Geopolitica Colonial da África: as disputas
interimperialistas.
Francisco Carlos Teixeira Da Silva/ Professor Titular de História Moderna eContemporânea/Laboratório de Estudos do Tempo Presente/TEMPO/UFRJ eProfessor Emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.
(Em Revista Eletrônica do Tempo Presente/TEMPOISSN 1981-3384, Ano 3, Nº11, Rio, 2008/ www.tempopresente.org)
Em três ocasiões durante o século XX a África tornar-
se-ia cenário de grandes rivalidades geo-estratégicas entre
as grandes potências mundiais: (a.) no ínicio do século, com
o auge dos conflitos interimperialistas europeus; (b.) na
década de ’70, com a extensão da rivalidade soviético-
americana e, no (c.) final do século, com a chamada Guerra
contra o Terrorismo, levada a cabo pelos Estados Unidos. O
desenho político do mapa africano, no alvorecer do século
XX, está praticamente definido a partir das rivalidades
interimperialistas desenvolvidas entre Grã-Bretanha, França,
Itália, Alemanha e Portugal, os principais jogadores no
cenário diplomático continental. Excetuando-se a Libéria –
criada a partir de 1821 pela American Colonization Society,
visando estabelecer na África ex-escravos negros americanos
– e o milenar reino da Etiópia ( ou Abissínia ), todo o
continente havia sido repartido entre as principais
potências européias. A mais antiga presença branca no
continente era portuguesa, restrita, até o século XIX, a
algumas feitorias e presídios no litoral da Guiné, Angola e
Moçambique. A empresa portuguesa limitava-se, então, a
praticar um comércio aleatório, mesmo episódico, com forte
rivalidade com os árabes, no Oceano Índico, além, claro, do
tráfico negreiro ( principalmente no Oceano Atlântico ).
A partir do final do século, em particular depois da
derrota francesa frente aos alemães em 1871, a França –
principalmente sob a influência de Jules Ferry ( 1832-1893 )
- o grande incentivador das conquistas coloniais e ministro
da III República francesa durante longo tempo - passa a
desenvolver um amplo projeto de poder a realizar-se na
África ( como também na Ásia ). Em grande parte, e com apoio
interessado de Bismarck visando desviar a atenção francesa
das questões européias, tratava-se de compensar a perda da
Alsácia-Lorena e da humilhação sofrida, pela construção de
um império que devolvesse ao país sua noção de orgulho
nacional. Para manter o novo equilíbrio europeu – tendo a
Alemanha como país central na Europa – desviava-se o ímpeto
belicista da França em direção da África e da Ásia. O ponto
de partida de tal império será a Argélia, onde desde 1830 a
França tinha interesses especiais.
O eixo estratégico inicial da penetração francesa na
África se dá no sentido Norte/Sul, ou seja Argélia/Senegal,
procurando reunir as possessões mediterrâneas da França aos
seus fortes estabelecidos no litoral do Senegal, submetendo
ao seu domínio os vastos territórios da chamada África
Ocidental. Aí constituir-se-á, como o Sahara – que será
futuramente anexado a Argélia francesa -, um forte bloco
continental, incluindo o Norte Francês a África com a
Mauritânia e o Mali. Alguns enfrentamentos com ingleses –
estabelecidos junto ao rio Gâmbia – e com portugueses –
estabelecidos na Guiné-Bissau – marcarão os primeiros
choques interimperialistas na região ocidental da África.
Aos poucos a exploração de fibras e óleos vegetais, no
momento do arranque da Revolução Industrial no país, bem
como a implantação do sistema de plantations, com culturas de
amendoim e cacau, compensava amplamente os esforços
desenvolvidos pelo Estado francês para ocupar a região. A
conquista do confrontante atlântico da África pela França
implicava, contudo, em tensões crescentes em duas direções:
em face ao Marrocos, que acabava envolvido pela África
Ocidental Francesa, e em direção ao Nilo, através dos rios
Volta e do Niger até o Lago Tchad ( hoje Burkina Fasso,
Niger e Tchad ). O envolvimento do Marrocos, um reino
autônomo só nominalmente e formalmente sujeito ao
ImpérioTurco, colocava a França diretamente em choque com a
Alemanha imperial, que via no país uma última esperança de
estabelecer uma colônia própria em um importante país
mediterrâneo. Da mesma forma, o ímpeto em direção ao Nilo
colocava os franceses numa situação de enfrentamento direto
com os ingleses, fortemente estabelecidos em torno do Canal
de Suez. Tal situação era típica do final do século XIX e
representava bem o isolamento francês em face da Alemanha e
Grã-Bretanha após a derrota de 1871.
Os ingleses haviam estabelecido suas bases de ocupação
da África a partir de três pontos estratégicos: o próprio
Canal de Suez, ( ocupado pelos ingleses desde 1888, quando
através da Convenção de Constantinopla, do mesmo ano, são
estabelecidas suas regras de funcionamento ), e que
facilitando a chamada rota curta para as Índias, através do
Mar Vermelho e do Oceano Índico, abrindo, assim, o Egito e
todo o Nilo à dominação britânica; um segundo ponto da
penetração britânica foi a área entre o Golfo de Benin e o
rio Niger, onde se estabeleceram desde 1880 e de onde se
partiria para a dominação da área tropical africana; em
fim,um terceiro ponto de apoio formou-se em torno da Cidade
do Cabo, onde os ingleses haviam se estabelecido em 1795,
parte fundamental da chamada longa rota para as Índias
( Atlântico/Cidade do Cabo/Cingapura e depois em direção a
Hong-Kong e/ou Austrália ). A razão inicial para os
britânicos interessarem-se pela África prendia-se ao
controle e a segurança das rotas para as Índias. Assim, o
Canal de Suez, de um lado, e a Cidade do Cabo, de outro ( ao
lado de várias ilhas do Atlântico e pontos chaves no litoral
africano ) representavam parte fundamental da estratégicas
rotas de acesso às Índias, centro nevrálgico de todo o
Império Britânico.
