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Maria Elise Gabriele Baggio Machado Rivas.pdf

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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Maria Elise Gabriele Baggio Machado Rivas TEOLOGIA USA SAIAS? MULHERES NA TEOLOGIA: DA EXCLUSÃO À PROFISSIONALIZAÇÃO MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO São Paulo 2013 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Maria Elise Gabriele Baggio Machado Rivas

TEOLOGIA USA SAIAS?

MULHERES NA TEOLOGIA: DA EXCLUSÃO À PROFISSIONALIZAÇÃO

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

São Paulo

2013

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

2  

      

    

PUC-SP

Maria Elise Gabriele Baggio Machado Rivas

TEOLOGIA USA SAIAS?

MULHERES NA TEOLOGIA: DA EXCLUSÃO À PROFISSIONALIZAÇÃO

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora como exigência parcial

para obtenção do título em Mestre em

Ciências da Religião, pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo,

sob a orientação da Profa. Doutora

Maria José Rosado Nunes.

São Paulo

2012

3  

      

    

Banca Examinadora

________________________________

Dra Maria José Rosado F. Nunes

_________________________________

Dra Maria Lúcia Carvalho da Silva

_______________________________

Dra Regina Jurkewitz

4  

      

    

Dedicatória

Dedico esta pesquisa a meu Mestre, que me recebeu em seu terreiro,ainda em

minha adolescência, meproporcionando a vivência espiritual e a devoção aos

meus ancestrais. Ensinou-me a respeitar o sagrado, a humanidade, a natureza

e a mim mesma. Agradeço a ele por ter me formado com seu próprio exemplo,

me mostrando que é necessário ser forte enão desistir em meio a intempéries.

Ao meu querido e amado companheiro, com quem tenho dividido meus

amores, ideais e conquistas nos últimos vinte e cincoanos e com quem desejo

dividir muitas conquistas pelo resto de minha vida. Esta obra também é sua,

pois dividiu comigo muitos momentos de sua elaboração.

Aos tesouros de minha vida: Thales, Athus, Thetis e Mariah, que são minha

alegria e amor, que colaboraram na conquista deste trabalho, cedendo

momentos de nosso convívio, mas no êxito de tudo que realizei até hoje.

Agradeço a Sumaia Miguel Gonçalves (Aracyauara) e Érica Ferreira da Cunha

Jorge (Yacyrê). A Sumaia por dividircomigo dias consecutivos de alegrias,

dificuldades e trabalho durante anos de nossas vidas. A Érica Cunha Jorge, por

ter em muitos momentos me levado aos desafios do mundo acadêmico e ter

me dado um grande presente, a pequena Mariah.

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Agradecimentos

Agradeço a minha orientadora, Maria José Rosado Nunes, por ter me recebido

como sua orientanda e me conduzido no caminho da pesquisa e por ter me

levado a reflexões que ultrapassam o saber acadêmico e permeiam a vida

cotidiana com uma conduta mais humanzada.

Agradeço àCAPES pelo apoio financeiro, fundamental para o desenvolvimento

de minha pesquisa.

Agradeço ao Programa de Pós-graduação de Ciências da Religião da PUC- SP

e aosseus professores, que colaboraram para a concretização de meu

trabalho.

Agradeço a Alexandra Abdala por ter me acompanhado em muitas das

entrevistas realizadas.

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“La ausência de lamujereneste discurso, como toda ausência sistemática, es

difícil de rastrear. Esla ausência que nisiquierapuede ser detectada como

ausência porque nisiquierasu lugar vacío se encuentra em ninguna parte;

laausencia de la ausência...”

Célia Amorós(1991)

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RESUMO

O objetivo de minha pesquisa é analisar o campo profissional da

Teologia pós-regulamentação para mulheres, tendo em vista a oficialização do

bacharelado em Teologia, que estabeleceu o caráter isonômico e o escopo da

formação de profissionais. Para atingi-lo, retomei o início do ensino superior no

país e a exclusão das mulheres do mesmo, o que gerava desigualdades de

acesso ao saber a partir da concepção de gênero. Desigualdadesustentada

pela ciência e pelo poder simbólico da tradição judaico-cristã, que estabelecia o

que cabia aos homens e mulheresfazer e saber.Fiz um breve relato da

dificuldade vivida pelas mulheres neste processo de formação e

profissionalização.

Desta forma, a oficialização da Teologia,pelo Ministério da Educação e Cultura,

não é deslocada da situação geral do ensino superior e consequente

profissionalização no Brasil, porém tem sobre si a valência da formação

religiosa vocacional, difundido no seio das religiões judaico-cristãs como

inerente aos homens. Contudo, a Teologia, ao serreconhecida como curso

superior,passou a ser regida pelas leis educacionais de nosso país, e o

princípio de isonomia, permitiu,assim, que qualquer pessoa, inclusive as

mulheres e leigos que sofriam restrições nesta área, tivessem acesso ao curso,

bem como a exercer a Teologia como profissão após sua formação.

A partir disso, discutimos a profissionalização das mulheres na Teologia, a

questão de gênero e relações de poder, bem como a divisão sexual do trabalho

presente na formação e campo profissional da Teologia. Para investigar esta

questão, optei por pesquisa de campo, entrevistando alunos e alunas egressos

(as) de cinco instituições, reconhecidas pelo Ministério da Educação e Cultura,

da grande São Paulo, para saber se mudanças ocorrerem no campo

profissional para teólogasformadas no período pós-regulamentação.

Palavras-chave: Teologia, profissão, gênero, poder, divisão sexual de

trabalho,mulheres, religião e gênero.

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ABSTRACT

The aim of our work is to analyze the professional field of Theology after the

regulation for women, considering that the formal status of the graduation

course in Theology has provided an aspect of equality, and defined the

vocational training and career.The formalization of the course of Theology,

approved by the Ministry of Education and Culture, provides a new situation

concerning the religious training as well as the vocational training path.

When Theology was recognized as a discipline, it consequently turned to be

ruled by the educational system of the country, allowing everyone to apply for

the course, and to take it as a career.

Taking into account this new situation, this dissertation intends to discuss the

professionalization for women in the field of Theology in the context of

patriarchy.Our sources include interviews with graduated and undergraduated

students from five different institutions officially authorized by the Ministry of

Education and Culture in the city of São Paulo in order to verify whether

changes occurred for the female theologians and their careers.

Key words: Theology, Career, Patriarchy, Labour Sexual Division,

Women, Religion and Gender.

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Sumário

Lista de siglas……..……………………………………………………………........10

Introdução..........................................................................................................11

1. Mulheres e universidades no discurso religioso............................................14

1.2. Onde está a mulher nesta história? Um breve histórico do ensino

superior no Brasil sob o olhar de gênero.......................................................25

1.3. Século XX – lutas e conquistas das mulheres na sociedade brasileira

contemporânea..............................................................................................34

2. A Teologia: da vocação à profissionalização – histórico da regulamentação

da disciplina de Teologia no Brasil....................................................................45

2.1. As mulheres e a Teologia.......................................................................56

2.2.Por que elas não foram convidadas?.....................................................73

2.3. Um olhar de gênero sobre as fontes bibliográficas que discutem a

profissionalização da Teologia......................................................................82

2.4. A metodologia nos escolhendo...............................................................87

2.4.1. Caminhos teóricos...........................................................................96

2.4.2. A formação de uma categoria analítica: do conceito de patriarcado

à categoria de gênero..............................................................................101

2.4.3. Divisão sexual do trabalho............................................................107

3. Gênero e poder nas instituições pesquisadas.............................................110

3.1. O discurso religioso/teológico e poder nos espaços de formação.......127

3.2. Gênero e poder na formação e atuação profissional da Teologia........131

3.3. Divisão sexual de trabalho com base no discurso religioso.................154

Conclusão........................................................................................................166

Referências bibliográficas................................................................................170

Apêndice I: Roteiro de entrevistas (dirigentes)................................................189

ApêndiceII: Roteiro de entrevista (formados/as).............................................190

Apêndice III:.....................................................................................................191

10  

      

    

Lista de siglas

ABIEE- Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas

ABRUC- Associação Brasileira das Universidades Comunitárias

ANEC- Associação Nacional de Educação Católica do Brasil

CFE – Conselho Federal de Educação

CNE – Conselho Nacional de Educação

DCNs- Diretrizes Curriculares Nacional

MEC- Ministério da Educação e Cultura

UDF- Universidade do Distrito Federal

SESU- Secretaria de Ensino Superior

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Introdução

O objetivo de nossa pesquisaé o de analisar o campo profissional da

Teologia, pós-regulamentação, para mulheres, tendo em vista quea

oficialização do bacharelado em Teologiaestabeleceu o caráter isonômico,ou

seja, permitindo o acesso tanto de homens como de mulheres, e tambémo

escopo da formação dos mesmos como profissionais.

O histórico de nossa pesquisa tem início no ano de 2010 e se

desenvolve a partir de circunstâncias relacionadasa nossa tarefa

administrativa, por meio da qual fomos levadas a participar da plenária

desenvolvida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) que objetivava a

discussão das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de Teologia.

No mês de novembro de 2010 participamos de uma reunião em

Brasília, plenária pública desenvolvida no Conselho Nacional de

Educação,quando nos deparamos com algo inusitado para nós: uma mesa com

muitos homens, tendo apenas uma mulher como membro da mesa de

discussão.

Pela primeira vez no Brasil, deu-se oportunidade para discutir Teologia

e suas diretrizes, principalmente na constituição de uma disciplina, de um

campo de saber autônomo. Desta forma, esse evento foi distinto não só pela

discussão epistemológica, mas tambémpelo seu caráter político. Ali, naquele

momento, seria possível interferir, modificar, sugerir e dar novas contribuições

para as futuras Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de Teologia.

A ausência feminina à mesa de discussões me levou a questionar o

campo profissional para mulheres formadas em Teologia no período pós-

regulamentação. Assim, fiquei instigada a verificar comoa religião,mesmo

depois da regulamentação da Teologia, ainda é um fator determinante na

restrição do campo profissional para mulheres teólogas.

A questão específica que perpassa este estudo, portanto, é a de

analisar o campo profissional para mulheres teólogas formadas pós-

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regulamentaçãoe se as questões religiosas continuam influenciando e

restringindo suaatuação mesmas nesta profissão.

O primeiro capítulo divide-se em dois subitens: uma visão panorâmica

da formação do ensino superior no Brasil e o histórico da formação da Teologia

como disciplina reconhecida pelo governo brasileiro. No primeiro tópico,

trabalhei com a formação do ensino superior desde a criação da primeira

faculdade, no ano de 1808.Busquei discorrer de que forma o ensino superior

excluía as mulheres de seu meio e como eram criadas possibilidades

hierarquizadas de acesso ao saber, a partir da concepção de gênero,

sustentada pela ciência da época e pelo poder simbólico da tradição judaico-

cristã, que estabelecia o que cabia ao homem e à mulher fazer e saber.

Apontamos também os constantes conflitos da concepção de um

Estado laico e a formação de um saber teológico associado, tanto pelas igrejas

como pelo Estado, com a religião. Relatamos fatos ocorridos no século XX que

conduziram a Teologia a ser entendida e legitimada como uma disciplina de

ensino superior.

Ainda neste capítulo utilizamos falas de nossos entrevistados como

forma de melhor compreendermos tanto as questões presentes nos cursos de

Teologia estudados quanto asconcepções religiosas subjacentes àTeologia

como profissão. Optei por usar os nomes verdadeiros dos diretores ou

responsáveis pelo processo de reconhecimento, tendo em vista que seus

nomes estão disponibilizados na rede ou nas instituições, mas não fiz o mesmo

com alunos(as) egressos(as) para preservar suas identidades.

No segundo capítulocontextualizei como nasceu nossa pesquisa, a

categoria analítica de gênero, relações de poder e a divisão sexual de trabalho.

Discuti a escassez de bibliografia que aborda o campo profissional da Teologia

e explorei o quadro metodológico, que é conduzido pelo instrumento de

pesquisa de campo realizado por meio de entrevistas semiestruturadas. A

amostra é composta por vinte formados e formadas eminstituições eleitas,

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focando na busca empírica para responder quem foi absorvido pelo campo

profissional da Teologia.

Elenquei cinco Faculdades de TeologianaGrande São Paulo, que

passarei a denominar F1, F2, F3, F4 e F5 Sendo elas de confissão batista,

metodista, luterana, católica e afro-brasileira. Usamos como critério para a

escolha as instituições presentes no grupo de trabalho do Conselho Nacional

de Educação.

O terceiro e último capítulo trata propriamente da análise qualitativa

dos dadosobtidos em minhas entrevistas junto aos discentes egressos das

instituições eleitas e sua inserção ou não no campo profissional da

Teologia.Analisei as relações de poder, a construção de gênero e divisão

sexual de trabalho presente na formação e profissionalização da Teologia. Para

melhor atender o desenvolvimento de minha pesquisa, fiz a opção pelo

caráterinterdisciplinar, o que possibilitou uma abordagem.

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1. Mulheres e universidades no discurso religioso1

Falar de universidades e mulheres no ocidente é também falar de

cultura religiosa, mais especificamente o cristianismo. Busquei fazer uma breve

incursão em ideias que influenciaram o lugar das mulheres no universo da

educação e, para tanto, terei deabordar a religião cristã e as influencias que

recebeu da cultura grega2. Fiz esta opção para melhor localizar a influência dos

valores religiosos na concepção de gênero na sociedadeocidental.

A associação da figura feminina ao corpo,àsexualidade

earepresentação dos mesmos como algo poluídoe impuro nasce na religião e

cultura gregas. A ideia de impureza, num primeiro momento, está presente na

cultura popular grega, segundo a qualo coito e o nascimento eram vistos como

atos de impuridade.

Mas eram atos que poderiam ser purificados, por meio de rituais

específicos, porém esta concepção se modifica com a influência do culto órfico,

que passa a adotar o estado de pureza e não mais o ato de purificação vigente.

Com a nova visão defendida pelos órficos, o coito e o nascimento

deveriam ser evitados, ou seja, o caminho mais adequado era a anulaçãodo

desejo sexual. Contudo, o desejo sexual era estimulado por Eros, entendido

como uma força muito poderosa.

Homens e mulheres estariam à mercê de Eros, mas as mulheres eram

muito mais suscetíveis às suas influências eróticas. Isso gerou e justificou a

aplicação de restrições das atividades sexuais, pois sua sexualidade era

temerária. Os gregosafirmavam seremelas mais propensas a tornarem-se

impuras, em razão desuas suscetibilidades.

A ameaçadora sexualidade feminina ainda recebia uma

complementação negativa oriundados mitos de origem grega. Nesses mitos,as

                                                            1 Ao abordar a formação da universidade e as mulheres, tomamos como base as  ideias defendidas por Robin Schott na obraEros e os processos cognitivos, tradução de Nathanel C. Caixeiro, de 1996.  

  

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mulheres eram vistas como o símbolo de todo o mal, fato este descrito na

lenda de Pandora, por Hesíodo, e também na obraTimeu, de Platão, na qual

discorre sobre o ato da criação enfatizando que a mulher surgiu de homens

que decaíram após cometerem ações indignas.

Essas concepções estão presentes e são defendidas no pensamento

filosófico desenvolvido por Platão e Aristóteles. Nas ideias de ambos havia um

menosprezo da mulher e eles as entendiam como “a encarnação dos perigos

suscitados àrazão pela sexualidade”, (SCHOTT, 1996, pag.61).

Os dois filósofos gregos idealizavam a busca da pureza e da

verdade,que eram contrárias ao estado das sensações e dos sentimentos, o

que levou ao desprezo pelo corpo, sede dos mesmos, e da mulher, por estar

ligada ao corpo com sua sexualidade exacerbada. Ambos foram considerados

obstáculo para o “estado idealizado” que almejavam.

Essas visões presentes no pensamento de Platão foram expressas em

suas construções epistemológicas e ontológicas, que defendiama busca da

pureza do pensamento e o distanciamento do corpo poluído, que era associado

às mulheres, logo,manter distância das mulheres seria uma forma de alcançar

a pureza.

Aristóteles, por sua vez, entende que existe a matéria e a forma, e, se

se diferencia de Platão, que concebia apenas o mundo das ideias, apesar de

algumas diferenças de pensamento, mantém a mesma linha em relação às

mulheres.

O filósofo passa a estabelecer categorias distintas, sejam elas: forma e

matéria, racionais e afetivas, ativas e passivas, criando um processo de

hierarquização entre as mesmas. Em Aristóteles, o racional é apresentado

como superior ao sentimento, assim como em Platão. “O argumento de

Aristóteles quanto ao domínio do racional sobre o passional ser natural é

também utilizado para justificar o domínio do masculino sobre o feminino”

(SCHOTT, 1996, pag.32). Após Aristóteles, seu conceito de

hierarquizaçãoentre os opostos passa a atuar no campo social.

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As ideias defendidas pela cultura e religião gregas são assimiladas

pela religião cristã, que é impregnada pelos conceitos de pureza e impureza,

de verdadeiro e falso, bem e mal.

O cristianismo não deixou de tomar para si a associação feita entre os

gregos de que a mulher é o epíteto da impureza e do mal. Pensadores como

Agostinho no início da era cristã difundiam a ideia da mulher como ser impuro e

muitas vezes associada ao mal, tal e qual os gregos. Em seus escritos também

enfatizavamque as mulheres estão mais próximas do corpo impuro do que o

homem e, desta forma, justificavam como algo natural a subordinação delas

aos homens.

Agostinho desdobra esta mesma concepção à luz da razão. Ele

apresentava as mulheres divididas em corpo e alma. Afirmando que a alma das

mulheres tem a mesmacapacidade racional dos homens, mas não estende a

seus corposàmesma propriedade de raciocínio, pois incoerentemente identifica

os corpos das mulheres como a representação simbólica da irracionalidade,

justificando a submissão das mulheres também no campo da razão.

Assim, o controle racional que os pensadores ascéticos têm procurado como uma meta religiosa e filosófica torna-se encarnado numa existência física que exige o desempenho social do poder [...] está vinculada não apenasao controle racional no seio da alma, mas também ao controle dos homens sobre as mulheres no mundo social. (SCHOTT, 1996, pag.78)

Sendo este feito reiterado por Tomás de Aquino no advento da

escolástica, mas com uma inovação, expande seu interesse e ideias para a

ciência.O saber científico se torna foco da Igreja e a educação passa a ser uma

das metas do cristianismo. Os “monastérios” adentram o mundo “secular”3

reproduzindo na educação a vida monástica e as restrições às mulheres.

Tomás de Aquino declara que “as diferenças biológicas entre macho e

fêmea levam em conta a separação, através dos sexos, dos poderes ativo e

                                                            3 Secular entre aspas, pois não podemos negar que a  Igreja determinava muito do comportamento na vida cotidiana dos  leigos. Segundo Schott (1996), a  ideia de pureza e descrença na mulher era vigente entre as práticas populares. 

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passivo na geração. A distribuição dos poderes possibilita ao homem a

execução da nobre “operação vital” do pensamento”. (SCHOTT, 1996, pag. 85-

86). Desta forma, cabe ao homem o privilégioda educação, de modo que o uso

da razão é essencial.

Aquino ainda recorre à ideia de que foi o homem criado àimagem e

semelhança de Deus e a ele foi estendida a razão, pois às mulheres não seria

necessário o intelecto, e, embora argumente que as mulheres também sejam

possuidoras da razão, ressalva que as mesmas não têm aptidão para exercê-

la.

Em seu discurso alega que a natureza sexual das mulheres diminui o

critério racional delas. Ele também associa aos homensaqualidade intelectual,

ativa e dominante, eàs mulheres a passividade, subordinação e luxuria. Isso

levou Tomás de Aquino a defender, assim como Aristóteles, que as mulheres

deveriam ser subordinadas aos homens. As ideias de Tomás de Aquino se

consolidam na

[...]Igreja, marcada pelo antifeminismo profundo deum clero pronto a condenartodas as faltas femininas à decência, sobretudo em matéria de trajes, e a reproduzir, do alto de sua sabedoria, uma visão pessimista das mulheres e da feminilidade, ela inculca (ou inculcava) explicitamente uma moral familiarista, completamente dominada pelos valores patriarcais e principalmente pelo dogma da inferioridade das mulheres. Ela age, além disso, de maneira mais indireta, sobre as estruturas históricas do inconsciente, por meio sobretudo da simbólica dos textos sagrados, da liturgia a fé e do espaço e do tempo religioso.(BOURDIEU, 2010, pag.103)

Os valores da Igreja não se restringiam aos(às) religiosos(as), mas

adentrava a cultura popular que incorporava e reproduzia nas práticas

cotidianas os preceitos cristãos. A sociedade ocidental a queo cristianismo teve

acesso passou a replicar os valores defendidos por estes pensadores. As

mulheres passam a ser vistas tal e qual eles propugnavam. A cultura foi

permeada e condicionada a responder aos estímulos religiosos, e as

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instituições, de forma geral e em nosso caso específico as educacionais,

nãotiveram comportamento diferente.

