apoio na Líbia, na Etiópia, por algum

tempo na Somália, na Guiné, no Congo/Brazzaville, em Angola

e Moçambique, além de grande simpatia em países da chamada

“linha de frente”do enfrentamento ao apartheid, como a

Zâmbia e a Tanzânia.

A África e as Novas Ameaças. Entretanto, a partir de 1985,

com a crise geral do sistema soviético, iniciar-se-ia o

começo da retirada soviética, com a retração da ação cubana,

e o colapso de vários regimes pró-soviéticos, sendo a

Etiópia o melhor exemplo. O vazio estratégico criado pela

retirada dos soviéticos e cubanos acabam gerando dois

movimentos opostos. Em alguns países, como a Etiópia e a

Somália, abrem-se períodos de crise, instabilidade e guerra

civil, culminando no caso da Etiópia, na secessão da

Eritréia. No caso da Somália, bem mais complexo e dramático,

chega-se ao completo colapso das estruturas estatais

existentes, com a pulverização do Estado-Nação e a hegemonia

de “senhores da guerra”locais, muitas vezes apoiados por

organizações terroristas, como a Al Qaeda e o Ansar-El-

Islam. Já em outros países, como em Angola e Moçambique, a

desaparição do clima de enfrentamento Ocidente/Oriente acaba

por abrir caminho, não sem muita dor e destruição, a

processos de paz, de frágil densidade. Contudo, a situação

tornar-se-ia bem mais favorável a consolidação de regimes

estáveis e ao início da construção de estruturas do Estado-

Nação. Na Rodésia e na África do Sul, por sua vez, a

conversão dos partidos de resistência, como o Congresso

Nacional Africano, às normas da representatividade, ao lado

da intensidade da resistência local e da condenação externa,

acaba por levar a auto-reforma dos regimes, em especial a

partir de 1990 com a legalização do CNA, o fim do apartheid

em 1991 e, em fim, a eleição de Nelson Mandela em 1994.

Outros países, contudo, não tiveram a mesma sorte: o

desmoronar das ditaduras que eram sustentadas por potências

neo-colonais, como no Congo/Kinshasa, em Ruanda, na Libéria,

etc... acaba por gerar grande instabilidade política,

gerando um estado contínuo de guerra, perpassados por

genocídios brutais, como em Ruanda em 1992 e 1994.

Paralelamente com a expansão das guerras locais e dos

genocídios, a fome reaparece em vastas regiões avassaladas

por tragédias climáticas, como no largo cinturão do Sahel,

do Niger ao Sudão, ou pela guerra permanente, como na

Etiópia e na Somália. No sul da África, bem como na África

Oriental, as epidemias de turberculose e aids atingem

parcelas assustadoramente amplas da população local,

enquanto na África Equatorial a malária, o dengue e o vírus

Ebola são as razões das elevadas taxas de mortalidade.

Assim, mesmo após o fim da Guera Fria, em 1991, a

África não alcançou a estabilidade política capaz de

construir, ou restaurar, as estruturas do Estado-Nação

indispensáveis para a arrancada desenvolvimentista, mesmo em

regiões de abundantes recursos naturais. Na verdade, abriu-

se um novo ciclo de expansão dos interesses ocidentais na

região, em especial uma nova expansão anglo-americana,

tendo como países-pivot na África Oriental e Austral a nova

Uganda, pós-Idi Amim, e a nova África do Sul. Os objetivos,

neste momento, dirigem-se para a dominação do

Congo/Kinsahasa, com suas riquezas minerais, com a

eliminação da hegemonia francesa local. Cabinda, com suas

riquezas petrolíferas, é um alvo secundário, porém bastante

importante.

Um segundo vetor da continuidade da expansão anglo-americana

volta-se para os países pivot na África Ocidental: Serra

Leoa/Libéria/Costa do Marfim/Gana, o que representaria a

securitizaçao do Golfo da Guiné, com o controle das fontes

petrolíferas da Nigéria até São Tomé e Príncipe, além das

ricas jazidas de ouro e diamantes da região.

A desestruturação das instituições estatais, depois de

1989, sob o impacto da redemocratização de vários regimes

locais, além da imposição de um brutal receituário liberal e

anti-estado patrocinado pelo FMI, acaba por dar um novo

alento às soluções militares. O antigo ciclo de ditaduras

militares na África, en tre 1961 e 1989, parece fazer seu

retorno ao cenário político local a partir do golpe de

Estado na Costa do Marfim, em 1999, seguido de golpes e

tentativas por toda a África Ocidental e Equatorial. Da

mesma forma, a norma férrea da intangibilidade das

fronteiras parece ter sido abandonada, com a fragmentação da

Etiópia, da Somália, das ameaças na Gâmbia e no Senegal,

além da continuidade da guerra no Congo/Kinsahasa e no

Sudão.

Uma nova condição de esperança, e também de temores,

surge com a provável ascensão do Oceano Atlântico à posição

de centro produtor de petróleo. O chamado “Triangulo de

Ouro” – Nigéria, Gabão e Cabinda/Angola – revela-se como um

dos mais impriotantes jazimentos de petróleo e gás já

localizados, capaz de compensar a instabilidade do

fornecimento proveniente do Oriente Médio. De qualquer

forma, a existência dos campos do Mar do Norte ( em

descrescimo ), do Golfo do México ( aos quais juntar-se-ia

os jazimentos de metano ), as imensas reservas off-shore do

Brasil e, agora, a comp´rovação da existência de petróleo de

boa qualidade nas aguas das Ilhas Malvinas transforma o

Atlântico, e portanto o litoral africano, em região

altamente estratégica.

A construção de uma imensa base aero-naval norte-

americana em São Tomé e Porto Príncipe, com o reativamento

da IV Frota, mostra a extensao do interesse estratégico

norte-americano na região.

Em suma, no alvorecer do século XXI o continente

africano é, ainda, mais pobre, complexo e perpassado pelos

flagelos da guerra, da fome e das doenças do que no início

do processo de descolonização na década dos ’60 do século

XX.

Bibliografia:

FERRO, Marc. História das Colonizações, São Paulo, Companhia

das Letras, 2002.

FRÉMEAUX, Jacques. Les empires coloniaux dans le processus

de mondialisation. Paris, Maisonneuve, 2002.

MOMMSEN, Wolfgang. La época Del Imperialismo. Madrid,

Alianza, 1989.

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. Rio de Janeiro, Paz e

Terra, 1988.


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