O projeto britânico de ocupação da África mostrava-se,
assim, bem mais orgânico e coerente do que o avanço francês
e integrava-se, plenamente, a um projeto imperial de mais
longo alcance, valorizando Alexandria, Suez, Somália e Áden
como pontos de apoio e acesso ao Império das Índias. Assim,
no quadro mais geral da política colonial britânica a África
ocupava um papel de monta na estratégia de ocupação das
fímbrias da Ilha do Mundo, conforme a geopolítica de
Mackinder ( e mais tarde retomada por Nicholas Spykman ).
Qualquer hegemonia estranha no continente negro, em especial
ao longo do Nilo, poderia representar um risco para outras
áreas vitais do império, como o Golfo Pérsico, Áden, as
Índias, Cingapura e Hong-Kong.
Enquanto um potencial econômico em si mesmo, somente
após 1880 é que o imperialismo europeu, em seu conjunto,
começa realmente a se interessar pelos recursos naturais da
África, colocando em prática uma política que vá além da
exploração predatória do litoral. Assim, a primeira vaga
imperialista, francesa e britânica, explicava-se bem mais
através das noções de prestígio, orgulho nacional e de
imperiosidades geoestratégicas ( argumento da Escola
Geopolítica de Mackinder/Spykman ou da Escola Histórica
Alemã , com Wolfgang Mommsen ). Somente depois daquela data
é que os interesses econômicos, em matérias-primas e de
mercados – além da alocação de excessos populacionais e
empregos remunerativas para amplas camadas sociais ociosas
na metrópole – passam a caracterizar o imperialismo em seu
classicismo ( argumento da Escola Marxista, com
Hobson/Lênin/Hobsbawm ). Deve-se, desta forma, procurar uma
certa reconciliação entre os argumentos de ambas as
vertentes explicativas, evitando excluir, in limine, qualquer
das explicações em presença. Dependendo da fase expansiva do
Imperialismo na África, e de sua localização geográfica, os
argumentos geopolíticos e os argumentos puramente econômicos
podem ser, ambos, plenamente cabíveis.
De qualquer forma, com a crescente expansão industrial
européia, a rivalidade franco-britânica amplia-se
rapidamente a partir de 1880.
Os franceses aceleram sua expansão em direção ao sul,
redirecionando o eixo Argélia/Senegal em dois vetores: de um
lado, para o sul em direção à África Equatorial, buscando a
Bacia do rio Congo, principalmente através da ação do
Coronel Brazza ( 1852-1905 ), onde criaram a África
Equatorial Francesa ( com o Gabão e o Congo ) em 1910,
buscando atingir o Nilo através do Congo ( pensava-se que o
rio Ubangui, afluente ao norte do rio Congo ou o rio
Lualaba, afluente ao sul, dariam acesso ao rio Nilo, o que
era, evidentemente hoje, um erro geográfico ). Por outro
lado, dirigiriam-se para o leste, buscando a partir do Mali
atravessar o Niger e Tchad, então denominado de Sudão
francês. Daí atingiriam o Nilo, no Sudão propriamente dito,
pretendendo a junção com a colônia francesa de Djibouti,
entre o Mar Vermelho e o Oceano Índico, onde já possui
algumas ilhas e o imenso território da ilha de Madagascar,
ocupado desde 1885. O projeto equatorial francês não
encontrará maior resistência, atingindo rapidamente a Bacia
do Congo e a foz do mesmo rio, na altura de Cabinda,
estancando apenas em face da imensa colônia belga – em
verdade do rei Leopoldo II - do Congo. Será o Congresso de
Berlin, em 1884/5, que estabelecerá os limites sul da
expansão imperial francesa na África. Nas suas resoluções o
Congresso de Berlin reconhecia o Estado do Congo, governado
autonomamente por Leopoldo II, rei da Bélgica, – imenso
território de floresta equatorial englobando a Bacia do
Congo até a Região dos Grandes Lagos ( Vitória, Tanganica e
Malawi ) e a colônia portuguesa de Angola ( com o enclave de
Cabinda contornando a foz do rio Congo ), rico em ouro,
diamantes, cobre, fibras vegetais, peles, marfim, etc... A
pequena Bélgica, e seu ambicioso rei, só conseguiram manter
o controle sobre uma região tão ampla e rica como a Bacia do
Congo ( englobando as terras altas de Ruanda e Burundi ) em
virtude das rivalidades européias, em razão das quais nenhum
dos concorrentes europeus confiava nos demais, em especial
nos interesses dos alemães em estabelecer-se na região,
ameaçando simultaneamente as fontes do Nilo e a África
Equatorial Francesa. Em troca do reconhecimento do Estado do
Congo, sob controle de Leopoldo II, os belgas tiveram que
aceitar a política de “Portas Abertas”, admitindo a
navegação e o comércio internacional no rio Congo para todas
as nações européias. Da mesma forma, capitais franceses e
belgas associar-se-iam rapidamente para a exploração das
riquezas minerais do país, conformando, um pouco mais tarde,
a empresa Union Minière, que exercerá o verdadeiro controle
sobre o cobre, ouro e diamantes do Congo.