As universidades nasceram no meio religioso, sendo seu berço

inspirador e executor a Igreja. Foi a partir das instituições monásticasque elas

foram organizadas e isto acarretou influências para este novo cenário em

construção, trazendo para o ambiente acadêmico a concepção de um

“compromisso ascético cristão em purificar a alma da poluição do corpo e

excluir as mulheres [...]”4.(SCHOTT, 1996, p. 107).

As escolas episcopais inspiraram e forneceram a estrutura para a

primeira universidade nascida em Paris e que se tornou modelo para as demais

instituições de ensino superior da Europa. As universidades eram constituídas

através de bula papal,consolidando desta maneira os laços com a Igreja, que

não se restringiam ao ato de fundação, mas permaneceram nos interstícios da

formação universitária.

O vínculo entre a Igreja e a universidade se concretizava naqueles que

assumiam o papel de educador e também para aqueles que seriam agraciados

com a formação. Na Idade Média, os professores em sua maioria eram

religiosos que só poderiam lecionar mediante sanção eclesiástica. Esse

procedimento, de ter professores ligados à Igreja, avalizava a extensão das

práticas monásticas para dentro das instituições de ensino superior, uma delas

era o uso do latim, língua vernácula.

Além disso, as normas e disciplinas que regulavam a vida cotidiana dos estudantes e professores medievais demonstravam o caráter monástico da instituição. Em Paris, todo estudante universitário tinha de ser clérigo e usar o hábito clerical. A adoção do traje clerical era garantia, para o usuário, desde que continuasse celibatário. [...] A única obrigação séria que isto impunha era o celibato. (SCHOTT, 1996, p. 110)

                                                            4 Schott, em sua obra Eros e os processos cognitivos, afirma que a ideia da razão pura é consequência do processo de secularização do pensamento religioso de pureza e ascetismo, desenvolvido pela Igreja, que penetrou o conhecimento científico.  

19  

      

    

No caso de alunos casados que desejassem entrar para a

universidade, exigia-se que se divorciassem, como pré-requisito para assumira

condição de estudante. A vida monástica percorria os corredores das

universidades na Idade Média e se consolidava no estudo da Bíblia,

desenvolvimento do pensamento teológico, exigência do silêncio, entre outras

regras.

Considerando a natureza religiosa das instituições de ensino superior,

as mulheres acabavam por ser excluídas deste espaço e mais:a restrição a

elas foi estendida até asociedade moderna, impossibilitando o seuacesso à

educação.5

O modelo parisiense de universidade influenciou as instituições de

ensino superior da Alemanha e, num primeiro momento, foi avalizadopor bulas

papais e, em um segundo momento, fortemente influenciado pelo pensamento

defendido na Reforma. As universidades alemãs não perderam seu caráter

confessional e permaneceram ministrando ensino religioso para futuros

pastores e leigos. Embora o caráter religioso fosse conservado:

em certo sentido, deve-se à Reforma o ter ensejado uma secularização maior do ensino. O empreendimento escolástico teve por objetivo a justificação racional da fé. [...] a Reforma, ao contrário, trouxe uma separação de razão e fé. Em consequência, filosofia e ciência já não estavam ligadas para servirem de suportes para a crença religiosa, e o conhecimento das universidades tornou-se cada vez mais secularizado. (SCHOTT, 1996, p. 113)

O que não indicava um esvaziamento dos valores religiosos das

instituições de ensino superior, e sim uma transferência dos mesmos, com um

discurso reformado, para a esfera secular. A tentativa de purificar a alma que

imperava na filosofia cristã é substituída pela ideia depureza do pensamento,

de purificação da razão,que veio a se constituir no método científico. O papel

                                                            5Segundo Schott (1996), essa discussão levantará a questão quanto à transmissão do conceito de pureza a partir das

fontes clássicas para o pensamento moderno, que traz consigo os pilares misoginistas dos antepassados ascéticos da

filosofia que vieram a constituiros pilares da Igreja e das universidades.

20  

      

    

de unificação do conhecimento, até então nas mãos da Igreja, passa agora

para a prática científica.

O caráter eclesiástico da universidade alemã – estilo de vida monástico, exclusão das mulheres, preparo para as funções da Igreja e a dominância da faculdade de teologia –reflete-se no trabalho intelectual nessas condições. A influência da religião ascética é evidente inclusive na estrutura avultada da ciência.(SCHOTT, 1996, p. 114)

A exclusão das mulheres tida como natural na religião é transferida

para a vida universitária, que passa a ter um caráter unissexual de formação.

Somado a este fator havia as ideias defendidas por Agostinho e Aquino,

segundo as quaisas mulheres não tinham qualidades racionais.

Esse modo filosófico de encarar a capacidade racional limitada das mulheres justifica sua exclusão prática da universidade, e, consequentemente, de outras formas de atividade social. Esses valores ascéticos, portanto, garantiram, em última análise, a aceitação das hierarquias de sexo existentes. (SCHOTT, 1996, pag.117)

LondaSchiembingerdizem sua obra O feminismo mudou a

ciência?(2001) que as universidades, desde o momento de sua fundação, no

século XII, não foram boas instituições para as mulheres e assim prosseguiram

até o século XIX. Poucas foram asmulheres que tiveram acesso ao estudo e

mais escassoé o número das que lecionaram nessas instituições de ensino

superior.A mesma autora relembra que as únicas instituições que aceitavam as

mulheres eram as italianas, mas este modelo foi rejeitado pela Europa, que

optou pelo modelo alemão, baseado, por sua vez, no modelo francês.

Desta forma, o aceso das mulheres àciência e ao conhecimento

ocorriam ora pela prática desenvolvida em seu cotidiano, sem uma

formalização do mesmo, ora pelo ingresso aos ambientesaristocráticos (que

apenas aceitavam a entrada de mulheres de alta estirpe), onde muitas vezes

trocavam prestígio social por acesso ao conhecimento. (SCHIEBINGER, 2001)

As mulheres caminharam de forma marginal nas universidades. A elas

não era concedido os bancos acadêmicos, embora trabalhassem e

21  

      

    

desenvolvessem pesquisas no âmbito doméstico6. Muitas foram as mulheres

que executaram atividade de astrônomas, que junto de suas famílias,

fossedopais ou maridos, desenvolviampesquisas em observatórios.

(SCHIEBINGER, 2001. Outras contribuições foram dadas por mulheres à

ciência desenvolvidas a partir de suas atividades como parteiras, artesãs e

produtoras de medicamentos da medicina popular, porém não ganharam o

status de profissionais. Embora desenvolvessem trabalhos diversos, elas não

foram incluídas como:

[...] membros regulares das comunidades científicas. [...]. No século XIX, o rompimento da velha ordem (o sistema de guildas de produção artesanal e o privilégio aristocrático) fechou às mulheres o acesso informal à ciência de que podiam ter desfrutado. Numa época em que as atividades domésticas passavam por privatização, a ciência estava sendo profissionalizada (um processo gradual no decorrer de vários séculos).(SCHIEBINGER, 2001, p. 69)

Este movimento de profissionalização acentuou o distanciamento da

esfera públicae privada. A ciência praticada no ambiente familiar é transferida

para as universidades e indústrias, migrando para o espaço público. Por outro

lado, a esfera privada se torna afeta àfamília e se distancia dos acontecimentos

científicos. Assim, as instituições universitárias, acadêmicas e industriais

calcadas na mentalidade moderna se fundam, limitando a participação das

mulheres, que por sua vez passaram a ser vinculadas à ideia de esposa e mãe.

Se as mulheres são idealizadas como mães, os homens são idealizados como

cientistas.

Este movimento tendencioso que definia o perfil masculino como ideal

para o modelo científico tem seu apogeu no século XVIII e prosseguiu nos

séculos seguintes. S, por um lado existe a afirmação do homem como ideal

para a ciência, por outro existe a negação da mulher como cientista.

(SCHIEBINGER,2001)                                                             6 Gostaríamos de  retomar as palavras de Hannah Arendt  (1981) quando ela discorre que o privado, o ambiente  doméstico,  define‐se  como  o  lugar  privado  de  luz,  da  invisibilidade,  que  se  constitui  na inexistência social.  

22  

      

    

De fato, é toda a cultura acadêmica, veiculada pela instituição escolar, que, em suas variáveis tanto literárias ou filosóficas quanto médicas ou jurídicas, nunca deixou de encaminhar até época recente, modos de pensar e modelos arcaicos (tendo, por exemplo,o peso da tradição aristotélica que faz do homem o princípio ativo e a mulher o elemento passivo)em um discurso oficial sobre o segundo sexo, para o qual colaboram teólogos, legistas, médicos e moralistas[...]. (BOURDIEU, 2010, p. 104)

A ciência defendida e executada por homens passa a prescrever

padrões de uma cultura científica que pudesse excluir as mulheres e é nesse

momento que vemos a bandeira da privatização da família enaltecendo a figura

feminina como própria desse espaço. A construção do espaço privado como o

lugar da mulher se transforma em um sistema de controle das atividades

femininas. Em contrapartida, o espaço públicopassa a usar “barbas” e é neste

espaço que tudo acontece e se transforma, da ciência ao campo profissional.

No século XVII e cada vez mais no século XVIII, a sociedade europeia divergiu política e economicamente em duas esferas separadas: a esfera pública do governo e das profissões e a esfera privada da família e do lar. Os homens (da elite e da classe-média) encontravam seu valor “natural” na esfera pública, enquanto as mulheres dessas classes tornaram-se mães recém-habilitadas dentro do lar.(SCHIEBINGER, 2001, p. 69)

A sociedade moderna se estrutura em espaços predeterminados,

configurando uma divisão sexual do trabalho, sendo atribuído ao homem o

trabalho profissional e às mulheres o trabalho doméstico. As universidades que

formavam para a atuação profissional no espaço público são consideradas

“naturalmente”incompatíveis com a natureza feminina. Pensar a mulher no seio

da ciência era ir contra a sua natureza de mãe e esposa. “A teoria da

complementariedade sexual – de que as mulheres não são iguais aos homens,

mas seus opostos complementares” sustentava os lugares que homens e

mulheres ocupavam na sociedade e, muitas vezes, ainda ocupam na

sociedade. (SCHIEBINGER, 2011)

23  

      

    

Os complementaristas procuravam eliminar a competição entre homens e mulheres na esfera pública, removendo as mulheres dessa esfera. Esta nova doutrina trazia consigo as respostas à questão da participação das mulheres na ciência. Para os complementaristas, os propósitos e atividades do domínio público diferem essencialmente daqueles do lar. [...]) A ciência fazia parte do território que cabia àparte masculina [...]. Porque a ciência, como qualquer outra profissão, habita o domínio público [...]. (SHIEMBINGER, 2001, p.143)

Essa teoria se desenvolveu com o apoio acalorado da comunidade

científica masculina.

Dentro desse esquema, a feminilidadeveio a representar um conjunto de qualidades antitéticas ao ethos da ciência. As virtudes ideais da feminilidade –requeridas para a alegria da vida doméstica–eram retratadas como falhas pessoais das mulheres no mundo da ciência. (SCHIEBINGER,2011, p. 143)

A promessa de um mundo de igualdade desenvolvida a partir do

Iluminismo, como a proposta de atingir a todos, não se realiza. A ideia de uma

ciência que caminhava para uma universalidade metodológica e

epistemológica, que ultrapassaria todas as barreiras, não se concretizou. As

mulheres foram excluídas desse espaço e as assimetrias de gênero nessas

instituições influenciaram a produção do conhecimento.

Para poder ter acesso a essas instituições foi necessário um processo

longo e que contou com mulheres em vários locais do mundo na busca de seus

direitos à profissionalização e formação, sendo fundamental para esta

conquista a atuação de mulheres que desbravaram meios profissionais em

queapenas os homens tinham acesso. Podemos citar Flora Tristan, uma

pesquisadora social do século XIX na França (PERROT, 2005), que encontra

inúmeras dificuldades por ser mulher, mas, mesmo assim, prossegue com seu

trabalho como cientista social.

Em 1875, Antoinette B. Blackwell publicou o livro The sexestroughoutnature, afirmando que Darwin havia interpretado mal a evolução ao dar indevida proeminência à evolução

24  

      

    

masculina. Procurando adotar uma visão igualitária, argumentava que para cada característica desenvolvida pelos homens as mulheres teriam desenvolvido outra complementar. (CITELI,2000).

Embora não tenha sido divulgado como a teoria de Darwin, seu

papel de contrapor as ideias dominantes foi importante.

Madame Currie, junto com seu marido,Pierre Curie, e o cientista Henri

Becquerel éa primeira mulher a ganhar um prêmio Nobel7(1867-1934)de Física,

em 1903. Isso não a isentou de enfrentardificuldadese obstáculos impostos às

mulheres que ousavam adentrar o campo da pesquisa científica.

Em um depoimento, Albert Spear Hitchcock (1865-1935), um

agrostólogo– especialista em gramíneas – do Bureau ofPlantIndustrydo

Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e curador honorário do

Herbário Nacional da Smithsonian,declara que sua assistente, Agnes Chase,

era “seu melhor pesquisador” (grifo meu para a forma com que seu depoimento

foi registrado), com quem trabalhoua maior parte de sua carreira (HAENSON,

2000, p.165-197).Embora seu depoimento tenha sido registrado o nome da

pesquisadora raramente apareceria nos trabalhos ficando como um(grifo meu)

excelente assistente.

Citamos alguns dos inúmeros casos que se passaram pelo mundo.

Este processo de dificuldade se deu com as mulheres de forma mais

acentuada do que comos homens, desde a formação até a atuação como

profissionais, mas hoje, no século XXI, as conquistas já se instalaram em

alguns setores e isto se deve ao esforço de muitas mulheres, que em sua

maioria no anonimato, não porque assim o desejassem, mas forçosamente

colocadas em tal condição, lutaram pelolugar das mulheres no espaço público.

                                                             

25  

      

    

1.2 Onde está a mulher nesta história? Um breve histórico do ensino

superior no Brasil sob o olhar de gênero8

Não posso pensar a Teologia como ensino superior sem antes refletir

sobre o próprio ensino superior no Brasil. O terceiro grau em nosso país só foi

introduzido no início do século XIX (ANDRADE, 2011, p.25), no período em que

o Brasil ainda era possessão estrangeira. Portugal, como conquistador,

demonstrava pouco interesse na colônia e em seu desenvolvimento, que era

vistacomo um celeiro, e não como um espaço social ativo. “Apesar da política

de isolamento e controle por parte do governo português, a colônia ainda era

mais dinâmica e criativa do que a decadente e estagnada metrópole. Isto

acontecia na economia, mas também nas artes e nas ciências” (GOMES, 2008,

p.6).

A mentalidade de colonizador que via no domínio apenas um meiode

angariar bens com uma “política deliberada [...] que tinha como objetivo manter

o Brasil, uma joia extrativista e sem vontade própria” (GOMES, 2008, p.125), se

modificará a partir da vinda forçada da família real para o Brasil no ano de

1808. Os motivos políticos que compeliram a família real a se instalar na

colônia possibilitaram a modificação do modus operandi da vida em sociedade

no solo brasileiro, bem como a introdução de alguns costumes e conquistas

presentes na vida europeia calcada na mentalidade iluminista.

O esforço de mudar o Brasil não se limitou ao aspecto administrativo. Enquanto mandava abrir estradas, construir fábricas, escolas e organizar a estrutura do governo, D. João também se dedicava ao que o historiador Jurandir Malerba chamou de “empreendimentos civilizatórios”. Nesse caso, a meta era promover as artes, a cultura, e tentar infundir algum traço de refinamento e bom gosto nos hábitos atrasados da colônia (GOMES, 2008, p.129).

                                                            8Este capítulo tem por objetivo a contextualização de nosso objeto de pesquisa. Não pretendemos aqui entrar em conceitos ou categorias defendidos pela história ou repassar toda a história da educação no Brasil. 

26  

      

    

Podemos apontar a entrada da imprensa, das bibliotecas, teatros,

saraus de música e literatura, bem como o ensino superior. Apenas atrelada ao

atendimento das necessidades da corte é que a colônia ganha novos ares e,

desta forma, iniciaaintrodução da mentalidade moderna e científica que

dominava alguns setores da Europa.Assim, o movimento de melhoramento da

colônia para poder acolher a família real e sua corte foi o que possibilitou a

criação da primeira faculdade, em 18 de fevereiro de 1808, ligada à área

médica. “Ainda em Salvador, D. João aprovou a criação da primeira escola de

Medicina do Brasil [...]” (GOMES, 2008, p.118).Ela foi instalada no Hospital

Real Militar, que ocupava parte das dependências do Colégio dos Jesuítas, e

foi denominada FAMEB (Faculdade de Medicina do Brasil)9.

A segunda faculdade foi inaugurada no Rio de Janeiro, em 5 de

novembro de 1808, denominada Escola de Anatômica, Cirúrgica e Médica, “a

sede inicial se localizou nas dependências do Hospital Real Militar e Ultramar

Morro do Castelo até 1813, empenhando-se na formação de cirurgiões civis e

militares” (GOMES, 2008, p.6).

Os cursos de ensino superior surgiam em atendimento às demandas

da sociedade, acentuadamente com caráter científico-prático ligado às áreas

de exatas e de biológicas em conformidade com ideias positivistas. Se, por um

lado, o Brasil, sob a batuta do imperador, buscava implementar o ensino

superior, por outro lado issonão significava que iria contemplar toda a

população, e sim a elite, uma minoria da população brasileira.

O Brasil contava com um grande contingente de analfabetos entre

homens e mulheres e este quadro foi agravado com a expulsão, pelo Marquês

de Pombal, dos jesuítas no século XVIII, os quais, por sua vez, desde o início

da colonização detinham o monopólio da educação na colônia. Além disso, a

educação era proibitiva para as mulheres, as classes menos favorecidas e toda

a população escrava.

                                                            9 Informação  retirada  do  sítio  eletrônico  da  UFBA,  Cf. <http://www.fameb.ufba.br/index.php?option=com_content&view=article&id=54&Itemid=73.>Acesso em 26 mar. 2012. 

27  

      

    

Nesse momento, como propõe Foucault, a existência de focos de

saber-poder é sustentada por estratégias institucionais, como observamos na

formação educacional. Enquanto “predispunham os homens aí formados ao

papel de poder, [...] as mulheres vão tender a uma formação de submissão à

autoridade nas esferas públicas e privadas” (BRITO, 2011, p.16).

O ensino estruturado pelos jesuítas, embora fosse deficitário e

acentuadamente dividido por características de gênero, era o único de maior

atuação no Brasil. Embora a educação transmitida nos colégios jesuíticos não

fugisse dos valores patriarcais e deixasse suas marcas da divisão de gênero na

sociedade, era basicamente a única nesse período.

A ausência de escolas para a formação básica produzia dificuldades e

era um óbice ao acesso da educação superior. A ela vinham associadas de

forma contundente as questões classistas, de gênero e de raça, pois quem não

possuísse algum tipo de vínculo com as classes dominantes, não fosse homem

e branco teria muita dificuldade no ingresso em tais instituições. Poucos

chegavam à faculdade, um privilégio apenas da elite masculina e branca

(NASCIMENTO, 2007).

Se, por um lado, as dificuldades abrangiam as questões mais

elementares, como ser alfabetizado, por outro lado, para as mulheres a

situação era ainda mais grave10. A elas era negado o direito ao saber, pois,

como afirma Perrot, o saber era considerado contrário à feminilidade. Assim, o

saber passado às mulheres se restringia ao papel social que deveriam exercer.

“Ao longo do século XIX, reitera-se a afirmação de que a instrução é contrária

tanto ao papel das mulheres quanto a sua natureza: feminilidade e saber se

excluem. [...] Uma mulher culta não é uma mulher” (PERROT, 2008, p.91).