Na direção leste, contudo, a expansão francesa deparou-se
com a forte projeção de força do império britânico, que
fazia a subida do rio Nilo, estabelecendo um longa linha
férrea paralela ao rio como principal ferramenta de
dominação do rico e estratégico Vale do Nilo. Ambas as
frentes imperialistas encontrar-se-iam na junção dos dois
Nilos, em Fachoda, no Sudão. Estava em jogo, aí, em 1898,
dois ambiciosos projetos geopolíticos: a travessia francesa
da África no sentido Atlântico/Índico ou a travessia
britânica da África no sentido Alexandria/Cidade do Cabo,
através de uma longa ferrovia, que deveria ligar o Cairo à
Cidade do Cabo, idealizada por Cecil Rhodes ( 1853-1902 ).
Os dois países, levados a beira de um conflito, resolveram
negociar uma partilha do continente em áreas de interesses,
em grande parte em função da postura pacificadora do
ministro francês Delcassé (1898-1905). As negociações
franco-britânicas conduziriam a formação da Entente Cordiale,
em 1904, um amplo acordo de cooperação entre a França e a
Inglaterra, que definiriam as relações internacionais na
Europa até depois da II Guerra Mundial ( ao menos até o
afastamento da Inglaterra do Mercado Comum Europeu por
Charles De Gaulle nos anos ’60 ).
A Grã-Bretanha pode, assim, consolidar seu projeto de
criação de um imenso eixo vertical cortando o continente
africano no sentido norte/sul acompanhando a linha do Nilo e
dos Grandes Lagos, através do Condomínio Anglo-Egípcio sobre
o Sudão, estabelecido em 1898. Abria-se assim os acessos às
terras altas, povoadas por pastores e camponeses, do Quênia,
daí voltando-se para a ocupação de Zanzibar, Uganda e da
Niassalândia ( atual Malawi ). Toda a região fazia parte de
um próspero sultanato marítimo centrado originalmente em Omã
– na costa da Arábia – e depois em Zanzibar, njo litoral
índico da África, de onde o sultão controlava uma imensa
rede de comerciantes árabes que haviam se estabelecido nas
margens do Índico, sujeitando todo o comércio entre o Mar
Vermelho, o Golfo Pérsico e a África oriental. A
miscigenação racial e cultural entre árabes e bantus
originaria uma civilização original centrada sobre o idioma
swahili, o comércio marítimo – inclusive de escravos – e a
religião islâmica. Para os ingleses era fundamental
aniquilar qualquer poder naval autônomo na área do Oceano
Índico, claramente em virtude da busca de segurança para o
fluxo comercial com as Índias, além, é claro de assumir o
controle de um lucrativo comércio que se expandia na área do
Oceano Índico. Entre 1885 e 1898 toda a área entre o litoral
índico e os Grandes Lagos, no interior do continente, será
colocada sob domínio britânico, que procurarão valorizar a
região introduzindo a propriedade privada, com grandes
plantações de café, cana-de-açúcar, algodão e chá, com um
típico sistema de plantation, causando grande dano aos
sistemas tradicionais de pastoreio nativo em áreas coletivas
tribais.
Completando a projeção de força britânica sobre o
continente os ingleses, sob a inspiração do milionário
aventureiro Cecil Rhodes, procurarão expandir sua colônia da
Cidade do Cabo em direção às repúblicas boers do Transvaal e
Orange, originando a Guerra dos Boers ( 1899-1902 ), o que
permitirá a ocupação de todo o sul da África, com suas
fabulosas minas de ouro e diamantes, além das vastas
planícies agroculturáveis. Daí, os ingleses dirigem-se para
o Vale do rio Zambeze, procurando atingir os Grandes Lagos
pelo sul, ocupando os planaltos da Botswana, Rhodesia ( hoje
Zimbabwe ) e da Zâmbia, realizando, em fim, a junção com a
frente norte já estabelecida em Zanzibar e no Quênia. Os
três vastos países passam a ser administrados pela Companhia
Britânica da África do Sul, fundada por Cecil Rhodes, e
voltada para a exploração de diamantes, ouro, cobre – super-
valorizado com a expansão da indústria elétrica e de motores
-, além de outros minerais estratégicos.
Os imperialismos menores. A realização do projeto de
britânico, idealizado por Rhodes, de criar um domínio tão
extenso, do Cairo até a Cidade do Cabo, acaba por frustrar
um outro projeto geoestrátégico, desta feita formulado por
Portugal, interessado em unir – através da savana centro-
africana e do Vale do rio Zambese – suas colônias de Angola
e Moçambique, colocando em comunicação o Atlântico
diretamente com o Índico. Contudo, as condições financeiras
de Portugal, bem como suas sucessivas crises políticas no
início do século XX, impediram a concretização do projeto
luso. A bem da verdade, Portugal não possuía quaisquer
condições de reação contra os ingleses, dependendo dos
mesmos para financiar sua presença na África, além de evitar
que os alemães ocupassem Angola e Moçambique. Durante bom
tempo os alemães almejaram expandir suas coloniais da
Namíbia, então o Sudoeste Africano Alemão, com a anexação de
Angola, além de estender a colônia de Tanganica - atual
Tanzânia – com anexação de Moçambique. Somente o medo dos
ingleses em permitir um aumento da presença germânica na
África - já desafiadora através do projeto alemão de
construção de uma frota de alto mar pelo Almirante Tirpitz,
em 1912 - impediu a transferência das colônias portuguesas.
A Alemanha foi, ainda, frustrada em seus intentos
expansionistas no Marrocos pela ação dos franceses, íntima
aliança com a Inglaterra. Considerado como um alvo
inicialmente fácil, o Morrocos acabou por gerar duas crises
sucessivas entre alemães e franceses. Desde o Incidente de
Fachoda, em 1898, entre ingleses e franceses, estes teriam
conseguido colocar o Marrocos em sua área de interesses,
compensando a Espanha – também interessada no país – com o
domínio de uma longa franja atlântica do litoral ocidental
africano, o Sahara Ocidental ( anexado pelo Marrocos em 1975
). Os alemães não reconhecem, contudo, a soberania francesa
sobre o Marrocos, causando uma grave crise européia entre
1905 e 1906 ( Primeira Crise do Marrocos ou Crise de Tanger ). Pela
Conferência de Algeciras, em 1906, onde a Entente Cordiale de 1904 –
a nova aliança franco-britânica – dá mostras funcionar
perfeitamente, a França vê seus direitos exclusivos sobre o
país reconhecidos. Contudo, em 1911, a Alemanha voltará a
exigir uma participação na exploração do Marrocos, enviando
uma canhoneira para Agadir ( Crise de Agadir ou Segunda Crise do
Marrocos ), o que acaba sendo resolvido através da cessão de
um território francês junto ao Congo para os alemães. A
Alemanha, por fim, perderá todas as suas colônias africanas
( e nos demais continentes ) nas estipulações do Tratado de
Versalhes, ao final da I Guerra Mundial.
Outro país que teve seus planos frustrados, em razão
das atividades da Entente Cordiale na África, foi a Itália. O
projeto estratégico italiano visava, sob a grandiloqüência
da recriação do domínio romano sobre o Mediterrâneo,
estabelecer um Mare Nostro na região, estabelecendo pontos de
apoio por todo o Mediterrâneo e adjacências. Contava com a
fragilidade do Império Turco para ocupar suas províncias
africanas, como a Tunísia e a Líbia – as então províncias
otomanas da Cirenaica e Tripolitânia -, além dos
arquipélagos gregos sob ocupação turca ( Creta,
Dodecanesos ). Contavam, ainda, em estabelecer-se em um rico
e populoso país, a Etiópia ( ou Abissínia ), onde já
ocupavam, na região denominada Chifre da África, na confluência
entre o Mar Vermelho, o Golfo Pérsico e o Oceano Índico, a
Eritréia e a Somália. Contudo, a invasão lançada contra os
etíopes redunda em amplo fracasso, sendo os italianos
derrotados na Batalha de Ádua, em 1896 – primeira grande
derrota de um país europeu frente a um povo de cor.
Contrariados, e humilhados, no Chifre da África, os
italianos lançaram tentativas de ocupar a Tunísia, onde
também serão expelidos pelos franceses. Por fim, assinam com
a França o Tratado Secreto de 1900, onde renunciam aos
territórios tunisianos em troca da Cirenaica e Tripolitânia
( hoje Líbia ). Em 1911, aproveitando-se da debilidade
turca, lançam uma ofensiva no norte da África ( Guerra Ítalo-
turca, 1911 ), apropriando-se de amplas regiões entre a
Tunísia e o Egito. Mais tarde, já sob o regime fascista de
Mussolini, os italianos renovaram o projeto de um império
africano, lançando um brutal e fulminante ataque contra a
Etiópia, finalmente conquistada em 1936 ( Conquista da Etiópia,
1935-36 ). A Itália perderá, ao final da II Guerra Mundial,
todas as suas colônias africanas, ensejando nos desertos da
Líbia, uma das mais fulgurantes campanhas militares da II
Guerra Mundial.
Resistências locais. A penetração ocidental e a partilha da
África não serão processos históricos jogados exclusivamente
pelas potências européias. As forças políticas locais,
organizadas de formas extremamente diferenciadas – da
organização tribal dos hotentotes do Sudoeste Africano
Alemão até o Império do Negus da Etiópia – reagiram, na
medida dos seus meios, contra a conquista européia. Desde o
final do século XIX até os anos ’70 do século XX ( ou mesmo
até os anos ’90, se considerarmos o regime de Apartheid uma
decorrência do colonialismo ocidental ) as populações
africanas lutaram intensamente contra a dominação colonial.