As faculdades não foram “criadas” para serem frequentadas por

mulheres, que eram direcionadas, quando eram, às escolas de formação.                                                             10Ao citarmos as mulheres, não estamos usando uma categoria universal, negando ou esquecendo que na dependência de sua raça ou classe todo o contexto se modifica. Neste primeiro período, ao falarmos de mulheres, estamos falando de mulher branca de classe alta, pois neste momento histórico as negras e  as  mulheres  brancas  de  classe  menos  favorecida  e  escravas  eram  em  sua  maioria  arrasadora analfabeta e o ensino era‐lhes algo inatingível.

28  

      

    

Lembrando que o ensino superior assentava-se na estrutura francesa, há que

se ressaltar que em solo Francês, anos antes de a primeira faculdade ser

inaugurada no Brasil, o mundo franco, por meio do babouvistaSylvainMaréchal,

publicara, em 1801, um projeto de lei sobre a proibição de ensinar as mulheres

a ler. Este projeto continha o seguinte:

Artigo 52: A razão quer que enquanto se espere a total realização desta lei, as mulheres se abstenham de ler e até mesmo de assistir às sessões públicas ou particulares dos Institutos, Academias, Círculos ou Sociedades Literárias, Pórticos ou Vigílias das Musas, Museus, Liceus, Pritaneus, Ateneus; assim acompanhar catecismos e cursos, assombrar bibliotecas, etc. Não é o seu lugar: As mulheres só estão bem em suas casas ou em uma festa de família. Artigo 60: A razão quer que todos os bons livros sejam lidos para as mulheres, mas não por elas. (PERROT,2005, p.351)

São os haustos franceses enclausurando a mulher no espaço privado

e, como disse Perrot (2005, p.502), impondo-lhe a ideia de que “sua única

vocação é para a reprodução, que as fixava em um tempo imóvel quase fora da

história”.

Enquanto o ensino superior se instaurava para os homens, o governo

criava nos “idos de 1827 [...] as ‘escolas de primeiras letras’, as chamadas

‘pedagogias’. [...] Os deputados regulamentaram com a primeira lei de

instrução pública, o ensino das pedagogias – aliás, o único nível a que as

meninas teriam acesso” (LOURO, 1997, p.44). Enquanto o ensino superior

abria as portas aos homens, o governo criava um ensino restritivo para as

mulheres.

A lei de 15 de outubro de 1827definia em seu artigo 12 a exclusão das

mulheres do ensino de geografia, limitava a instrução de aritmética, mas

determinava o ensino de prendas que servem à economia doméstica. Aos

meninos constava no artigo 6 da mesma lei a aritmética, prática de quebrados,

decimais e proporções,noções mais gerais de geometria prática,gramática de

língua nacional, leituras da Constituição do Império e história do Brasil.

29  

      

    

Segundo Adélia Woellner, caberia ao homem o lado material, concreto, o

poder, a decisão, o heroísmo, a força, a glória, a capacidade de pensar, o

domínio, ao passo que para a mulher concede-se uma espécie de transitar

etéreo, sublime, divinal, o sonho, o poético (WOELLNER, 2008).

Demonstrava-se claramente que a educação nascente do século XIX

continuava marcada pela divisão de gênero, explicitando que a educação dada

às mulheres não as preparava para o ingresso no nível superior, mas antes

visava “formá-las para seus papéis futuros de mulher, de dona de casa, de

esposa e mãe. Inculcar-lhes bons hábitos de economia e de higiene, os valores

morais de pudor, obediência, polidez e sacrifício [...] que tecem a coroa das

virtudes femininas” (PERROT, 2008, p.93).

Dando continuidade ao processo de escolarização na colônia no século

XIX, um novo espaço é inaugurado, no ano de 1830. São abertas as primeiras

escolas normais, na província do Rio de Janeiro e na Bahia, sendo uma para

homens e outra para mulheres, com as mesmas características das

pedagogias, abertas três anos antes.

A divisão por gênero dos espaços da educação iniciava-se nos

primeiros anos de escola e seguia até as escolas normais. Já o ensino

superior, que não previa separação de currículos, permanecia “imaculado” da

presença feminina.

A declarada divisão de currículos se estendia nos anos iniciais da

educação, mas não ocorria nas faculdades, que representava exatamente o

oposto, currículo único, pressupondo acesso igual ao conhecimento para

homens e mulheres. Além de pressupor uma forma igualitária de ensino,

também preparava para o trabalho profissional, algo nada palatável à

sociedade da época. O trabalho da mulher era restrito ao espaço privado e

impensado no espaço público, majoritariamente masculino. Segundo

Habermas (2003, p.16), a esfera pública representava:

[...] reino da liberdade e da continuidade. Só à luz da esfera pública é que aquilo que é consegue aparecer, tudo se torna

30  

      

    

visível a todos. Na conversação dos cidadãos entre si é que as coisas se verbalizam e se configuram, na disputa dos pares entre si [...].

Assim, a presença das mulheres em uma situação de diálogo ou de

disputa e de consequente visibilidade possibilitaria explicitarque a desigualdade

de aptidões que defendia a sociedade patriarcal era fruto de uma construção

social, e não algo inato.

A ciência dentro das faculdades do século XIX era conivente com o

preconceito opressor com base nas diferenças de gênero, utilizando os

“estudos científicos” para “comprovar” a incapacidade das mulheres:

Os biólogos e médicos do século XIX afirmavam que o cérebro da mulher era menor que o do homem e que o ovário e útero exigiam muita energia e repouso para funcionar adequadamente. “Provaram” que, em consequência, as meninas deveriam ser mantidas longe das escolas e faculdades a partir do momento em que começassem a menstruar que, sem esse tipo de preocupação, os úteros e ovários das mulheres poderia se atrofiar e a raça humana se extinguir (HUBBARD, 1993, p.27).

Tais “teorias” científicas não eram aceitas sem contestação pelas

mulheres. Elas resistiam e procuravam meios de dar voz aos seus anseios e

opiniões. As mulheres lutavam contra o status quo dominante e procuravam

seus espaços sociais. Fortemente influenciadas pelo liberalismo europeu,

criavam meios de se manifestar contra as limitações impostas. Uma de suas

conquistas foram as escolas para meninas citadas alhures, que nascem de um

movimento de luta das mulheres que levantam a bandeira do direito básico de

aprender a ler e escrever, até então reservado ao sexo masculino.(HAHNER,

2003)

Nísia Floresta Brasileira Augusta (DUARTE, 2003) é um dos exemplos

de mulheres que trabalhavam arduamente para conquistar direitos para a

comunidade feminina. Ela rompe com o espaço privado dedicado às mulheres

e escreve em jornais da época, chamados de a “grande imprensa”. Em 1832

31  

      

    

lança seu primeiro livro, intitulado Direito das mulheres e injustiça dos homens,

fruto de uma tradução livre da obra da feminista Mary Wollstonecraft,

impactando a sociedade brasileira.

Nísia literalmente traduz a voz do feminismo europeu para o português,

recria para a realidade brasileira a ideia de liberdade feminina. Foi o primeiro

livro no Brasil a abordar o direito das mulheres à instrução, pois afirmava que

as mesmas eram inteligentes e merecedoras de respeito. Na mesma obra

também luta pelo direito de as mulheres trabalharem. A escritora ridicularizava

a ideia dominante da superioridade masculina e apontava que as

desigualdades eram produto das circunstâncias da vida, bem como que os

homens se beneficiavam com a opressão feminina. Sua conduta desafiadora

possibilitou a Nísia, em 1838, fundar o Colégio Augusto, no Rio de Janeiro, que

propunha uma educação feminina completamente inusitada para a sociedade

da época (SANTOS, 2009).

Nísia promove uma onda, a primeira onda do feminismo no Brasil.

Desencadeia diversos movimentos que no início nascem tímidos, mas depois

se espalham pelo território nacional e ganham força, sendo capazes de

pressionar as autoridades. Esse processo é constatado com o nascimento do

jornal Nova Luz Brasileira, e a divulgação de 108 conceitos políticos, chamando

a atenção para a inovadora concepção de cidadãos ao admitir os direitos

políticos da mulher, como direito a votar e ser eleita. (PEREIRA, 2007).

Após este jornal, muitos outros nasceram. Mesmo sendo considerados

como segunda imprensa, estimulavam as mulheres a exigir seu espaço social,

seus direitos políticos, incitando campanha nacional a favor do sufrágio

feminino, o direito ao ensino superior e questionando a construção ideológica

do lugar da mulher.

Se, por um lado, as mulheres eram excluídas do espaço público, entre

eles o da educação superior, por outro elas não aceitavam submissas esta

situação. A entrada das mulheres no ensino superior não foi algo concedido,

mas sim conquistado. Essa conquista foi resultado de um movimento complexo

32  

      

    

que envolvia modificação no âmbito da cultura, da sociedade, da política, da

economia e das relações de poder. A busca do direito de sentar nas cadeiras

das faculdades fazia parte de um movimento de árduas lutas travadas pelas

feministas brasileiras do século XIX. (HAHNER, 2003)

Após longos anos de protestos em várias instâncias da sociedade, as

mulheres ganham o direito de cursar o ensino superior em 1879, quando o

governo brasileiro dá autorização para que ingressassem nas faculdades, pois

as “sociedades que proíbem às mulheres a educação impedem-lhes a

participação política” (TRAINA, 2008, 94), dificultando sua atuação como

sujeito proativo.

As primeiras mulheres a frequentar o ensino superior foram

estigmatizadas negativamente pela sociedade da época, embora o hausto do

liberalismo tivesse penetrado o Brasil desde 1820 (TELES, 1993). As

faculdades, como as escolas, não eram espaços democráticos, mas sim

reprodutores dos valores patriarcais da sociedade: elas haviam nascido para os

homens. Segundo Pierre Bourdieu (2005, p.104), “a escola, mesmo quando já

liberta da tutela da igreja, continua a transmitir os pressupostos da

representação patriarcal”. A ideia de que era preciso educar as meninas, e não

exatamente instruí-las, prevaleceu durante muitos anos, o que levou à entrada

tardia das mulheres no ensino superior, pois “todas as classes sociais livres da

sociedade brasileira se mostravam receosas com a educação das mulheres”

(MANOEL, 2008, p.34). Entre a inauguração da primeira faculdade e a

autorização do governo para que as mulheres pudessem estudar em

instituições de ensino superior passaram-se setenta e um anos de

discriminação.

Apenas no ano de 188711 a primeira mulher se forma em medicina,

após setenta e um anos da inauguração da primeira faculdade de Medicina na

Bahia. O que não significou a efetiva aceitação da igualdade entre homens e

                                                            11 Informação  retira  do  sítio  eletrônico  do  Instituto  Brasileiro  de  Geografia  e  Estatística.  Cf. <www.ibge.gov.br/ibgteen/datas/mulher/mulherhistoria.html>. Acesso em 20 mar. 2012. 

33  

      

    

mulheres na educação. A possibilidade de ingressar nos cursos do ensino

superior com os mesmos direitos concedidos ao homem não possibilitou a

mudança radical da ordem hierárquica vigente em nossa sociedade. “O público,

embora estivesse mais ou menos firmemente inserido na representação

hierarquizada, comunalmente previsível, das categorias sociais, podia ser,

mesmo assim, interpretado como um público de indivíduos livres”

(HABERMAS, 2003, p.157). Representava o início da conquista de novos

caminhos a serem percorridos pelas mulheres a partir de então.

As mulheres tinham e ainda têm restrições na formação profissional do

ensino superior e, muitas vezes, eram e são direcionadas para os cursos de

“formação mais adequada” a seu gênero. Cabiam às mulheres os cursos que

coadunassem com seu papel de cuidadora e sua função maternal. Desta

forma, eram direcionadas ao magistério, à área da saúde (enfermagem) e à

assistência social,permitindo uma divisão de gênero na profissionalização dos

homens e das mulheres, ainda presente na atualidade no Brasil.

A segregação ocupacional no ensino superior continuou resistente à expansão feminina [...] o crescimento, norteado por fatores culturais, não foi uniforme entre os cursos, o que gerou uma “feminização” de determinadas carreiras, influenciada também pela maior expansão do número de vagas de tais áreas em relação às demais (BOHN, 2010).

Retomando a implantação do ensino superior no Brasil, destacamos

que muitas décadas haviam se passado após a inauguração da primeira

faculdade e o Brasil continuava a possuir apenas cursos em faculdades

isoladas, afeitos diretamente ao poder público, e nenhuma universidade.

Enaltecer as faculdades em detrimento das universidades atendia aos ideais

dos seguidores de Comte, que valorizavam as ciências exatas e biológicas,

bem como enalteciam o espaço acadêmico como lugar de homem.

Dentro do ensino superior no Brasil do século XIX, ocorreram

conquistas incontestáveis na educação e o avanço da ciência foi extraordinário,

mas essas conquistas sempre foram apresentadas como conquistas

34  

      

    

masculinas.12 O positivismo, “pai” da educação superior do Brasil, herança do

pensamento de Augusto Comte, sabidamente desvalorizava a capacidade das

mulheres, bem como sua presença no espaço público, logo, no espaço

acadêmico. Também afirmava a inaptidão da mulher ao governo e à educação,

bem como defendia sua permanência no espaço privado “em virtude da

espécie de estado infantil contínuo que caracteriza o sexo feminino” (PERROT,

2006, p.178).

Contrariando as ideias de Comte, as mulheres brasileiras saem do

século XIX e entram no século XX determinadas a conquistar espaços sociais,

a romper com o sistema complexo que as mantinha marginalizadas (TELES,

1993). No final do século XIX, o movimento das mulheres mais organizado

pressiona a sociedade e busca conquistar seus direitos. Uma primeira

conquista básica foi o direito de voto para a mulher no Brasil. Na Constituinte

de 1890 surgem as primeiras manifestações em favor do direito político para as

mulheres. “Mas a ementa que concedia expressamente o voto à mulher não foi

aprovada, talvez porque os debates parlamentares não foram acompanhados

por um movimento feminista de apoio à iniciativa” (TABAK, 1989, p.125).

1.2. Século XX – lutas e conquistas das mulheres na sociedade brasileira

contemporânea

A formação acadêmica e a circulação das mulheres nos espaços

públicos possibilitaram maior articulação e organização das mesmas.Nas

novas conjunturas da segunda década do século XX, as mulheres entram em

evidência na área da educação, mas também na política. Movimentos

feministas iniciados no século XIX ganhavam força e se “ressignificavam” em

todo o país. As mulheres se organizavam fundando federações em prol do fim

                                                             

35  

      

    

da opressão feminina e pela busca de seus direitos. As resistências ocorriam

de modo formal ou informal.

Bertha Lutz (SOIHET, 2000), defensora do voto feminino e dos direitos

iguais para homens e mulheres, fundou a Federação Brasileira pelo Progresso

Feminino por volta de 1918 e assinou o manifesto intitulado Manifesto

Feminista ou Declaração dos Direitos da Mulher, junto com outras ativistas,

como Jerônima Mesquita, Marta Eugênia e Clotilde de Mello Vianna. O

manifesto foi elaborado após as primeiras mulheres terem ganhado o direito de

voto no Estado do Rio Grande do Norte no ano de 1927. O então governador

do Rio Grande do Norte, ao dar direito de voto às mulheres, cria uma polêmica,

não apenas em seu Estado, mas em todo o país, ao conseguir a alteração da

lei eleitoral. Quinze mulheres votaram, porém seus votos foram anulados no

ano seguinte. (DUARTE, 2003).

As resistências continuaram e penetraram o campo político de forma

direta. As mulheres fundaram o Partido Republicano Feminino, cujo objetivo

era instituir um grupo de mulheres capazes de defender a luta pelo sufrágio.

Com os movimentos das sufragistas que se fortaleciam dia a dia no país e

pressionavam o governo, na chamada era Vargas, no ano de 1930 conseguem

uma conquista histórica, a promulgação do novo Código Eleitoral, garantindo o

direito de voto às mulheres. (HAHNER, 2003)

Em 1932, no Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro13, foi aprovado o

código eleitoral, estipulando que “é eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem

distinção de sexo, alistado na forma deste código”. (MONTEIRO, 2010).

As lutas das mulheres por seus direitos não permitiam mais ignorar as

demandas que as envolviam, somados a isto o discurso do progresso e a

política pública para a educação não dispensavam o maior número de pessoas

envolvidas para que tivesse êxito. Desta forma, a confluência das lutas das

mulheres e as mudanças políticas conduziram a modificações significativas,

                                                            13  Informação  disponível  no  sítio  do  governo.  Disponível  em <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=33626>. Acesso em 8 jul. 2012  

36  

      

    

que possibilitaram a entrada no campo do saber, que está intimamente atrelado

ao poder, até então dominado por homens, reafirmando que as relações de

poder não são estáticas, mas podemser modificadas com as circunstâncias,

como defende Foucault.

O governo de Getúlio Vargas avançou muito neste sentido, criando o

Ministério da Educação e Saúde (MONTEIRO, 2010, p.94) e logo depois o

Conselho Nacional de Educação. Desta forma:

A educação em geral e, em particular,a educação feminina se tornaram um tema de debate público nos anos 20 e 30. O crescimento notável do ingresso de mulheres na escola, durante as primeiras décadas da República, constituiu um fato historicamente relevante para compreendermos como foram forjadas as condições culturais e institucionais [...] que permitiram a presença das mulheres em todos os níveis de ensino, sobretudo nos cursos superiores [...]. (SANTOS, 2009)

Porém, no início da República, uma nova conjuntura dentro da política

nacional possibilitou inovações e reinterpretações que se refletiram no ensino e

permitiram uma releitura de suaestrutura. Entre elas, a criação das primeiras

universidades e com elas novas alternativas para a inclusão das mulheres no

ensino superior.

O início das universidades, que marca um segundo momento do ensino

superior no Brasil, também é caracterizado pela intenção da ampliação da

função do ensino superior, bem como do desenvolvimento da pesquisa

científica. Para atingir este objetivo nascem instituições como a Associação

Brasileira de Ciência (ABC), em 1916, e a Associação Brasileira de Educação

(ABE), em 1924.

A inauguração da primeira universidade no país aconteceu na cidade

do Rio de Janeiro, em setembro de 1920. A instituição foi fruto da união de três

institutos: o de Direito, o de Medicina e a escola Politécnica. Conquanto já

conhecesse o desejo de se fazer pesquisa no país, ainda permaneceu única e

exclusivamente como escola de formação profissional sem agregar a pesquisa.

37  

      

    

O ensino superior levantou inúmeros debates e tanto a Associação

Brasileira de Ciência (ABC) quanto a Associação Brasileira de Educação (ABE)

elaboraram manifestos e documentos em prol de uma nova educação. Estes

fatores conduziram o Governo Getúlio Vargas a mudanças no ensino que se

consolidaram na lei geral promulgada sobre o ensino superior em 1931, a partir

do Decreto n. 19.851 de 11 de abril, assinado por Getúlio Vargas e Francisco

Campos. Por meio deste documento é instituído o “Estatuto das Universidades

Brasileiras”, que estruturava a oficialização, institucionalização e padronização

do sistema público de educação. Após este documento,os conflitos entre as

correntes estendeu-se por mais alguns anos.

A lei promulgada por Francisco Campos “implementou umasignificativa

reforma na educação nacional, com destaquepara a criação do Conselho

Nacional de Educação (CNE), o ministério da Educação e Saúde e

areorganização do ensino secundário e superior” (DALLABRIDA, 2009).

Nesse período, segundo Bohn e Bonilha (2011), Getúlio Vargas, em

sua fase populista, criou maiores chances de as mulheres ingressarem na

universidade. O decreto, em seu segundo artigo, determina que “atenderá

primordialmente ao critério dos reclamos e necessidades do país” e um dos

reclamos era a pressão das mulheres ao direito à vida pública, com direito à

política de votar e ser votada e ao ensino superior.

O contorno geral para as universidades públicas brasileiras estabelecia

no decreto, como requisito básico para a sua construção, congregar pelo

menos três das seguintes unidades: direito, medicina, engenharia e educação,

ciências e letras, mas sem referência alguma à filosofia. O ensino superior

brasileiro:

a despeito de serem escolas profissionais, cultivava um grande amor à qualidade acadêmica do ensino, entendida aícomo ensino desinteressado. As escolas superiores, resumindo-se às duas carreiras de alto prestígio, a do médico e cirurgião e a do jurista, depois à de engenharia, para cujo modelo se inspirou na escola politécnica francesa, eram o que foram para a França as grandes écoles, que não soubemos copiar. [...] O

38  

      

    

ensino nessas escolas era enciclopédico, dentro de cada ramo, compreendendo um extremo currículo, sem qualquer especialização, sendo, a rigor, propedêutico à profissão, para o qual o diplomado se iria formar pela prática depois de deixar a escola (TEIXEIRA,1968a, p.34).