Os ingleses para consolidarem seu domínio sobre o continente
tiveram que enfrentar duas grandes revoltas: no Sudão,
organizada por Mohammad Ahmed, a Revolta do Mahdi, entre 1881-
1898, que foi capaz de impor duras derrotas às tropas
coloniais britânicas; lutaram ainda na Somália, contra
Mohammed Hassan ( 1899-1920 ), o chamdo mulá louco e na
África do Sul, a Guerra dos Zulus, em 1879, onde a população
bantu original do país resistiu longamente contra a presença
branca. Em Madagascar uma ampla resistência nacional foi
organizada contra os franceses entre 1894 e 1897, com
levantes sucessivos nos anos de 1905, 1915, 1929 e 1947, com
mais de 120 000 mortos, só neste último levante. Os alemães,
por sua vez, tiveram que enfrentar um amplo levante em sua
colônia do Sudoeste Africano, a Revolta dos Hereros e
Hotentotes, entre 1905 e 1907, resultando no massacre de 90%
da população nativa do território. Por toda a África, nas
colônias portuguesas, no Congo belga, no Quênia ou no Tchad
populações nativas foram expulsas de suas terras, obrigados
a formas de trabalho compulsório em grandes plantações e em
obras públicas de interesse colonial, como fortes, portos e
ferrovias. Além disso, os missionários cristãos impunham
normas e idiomas ocidentais, aceleravam a desintegração das
hierarquias tradicionais de linhagens, como no caso de
Ruanda, da Costa do Marfim ou da Rodésia, com conseqüências
futuras terríveis para o destino do continente.
O Início da Descolonização. Passada a grande maré
imperialista e as redivisões decorrentes da II Guerra
Mundial ( sendo o principal acontecimento o fim do Império
colonial italiano, principalmente em favor dos ingleses ), o
movimento anti-colonial tornou-se dominante na África,
abrindo uma nova fase nas relações estratégicas no
continente. Tratava-se, agora, de assegurar a presença
ocidental no continente mesmo na situação precária em que se
encontravam as metrópoles. Tanto a França como a Inglaterra
perceberam que não poderiam deter o processo de emancipação
dos países homogeneamente negros, principalmente na África
equatorial. Eram áreas densamente povoadas, com grandes
reservas de matérias-primas e minerais – café, amendoim,
cacau, óleos, fibras, algodão, cobre, ouro, diamantes e,
pouco depois, petróleo – e com escassa presença branca mas,
com uma importante elite negra formada em universidades
européias e americanas, convencidas pelos ideais de
africanidade e negritude e, mais ou menos, tocadas por
formas variadas de socialismo. Assim, Senegal e Gana foram
casos paradigmáticos de independência nacional, formando as
bases para um profundo sentimento de africanidade. Em torno
de 1960 – o chamado ano africano, em virtude do grande
número de países que chegaram a sua independência – mais de
uma dúzia de países, principalmente na faixa central do
continente, compunham uma África independente. Dois outros
grupos de países, ao norte e ao sul da África, apresentavam
contudo condições bem diferenciadas de acesso à
independência. Ao norte, em especial na Argélia, uma forte
minoria branca opunha-se ferozmente a qualquer projeto de
autonomia, mesmo enfrentando uma maioria islâmica cada vez
mais organizada, mobilizada ideologicamente e com forte
apoio exterior ( no caso, proveniente do Egito nacionalista
de Gamal Abdel Nasser ). Ao sul, por razões semelhantes, os
colonos exigiam sua independência. Calcados na experiência
sul-africana, que evoluíra da condição de Estado autônomo no
interior da Comunidade Britânica das Nações, desde de 1910,
para a condição de Estado soberano desde 1948, os colonos
brancos da chamada Rodésia, articulam sua independência como
uma forma de impedir que o processo de descolonização
apontasse para a emergência de um estado negro onde
perderiam suas condições privilegiadas. Da mesma forma, a
permanência do colonialismo português – com seu aspecto
paternalista, autoritário e culturalista, donde a
denominação de ultra-colonialismo – com as grandes colônias do
Moçambique e de Angola, somando-se ao regime racista da
Rodésia e ao domínio sul-africano sobre o antigo Sudoeste
Africano Alemão ( atual Namíbia ), cria ao sul do continente
um poderoso bloco colonial, pro-ocidental e inteiramente
dependente da economia e dos investimentos americanos,
ingleses e holandeses.
A Guerra Fria na África. A grande novidade é, sem dúvida, o
fato de que o centro de gravidade desse imenso glacis neo-
colonial ter se deslocado da Europa e, interiorizando-se,
residir, principalmente a partir de 1958 ( Administração do
premier Hendrik Verwoerd, 1958-1966 ) na própria África do
Sul. Com uma vasta população – algo entorno de 40 milhões de
habitantes, dos quais apenas 12% são brancos -, vastos
reservas minerais como ouro, platina, diamantes, cobre,
urânio, etc... além de uma próspera agricultura e uma
poderosa indústria a República Sul-Africana aproveitou-se do
clima de Guerra Fria para construir uma poderosa panóplia
militar, atingindo até o controle e o fabrico de armas
nucleares, químicas e biológicas. Com a divisão bipolar do
mundo, entre Estados Unidos e URSS, a África do Sul assumiu
um novo papel geoestratégico central. A paralisia de
qualquer movimento reformista e a consequente expansão dos
movimentos de libertação nacional, em especial no sul do
continente, muitos de cunho marxista, lançava os regimes
autoritários e racistas em vigor no sul da África,
diretamente no âmbito do chamado Ocidente, contra uma
pretensa e nova estratégia africana da URSS.
Os regimes colonial português e racista na África do Sul,
Rodésia e Namíbia mostraram-se absolutamente contrários a
qualquer possibilidade de auto-reforma, recusando
sistematicamente todas as recomendações das Nações Unidas e
a Organização da Unidade Africana. Contrariamente, desde o
final da II Guerra Mundial, ambas as grandes potências
coloniais, a França e a Inglaterra, procuraram desde cedo
organizar da melhor forma possível a transição do regime
colonial para formas de estados soberanos, ainda que sob a
tutela das ex-metrópoles, e no interior de comunidades de
nações que substituíssem os antigos impérios colonais.