As universidades que se formavam reproduziam em sua estrutura as

mesmas particularidades expressas no projeto do Estado desenvolvimentista.

Avritzer (2002), na obra A crise da universidade, relembra que o Estado é

quem legislava sobre elementos fundamentais das universidades, como: a

estrutura funcional (sistema de departamentos), a democracia interna (órgãos

decisórios) e a forma de produção e reprodução de conhecimento.

Segundo Trindade (2004), na terceira década do século XX, após a

Revolução de 30, surge um novo contexto político e econômico e duas novas

propostas para a educação no país, propostas estas que se confrontavam.

Uma proposta era a liberal-elitista, que logo passou a liberalismo igualitarista,

que se identificava com as camadas médias e trabalhadoras. A outra, a

nacional-autoritária, que havia se enraizado desde a década de 1920, no

governo Arthur Bernardes, com o objetivo de “impedir contestações à ordem

social”.

A corrente nacional-autoritária prevalece e, após o ano de 1935,

consegue obstruir as ideias liberais da educação. Como resultado de sua

prevalência fecham-se universidades com propostas liberais, como a criada por

Anísio Teixeira, a Universidade do Distrito Federal (UDF). No momento do

fechamento da UDF já é explícita a influência da Igreja no processo14. Antes de

seu fechamento, a UDF incorporara, no ano de 1935, o resultado da inusitada

experiência realizada por Anísio Teixeira e Manoel Lourenço Filho no Instituto

                                                            14Atendendo a Constituição de 1889, o Estado era laico.O § 7º do Art. 72 determina que “nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União, ou o dos Estados”. O governo Getulista reaproxima Estado eIgreja por  interesses políticos, bem como “o advento do Estado Novo pôs fim ao modesto movimento feminista dos anos 20 e 30. Os líderes do novo regime, com sua crença nos papéis de gênero fortemente diferenciados, mostram‐se hostis à demanda  feminina por maior  igualdade. Getúlio Vargas, dono de um pragmatismo político, nunca  se comprometeu com os direitos das mulheres [...]”. (HAHNER, 2003, p. 361) 

39  

      

    

de Educação do Rio. Ambos introduziram o magistério como um curso de

ensino superior, que obrigava a passagem pelo ensino secundário oferecido na

própria instituição. O diferencial deste projeto era o fato de os cursos de

magistério ser constituídos em sua maioria por mulheres, que estariam se

habilitando em grande número para o ensino superior. Considerando que as

escolas de magistério não possuíam um currículo competitivo,as

moças com diploma de professora primária que quisessem entrar na universidade, provavelmente limitariam suas opções de curso (entre ciências humanas e letras) já que as carreiras universitárias mais “nobres” eram as mais concorridas e exigiam, para tanto, uma maior preparação no ensino médio (SANTOS, 2011).

Ao ser incorporada pela UDF, a Escola de Professores passa a ser

denominada de Faculdade de Educação. Porém, com o fechamento da

universidade, em 1939, a Escola de Professores retorna ao Instituto de

Educação do Rio de Janeiro e, assim, restringe-se um dos espaços de acesso

ao ensino superior, potencialmente ocupado pelas mulheres. Com certeza, a

Faculdade de Educação era um progresso, mas continuava determinando uma

visão patriarcal ao relacionar, mais uma vez, as mulheres a uma profissão que

enaltece os dons femininos, colocando a “escolha” profissional como um

prolongamento das atividades domésticas e do cuidado materno. Além de

possibilitar:

[...] um corpo docente a baixo custo, para realizar a grande “cruzada pedagógica” de transformar os súditos coloniais em cidadãos das novas repúblicas: as mulheres latino-americanas passaram a ser consideradas “educadoras por excelência”, visto que eram uma mão de obra barata, eram dóceis e, sem outras oportunidades laborais “decentes”, se tornam mais atrativas. A professora possuía vantagens comparativas em relação aos professores,pois políticos e pedagogos da época afirmavam que “as mulheres instruem menos, porém educam mais”. Além disso, se as mulheres tinham sido definidas como as responsáveis pelas crianças no lar, nada mais razoável do que encomendar a elas a transição para o mundo do público

40  

      

    

com a transferência de responsabilidade sobre o ensino das primeiras letras (YANNOULAS, 2011, p.279).

Mesmo com a inferiorização do campo profissional feminino, era

inegável que elas estudavam e trabalhavam. Se há um aparente retrocesso

com o fechamento da faculdade e a volta ao Instituto de Educação do Rio de

Janeiro, sua herança estava instaurada, a mulher havia entrado no ensino

superior e se profissionalizava.

Se considerarmos que profissão é uma atividade laboral que requer uma preparação ou qualificação específica, a profissão docente redefinida era ideal para as mulheres, pois outorgava uma formação específica para duas funções: professora e mãe (YANNOULAS, 2011, p.279).

O novo regime instituído pelo Estado Novo possibilitou o acesso ao

ensino superior e àprofissionalização das mulheres, mas também a reconquista

por parte da Igreja de seu lugar no espaço público e a sua capacidade de

ingerência nos poderes públicos.Embora a Igreja católica perdesse sua

hegemônica enquanto produtora de bens simbólicos, ela se mantinha com seu

poder no plano cultural, social, intelectual e – porque não? – no econômico.

A separação entre Igreja e Estado15 que se havia mantido por quatro

décadas, desde 1890 até os anos 30 do século XX, chega ao fim, e a Igreja

toma novos rumos, reorganiza-se inclusive na área de educação.Jurkewicz

(1999)em sua pesquisa aponta para um novo momento em que Igreja e Estado

respeitando-se a distinção entre poderes temporais e espirituais, dão início a

uma nova relação, do qual a advém a colaboração da Igreja com o Estado na

manutenção da ordem social, por sua vez, o Esxtado passa a reconhecer a

autoridade da Igreja na família e na moral, garantindo-lhe privilégios.

                                                            15 “A  desestabilização  decorrente  da mudança  de  regime  político  no  Brasil,  em  1889,  e  o  corte  das subvenções estatais que a Constituição de 1891  consubstanciou deixaram a  Igreja  institucionalmente fraca. Contudo, em face dos  laços estreitos com Roma, beneficiou‐se com a transferência de padres e freiras estrangeiras, e passou, nos anos 20, por um renascimento político e intelectual.” (HAHNER, 2003, p. 322) 

41  

      

    

Um dos privilégios concedidos à Igreja é a criação de escolas e

faculdades. Enfatizamos que, ao colocar a Igreja, Jurkewicz(1999) não afasta o

protestantismo norte-americano, ainda que minoritário,que já se encontrava

instalado no Brasil e teve um papel importante no estímulo ao ensino superior,

pois trazia todo um conceito liberal, democrático e individualista.

Somado a isto, o decreto de 1931 previa em seu artigo sexto que as

universidades poderiam ser mantidas pela União, por Estados ou sob a forma

de fundações ou de associações, por particulares, constituindo universidades

federais, estaduais e livres, bem como “recursos financeiros concedidos pelos

governos, por instituições privadas e por particulares”16.

Envolvida neste amplo contexto, a Igreja aproveita esta abertura para a

criação de novos espaços, não estatais, para a educação superior e que se

constituiriam em faculdades e, depois, em universidades, como o caso da

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) no ano de 1946

(Decreto n. 8.681 de 15/03/1946).

A reconquista do espaço público para a Igreja foi incontestável, porém,

o cenário da década de 1940 era outro. A configuração do momento histórico

era muito diferente de quatro décadas atrás. O espaço público e privado estava

reconfigurado, como diz Perrot (2006, p.176): “as fronteiras entre público e

privado [...] mudam com o tempo” e, assim, a figura feminina agora transitava

entre eles, ainda com dificuldade, mas já transitava.Santos e Massena (2011)

dizemque a ampliação do acesso das mulheres ao nível superior,que começa

ocorrer a partir dos anos 1940, foi um efeito inesperado das reformas

educacionais ocorridas nas duas décadas precedentes. Nesta mesma década,

no ano de 1943, surge a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

A sociedade brasileira se transformava a cada dia, tudo parecia estar

mudando. A política desenvolvimentista iniciada na década de 1930 marcou

grandes modificações nas áreas: cultural, social, política e econômica.

                                                            16  Informação  retirada  da  Casa  Cível  do  sitio  do  governo.  Disponível  em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930‐1949/D19851.htm> Acesso em: 5 ago. 2012 

42  

      

    

Segundo Monteiro (2010), essas mudanças continuaram sendo incentivadas

por Juscelino Kubistchek, perpassando as décadas de 1950 e de 1960. Como

decorrência da política desenvolvimentista houve o crescimento do processo

de industrialização e consequente urbanização. As mulheres foram absorvidas

pelo mercado de trabalho, mas não apenas aquelas com formação no ensino

superior:

Este período é marcado por continuidades no que diz respeito à inserção das mulheres no mundo do trabalho extra-doméstico– um grande contingente de mulheres ocupa posições não qualificadas, com vínculo empregatício e condições de trabalho precários, mal remuneradas e sem proteção social. Elas estão predominantemente nas ocupações femininas tradicionais –, trabalho doméstico, atividades de produção para consumo próprio e do grupo familiar – e em certos nichos – magistério, enfermagem, comércio, telefonia, alguns setores industriais, como os ramos têxtil e do vestuário, e nos serviços pessoais como cabeleireiras, manicures, lavadeiras (ARAÚJO, 2002, p.19).

Além dessas grandes transformações, a década de 1960é marcada

pelo advento da pílula anticoncepcional17, provocando um forte impacto sobre a

vida das mulheres, especialmente da classe média. Com o advento do

anticoncepcional as mulheres têm mais controle sobre a reprodução, o que

facilita frequentar o ensino superior sem restrições ou interrupção, bem como a

se inserir no mercado de trabalho. Vemos então aumentar sensivelmente o

número de mulheres, de classe média, com formação no ensino superior a se

inserir no mercado de trabalho.

A modernização da mulher brasileira acontecia, mas de forma desigual,

pois a sociedade apresentava um desenvolvimento hierarquizado em termos

de classe, raça e gênero (SARTI, 1980, p.199). Se as mulheres brasileiras

conseguiam adentrar e expandir seu campo de atuação no espaço público, isso

não ocorria de forma homogênea para todas. Uma grande parcela da

                                                            17O comércio da pílula anticoncepcional teve início no Brasil em 1962, dois anos após ter sido aprovada nos Estados Unidos pela FDA — FoodandDrugAdministration. 

43  

      

    

população feminina ficou à margem deste processo. As conquistas se

restringiam às mulheres brancas e de classe média.

Os novos ares bafejavam sobre a educação, mas a marca do

positivismo e do patriarcado cristão ainda se expressava nas instituições de

ensino superior e assinalava seu caráter restritivo em alguns aspectos. A

restrição tanto para as mulheres quanto para a Teologia é um exemplo, pois o

Estado, alicerçado no pensamento de Comte e de seus seguidores, não

incentivava a presença da mulher no espaço acadêmico, do mesmo modo que

era avesso à religião, pois a entendia como um estágio a ser superado. Como

consequência, a Teologia, como disciplina, não era considerada algo

necessário nas recentes inauguradas universidades públicas. (TELES, 1993)

Contudo, a Igreja, que tinha a Teologia guardada em seus seminários

vocacionais, não queria a interferência do Estado em seus currículos. A

restrição à Teologia no cenário nacional é consequência do confronto da

mesma com a razão moderna em solo europeu. A Teologia no Brasil, mesmo

com a fundação de faculdades e universidades,confina-se a um espaço

próprio, sem oficialização, atrelada a uma Igreja específica, afeta aos

seminários. A Teologia, “restrita a sua função clerical, não era uma profissão,

um campo de atividade de atividade humana socialmente reconhecida”

(MENDONÇA, 2005, p.9). Constituía-se emsaber endógeno, preocupando-se

com questões particulares dos meios confessionais e não com as

necessidades e interesses da sociedade. Mas isso não significava que a

Teologia não tenha sido influenciada.

As diversas denominações, por sua vez, consideravam as “faculdades”

eclesiásticas como lugares distintos e assumiam para si a emissão de diplomas

independentemente do reconhecimento dos órgãos de regulação do ensino

superior. Porém, na primeira metade do século XX, com a instituição das

universidades confessionais (a primeira a ser fundada é a católica, PUC-Rio,

na cidade do Rio de Janeiro, então capital Federal do Brasil), a Teologia

adentra o espaço universitário, mas sem o reconhecimento acadêmico. Apenas

44  

      

    

com as universidades privadas, num segundo momento, que o ensino superior

ganha uma pequena liberdade de seu fazer acadêmico. Foi a partir de então

que se abriram novas possibilidades trazendo velhas e, ao mesmo tempo,

novas questões. Entraem discussão, novamente, entre outros temas, a

disciplina de Teologia.

Salientamos, num primeiro momento, que quando falamos de ensino

superior no Brasil estamos falando de duzentos e quatro anos, um breve tempo

para a constituição de uma cultura, que veio tomar impulso na primeira metade

do século XX com a criação das universidades.

As mulheres nesse período tiveram muitas dificuldades para penetrar

nas diversas profissões. Nos depoimentos registrados na coletânea Gênero e

Educação: lutas do passado, conquistas do presente e perspectivas do futuro,

organizadapor Tânia Suely Marcelino Brabo, constam depoimentos de

mulheres que romperam com o estereótipo masculino de algumas profissões.

Renata Cesar Vilardi Tenente, em seu capítulo intitulado a Natureza

das profissões, relata suas dificuldades para fazer o curso de engenharia

agrônoma, cuja tradição previa perfil masculino. Coloca que as resistências

iniciaram com a própria família, pois seu pai no início não apoiava sua escolha,

apenas sua mãe a estimulava a concretizar seu desejo. Lembra que após

passar no vestibular veio a cursar a Universidadede Brasília e sua turma era

composta de 200 homens e apenas 4 mulheres.

Silvia Helena Guidi Lima conta sua história no tema intitulado Uma

mulher no corpo de bombeiros. Relata que frequentou o Curso de Formação de

Soldadosna cidade de Marília no ano de 1987 e lá permaneceu até o ano de

2003, quando prestou um concurso e ingressou no Corpo de Bombeiros, cujo

batalhão era composto por 77 homens e 4 mulheres.

No artigo Myrthes Gomes de Campos (1875-?): pioneirismo na luta

pelo exercício da advocacia e pelaemancipação feminina(GUIMARÃES, 2009),

as primeiras mulheres a se formarem em direito, Maria Coelho da Silva

Sobrinho, Delmira Secundina e Maria Fragoso nunca exerceram a profissão,

45  

      

    

pois os debates sobre a profissionalização entre os magistrados nunca

chegarama aprovar o ofício para mulheres, ou seja, se formaram, mas nunca

ganharam o status de profissional.

2. A Teologia: da vocação à profissionalização – histórico

daregulamentação da disciplina de Teologia no Brasil

A Teologia é uma articulação entre fé e razão (ANDRADE, 2010), e

esta definição levou à discussão da questão de sua cientificidade. Inúmeras

polêmicas foram levantadas sobre sua legitimidade como ciência, mas Tomás

de Aquino, em sua obra magna, Suma Teológica, com base em Aristóteles,

estabeleceu seu status epistemológico e metodológico (PASSOS, 2011,p. 62)

e, desta forma, a Teologia adquiriu o caráter científico.

Tanto Aristóteles, que deu aporte científico à ciência moderna, como

Tomás de Aquino, que caracteriza a Teologia como ciência produziram leituras

muito preconceituosas na construção de gênero. Como observamos na crítica

feita por Simone de Beauvoir (1980,p.10) a Aristóteles em seu livro O segundo

sexo, por ele ter afirmado que a “mulher era fêmea em virtude de certa

carência de qualidades” e aTomás de Aquino, séculos mais tarde, por afirmar

que “a mulher é um homem incompleto, um ser ocasional”.

De um lado, o discurso científico na construção da inferioridade,

sustentada desde Aristóteles até seus sucessores no século XX, de outro, um

discurso religioso sustentado no mito judaico-cristão da criação da

humanidade, que defende a inferioridade de Eva por ter sido criada de uma

costela de Adão. Simone de Beauvoir (1980, p.16) rememora que “as religiões

forjadas pelos homens refletem essa vontade de domínio: buscaram

argumentos nas lendas de Eva, de Pandora, puseram a filosofia e a Teologia a

serviço de seus desígnios, como vimos pelas frases de Aristóteles eTomás de

Aquino”:

embora procurando superar a concepção dualista agostiniana e afirmando a criação contemporânea do corpo e da alma por

46  

      

    

meio de Adão, no que diz respeito a criação de Eva, São Tomás segue a doutrina de Agostinho. Para eles, a mulher foi criada como “auxílio” exclusivo para a geração, “porque, para qualquer outra função, o homem pode ser ajudado melhor por outro homem do que pela mulher (TOMAS, I, 92,1). [...] São Tomás aceita a interpretação de Aristóteles, segundo a qual se trata da conjunção de uma virtude ativa masculina e uma potência feminina passiva (BELLO, 2011, p.21).

A Teologia, uma vez concebida como ciência, trazia em seu bojo

preconceitos negativos tanto da religião como da ciência ao se referir ao sexo

feminino. Se a Teologia clássica trabalhava com a premissa da epistemologia

do sagrado, ou seja, era o esforço humano e limitado que buscava

compreender o que foi historicamente revelado, incluindo a construção

simbólica do feminino, ao buscar novos caminhos, no caso, o científico, ela

abria as “portas” para uma nova releitura de si, por meio do método científico,

que pressupõe transformações.

As mudanças históricas e dos novos paradigmas científicos levaram a

Teologia a uma progressiva e dolorosa mudança no discurso Teológico, até

então considerada pela Igreja católica a mais importante das ciências, e mais,

era “[...] vista, na sua proximidade com a revelação, como uma imagem da

ciência divina, que é uma ciência abrangente de tudo. Enquanto busca

conhecer tudo à luz de Deus, sobre passa todas as ciências” (sic) (ANJOS,

1996, p.15). Dentro desta perspectiva a Teologia era livre, e podia apregoar

uma ciência “revelada” apoiada em mitos primordiais formadores de uma

simbologia religiosa específica.

A tradição teológica defendida dentro deste prisma trouxe pouco

espaço e liberdade para a mulher, que ficou subjugada ao homem. A violência

simbólica imposta à mulher, negando sua condição de sujeito proativo,

amparada e justificada pelos textos sagrados, configurou a assimetria das

relações sociais de sexo em nossa sociedade.

Simone de Beauvoir recusava-se a aceitar a diferença entre os sexos,

fosse ela baseada na cosmovisão cristã ou na própria naturalização biológica,

47  

      

    

considerando-a discriminação que se consubstanciava em estratificações

culturais, o que facilitava a dominação masculina.

Todavia, sabemos não serem os textos sagrados os únicos causadores

de tal estado, porém, dentro da sociedade ocidental a cultura vem carregada

dos valores, padrões de comportamento e modelos a serem seguidos.

Segundo Ruether (1993), a Bíblia ainda é um instrumento de formação da vida

das pessoas, até mesmo das não religiosas. Esta simbologia sobre a mulher

consolidou um cenário de pouco ou nenhum acesso do feminino como sujeito.

Ivone Gebara (2010) afirma que as religiões judaico-cristãs, calcadas

no patriarcado, de uma maneira geral viam a mulher como dependente do

homem não só nos limites da história, mas nos limites da simbologia religiosa.

Projeta-se a partir do mito uma ordem social hierárquica, bem como delimita-se

o que é naturalmente pertencente ao homem e à mulher, cabendo ao homem a

produção e à mulher a reprodução. Desta forma, não cabe à mulher produzir

conhecimento, muito menos na Teologia.

O mito de Eva sustenta a ideia do feminino como símbolo do mal,

hierarquicamente inferior e dependente do masculino. Sendo a Teologia o

estudo de Deus, a rigor o estudo do “macho”, considerado o símbolo do bem

eterno, havia aí uma incompatibilidade natural. A abordagem científica da

Teologia não abdicava da abordagem mitológica que segregava a mulher. Ela

passou a enfrentar o desafio de acomodação aos paradigmas científicos,

esforçando-se sempre por harmonizar, no fiel da balança, filosofia e fé,mas

sem preocupação alguma com a revisão de sua concepção patriarcal e

androcêntrica, segundo a qual o feminino não é considerado. Para Brunelli

(2000, p.212):

A Teologia é masculina não só porque sempre foi produzida por homens, mas porque se desenvolveu numa cultura na qual o masculino era o normativo, e porque se serviu de um conhecimento filosófico produzido desta forma. Por isso o discurso teológico “universal” é androcêntrico. Muitas afirmações apresentadas como sendo “humano”, na realidade, referem-se à experiência e à percepção masculina.(sic)

48  

      

    

A Teologia, sobre o pilar patriarcal e androcêntrico, passou a se

estruturar segundo o paradigma da ciência aristotélica, ocupando, assim, um

espaço dentro das universidades em diversos locais da Europa, mas com a

presença irrisória das mulheres. Com o avanço do Iluminismo, em outro

momento histórico, colocou-se em questão a importância do conhecimento

teológico e seu caráter de saber científico. O que motivou um comportamento

dualista, levando muitas instituições a se erigir a partir dela e outras a entrar

em constante luta na buscado afastamento da mesma.

As instituições francesas se encontram entre aquelas que preferiram o

distanciamento da Teologia, diferentemente de outros países como Alemanha,

Itália, Espanha e Inglaterra. O Brasil, por sua vez, importou a visão da cultura

francesa que excluía a Teologia18 do espaço acadêmico, pois a entendia como

uma extensão da religião e, como já citamos alhures, o mesmo pensamento

francês alicerçado no positivismo também era resistente à presença das

mulheres no ensino superior.

Assim, falar de Teologia e ensino superior não obrigatoriamente estaria

incluindo mulheres, visto que os dois espaços eram majoritariamente ocupados

por homens. O movimento positivista corroborou e muito para a tardia

                                                            18O século XIX e início do século XXno ocidente foram marcados pela racionalização. A ciênciadesencanta o mundo com sua racionalização intelectualista e técnica científica orientada (PIERUCCI, 2003). Este período marca uma nova forma de entender a realidade alheia à religião que até então detinha a supremacia da interpretação da mesma e imprimia um modus operandià vida estabelecendo sentido ao mundo com base em seus mitos. “A atitude científica diante do mundo é especificamente ‘alheia ao divino’ [...] da mesma forma que a natureza é ‘alheia ao sentido’”. (PIERUCCI, 2003, p. 155). Isso provocou umaemancipação em relação à religião, mudando a forma de se entender a sociedade e tudo que a envolvia. O status religioso até então soberano é reduzido ou até mesmo abandonado. Pierucci no texto Secularização em Max Weber- da contemporânea serventia de voltarmos a acessar – aquele velho sentido retoma o conceito werberiano de secularização e afirma que este processo “nos remete a luta da modernidade cultural contra a religião tendo como manifestação empírica no mundo moderno o declínio da religião como potência in temporalibus[...] a depressão de seu valor cultural e sua demissão/liberação da função de integração social.”O lugar da religião neste processo de racionalização do ocidente já não era mais o mesmo, porém a religião não passou ao largo pelo mesmo.Embora a Teologia não fosse aceita pelas instituições de ensino superior que abraçavam abertamente a racionalização, ela se encontrava imersa na sociedade ocidental que defendia “as condições técnicas e sociais da cultura racional-intelectualista” (apudPIERUCCI, 2003, p. 156). Weber afirmava “que o destino de nosso tempo, com suas características de racionalização, e, antes de tudo, de desencantamento do mundo” (apud PIERUCCI, 2003, p. 165) imprimiam um percurso revolucionário e transformador atrelado ao progresso. A religião não passou por este processo de racionalização e secularização da sociedade de maneira indiferente, pois ela se encontrava inserida neste universo e também sofreu fortes influências da mesma.

49  

      

    

conquista em terras brasílicas do saber teológico como disciplina, bem como

dificultou a entrada das mulheres no ensino superior, mas as Igrejas tiveram

sua contribuição no mesmo sentido, pois preferiam uma Teologia “[...]

endógena, voltada para a reprodução de conhecimentos, no mais das vezes

importado e de caráter etnocêntrico” (GOMES, 2009, p.211).

Dentro desta perspectiva, os seminários teológicos foram fundamentais

e se constituíam em fonte formadora de teólogos, cabendo a eles, como alega

Hack (2005, p.169), “receber jovens para moldá-los segundo seus critérios e

forma religiosa, como se fossem peças de barro para reproduzir líderes

utopicamente preparados e prontos para dirigir uma comunidade religiosa”.

O Professor AntonioMáspoli de Araújo Gome 19 , docente da

Universidade Mackenzie, afirma que “a Teologia brasileira, ela nunca saiu do

gueto, ela é uma Teologia de gueto, ela circulava onde? Nos 300 seminários

católicos e 400 seminários evangélicos sem nenhum diálogo com a sociedade,

sem nenhum diálogo com a academia”. A liberdade nos seminários e institutos

teológicos na formação dos parâmetros da transmissão da Teologia era fato, e

mais, permitia delimitar a quem seria transmitido o saber teológico garantindo

restrições à sociedade, à academia e às mulheres. As igrejas vinculadas à

formação eclesiástica não estavam interessadas na instauração de uma

identidade teológica, principalmente porque o discurso hegemônico cristão,

expresso no regime patriarcal, já preconizava, como sendo líquido e certo, que

a Teologia era algo vocacional e masculina. Como discorremos acima, todo

este processo era algo “natural” e plenamente “justificado” na cosmovisão

judaico-cristã. Segundo Aquino (1997, p.19):

A Teologia sempre foi considerada disciplina própria de homem, e além disso, em nossos contextos, implica maiores cotas de esforço para as mulheres, tanto à limitação de recursos para ter acesso a ela [...]. Salvo escassas exceções,

                                                            19 Trecho retirado da entrevista de Antônio Máspoli de Araújo Gomes a nós concedida em maio de 2012 na Faculdade de Teologia Mackenzie.   

50  

      

    

as teólogas latino-americanas pertencem ao setor chamado “leigo”.

Seria bom frisarmos que dentro dos aspectos vocacionais defendidos

pela Igreja a mulher tem a condição de leiga, mesmo quando dedicada à vida

religiosa, o que permitia que a Teologia confessional pudesse permanecer com

seu perfil “histórico”, como encontramos nas palavras de Furlin (2011), ou seja,

continuaria como produção do “saber verdadeiro, gerenciada e controlada por

homens, em geral celibatários e eclesiásticos”. No espaço eclesial, sem dúvida,

a tradição judaico-cristã e o discurso simbólico androcêntrico atuaram como

procedimentos que determinaram e validaram as desigualdades de gênero e

hierarquias de poder. (GOMES, 2009, p.156).

Olga Caro afirma em seu artigo “A mulher em documentos eclesiais”

que a cultura patriarcal e a institucionalização da Igreja desconsideraram a

participação da mulher nos diferentes momentos de sua história. Assim sendo,

a mulher tinha poucas possibilidades de estar presente na elaboração do

pensamento teológico e na consagração da mesma como disciplina.

A matéria da profissionalização não interessava às igrejas, por uma

questão religiosa, mas também não descartava a questão econômica, pois a

ênfase no caráter vocacional permitia ter em seu meio um profissional não

assalariado, homem, exercendo a função sacerdotal alicerçado na ideia de

carisma.

Certamente, as ideias de carisma, de vocação e de ministério fornecem a base teológica para esse comportamento. O imaginário subjacente de que o carisma recebido do Espírito precede e sucede à profissionalização como critério de escolha dos sujeitos vocacionais a determinado serviço e como critério de avaliação do exercício, coloca os sujeitos eclesiais em uma dinâmica diferente daquela exigida pelas práticas profissionais nas sociedades modernas racionalizadas. (PASSOS, 2011, p.9)

Com o desinteresse das igrejas na regulamentação e consequente

profissionalização, e com a recusa das universidades na aceitação de um curso

51  

      

    

de Teologia em seu seio, constitui-se um campo desfavorável para a sua

oficialização. Antônio Maspoli de Araújo Gomes diz que, quando sugeriu o

reconhecimento da disciplina, no final da década de 90 do século XX, ele foi:

[...] zombado, desacreditado, perseguido. [...] Assim, as igrejas reagiram com muita violência à organização da Teologia dentro da universidade. Por quê? Porque de certa forma isso vai arejar a própria igreja. É um feedback que o leigo dá. De repente você tem aqui menina onde a igreja não ordena pastora, fazendo monografia defendendo o ministério feminino, fazendo dissertação de mestrado. Então, você tem um feedbackdado pela própria comunidade religiosa e é um caminho sem volta. Foi por isso que as igrejas reagiram com tanta violência. Dentro de minha denominação eu fui acusado, acusado formalmente. Eu fui processado. Fui processado dentro da Igreja presbiteriana por liberalizar a Teologia, secularizar a Teologia.20

Se no final do século XX constata-se uma retaliação desta monta,

como a ocorrência descrita pelo professor Antônio Maspoli, o que não seria

falar de reconhecimento da Teologia nas primeiras décadas do século XX? A

Teologia comodisciplina no Brasil, embora vigente e atuante, só existia no

campo privado e vocacional, e não era bem vista nos espaços públicos, nem

mesmo pelas próprias igrejas. A Teologia no Brasil fica “[...] marcada por regras

de um serviço, intracomunitário, e, sem pôr em dúvida a competência com que

é feito, mas de certo modo ‘caseiro’ [...]” (ANJOS, 1996, p.19).

Foi apenas em 1928, com a explosão do ensino superior, que Thomas

Porter elaborou um documento com a proposta para formação dos pastores

presbiterianos, quando destacou a necessidade de buscar o reconhecimento

dos títulos oferecidos no Brasil (GOMES, 2009). Para Porter, um norte-

americano que vinha de uma cultura na qual a Teologia era um campo já

consagrado do saber dentro das universidades, era natural buscar o

reconhecimento do governo brasileiro. Porém, seu intento trouxe a discussão

sobre a oficialização da Teologia, mas não repercutiu o suficiente para que

                                                            20 Trecho retirado da entrevista de Antônio Maspoli de Araújo Gomes a nós concedida em maio de 2012. 

52  

      

    

obtivesse um resultado positivo, pois as universidades permaneciam refratárias

e as igrejas continuaram fazendo valer seu modo próprio “de formação de seus

quadros em seminários e institutos teológicos longe do reconhecimento oficial”

(GOMES, 2009, p.211).

Neste ponto, levantamos a questão se o protestantismo norte-

americano, que pleiteava o reconhecimento dos títulos de Teologia no Brasil,

trazia em seu seio a temática das mulheres protestantes. Rita Gross, em sua

obra Feminism&Religion, aponta que o protestantismo norte-americano já vivia,

no século XIX,a luta das mulheres por espaço na religião. Segundo Gross, elas

buscavam reverter os tradicionais estereótipos cristãos sobre a mulher. A

autora rememora que a mulher foi fundamental para o sucesso dos

movimentos missionários protestantes do século XIX, que por meio das

sociedades missionárias espalhavam a mensagem cristã. O papel exercido por

elas nas campanhas missionárias que se realizavam no início, dentro dos

Estados Unidos, em encontros campais, foi estendido mais tarde a outros

países.

As Sociedades Missionárias Femininas foram incrementadas na metade do século XIX. Nessa época, a mulher missionária começou a se tornar alvo de grande interesse nas Igrejas para ocupar diferentes posições e trabalhos. [...] Estava muito clara para as sociedades missionárias a falta de preparo intelectual da maioria das mulheres e a de formação profissional para todas aquelas que partiam para a missão evangélica. Após a Guerra de Secessão, a participação das mulheres no trabalho missionário foi profissionalizada [...] (SILVA, 2008, p.35).

As mulheres se organizavam na formação do pensamento teológico no

campo protestante. Verificamos este processo com Elizabeth CadyStaton, uma

protestante que formou um grupo de mulheres que, após uma série de estudos

sobre a Bíblia na perspectiva feminina, compõe a maior interpretação feminista

do século XIX, a Bíblia da Mulher (Woman’sBible). Esta obra foi publicada em

duas partes, a primeira parte no ano de 1895 e a segunda no ano de 1898. A

ousadia feminina de lançar uma releitura da Bíblia causou uma polarização no

53  

      

    

público do entorno. Muitos ficaram desconfortáveis com a discussão dentro no

universo protestante, outros passaram a evocar os ideais feministas.

Essas questões, rejeitadas ou não, acabaram por disseminar novas

ideias e foido meio protestante onde o feminismo vinha apontando questões

relativasàs mulheres que veio Martha Hite Watts, de 36 anos,no ano de 1888,

trazendo esses novos conceitos ao Brasil.Na qualidade de missionária por

meio da Woman’sMissionarySociety. Professora formada e membro da Igreja

Metodista, Watts trouxe novos ares para o papel da mulher no espaço religioso

brasileiro. Trabalhou de 1888 até o final da primeira década do século XX como

missionária, mas também na área da educação e política. Escreveu sobre

sufrágio, direitos das mulheres, emancipação e educação para as jovens que

procuravam emancipação e liberdade. Ela colaborou para a formação de uma

geração de ativistas dentro das religiões protestantes, que foi criticada e

reprimida pelos protestantes evangélicos conservadores, que consideravam tal

comportamento uma “erosão e ruptura da ideologia dominante masculina”

(SILVA, 2008, p.35).

O principal foco de repressão à sua atuação foi no sul do país, na

Conferência Geral da Igreja Metodista (SUL) de 1910, e prosseguiu até o ano

de 1930. Foi na região sul do país, a mesma região na qual Porter expressara

o desejo de legalizara Teologia no Brasil. No mesmo período, o comportamento

patriarcal reprimia movimentos de liberdade das mulheres.

A primeira tentativa na busca de regularizar a Teologia não fez

nenhuma menção de espaço para as mulheres, mesmo quando defendida por

um protestante que vinha das terras norte-americanas, onde o panorama das

lutas já era instituído e muitos membros femininos lutavam pelo direito de

expressão e participação da mulher.

Após a tentativa de regularização de 1929, as faculdades de Teologia

que foram sendo inauguradas tinham vínculos com as igrejas. Em 1949, a

Santa Sé reconheceu uma Faculdade Eclesiástica de Teologia em São Paulo.

A Faculdade de Teologia Metodista, que tinha sua sede em Juiz de Fora desde

54  

      

    

1888, como nos informa Paulo Nogueira, mudou-se para São Bernardo em

1948. Os batistas inauguram sua primeira faculdade no ano de 1957. No ano

de 1972, a PUC-Rio também inaugurou sua faculdade de Teologia e ampliou

para os cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado, que gozavam do

reconhecimento da Santa Sé. As instituições confessionais inauguravam suas

faculdades sem a preocupação da oficialização do curso pelos órgãos

governamentais.

Entretanto, vemos instituições públicas, de caráter leigo, demonstrando

interesse na regulamentação da disciplina de Teologia. A ousada tentativa se

deu no projeto da formação da Universidade Federal de Brasília (UNB) na

década de 1960. Darcy Ribeiro incluiu em seu diagrama estrutural dos cursos a

disciplina de Teologia no ano de 1962. Após saber que a Igreja Católica, por

meio dos jesuítas, pleiteava junto ao presidente Juscelino apropriar-se do

projeto da UNB, Darcy Ribeiro se uniu aos dominicanos e propôs a frei

Matheus Rocha que fosse a Roma falar com o Papa e dizer que o projeto da

universidade que ele pretendia implantar em Brasília contaria com o curso de

Teologia.

O papa João XXIII aceitou e, nesse momento, Darcy Ribeiro procurou o presidente e mostrou que não existia mais oposição nenhuma, mas com um detalhe: a Universidade de Brasília iria ter um instituto de Teologia. [...] O projeto do Instituto de Teologia começou a ser feito pelos dominicanos, orientados pelo frei Matheus Rocha (MONTEIRO, 2010, p.99).

Esse projeto jamais se concretizou por causa de conflitos com a Igreja,

que não desejava interferência do Estado nas concepções teológicas

confessionais. A segunda tentativa ocorreu em outra instituição pública em

1967:

[...] foi feita uma tentativa de reconhecimento de graduação em Teologia no antigo Conselho Federal de Educação. Tratava-se do curso de Teologia que deveria ser criado na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFRJ), dentro de um plano de

55  

      

    

reestruturação que buscava atender aos novos preceitos da reforma universitária de 1966-1967 (ANDRADE, 2011, p.25).

O projeto não foi aceito. Para refutá-lo reuniram-se membros da

comunidade religiosa católica e membros da comunidade política, que

alegavam o princípio republicano da separação Igreja e Estado. Envolvidos

com o mesmo propósito, Igreja e Estado desenvolveram o Parecer 190 de 15

de março de 1968, redigido por Newton Sucupira, em querejeitavam a criação

da disciplina de Teologia e recomendavam a criação da disciplina de Ciências

da Religião.

Uma exceção se abriu, entretanto, em favor dos cursos oferecidos pelas chamadas Faculdades Eclesiásticas Pontifícias, graças ao Parecer nº 34/67 de autoria do ilustre Conselheiro Newton Sucupira, e isso pelo fato de se reconhecer que, embora “destinadas à formação filosófica dos futuros sacerdotes, possuem também objetivos puramente acadêmicos que os distinguem dos cursos de Filosofia dos Seminários comuns”.21

Desta forma, Newton Sucupira, com seu Parecer, livra as igrejas da

interferência do Estado, mas cria um subterfúgio para a questão dos diplomas

não reconhecidos. Em nossa narrativa, em nenhum momento até este período

histórico citamos nomes de mulheres envolvidas com a regulamentação da

Teologia, fosse no âmbito político, fosse no âmbito religioso.

2.1. As mulheres e a Teologia

Pensar as mulheres no contexto da Teologia só se torna realidade, na

América Latina, a partir da Teologia da Libertação. Embora a Teologia da

Libertação tenha sido feita majoritariamentepor homens, ela possibilitou que as

mulheres assumissem para si a sua reflexão libertadora. Essa nova vertente da

                                                            21 Informação retirada do sítio do governo do Ceará. Disponível em <http://www2.cec.ce.gov.br/p1641‐96.htm>. Acesso em 5 ago. 2012. 

56  

      

    

Teologia atravessava o mundo dos pobres e das mulheres, que por meio dela

encontraram um espaço para dar voz aos seus clamores, lutas e expectativas.

Isso não ocorria sem resistência do poder central da Igreja, “mas feministas

brasileiras em geral evitavam atacar os aspectos dogmáticos da doutrina da

Igreja Católica Romana que fomentavam a subordinação da mulher, e a igreja,

por sua vez, também não atacava publicamente o movimento feminista”

(HAHNER, 2003, p. 323)

Foi nesse contexto religioso do cenário brasileiro que a mulher

entrouna Teologia. Duascircunstâncias vieram auxiliar as mulheres: a primeira

foi a abertura dada pela Teologia da Libertação, e a segunda se deu em função

do momento político vivido no Brasil, o regime militar ditatorial.

Enquanto a Igreja católica acreditava, por meio de sua hierarquia, que

a regulamentação da Teologia acarretaria interferência no currículo econtrole

do ensino teológico e consequente intervenção na formação religiosa, o

momento político pedia por uma maior participação feminina.

As dificuldades impostas pela ditadura militar, nas décadas de 1960 e

1970 do século XX, causavam um ambiente de insegurança e temeridade

sobre a possível postura que o Estado poderia adotar. As igrejas, por sua vez,

temiam a repressão que já se instalava. Com o panorama de estresse político e

social imposto pelo governo militar, os membros da comunidade católica, em

especial, buscaram alternativas de ação, considerando que o Concílio do

Vaticano II (1962-1965) trouxe abertura política, social e cultural, o que

viabilizou abraçar as novas ideias defendidas pela Teologia da Libertação,

recorrente na América Latina. Este movimento que nasce de uma forma

inversa, não nas elites eclesiásticas, mas sim de seu plano oposto

hierarquicamente, possibilitou situações até então inusitadas.

Com a Teologia da Libertação, as mulheres conseguiram ter

participação como sujeito histórico no trabalho teológico. O campo, até então

discreto para as mulheres, abria um hiato para atuação feminina efetiva. A

Teologia da Libertação buscava trabalhar com os pobres e oprimidos, no

57  

      

    

entanto Rosado (2006) frisa que embora a teologia da Libertação clamasse por

justiça social isso não incluía no processo a justiça e igualdade de gênero,que

não eram foco naquele contexto social e político.

Porém, as questões sociais impostas possibilitaram àTeologia

Feminista brasileira, nascida no contexto sociocultural das lutas feministas,

buscar seu espaço no pensamento teológico, político e social como uma área

contígua, produzindo deslocamentos na territorialidade da Teologia até então

essencialmente patriarcal. Foi no seio da ditadura que a Teologia permitiu a

atuação das mulheres não só na área social, mas também na elaboração de

questionamentos sobre as práticas do cristianismo.