A iniciativa de organizar os impérios coloniais sob uma
forma mais leve e dinâmica coube inicialmente ao ingleses,
preocupados com o potencial independista de suas coloniais
consideradas “brancas” ( Canadá, Nova Zelândia, Austrália e
África do Sul ), capazes de imitar o comportamento dos ex-
súditos norte-americanos. Foi assim que surgiram as chamadas
conferências imperiais, desde 1911, e que culminam, em 1926, na
criação da Comunidade Britânica das Nações ( British
Commonwealth of Nations ). O novo modelo organizativo do
império deveria valer exclusivamente para as coloniais de
povoamento europeu. Contudo, depois de 1945, o Partido
Trabalhista, principal força organizativa da descolonização
na Inglaterra, entendeu transformar a Comunidade Britânica
na ferramenta básica de manutenção dos laços econômicos,
políticos e estratégicos do antigo império, evitando os
imensos e dolorosos custos de uma multiplicidade de
conflitos de libertação nacional. Os franceses, ao
contrário, reagiram algumas vezes mais duramente, tentando
manter o império – tanto na Ásia quanto na África – por mais
tempo, gerando conflitos sangrentos na Indochina, Argélia e
em Madagascar. Foi, contudo, na antiga África Ocidental
Francesa e na África Equatorial que conseguiram os maiores
sucessos em manter os antigos laços de dependência com as
novas nações que emergiam do processo de descolonização.
Desde 1946, a constituição francesa, criara uma Union Française
compreendendo a metrópole e as colônias e visando claramente
manter a dependência colonial, agora sob nova roupagem. Para
os franceses, tratava-se de tentar uma última cartada,
oferecendo a possibilidade de cidadania para os conjuntos
populacionais assimilados, utilizando-se da cultura e da
língua francesa como instrumentos de assimilação à
metrópole, e dessa forma garantindo a hegemonia sob as
antigas áreas coloniais. Contudo, mesmo a reafirmação da
União pela constituição gaulista de 1958 não assegura
resultados duradouros para os interesses franceses e, por
volta de 1960 – sob impacto da Guerra da Argélia – a maior
parte das colônias abandona a União. De qualquer forma, nem
os britânicos, nem os franceses – ao contrário do que
fizeram na Ásia - abandonaram seus interesses econômicos e
estratégicos na África ao fim do processo de descolonização.
Enquanto a Inglaterra concentrava seus recursos estratégicos
na bacia do Mediterrâneo, controlando o eixo formado por
Gibraltar/Malta/Chipre possibilitando a projeção de força
imediata sobre o Oriente Médio, Canal de Suez, Líbia e os
estreitos do Bósforo e Dardanelos – paralisando os
soviéticos e seus aliados egípcios e líbios na região
mostrando uma grande continuidade da geopolítica de domínio
das fímbrias do continente eurasiano -, os franceses
concentraram-se na segurança das posições européias na
África negra. O golfo da Guiné e do Benin eram áreas
centrais dos interesses franceses, com acordos de segurança
com Gabão, Costa do Marfim, Senegal e Camarões. Do outro
lado, no Oceano Índico, na estratégica região do Mar
Vermelho em face da Arábia Saudita, os franceses
estabeleceram a base militar de Djibuti - com uma força
rápida de deslocamento, de caráter residente, de 3.500
homens, de um total de 25 mil homens em armas no mantidos no
continente - e, a mais ao sul, na ilha de Madagascar, onde
mantinham um outra base, compunham um dueto estratégico com
a África do Sul. Estabelecia assim condições de acesso
direto e de securitização do Golfo Pérsico e das fontes de
petróleo indispensáveis ao ocidente europeu.
Em alguns momentos, o processo de descolonização descambava
claramente para crises de extrema gravidade, com a tentativa
das potências ultra-colonais e racistas do Sul da África em
garantir pontos de apoio e manter uma presença mais atuante
na África ocidental. Foi assim, através do apoio de Portugal
e da África do Sul à secessão dos ibos, cristãos e
ocidentalizados, frente à maioria islâmica da Nigéria, que a
guerra civil no país, denominada Guerra de Biafra ( 1967-
1970 ) transforma-se numa terrível catástrofe humanitária do
continente. Assim, a riqueza petrolífera do país ibo, a
grande esperança de desenvolvimento de toda a Nigéria, gera
dois campos de força opostos: França, Portugal, África do
Sul e Rodésia apóiam a República de Biafra, enquanto
Inglaterra e Estados Unidos sustentam a federação nigeriana.
A Guerra de Biafra, com seus quase um milhão de mortos,
deixa uma lição para o conjunto da África: a intangibilidade
das fronteiras herdadas do período colonial. Com apoio da
OUA, a maioria dos Estados africanos concordam que as
fronteiras existentes, por mais artificiais e injustas que
sejam, representavam uma expectativa de paz e de convivência
comum, enquanto qualquer tentativa de alteração do mapa
colonial poderia lançar as jovens nações em um redemoinho de
destruição mútua.