ElinaVuola (2000, p.101.Tradução nossa) coloca, em linhas gerais, que

as teorias feministas “buscam criar um entendimento mais profundo da

situação das mulheres e iniciam com a experiência da opressão das mulheres

e argumenta que a subordinação das mulheres vai desde circunstâncias

privadas a condições políticas”.

Contudo, é inegável que os espaços das instituições teológicas, nos

seus procedimentos cotidianos e em sua constituição, ainda permaneciam

comprometidos com as relações assimétricas de gênero e não tinham interesse

no que pensavam e queriam as mulheres. A marginalização das mulheres na

construção do discurso teológico, a hierarquização dos sexos, a centralização

das práticas litúrgicas nas mãos dos homens, a apropriação do sagrado pelo

masculino, representação simbólica a partir do masculino, entre outros temas,

permaneciam vigentes.

As mulheres ganhavam voz e evidenciavam-se na Teologia e sua luta

por inovação, interpretação e desconstrução do modus operandi da sociedade

e das suas organizações políticas, sociais, culturais e teológicas, mas ainda

não haviam se tornado sujeitos avalizados para discutir a Teologia nos espaços

públicos em “pé” de igualdade com os homens.

58  

      

    

A Igreja, por meio da Encíclica Pacemin Terris (1963), reconhece que a

emergência das mulheres era “sinal de Deus”22. Anos depois, o Concílio do

Vaticano II também reafirma a dignidade da mulher como ser humano, o direito

de igualdade em relação ao sexo masculino esua participação nos espaços

públicos.

A Igreja,embora considerasse em documentos a condição da mulher,

na prática realiza um movimento oposto, pois, incoerentemente, mantém o

sacerdócio apenas para os homens, sustentando a doutrina tradicional.

Embora as mulheres lutassem por seus direitos, inclusive na

construção do saber teológico, elas não desestruturavam o modo patriarcal no

qual as igrejas de alicerçavam. Como demonstram os relatos históricos, a

Igreja no Brasil, na década de 60 do século XX, preferiu lutar contra a

legalização da Teologia, pois a mesma exigia para os cursos de bacharelado

de Teologia um currículo mínimo e obrigatório, sem mobilidade, que deveria ser

comum às diversas denominações.

Além disso, havia o desconforto que a isonomia traria, permitindo o

livre acesso de qualquer pessoa que desejasse se tornar um profissional da

Teologia. Assim sendo, prevenir que a Teologia não entrasse nas malhas do

governo era mais conveniente.Afinal, garantiria sua ampla e irrestrita liberdade

de formação teológica, bem como assegurava a exclusão das ideias femininas

da Teologia. Lourenço Rega, em entrevista, ao se referir à regulamentação,

nos dizque:

Havia um desejo, uma aspiração, mas ao mesmo tempo havia uma preocupação, uma inquietação. Havendo o reconhecimento, pode haver intervenção do governo nos currículos, a primeira coisa; a segunda coisa, havendo o reconhecimento, você teria, digamos, haveria descontrole, no

                                                            22 Informação  disponível  no  sítio  eletrônico  do  Vaticano.  Disponível  em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_xxiii/encyclicals/documents/hf_j‐xxiii_enc_11041963_pacem_po.html>.Acesso em1 ago. 2012. 

59  

      

    

ingresso dos alunos, podendo entrar qualquer tipo de aluno, por exemplo, um ateu [...]23.

Mas também poderiam ser mulheres a ingressar sem reservas no

curso. A manutenção do corpo e das ideias femininas à margem do saber

teológico é algo estratégico para a manutenção nas relações poder. “A

constituição do saber, como espaço masculino por excelência, articula-se com

a questão da exclusão feminina do poder na sociedade em geral, e nas igrejas,

em particular” (ROSADO, 1996, p.92).

Se, por um lado, não havia consenso sobre a disciplina de Teologia por

parte das igrejas e do Estado, por outro mantinha-se o consenso do discurso

sobre o feminino nos dois espaços, como afirma Rosado Nunes, um discurso

masculino sobre as mulheres e para as mulheres. Discurso este reforçado e

legitimado por ambos, cada qual dentro de sua lógica.

Neste ínterim, em nível de América Latina, no ano de 1968, é realizada

a Conferência de Medellín, onde são retomadas as questões de desigualdade

entre homens e mulheres, e, no ano de 1979, a Conferência de Puebla dedica

onze parágrafos para abordar a situação das mulheres.

Os documentos tanto de Medellín como de Puebla foram marco decisivo para um novo sujeito teológico. Neles, as mulheres retomaram e reformularam as principais opções, contribuindo para que a Igreja descobrisse o seu rosto humano que foi obscurecido historicamente por uma visão clerical e masculina. (FURLIN, 2011, p.149)

Enquanto a Igreja procurava manter seu poder na formação endógena

da Teologia, as teólogas brasileiras, na segunda metade da década de 1970,

lançam suas produções expondo suas dificuldades no interior dos cursos de

Teologia e as discriminações nas comunidades eclesiais, quando tentavam

compartilhar seus conhecimentos teológicos, o que reputavam ao fato de

serem mulheres. (FURLIN, 2011)                                                             23 Trecho retirado de entrevista concedida pelo diretor da Faculdade Teológica Batista em 23 de maio de 2012. 

60  

      

    

De forma “natural”, o curso de Teologia, que negava o espaço à mulher

como produtora de saber, ainda sem reconhecimento pelo governo brasileiro,

corria atrás de mecanismos ou de artifícios, resolvendo parcialmente o

problema dos diplomas. Paulo Nogueira, da UMESP, fala de “[...] outro

caminho, muito ruim, que foi permitir que o curso de filosofia aproveitasse

crédito de Teologia para a integralização da filosofia e aí, várias universidades,

faculdades de filosofia criaram curso de complementação.”

O Professor Paulo Nogueira refere-se ao Decreto-Lei nº 1051 de 1969,

que permitia o ingresso, sem vestibular, em instituições de ensino superior

onde houvesse vagas excedentes, daqueles que tivessem cursado os

seminários maiores, com duração mínima de dois anos.

À margem das questões femininas, anos depois, o Conselheiro B. P.

Bittencourt complementa o Decreto-Lei nº 1051/69, com o Parecer nº 48/74,no

qual inclui a necessidade de comprovação do 2º grau ou equivalente, por parte

dos candidatos que ingressaram nos seminários, faculdades ou institutos

teológicos. Também determinava a comprovação de que, pelo menos, duas

disciplinas específicas, que eram oferecidas nos cursos confessionais,

estivessem presentes no curso de licenciatura que pretendiam frequentar. Este

parecer levou muitos dos seminários, faculdades e institutos teológicos a

mudar seu currículo para promover a compatibilidade.

As faculdades de Filosofia tornaram-se o caminho da legitimação dos

diplomas de Teologia, por meio da licenciatura reconhecida pelo governo.

Muitos seminaristas usufruíam do benefício da lei e, desta maneira, não

perdiam seus anos de estudos no campo vocacional. Esse benefício foi

ampliado, permitindo o ingresso nos cursos de Letras e Ciências, entre outros.

Este procedimento legal fez surgir solicitações no Ministério da

Educação e Cultura de cursos de curta duração, com a finalidade de graduar

candidatos “formados” nos seminários maiores. Esta mesma lei abriu

precedentes para pedidos de validação de diplomas, de forma imprevista,

como é o caso de João Moreira de Coelho, Oficial de Chancelaria do Ministério

61  

      

    

das Relações Exteriores, que fez sua formação secundária no Brasil, em Minas

Gerais, e o curso de Teologia na Faculdade de Teologia Presbiteriana do Brasil

em Campinas, pela qualobteve o “diploma” de Bacharel no ano de 1958.

Prosseguindo sua formação no exterior em cursos de extensão e depois pós-

graduação em Ciências Linguísticas, ele alcançou o grau de mestre. João

Moreira de Coelho entrou com o pedido de revalidação do título na

Universidade de Brasília e conseguiu seu intento. A relatora do processo,

Esther Figueiredo Ferraz, votou a favor de seu pedido no Parecer 345/81.

Contudo, no ano de 1987, esta política de validação dos cursos de

Teologia foi desaconselhada pelo Conselho Federal de Educação, que no

Parecer 35/87 acentua a nulidade dos “diplomas que tenham sido expedidos,

irregularmente, sob o calor do benefício do Decreto-Lei 1051/69, lei

excepcional que não comporta aplicação extensiva” (ANDRADE, 2011, p. 27).

Mas isso não impediu que outros casos isolados surgissem e, no ano

de 1988, outro pedido de revalidação de diploma é concedido. O professor

Miguel Castilhos solicitou ao MEC a expedição do registro de seu diploma de

especialista em Educação Musical, com base em seu título de Bacharel em

Música Sacra, expedido pelo seminário Teológico Batista do Sul do Brasil.

Diploma este que não havia sido validado, por meio de adaptação, conforme

permitia a legislação. Professor Miguel Castilhos consegue sua revalidação por

questão de isonomia tendo como referência o parecer emitido por Esther de

Figueiredo Ferraz a João Moreira Coelho no Parecer de nº 345/81.

Os grandes esforços de reconhecimento da Teologia na qualidade de

curso superior têm início após a restrição de tais benefícios. Foram esforços

que surgem num primeiro momento de indivíduos isolados interessados em

regularizar seus estudos. Num segundo momento são instituições isoladas ou

pequenos grupos organizados que tentam o reconhecimento. Mas todos dentro

de sua capacidade passam a pressionar o governo.

Paulo Nogueira, em entrevista concedida, nos informou que entre os

anos 80 e 85 do século XX têm início vários esforços para a consolidação da

62  

      

    

Teologia como disciplina reconhecida e assinala os esforços de sua

denominação. Membros da Igreja Metodista e componentes do Conselho de

Educação, Almir Maier e Ulisses Panisset, segundo Paulo Nogueira, foram

pessoas que incentivaram o trabalho a favor do reconhecimento da Teologia

desde a década de 80. O estímulo constante levou São Leopoldo, então

seminário, a pedir a autorização de funcionamento do curso superior de

Teologia. “Nesse processo, São Leopoldo fez um balão de ensaio muito bom.

Eles pediram a autorização de funcionamento do curso superior deles. Isso

bateu lá e ficou engavetado, ora desengavetava, ora voltava para engavetar,

era uma briga”.24

Os ensaios para o reconhecimento da disciplina de Teologia

prosseguiam e as denominações iniciavam seus intentos junto ao MEC, porém,

as mulheres continuavam a assinalar sua posição inferiorizada no Cristianismo.

As teólogas brasileiras, por meio de suas produções, buscavam a defesa de

uma perspectiva feminista da Teologia, embora permaneçam marginalizadas

pela Igreja, sem acesso ao direito de exercer a Teologia.

O fato de estarem marginalizadas não as retirava das lutas por

espaços onde tivessem voz e, para tanto, iniciaram, de maneira autônoma em

relação àIgreja, encontros de mulheres teólogas ou não. Podemos citar os

encontros que ocorreramna Argentina no ano de 1986 eno Brasil no ano de

1988.

A partir da década de 90 do século XX, os movimentos em prol do

reconhecimento da Teologia se acirram, mas também se acirram as lutas das

teólogas por seus direitos, mesmo que ignoradas por suas Igrejas.

Se, por um lado, as mulheres permaneciam brigando por direito a

maior participação e igualdade nas Igrejas, conquistando espaços pontuais, por

outro a Teologia conseguia grandes avanços. O primeiro deles foi o

credenciamento da Teologia, que ocorreu em ordem inversa, iniciando com a

                                                            24 São declarações dadas por Paulo Nogueira, reitor da faculdade de teologia da UMESP, em entrevista concedida em junho de 2012. 

63  

      

    

pós-graduação, no ano de 1990. A UMESP–Universidade Metodista de São

Paulo abriu um novo momento histórico ao conquistar o primeiro

credenciamento de um curso de pós-graduação em Teologia.

Anos depois, o governo, por meio da Portaria Ministerial 2.264/97,

reconheceu os cursos de mestrado e doutorado, que passaram a ser

vinculados àCAPES, mas o Bacharelado em Teologia ainda permanecia nas

mãos dos seminários.

No mesmo ano de 1997, Paulo Nogueira nos relata ter ocorrido uma

reunião em Porto Alegre da COGEME–Coordenação Geral das Instituições

Metodistas de Educação, reunião esta intermediada por Ulysses de Oliveira

Panisset e Almir Maia, então presidente do COGEME e membro da Câmara de

Educação Superior. “Foi convidado para participar desta reunião o presidente

da Câmara Superior de Educação, que era Éfrem Maranhão, e foi montada

uma reunião com ele, com o pessoal da Teologia, para discutir sobre o

reconhecimento da Teologia.” (NOGUEIRA, 2012)

Segundo Paulo Nogueira, Éfrem Maranhão, que tinha sua formação na

Alemanha, ficou surpreso ao saber que a Teologia no Brasil não tinha seu

reconhecimento e propôs que se trabalhasse nisso, criando uma comissão e

um documento visando à oficialização da disciplina. Foi pedido a Pedro Demo,

então Reitor da Universidade da Bahia, para ser um assessor na formulação e

solicitação do reconhecimento da Teologia. Pedro Demo criou o documento

pedido e posteriormente levado à discussão, no ano de 1998. Em seguida

encaminhado a Brasília para análise. No ano imediato, 1999, o reconhecimento

foi homologado.

Quase no mesmo período, segundo Antônio Maspoli, na Universidade

Mackenzie, o reitor,Dr. Cláudio Lemo, Osvaldo Hacker, chanceler da

Universidade Mackenzie e ele próprio convidavam para um almoço o então

Ministro da Educação, Paulo Renato. Neste almoço, conforme relato de

Antônio Maspoli, o Dr. Cláudio Lemo pergunta ao Ministro Paulo Renato:

64  

      

    

–Paulo, porque vocês, que criaram esse Conselho Federal de Teólogos25, também não credenciam os cursos de Teologia? E o Paulo Renato falou uma coisa muito curiosa, ele falou: – Mas os cursos de Teologia já são reconhecidos. E o Cláudio Leme começou a rir e falou: –Ministro, não tem nenhum reconhecido. Aí ele falou: – Então façam um anteprojeto para o credenciamento. Junto nos deu o nome de um Conselheiro, que era Dr. Lauro Zimmer. Dr. Lauro Zimmer veio aqui [Universidade Mackenzie]. Eu, Lauro Zimmer e Osvaldo Hacker fizemos três parágrafos e, no mês seguinte, Paulo Renato assinou [...].26

Como pudemos verificar na transcrição de trecho das entrevistas, cada

denominação clama para si a conquista da regulamentação da disciplina de

Teologia, todavia sabemos que não se tratava de “uma conversa ou de uma

reunião”, mas de um longo e complexo processo que foi amadurecendo a ideia

da oficialização da Teologia, bem como operacionalizando a mesma por meio

de mecanismos estatais. A religião também fez uso desses mecanismos

jurídicos disponibilizados pelo Estado para encontrar o lugar da Teologia na

sociedade.

Emerson Giumbelli (2008), em seu artigo “A presença do religioso no

espaço público: modalidades no Brasil”, fala sobre a modernização e

secularização do Estado e defende que em meio este processo houve

certoacolhimento da religião no espaço público. Ele defende que algumas

“formas de presença da religiãono espaço público não foram construídas em

oposição à secularização, mas por assim dizer no seu interior”. Esse processo

possibilitou a presença e reconhecimento da religião através dos dispositivos

jurídicos que aludem o aparato e poder do Estado, que por sua vez

abrangemalegalidade social.

                                                            25Projeto de Lei ao Senado114/2005 do Senador Crivella para a criação de um órgão regulador da profissão. Este Projeto de Lei foi uma releitura de outras tentativas que já haviam ocorrido no Brasil, como: Projeto de Lei nº 1.506, de 1999, do entãoDeputado Benedito Dias, Projeto de Lei nº 4.922, de 2005, do entãoDeputado José Divino (Arquivado nos termos do Artigo 105 do RegimentoInterno da Câmara dos Deputados) e Projeto de Lei nº 2.407, de 2007, do então Deputado VictórioGalli. 26 Este diálogo foi reproduzido por Antônio Maspoli de Araújo Gomes em entrevista concedida em maio de 2012. 

65  

      

    

Giumbelli entende que foi no interior do Estado moderno, marcado pela

secularização, envolvido com os princípios de laicidade que a religião

encontrou meios de se fazer presente.

“secular” e “religioso” constituem pares indissociáveis na modernidade [...] sendo possível constatar acomodações de agentes religiosos em Estados seculares, mas também definições seculares do religioso. [...] Seja como for, a presença do religioso na sociedade está sempre relacionada com os dispositivos estatais, apesar ou por causa da laicidade. (GIUMBELLI, 2008)

Pude constatar por meio de pesquisas e levantamentos que houve,

sim, ações multifocais que fizeram uso de meios jurídicos para marcar a

presença da Teologia, que tem seu caráter confessional, e culminaram com o

advento do reconhecimento, ou seja, o poder do Estado legitimando a

Teologia, que é uma certa presença da religião. Assim, em 15 de março de

1999, o Conselho Nacional de Educação aprovou o Parecer CES 241/99,

assinado pela relatora Eunice Durhan e os Conselheiros Lauro Ribas Zimmer,

Jacques Velloso e José Carlos de Almeida.Os termos definidos no Parecer

CES 241/99 foram:

1- Que os cursos de bacharelado em Teologia sejam de

composição curricular livre, a critério de cada instituição,

podendo obedecer às diferentes tradições religiosas.

2- Ressalva a autonomia das universidades e centros

universitários para a criação de cursos, os processos de

autorização e reconhecimento obedeçam a critérios que

considerem exclusivamente os requisitos formais relativos ao

número de horas/aulas ministradas, a qualificação do corpo

docente e as condições de infraestrutura oferecidas.

3- O ingresso seja feito através de processo seletivo próprio da

instituição, sendo pré-condição necessária para admissão

aconclusão do ensino médio ou equivalente.

66  

      

    

O grande divisor de águas para que se buscasse com mais afinco a

legalização da Teologia foi a questão econômica, pois todos que atuavam

gratuitamente como teólogos nas diversas instituições religiosas passariam a

ser assalariados. Professor Antônio Máspoli, que acompanhava o processo de

regulamentação, afirma que a iniciativa de:

um grupo de pessoas, que nem são teólogos, na realidade ligados àAssembleia de Deus e àIgreja Universal do Reino de Deus, eles criaram o Conselho Federal de Teologia, que não exige título nenhum para o sujeito participar deste conselho. [...] Aí, nós percebemos que era necessário uma discussão maior da sociedade e que se criassem normas para a formação desse teólogo que iria compor esse Conselho Federal de Teologia. Porque nas normas do Conselho não precisava nem de título de Teologia [grifo meu]. Então, como se tem um Conselho Federal de Teologia sem formados em Teologia?Então na época, em 1998, nós fizemos um levantamento e havia 60 milformados em seminários com título de bacharel em Teologia, mas sem nenhum credenciamento.27

Quando o senador e bispo da igreja Universal do Reino de Deus,

Marcelo Crivela, buscou a profissionalização do clero por meio da criação de

um Conselho Federal de Teologia, pela Lei nº 3.860 de 9 de julho de 2001,

legitimando “teólogos” que nunca cursaram o bacharelado em Teologia, isto se

torna, segundo o professor AntonioMáspoli, um estímulo à regularização da

disciplina. Esta é uma preocupação que também apareceu nas falas de

Lourenço Rega e de Paulo Nogueira. Lourenço Rega coloca que esta tentativa

via Câmara e Senado:

no fundo tem um grupo por trás [...], que não está interessado no trabalho do teólogo. Está interessado em criar uma associação, uma federação, um Conselho Federal de Teologia, que já foi criado, um tipo de sindicato, mas capturar dinheiro. [...] se você cobrar 100 reais de anuidade de cada um, quantos milhões essa associação ou Conselho Federal vai ganhar?28

                                                            27 Trecho oriundo de entrevista concedida a nós pelo professor Antônio Máspoli em maio de 2012. 28 Trecho  de  entrevista  concedida  a  nós  pelo  professor  e  diretor  da  Faculdade  Teológica  Batista Lourenço Stelio Rega em maio de 2012. 

67  

      

    

A ânsia em regulamentar uma profissão e a formação de uma categoria

profissional, por meio de um Conselho, antecipou-se inclusive ao

amadurecimento da ideia de se ter a Teologia como profissão, e isto causou

um desconforto em quem estava na batalha pela regulamentação da disciplina

junto ao Ministério da Educação e Cultura.

Então, vemos as diferentes denominações se organizando contra o

projeto do senador Marcelo Crivela, buscando inclusive os órgãos

governamentais para esclarecimento do que se tratava o tal projeto. Lourenço

Rega dirige-se a Brasília para discutir com o senador relator do projeto

colocando que havia um desencontro sobre a definição de teólogo defendida

no projeto de Marcelo Crivela e a definição de teólogo defendida pelo Ministério

da Educação e Cultura. O projeto do senador Marcelo Crivela nomeava como

teólogos ministros e pastores religiosos que nunca haviam cursado o

bacharelado de Teologia.

Em meio a conflitos políticos e econômicos, a nova situação em seu

conjunto, ainda mais complexo, abre uma nova reflexão sobre a situação

peculiar da Teologia no Brasil. A práxis teológica, até então identificada com a

prática pastoral, buscava seu perfil acadêmico e profissional.

O conflito estava instalado entre a formação teológica nos seminários e

a formação teológica nas poucas faculdades de Teologia. Esta situação foi

agravada pelo fim do aproveitamento dos créditos adquiridos nos cursos

ministrados nos seminários, conforme determinava o Decreto Lei nº 1.051/69,

revogado em 1987 pelo Parecer 35/87. Assim, instalavam-se circunstâncias

muito distintas na formação teológica, uma formal e outra informal.O governo

atenuou esta situação homologando a:

Resolução da Câmara de Ensino Superior (CES) 63/2004, que trata do aproveitamento dos estudos por parte daqueles que haviam concluído cursos livres de Teologia. Para fins de aproveitamento, o curso de origem deveria, também, ter tido a duração de pelo menos 1.600 horas. Assim, reabriu-se a possibilidade de aproveitamento dos estudos seminarísticos

68  

      

    

para fins de obtenção de um diploma válido na área de Teologia. (ANDRADE, 2001, p.31)

Marília Ancona Lopez, relatora do Parecer 118/2009, em um capítulo

de livro intitulado “A graduação em Teologia e o sistema de ensino oficial”, no

livro Teologia Pública, registra que o período posterior àResolução 63/2004 foi

marcadopor desencontros nos órgãos governamentais.

Os membros do Conselho de Educação Superior (CES) e do Conselho

Nacional de Educação (CNE), no período de 2004 a 2008, tinham diferentes

opiniões sobre o reconhecimento da Teologia. Entre elas, apontavam que a

Teologia era assunto de religião e não do Estado, que tem por base ser laico.

Alegavam se tratar de questão de fé e deveria ser discutida no âmbito das

igrejas, bem como voltar a considerar a Teologia como curso livre.

O histórico da constituição da disciplina da Teologia

tem novos desdobramentos no ano de 2009. Aos 6 de maio de 2009 é aprovado por unanimidade o Parecer CNE/CES 118/2009. Propõe-se que os currículos dos cursos de graduação em Teologia, bacharelado, desenvolvam-se a partir dos seguintes eixos:

1. eixo filosófico – que contemple disciplinas que permitam avaliar as linhas de pensamento subjacentes às Teologias, conhecer as suas bases epistemológicas e desenvolver o respeito à ética;

2. eixo metodológico – que garanta a apropriação de métodos e estratégias de produção do conhecimento científico na área das ciências humanas;

3. eixo histórico – que garanta a compreensão dos contextos culturais e históricos;

4. eixo sócio-político – que contemple análises sociológicas, econômicas e políticas e seus efeitos nas relações institucionais e internacionais;

5. eixo linguístico – que possibilite a leitura e a interpretação dos textos que compõem o saber específico de cada Teologia e o domínio de procedimentos da hermenêutica;

6. eixo interdisciplinar – que estabeleça diálogo com áreas de interface, como a psicologia, a antropologia, o direito, a biologia e outras áreas científicas.

Vale dizer que, no Brasil, existem cerca de uma centena de cursos de Teologia, já autorizados ou

69  

      

    

reconhecidos, presentes em vários Estados. Eles são oferecidos por instituições públicas e particulares, pertencentes a mantenedoras confessionais ou não e contemplam Teologias subjacentes a diferentes confissões: adventista, batista, católica, espírita, evangélica, luterana, messiânica, metodista, umbandista, entre outras. Trata-se de cursos de graduação com duração entre 1.500 e 4.500 horas. Considerando que se trata de cursos de graduação, orienta-se que respeitem um mínimo de 2.400 horas.29

Este Parecer levantava novas questões sobre o pressuposto do que

vinha a se entender por Teologia. Paulo Fernando Carneiro de Andrade, por

exemplo, aponta a confusão estabelecida no Parecer “entre Teologia e religião,

de um lado, e entre Teologia e estudos da religião (ou Ciências da Religião) de

outro” (ANDRADE, 2011, p.31). Além desta questão exposta havia também o

problema da sistematização da Teologia, mas excluindo-se a transcendência e

algumas confessionalidades, criticavam a eliminação do caráter prático,

formando apenas acadêmicos e, ainda, a supressão de um eixo de Teologia

entre os seis eixos determinados.

Com vistas a esses equívocos, a Universidade Mackenzie, por intermédio de sua Chancelaria, e a ABIEE conseguiram um encontro com o Ministro da Educação, professor Fernando Haddad, em setembro do ano passado. A ABIBET esteve representada por intermédio do atual vice-presidente, Dr. Lourenço Stelio Rega, que participou ativamente na elaboração da carta ao Ministro. No encontro foi entregue a carta e feitas as explicações conforme acima descrito. O Ministro solicitou o apoio do grupo de líderes ali presentes para a elaboração de uma minuta de proposta de emendas ao referido Parecer. A proposta foi entregue na Secretaria do Ensino Superior (SESu) do MEC em outubro do ano passado. O assunto foi remetido pela SESu ao CNE quando foram adicionadas outras participações (EST, Faculdade de Teologia e Ciências da religião da PUC-Campinas, ANPTECRE e SOTER). Concluído o reexame do Parecer 118/2009 pela Comissão foi encaminhado ao CNE, que, em sua sessão de março de 2010, deu origem ao Parecer CNE/CES 51/2010 efetuando as

                                                            29 Cf.  Informações  disponíveis  no  sítio  eletrônico  do governo:<http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/pces118_09.pdf>.. Acessada em: 21/08/2012 

70  

      

    

correções necessárias, mas mantendo a ideia dos eixos, incluindo o eixo de Teologia. (REGA, 2001, p.295)

O lugar da Teologia no âmbito acadêmico foi repensado e discutido

pelos órgãos governamentais, pelas igrejas e pela sociedade durante muitas

décadas. Dr. Paulo Wollinger, então presidente da SESu, em uma palestrana

Conferência Teológica, da Associação Brasileira de Instituições Batistas de

Ensino Teológico (ABIBET), em Brasília, no ano de2010, ao discutir a

regulamentação da Teologia, referequea disciplinaapresenta um conjunto

complexo de saberes própriosjá consolidado e que deve, assim, merecer o

status de graduação.

Segundo Paulo Wollinger, a Teologia não é entendida como uma

ciência, afirmando que o “ensino superior não é composto apenas de ciência,

mas também de arte, humanidades e outros saberes que são estruturados

academicamente e que são de conhecimentos consolidados”30.

A Teologia foi consagrada em seu lugar na academia, com opiniões

muitas vezes divergentes quanto a seu caráter científico, mas ganha relevância

perante a comunidade científica em seu fazer teológico. Neste sentido, as

conquistas foram concretizadas com êxito. A Teologia passou a compor o

espaço público, proclamando sua igualdade com outras disciplinas, e se

reorganizou por meio do Parecer CNE/CES nº 51/2010. Este documento é

resultado do Parecer CNE/CES nº 118/200931.

Propõe-se que os currículos dos cursos de graduação

em Teologia, bacharelado,desenvolvam-se a partir dos seguintes eixos:

1. eixo teológico – que contemple os conhecimentos que caracterizam a sua identidade e prepare o aluno para a

                                                            30 Trecho  retirado  da  gravação  da  reunião  da  ABIEE  ocorrida  entre  13  e  15  de  outubro  de  2010. Disponível  no  sítio  eletrônico  da  instituição,  em  <http://www.youtube.com/watch?v=f4H6lQugLO8>. Acesso em 7 out. 2011 31 Informação  retirada  do  sítio  eletrônico  do  Ministério  da  educação  e  Cultura.  Disponível  em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=866&id=12877&option=com_content&view=article>. Acesso em 20 maio 2011.  

71  

      

    

reflexão e o diálogo com as diferentes Teologias nas diferentes culturas;

2. eixo filosófico – que contemple conteúdos curriculares que permitam avaliar as linhas de pensamento subjacentes às Teologias, refletir sobre as suas bases epistemológicas e desenvolver o respeito à ética;

3. eixo metodológico – que garanta a apropriação de métodos e estratégias de produção do conhecimento científico na área das Ciências Humanas;

4. eixo histórico-cultural – que garanta a compreensão dos contextos histórico-culturais;

5. eixo sociopolítico – que contemple análises sociológicas, econômicas e políticas e seus efeitos nas relações institucionais e internacionais;

6. eixo linguístico – que possibilite a leitura e a interpretação dos textos que compõem o saber específico de cada Teologia e o domínio de procedimentos da hermenêutica;

7. eixo interdisciplinar – que estabeleça diálogo com áreas de interface, como a Psicologia, a Antropologia, o Direito, a Biologia e outras áreas científicas.

Agora, qual a situação das mulheres na Teologia que penetram o

campo da ciência e da profissionalização? Como pudemos observar, coube

aos homens, em maioria arrasadora, o espaço da legitimação da Teologia. Eles

discutiram, eles formularam, eles encaminharam, eles aplaudiram a decisão do

governo.

Onde estavam as teólogas formadas? Não haviamulheres capacitadas

a discutir, formular, encaminhar, aplaudir, ou assistimos mais uma vez, como

conceituou Margareth Rossiter,à “segregação territorial?” (SCHENBINGER,

2001, p.76). Trata-se de uma disparidade territorial em queas mulheres não

têm presença representativa por terem sido excluídas por questões religiosas?

A herança da tradição judaico-cristã é excludente e não possibilita uma atuação

efetiva das mulheres teólogas?

A condição material, institucional e ideológica tem favorecido a

atribuição do saber e fazer teológico aos homens. Observamos que são os

processos materiais e simbólicos de cunho religioso, que enaltecem o

72  

      

    

patriarcado, que dão significado às diversas formas de relação social de sexo e

relações de poder dentro da Teologia.

Aí está claro um dos sintomas do patriarcado, que imprimiu no campo

teológico um estereótipo calcado na cosmovisão judaico-cristã, que se

estendeu na construção do espaço de produção política, social e científica da

Teologia, bem como nas relações sexuais de trabalho, pois neste primeiro

momento de nossa pesquisa a Teologia continua sendo “coisa” (trabalho) de

homem.

2.2. Porque elas não foram convidadas?

A Teologia que se desenvolveu no Brasil seguiu o modelo cristão

europeu, que se baseava na revelação e na tradição escrita, ou seja, a

Teologia brasileira em sua totalidade era de formação da “confessionalidade”

cristã. Esse modelo foi vigente até o ano de 1999. Porém, com a

regulamentação da Teologia como curso superior, surgem instituições de perfis

distintos.

Nesse contexto diverso fiz minha formação. O campo das religiões

afro-brasileiras, até então intocável pelo olhar da Teologia, lançou mão da

regulamentação para construir uma nova abordagem teológica. E foi nesse

campo que me formei e no qual atuei, inicialmente, no âmbito administrativo

educacional do curso de Teologia. O conhecimento da área tornou-se

fundamental para a organização dos aspectos administrativos pedagógicos.

Passei a ocupar o cargo device-diretora, que exerço até hoje,

justamente por ser formada em Teologia. Para mim não havia estranheza no

fato de mulheres trabalharem como profissionais da Teologia. No entanto, tudo

se modificou quando atravessei os muros da instituição onde trabalho e

adentrei um cenário mais amplo, que envolveu diversas faculdades de Teologia

reconhecidas pelo Ministério da Educação e Cultura. Foi a partir desse

73  

      

    

encontro, ou melhor, desse desencontro de ideias, que desenvolvi

interrogações que fomentaram minha investigação.

O histórico de minha pesquisa tem início no ano de 2010 ese

desenvolve a partir denossa atuação profissional na área administrativa em

uma faculdade de Teologia. Na instituição, sou membro da diretoria e atuo na

área educacional junto com uma pequena equipe, composta em sua maioria

por mulheres.

Passeia ocupar este cargo em virtude deminha formação em Teologia

e meu envolvimento com a área educacional de nossa formação. Por

circunstâncias de minhas tarefas administrativas, fui levada a contatar o diretor

da Faculdade Teológica Batista, Lourenço Rega, no mês de setembro do ano

de 2010.

Após esse contato, a instituição em que trabalhei, por intermédio de Dr.

Lourenço Rega, foi convidada a participar da plenária desenvolvida pelo

Conselho Nacional de Educação (CNE), que objetivava a discussão das

Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de Teologia.

Nesta reunião, em Brasília, na plenária do CNE, deparei-me com algo

inusitado, uma mesa com muitos homens, mas apenas uma mulher.Desse

modo, entrei neste cenário que me descortinaria um universo sem

mulheres.Nessa mesa masculina, as questões institucionais, que privilegiam os

homens como profissionais da Teologia, ficaram mais explícitas.

A plenária de 22 de novembro de 2010, da qual participei, marcou a

iniciativa do Conselho Nacional de Educação da discussão das DCNs, que veio

a constituir um Grupo de Trabalho (GT) da Teologia composto por

representantes de várias denominações com a mesma finalidade. Após minha

experiência na plenária, passamos a compor o Grupo de Trabalho (GT)

constituído, num momento subsequente, para a discussão das Diretrizes

Curriculares Nacionais (DCNs) de Teologia e percebemos que a discussão

teria como voz central a masculina. Esta iniciativa,que partiu de uma comissão

74  

      

    

do Conselho Nacional de Educação (CNE), no ano de 2010, prosseguiu até

fevereiro do ano de 2011.

O projeto do Conselho Nacional de Educação de formar um grupo de

trabalho para discutir as DCNs de Teologia contou com “certa herança” deixada

pela comissão do conselheiro Aldo Vanucchi.

O atual presidente do Conselho Federal de Educação,Gilberto Garcia,

que integrava a comissão atuante das DCNs de Teologia(no ano de 2010 e

2011), em entrevista nos relata quehouve uma comissão anterior àvigente no

ano de 2010 da qual participamos. A comissãoque antecedeu a de 2010 era

presidida pelo conselheiro Aldo Vanucchi,que já havia minutado a proposta de

DCNs para o curso de Teologia (o Parecer 118/99), porém, a mesma não

agradara as bases32.

Quando a comissão do conselheiro Aldo Vanucchifoi reorganizada em

nível de Conselho Nacional de Educação, em atendimento ao vencimento do

prazo daqueles conselheiros, foi constituída uma nova comissão da qual o

conselheiro Dr. Gilberto Garcia passou a ser membro. Da comissão anterior

ainda permanecia o conselheiro Antônio de Araújo Freitas Junior, que

trabalhava em conjunto com o conselheiroDr. Gilberto Garcia, que nos

descreve que, ao iniciar seu trabalho na nova comissão:

Ao invés de fazer um trabalho de gabinete, eu aproveitei o trabalho de uma comissãojá constituída pela SESU, que já havia formado um grupo interinstitucional. Para que aquele trabalho pudesse ser aproveitado de alguma forma, era necessário conhecer aquele grupo. Então, a primeira providência que nós fizemos foi organizar uma comissão de organização interna. Nessa comissão, eu contei com o apoio da ABRUC33, que eu conhecia muito das comunitárias que

                                                            32 O  atual  presidente  do  Conselho  Federal  de  Educação,  Dr.  Gilberto  Garcia,  se  refere  às  diversas denominações evangélicas e católicas, que já tinham seus cursos como Teologia livre. 33A Associação Brasileira das Universidades Comunitárias  (ABRUC),  fundada em 26 de  julho de 1995, com  sede  em Brasília,  atualmente  reúne 62  Instituições Comunitárias de  Ensino  Superior  (ICES), que apresentam  conceitos  de  3  a  5  no  IGC,  encontrando‐se  bem  colocadas  e  bem  avaliadas  pelos instrumentos aplicados pelo Sinaes. Trata‐se de instituições sem fins lucrativos que desenvolvem ações essencialmente  educacionais,  como  ensino,  pesquisa  e  extensão,  com  notória  excelência  em  suas 

75  

      

    

tinha os confessionais ali dentro, e da própria ABIEE 34 . A ABIEE já pegava o segmento evangélico em vários leques e a ABRUC, que eu já conhecia, e me traziao segmento das confessionais também como universidades. Esse era o segmento católico, muito importante e muito forte dentro da ABRUC; também a metodista, presbiteriana e a luterana. Então, eu peguei esses segmentos já na assessoria antes de criar a comissão, a audiência pública.Essa comissão organizou a audiência pública. Então, o Freitas tinha a preocupação de que fosse o mais democrático possível[grifo meu]. E nós abrimos o leque das instituições que já mantinham cursos de Teologia pelo menos credenciados, muitas iam “recredenciar” ainda. Já tinham credenciados, então fizemos diferente da comissão anterior, procuramos pegar todos[grifo meu]os representantes, mesmo aqueles que só tivessem um, como o centro espírita e umbanda, que só tinha um, diante da esmagadora maioria católica” (GILBERTO GARCIA).35

Este evento,organizado pela comissão do conselheiro Gilberto Garcia e

o conselheiro Antônio de Araújo Freitas Junior,marcava uma discussão

epistemológica, mas também era de ordem política. Ali, naquele momento,

seria possível interferir, modificar, sugerir e dar novas contribuições para as

futuras Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de Teologia.

Neste espaço público, como afirma o presidente do Conselho Federal

de Educação,Dr. Gilberto Garcia,tinha-se como objetivo reunir o maior número

de instituições para discutir as questões que envolviam a oficialização do curso

de Teologia e possibilitar a instrumentalização, com mais informações,

oriundas das diversas denominações, do Conselho Nacional de Educação, que

buscava um consenso mínimo das diferentes denominações na estrutura do

documento final, que seria constituído em um Parecer.

                                                                                                                                                                              atividades. A este cenário soma‐se sua forte vocação social, com expressiva presença na área de saúde por profissionais altamente qualificados. 34 Associação Brasileira de  Instituições Educacionais Evangélicas  (ABIEE): Tem por objetivo promover a integração  das  Instituições  Evangélicas  de  Ensino,  fortalecendo a  natureza  confessional  o  seu desenvolvimento  e  a defesa dos  interesse das  associadas,  atuando, para  este  fim,  junto  a quaisquer órgãos dos poderes constituídos e instituições do setor privado. 35Trecho de entrevista com o presidente do Conselho Federal de Educação, que nos foi concedida no dia 20 de agosto de 2012, no aeroporto de Viracopos, na cidade de Campinas. 

76  

      

    

Contudo, também configurava um espaço de poder que foi ocupado

por homens, pois a discussão deste grupo de trabalho forneceria elementos

para a regulamentaçãodas DCNs do bacharelado em Teologia. O discurso

vigente é que a discussão evitaria as divergências que ocorreram com o

Parecer 118/2008 36 , que provocou muito debate em razão deseu caráter

restritivo, que limitava o desenvolvimento do núcleo central do curso, a

formação teológica, pelas diversas denominações, principalmente evangélicas.

A proposta de uma democracia política na participação das

denominações encobria a falta de democracia em relação à participação das

mulheres. A “prioridade” não era saber se havia ou não mulher à mesa de

discussão, mas a definição das DCNs da Teologia.

Apontaremos os participantes da plenária para que se torne possível

observarmos a assimetria entre os participantes masculinos e femininos. Do

CNE estavam presentes os conselheiros Dr. Antonio Araújo Freitas Junior e Dr.

Gilberto Gonçalves Garcia. O então presidente da SESU, Paulo Wollinger,

compôs a coordenação no decorrer do evento.