No centro da África, Tchad e República Centro-Africana
por sua vez,, postos permanentes da França, vigiavam as
investidas do Coronel Muamar El-Khadafi – com presença
marcante em mais de 15 países da África Negra - , em direção
à África negra, limitando um importante e incontido aliado
soviético. Com tais apoios a França passou a agir
diretamente no continente, visando evitar mudanças,
revoluções ou perda dos interesses europeus, com incursões
militares seguidas no Tchad, Gabão, Mauritânia e, inúmeras
vezes, no Congo/Zaire. Ao mesmo tempo, a África do Sul
obtinha ampla liberdade de ação para preservar os interesses
ocidentais na chamada da Rota do Cabo.Particularmente após
1967, quando em virtude do conflito árabe-israelense o Canal
de Suez foi fechado ao tráfico internacional, a rota ao sul
do continente, chamada rota do Cabo, readquiriu um imenso
valor estratégico, conhecendo um intenso fluxo de
superpetroleiros, indispensáveis ao abastecimento das
grandes economias industriais do Atlântico norte. Da mesma
forma, as linhas aéreas em demanda do Cone Sul, da América
do Sul, da Índia, Austrália e da chamada Insulíndia -
Malásia, Filipinas, Indonésia - dependiam das condições de
segurança e abastecimento em Pretória, Johanesburgo ou no
Cabo, o que faz com que a OTAN instalasse um poderoso
sistema de detecção aéro-espacial em Simonstown ( junto à
Cidade do Cabo ). Cada vez mais envolvida na Guerra Fria,
transformando seus próprios projetos de dominação da maioria
negra em parte da guerra entre Ocidente e Oriente, sob
impacto da Revolução dos Cravos de 1974, a África do Sul
lança – possivelmente com a ajuda de Israel -, nesse mesmo
ano, seu programa nuclear secreto, chegando a construção de
seis bombas atômicas ( projeto paralisado em 1989 e arsenais
destruídos em 1991, data de adesão do país ao TNP ).
A URSS e a África. Assim, dois acontecimentos maiores nas
relações internacionais, entre 1974 e 1975, marcam uma
grande virada nas relações estratégicas na África negra: a
Revolução dos Cravos em Portugal e a derrota norte-americana
no Vietnam. A relativa hegemonia ocidental sobre a África,
em grande parte marcada pelo eixo estratégico representado
pela França e a África do Sul, cede frente às novas
pressões. De um lado, com o desmoronar do império colonial
português, a partir de 1974, o grande cinturão de segurança
em torno da África do Sul perde sua invulnerabilidade.
Angola e Maçambique deixam de ser escudos protetores, bem
como fornecedores de mão-de-obra dócil e de recursos
naturais para Pretória; o movimento de libertação da Namíbia
– SWAPO – e a resistência negra na Rodésia colonial se
avolumam, enquanto um movimento simultâneo exterior e
interior questiona o regime de apartheid na própria África
do Sul. Os soviéticos, por sua vez, aproveitando-se da
paralisia provisória dos Estados Unidos, aceleram a
penetração na Somália e na Etiópia. Com um regime marxista
já estabelecido no Yemen, a outra margem do Estreito do Bab
el Mandeb, os soviéticos construem amplas bases aéreas e
navais em Massua, na Etiópia, e na Ilha de Dhalak, no Mar
Vermelho, colocando a estratégica região do Chifre da
África fora do controle ocidental. Pela primeira vez desde
sua criação, no século XIX, o Canal de Suez estava sob risco
real de estrangulamento, enquanto o acesso ao Oceano Índico
e o Golfo Pérsico abria-se aos soviétic
Aos poucos a Guerra Fria, em sua última fase – a
chamada Segunda Guerra Fria, a partir de 1979 -, instala-se
no coração da África. Os Estados Unidos, até então pouco
envolvidos nos negócios africanos – dada a ação francesa e
sul-africana – voltam-se diretamente para o continente,
procurando barrar a crescente presença soviética no
continente. Através da CIA e do exército da África do Sul,
os Estados Unidos, ao lado da China Popular, apóiam os
movimentos mais reacionários do continente, como a UNITA, em
Angola, Charles Taylor, na Serra Leoa, inúmeros grupos
terroristas no Zaire e em Moçambique, além, é claro, do
racista National Party, em Pretória. Quando tais
enfrentamentos desbordam em guerra aberta, como no Zaire,
Angola ou na Etiópia, os soviéticos lançam mão de tropas
expedicionárias cubanas, que passam a agir amplamente no
continente.
Em algum momento no final dos anos ’70 a URSS parece
ter adquirido uma posição permanente e privilegiada na
África, com pontos de apoio na Líbia, na Etiópia, por algum
tempo na Somália, na Guiné, no Congo/Brazzaville, em Angola
e Moçambique, além de grande simpatia em países da chamada
“linha de frente”do enfrentamento ao apartheid, como a
Zâmbia e a Tanzânia.
A África e as Novas Ameaças. Entretanto, a partir de 1985,
com a crise geral do sistema soviético, iniciar-se-ia o
começo da retirada soviética, com a retração da ação cubana,
e o colapso de vários regimes pró-soviéticos, sendo a
Etiópia o melhor exemplo. O vazio estratégico criado pela
retirada dos soviéticos e cubanos acabam gerando dois
movimentos opostos. Em alguns países, como a Etiópia e a
Somália, abrem-se períodos de crise, instabilidade e guerra
civil, culminando no caso da Etiópia, na secessão da
Eritréia. No caso da Somália, bem mais complexo e dramático,
chega-se ao completo colapso das estruturas estatais
existentes, com a pulverização do Estado-Nação e a hegemonia
de “senhores da guerra”locais, muitas vezes apoiados por
organizações terroristas, como a Al Qaeda e o Ansar-El-
Islam. Já em outros países, como em Angola e Moçambique, a
desaparição do clima de enfrentamento Ocidente/Oriente acaba
por abrir caminho, não sem muita dor e destruição, a
processos de paz, de frágil densidade. Contudo, a situação
tornar-se-ia bem mais favorável a consolidação de regimes
estáveis e ao início da construção de estruturas do Estado-
Nação. Na Rodésia e na África do Sul, por sua vez, a
conversão dos partidos de resistência, como o Congresso
Nacional Africano, às normas da representatividade, ao lado
da intensidade da resistência local e da condenação externa,
acaba por levar a auto-reforma dos regimes, em especial a
partir de 1990 com a legalização do CNA, o fim do apartheid
em 1991 e, em fim, a eleição de Nelson Mandela em 1994.
Outros países, contudo, não tiveram a mesma sorte: o
desmoronar das ditaduras que eram sustentadas por potências
neo-colonais, como no Congo/Kinshasa, em Ruanda, na Libéria,
etc... acaba por gerar grande instabilidade política,
gerando um estado contínuo de guerra, perpassados por
genocídios brutais, como em Ruanda em 1992 e 1994.
Paralelamente com a expansão das guerras locais e dos
genocídios, a fome reaparece em vastas regiões avassaladas
por tragédias climáticas, como no largo cinturão do Sahel,
do Niger ao Sudão, ou pela guerra permanente, como na
Etiópia e na Somália. No sul da África, bem como na África
Oriental, as epidemias de turberculose e aids atingem
parcelas assustadoramente amplas da população local,
enquanto na África Equatorial a malária, o dengue e o vírus
Ebola são as razões das elevadas taxas de mortalidade.
Assim, mesmo após o fim da Guera Fria, em 1991, a
África não alcançou a estabilidade política capaz de
construir, ou restaurar, as estruturas do Estado-Nação
indispensáveis para a arrancada desenvolvimentista, mesmo em
regiões de abundantes recursos naturais. Na verdade, abriu-
se um novo ciclo de expansão dos interesses ocidentais na
região, em especial uma nova expansão anglo-americana,
tendo como países-pivot na África Oriental e Austral a nova
Uganda, pós-Idi Amim, e a nova África do Sul. Os objetivos,
neste momento, dirigem-se para a dominação do
Congo/Kinsahasa, com suas riquezas minerais, com a
eliminação da hegemonia francesa local. Cabinda, com suas
riquezas petrolíferas, é um alvo secundário, porém bastante
importante.
Um segundo vetor da continuidade da expansão anglo-americana
volta-se para os países pivot na África Ocidental: Serra
Leoa/Libéria/Costa do Marfim/Gana, o que representaria a
securitizaçao do Golfo da Guiné, com o controle das fontes
petrolíferas da Nigéria até São Tomé e Príncipe, além das
ricas jazidas de ouro e diamantes da região.
A desestruturação das instituições estatais, depois de
1989, sob o impacto da redemocratização de vários regimes
locais, além da imposição de um brutal receituário liberal e
anti-estado patrocinado pelo FMI, acaba por dar um novo
alento às soluções militares. O antigo ciclo de ditaduras
militares na África, en tre 1961 e 1989, parece fazer seu
retorno ao cenário político local a partir do golpe de
Estado na Costa do Marfim, em 1999, seguido de golpes e
tentativas por toda a África Ocidental e Equatorial. Da
mesma forma, a norma férrea da intangibilidade das
fronteiras parece ter sido abandonada, com a fragmentação da
Etiópia, da Somália, das ameaças na Gâmbia e no Senegal,
além da continuidade da guerra no Congo/Kinsahasa e no
Sudão.
Uma nova condição de esperança, e também de temores,
surge com a provável ascensão do Oceano Atlântico à posição
de centro produtor de petróleo. O chamado “Triangulo de
Ouro” – Nigéria, Gabão e Cabinda/Angola – revela-se como um
dos mais impriotantes jazimentos de petróleo e gás já
localizados, capaz de compensar a instabilidade do
fornecimento proveniente do Oriente Médio. De qualquer
forma, a existência dos campos do Mar do Norte ( em
descrescimo ), do Golfo do México ( aos quais juntar-se-ia
os jazimentos de metano ), as imensas reservas off-shore do
Brasil e, agora, a comp´rovação da existência de petróleo de
boa qualidade nas aguas das Ilhas Malvinas transforma o
Atlântico, e portanto o litoral africano, em região
altamente estratégica.
A construção de uma imensa base aero-naval norte-
americana em São Tomé e Porto Príncipe, com o reativamento
da IV Frota, mostra a extensao do interesse estratégico
norte-americano na região.
Em suma, no alvorecer do século XXI o continente
africano é, ainda, mais pobre, complexo e perpassado pelos
flagelos da guerra, da fome e das doenças do que no início
do processo de descolonização na década dos ’60 do século
XX.
Bibliografia:
FERRO, Marc. História das Colonizações, São Paulo, Companhia
das Letras, 2002.
FRÉMEAUX, Jacques. Les empires coloniaux dans le processus
de mondialisation. Paris, Maisonneuve, 2002.
MOMMSEN, Wolfgang. La época Del Imperialismo. Madrid,
Alianza, 1989.
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1988.