A mesa de discussão era composta pelos(as) seguintes

convidados(as): Antonio Cesar Perri de Carvalho, secretário-geral do Conselho

Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira, sediado em Curitiba, de

“confessionalidade” kardecista; Cleto Caliman, membro da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais-PUC-MG, sediada em Belo

Horizonte,de “confessionalidade” católica; Rudolf vonSinner, membro da EST-

Escola Superior de Teologia, sediada na cidade de São Leopoldo, de

“confessionalidade” luterana; Lourenço Stelia Rega, membro da Faculdade

Teológica Batista,sediada em São Paulo, de “confessionalidade” batista; Paulo

Fernando Carneiro de Andrade, membro da Pontifícia Universidade Católica do

Rio de Janeiro-PUC-RIO, sediada no Rio de Janeiro, de “confessionalidade”

católica, e Maria Elise Gabriele Baggio Machado Rivas, membro da Faculdade

                                                            36 Informação  retirada  do  sítio  eletrônico  do  Ministério  da  educação  e  Cultura.  Disponível  em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/pces118_09.pdf>.  Acesso em 21 nov. 2012. 

77  

      

    

de Teologia Umbandista, sediada em São Paulo, de “confessionalidade”

umbandista.37

As palestras giraram em torno de temas previamente determinados e

foramexpostas pelos teólogos convidados e por nós, a única teóloga presente.

Os temas debatidos foram distribuídos da seguinte forma:

a) as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de

Teologia e os conteúdos curriculares – Dr. LourençoStelio

Rega;

b) interdisciplinaridade, transdiciplinaridade, habilitações e

ênfase – Dr. Antonio Cesar Perri de Carvalho;

c) perfil do formando/egresso/profissional – Dr. Cleto Caliman;

d) abrangência das Diretrizes na diversidade religiosa – Profa.

Maria Elise Gabriele Baggio Machado Rivas;

e) as Diretrizes Curriculares Nacionais e a natureza própria do

campo da Teologia – Dr. Paulo Fernando Carneiro de

Andrade;

f) Ética, Bioética e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

campo da Teologia – Dr. Rudolf vonSinner.

No ambiente havia outras mulheres trabalhando, mas como secretárias

e assistentes e, desta forma, não se “sentavam” à mesa para a discussão da

elaboração das DCNs de Teologia. Nesta ocasião, senti numa situação real as

palavras de Perrot (2005, p.464): “O que é recusado às mulheres é a palavra

pública. Sobre ela pesa uma dupla proibição pública e religiosa”.

O que eu percebia é que pude contar com a assessoria de secretárias,todasmulheres. O segmento católico destacou a Francine, da ABRUC veio a Eulália, aí veio a Klaudy do segmento evangélico. Elas eram alinha de frente e chegou um

                                                            37 Informação  retirada  do  sítio  do  Ministério  da  Educação  e  Cultura.  Disponível  em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=15993&Itemid=1098>Acesso  em3 fev. 2012. 

78  

      

    

momento que elas tinham mais força do que até a própria comissão. Elas tinham os bastidores (GILBERTO GARCIA).38

Em uma segunda reunião, no dia 7 de fevereiro de 2011, realizada em

Brasília, no Conselho de Educação Superior (CSE), estavam reunidos: Paulo

Wollinger, Diretor SESu/MEC; Conselheiro Dr. Antonio de Araújo Freitas Junior,

Presidente da Comissão, Conselheiro Dr. Gilberto Garcia Gonçalves, Relator

da Comissão, professor Wilson Lopes da Associação dos Advogados de São

Paulo(AASP); César Perri – Federação EspíritaBrasileira (FEB); Professor

Cleto Caliman, daPUC/MG; Maria Elise Gabriele Baggio Machado Rivas, da

Faculdade Umbandista (FTU); Professor Euler Pereira Bahia, do Centro

Universitário Adventista de São Paulo(UNASP),José Carlos Aguilera, como

Secretário Executivo da Associação Brasileira das Universidades Comunitárias

(ABRUC); Professor César Augusto Kuzma – PUC/PR;Professor Dr. Paulo

Fernando Carneiro de Andrade,da PUC-RJ; Eulália Sombra, daAssociação

Brasileira das Universidades Comunitárias (ABRUC), e Francine Junqueira

(ANEC) secretariando o evento.

Nesta segunda reunião, mais uma vez, a presença das teólogas era

rarefeita sendo representada por minha figura isolada naquele universo

masculino. Às mulheres,mais uma vez, era destinado o papel de secretariar,

como pudemos constatar nessa segunda reunião, com a atuação de Eulália e

Francine.

Na vivência dessas experiências, perguntava-me se em todas as

religiões, ali reunidas, não havia mulheres teólogas que desejassem participar

da discussão, ou ainda, se nas várias denominações eranegada a capacidade

das mulheres enquanto sujeitos adultos capazes de atuar como uma

profissional da Teologia.

Na terceira reunião que se realizouna FTU-Faculdade de Teologia

Umbandista, na cidade de São Paulo, o panorama se repetiu. Nesta reunião                                                             38 Trecho de entrevista com o presidente da Câmara de Educação Superior, que nos foi concedida no dia 20 de agosto de 2012, no aeroporto de Viracopos, na cidade de Campinas.  

79  

      

    

estavam presentes: Conselheiro Dr. Gilberto Garcia Gonçalves erelator da

Comissão, professor Wilson Lopes,da Associação dos Advogados do Brasil

(AASP); Paulo Nogueira, da Universidade Metodista de São Paulo

(UMESP);Lourenço Rega, da Faculdade Teológica Batista; Professor Cleto

Caliman – PUC/MG; Maria Elise Gabriele Baggio Machado Rivas,da Faculdade

de Teologia Umbandista (FTU); Professor César Augusto Kuzma, da PUC/PR;

Professor Dr. Paulo Fernando Carneiro de Andrade,da PUC-RJ, eKlaudy

Garros e Sumaia Miguel Gonçalvessecretariando o evento.

Essas experiências nos fizerem pensar este trabalho. O fato de o

cenário do grupo de trabalho das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de

Teologia ser essencialmente masculino, um espaço no qual era evidente a

ausência de mulheres. A difícil arte de dialogar e dividir com mulheres este

campo de conhecimento tornava-se um dado real.

Finalmente, todo esse contexto levou-nos a questionar o campo

profissional para mulheres formadas em Teologia no período pós-

regulamentação e a elaborar nossa hipótese:se os homens persistem maioria

como profissionais da Teologia, a atuação das mulheres teólogas, mesmo que

restrita, é efetiva no meio.

Tomita, em seu artigo “A Teologia feminista libertadora: deslocamentos

epistemológicos”refereque aperspectiva de gênero se constitui:

num instrumental feminista que revelou não apenas as estruturas sexistas das instituições contemporâneas como também mostrou como as tradições religiosas cristãs teriam sido formadas no bojo do patriarcado romano, marginalizando as mulheres dos espaços de poder nas igrejas, impedindo-as de receber a ordenação sacerdotal assim como quaisquer cargos significativos na hierarquia eclesial (TOMITA, 2010)39

                                                            39 TOMITA, Luiza Etsuko. A Teologia  feminista  libertadora: deslocamento epistemológicos.  In: Fazendo gênero.  9,  23  a  26  de  agosto  de  2010.  Florianópolis.  Anais.  Disponível  em: <www.fazendogênero.ufsc.br/9resourses/anais/1278455084_ARQUIVO_FAZENDOGÊNERO.final.pdf>. Acesso em 7 ago. 2012. 

80  

      

    

Gostaríamos de ressaltar que, pressupondo o princípio da isonomia na

formação profissional da Teologia,o perfil do egresso previsto no Projeto

Pedagógico das instituições pesquisadas que preveem profissionais capazes

de trabalhar em conselho de ética, Organização da Sociedade Civil de

Interesse Público (OSCIP)e Organização não Governamental (ONG),a

profissão deveria romper com os muros das igrejas e seminários, permitindo

aos profissionaisir além dela. A profissão deveria possibilitar uma formação

capaz de atuar em diferentes instituições, e não apenas nas instituições

religiosas.

Como profissão, insere-se no mercado de trabalho, que é regulado por

instituições trabalhistas internacionais e nacionais, bem comopor nossa

Constituição, de forma a coibir diferenças tão discrepantes como a que

encontramos no Grupo de Trabalho formado para a discussão das Diretrizes

Curriculares de Teologia.

AConvenção 100 da Organização Internacional do Trabalho (OIT),

realizada em 1952, que passou a vigorar em 1953, e foi ratificada pelo Brasil

em 1957, já tinha como objetivo a proteção da mulher, visando garantir-lhe

igualdade de remuneração, para o mesmo tipo de trabalho, em comparação

com os homens, tendo em vista reduzir a discriminação por gênero nas

relações de trabalho.A Convenção 111 da OIT, que trata da discriminação de

forma mais ampla, ratificada pelo Brasil em 26/1/1965, contémregras que

regulamentam a proibição de discriminação contra a mulher no mercado de

trabalho.

A criação de leis que proíbem a discriminação só comprova e explicita

o fato de a discriminação ser uma realidade na sociedade. É deplorável a

necessidade de leis para a “proteção” dos direitos das mulheres, pois esta é a

prova de que nossa sociedade “écomposta” de um único sexo, o masculino,

que detémos direitos, inclusive no mercado de trabalho.

E ainda mais deplorável: sabe-se que essas leis não funcionam, que elas não impedem nem a discriminação na

81  

      

    

contratação nem as desigualdades de salário, de carreira, e que a vontade de igualdade de oportunidades só existe no papel. O balanço dessas leis é conhecido por todos, mas nada foi feito para modificar, transformar ou, mais simplesmente, aplicar os dispositivos legislativos e regulamentares(MARUANI, 2003, p.24).

A partir da década de 1970, o advento em massado ingresso das

mulheres no ensino superior, que tinha se iniciado na década de 1940, eo

controle da reprodução com o uso do anticoncepcionalpossibilitaramque mais

de 25 milhões de mulheres no Brasil adentrassem ao mercado de

trabalho,entre 1976 e 2002, progredindo em postosaté então ocupados pelo

sexo masculino.40

Este fatorprovocou uma mudança de comportamento e também o

aumento da discriminação. Segundo Manuel Castells (2010, p.231), “o impacto

dos movimentos sociais, e do feminismo, em particular, nas relações entre os

sexos deu impulso a uma poderosa onda de choque: o questionamento”.Os

questionamentos da ordenação de nossa sociedade e de suas instituições

possibilitamrefletir e repensar estes espaços.

A ausência de mulheres no Conselho Nacional de Educação é um

processo de discriminação do mercado de trabalho da Teologia, mas o que nos

preocupa é a extensão desta discriminação. Resgatando o que nos coloca

LuceIrigaray (1985)41 sobre a necessidade deas mulheres se libertarem do

discurso repressivo masculino, senti necessidade de me aprofundar

nasquestões que envolvem o pouco espaço dado as mulheres na

profissionalização da teologia e dividir minhas descobertas com outras

pessoas. Expondo situações em que ocorreo discurso repressivo e

discriminatório, buscando retirar a naturalização dos mesmos.

                                                            

40ALMEIDA, Jane Soares de;SOARES, Marisa. Mudaram os tempos; mudaram os tempos; mudaram as mulheres? Memórias de professoras do Ensino Superior. In: Avaliação (Campinas) vol.17, n.2, Sorocaba, julho de 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-40772012000200013&script=sci_arttext>. Acessoem: 12dez2012. 41 IRIGARAY, Luce. This sex which is not one, translated by Catherine Porther with Carolyn Burke.Cornell University Press. Ithaca, NY. 1965 

82  

      

    

2.3.Um olhar de gênero sobre as fontes bibliográficas que discutem a

profissionalização da Teologia

Depois de explicitada a proposta, partimos para a busca de fontes

bibliográficas. A preocupação inicial era encontrar bibliografia capaz de suprir

nossa necessidade, mas no decorrer do levantamento nos tornávamos cientes

da escassez de material sobre a regulamentação da Teologia e a consequente

discussão sobre a criação deste campo profissional, o que nos remeteu

àpesquisa de campo para obtenção de maiores informações.

A partirdo escasso material ao qual tivemos acesso, pudemos observar

que as discussões, pesquisas e levantamentos históricos sobre a

profissionalização da Teologia haviam sido realizados por homens, assim como

no grupo de trabalho do qual participamos. Em um primeiro momentoisso seria

apenas mais um elemento, porém, como o objeto de pesquisa de nosso

trabalho é justamente o campo profissional para mulheres formadas em

Teologia, esse dado tornou-se relevante.

Encontramos apenas três mulheres envolvidas diretamente com os

títulos que utilizaremos, sendo a primeira a socióloga Dra. Maria José Fontelas

Rosado Nunes, atualmente membro da pós-graduação deCiências da Religião

da PUC-SP,Marília Ancona Lopez, relatora do Parecer 118/ 2009, no qual nos

ateremos ainda neste capítulo e, por fim, a teóloga Maria Clara L.

Bingemer,doutora em Teologia sistemática, professora associada do

Departamento de Teologia, Brasil.

Maria José Fontelas Rosado Nunes escreveu um capítulo na

coletânea que deu origem ao livroTeologia e novos paradigmas,que tem como

organizador Marcio Fabri dos Anjos. A segunda autora, Marília Ancona Lopez,

também participa de um livro de coletânea: Teologiapública, que tem como

organizadores Afonso Maria Ligorio Soares e João Décio Passos. A terceira, a

83  

      

    

teóloga Maria Clara L. Bingemer, participa com um capítulo em Teologia:

profissão, que foi resultado de discussões apresentadas na Sociedade de

Teologia e Ciências da Religião (SOTER)no ano de 1996.

Na amostragem decinquenta trabalhos divididos em artigos, capítulos,

anexos e introduções, constatamos a autoria de quarenta e sete homens ante a

autoria detrês mulheres.

Teologia e novos paradigmas, obra na qual localizamos o capítulo

assinado por Maria José Fontelas Rosado Nunes,intitulado “Gênero, saber,

poder e religião”, é um livro constituído de nove artigos, oitodos quaisassinados

por homens e apenas um assinado por uma mulher.

Aobra Teologiapública, em que localizamos o capítulo assinado pela

conselheira do CNE, intitulado “A graduação em Teologia e o sistema de

ensino oficial”,é composta de dezoito artigos, sendo dezessete deles assinados

por homens e apenas um por Maria Ancona Lopez, do sexo feminino.

Na obraTeologia: profissão,encontramos a teóloga Maria Clara L.

Bingemerassinando um dos oito artigos que compõem o livro.

Na obra Teologia, ciência e profissão, organizada por AntônioMaspoli

de Araújo Gomes, constam cinco artigos e um anexo, todos assinados por

homens. Nesta obra se encontra redigido um comentário nas considerações

finaisno qual o autor, AntônioMaspoli, deixa registrado o convite estendido a

quatro professoras de pós-graduação em universidades para escrever no

referido livro, porém nenhuma delas se manifestou.Isto levou Maspoli a afirmar

que “o silêncio pode ser um indicativo do papel feminino nesta área ainda tão

rarefeita de mulheres” (GOMES, 2005, p.107), mas não a questionar o porquê

desta ocorrência.

Por que citamos as obras e seus respectivos autores e autoras?

Consideramos relevante por ser nossa bibliografia referente ao reconhecimento

e profissionalização da Teologia majoritariamente redigida por homens, tendo

apenas três capítulos escritos por mulheres, o que caracteriza as questões da

profissionalização da Teologia marcadas pelo “olhar” masculino. São eles que

84  

      

    

levantaram pontos e assinalaram possíveis soluções nos trabalhos escritos ou

nos grupos de trabalho, que nasceram como forma de discutir o futuro da

Teologia com caráter profissional.

Rosado Nunes (1996, p.96) destaca que “a constituição do saber,

como espaço masculino por excelência, articula-se com a questão da exclusão

feminina do poder na sociedade em geral, e nas igrejas, em particular”. Ainda

segundo aautora, a discussão no espaço público daTeologiafoi dominada pelos

homens, se apresentando como um:

discurso que institui os homens em “instância epistemológica” à qual todo conhecimento se refere, e evacua, no mesmo movimento as mulheres, suas vidas, suas questões, relegadas ao espaço inferiorizado de um “privado!”que não penetra o círculo da hermenêutica sábia (Idem,1996, p.93).

Por isso, estranhamos os trabalhos com uma proposta democrática,

incluindo convite a pouquíssimas mulheres para discutir e escrever, como

enfatizou Maspoli na sua obra Teologia, ciência e profissão.Este convite que

explicitaexclusão podeser dúbio ou até regressivo na medida em que flagra e

reitera um tipo de identidade masculina atuante na área. Podendo, desta forma,

ser transformado de atos “democráticos” em sutis mecanismos de controle de

um espaço (saber) e poder já constituído entre homem e mulher na Teologia.

Essas situações de forçoso silêncio enfatizam a pertinência de

sabermos se há mulheres envolvidas profissionalmente com a Teologia pós-

regulamentação e averificação se as mulheres ganham espaço de participação

profissional, podendo inclusive opinar sobre as questões que envolvem a

Teologia.

A história das mulheres como profissionais da Teologia só será posta

em relevo por uma análise que possibilite identificar a ausência feminina no

meio. É necessário que ponderemossobre situações como as identificadas nas

coletâneassobre a profissionalização da Teologia, nas quaisas mulheres ainda

têm de ser convidadas, ou seja, demonstrando a ausência e o silencio das

85  

      

    

mesmas,na produção e participação da construção do saber e fazer teológico,

e mais, no próprio momento histórico da profissionalização da Teologia.

O nosso olhar sobre a experiência que tivemos no grupo de trabalho do

Conselho Nacional de Educação, dominado por homens, as fontes analisadas,

em sua maioriaescritas por acadêmicos, e os cargos de direção nas

Faculdades de Teologiaselecionadas, ocupados por homens, leva-nos a refletir

acerca dos estreitos espaços concedidos às mulheres como profissionais da

Teologia, que são apresentados de forma natural.

Observando, por meio de nossa participação no grupo de trabalho das

Diretrizes Curriculares Nacionais, como a Teologia se organiza nos espaços

institucionais e como ela se apresentou através da fala nas primeiras

entrevistas de nossa pesquisa de campo,compreendemosque,embora as

sociedadestenham se modificado, as releituras sociais vêmacontecendo

alavancadas pelo evento da modernização, da globalização, a

Teologiapermanece calcada num comportamento patriarcal que acentua a

assimetria entre homens e mulheres, que vem sendo reafirmada nos espaços

deformação profissional nas diferentes instituições de Teologia.

Gostaríamos de destacar que naConstituição da República a igualdade

entre os sexos é estabelecida e define que “homens e mulheres são iguais em

direitos e obrigações”, juntamente com a proibição, constante no artigo 7º,

XXX42,de se estabelecer salários distintos em função de sexo, idade, cor ou

estado civil. A Constituição deu fundamentoàs normas da legislação trabalhista

no que regulamenta o trabalho feminino de modo a estabelecer a igualdade

preconizada na Carta Magna, que também prevê em seu art. 7º, inciso XX: a

“proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos,

nos termos da lei”.

A própria lei é a constataçãoda posição de dificuldade da mulher no

mercado de trabalho e determina que o Estado não apenas proteja a sua

                                                            42 Informação  retirada  do  sítio  eletrônico  da  Casa  Civil  do  governo  do  Brasil.  Disponível  em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 3 maio 2012. 

86  

      

    

entrada no mesmo, mas implemente políticas aptas a estimulá-la. A lei só

passa a existir porque homens e mulheres ocupam diferentes lugares de poder

no mundo do trabalho

Sabemos das dificuldades das mulheres, em âmbito nacional, na

questão do trabalho profissional e do esforço de políticas públicas para a

redução de tal discriminação. Mas, na Teologia, dentro das instituições

analisadas, apesar da existência de legislação que ampara a trabalhadora

brasileira e a protege contra as discriminações decorrentes do seu sexo,a

igualdade é relativizadae mereceunossa discussão.

2.4.Ametodologianos escolhendo

O material utilizado para o desenvolvimento de nossa pesquisa tem

duas formas: escrito e gravado (filmado). Os materiais escritos foram retirados

de fontes impressas ou disponibilizadas na rede: livros, teses, dissertações,

periódicos, Diário Oficial da União, anúncios e informações no sítio das

instituições selecionadas, documentos disponibilizados pelas instituições

elegidas (Projeto Pedagógico de Curso, relatórios de direção e coordenação,

cadernos de resumo de seminários e congressos), fotografias e jornais.

Com base na revisão bibliográfica e no material escrito, que se mostrou

insuficiente para a análise do campo profissional em Teologia pós-

regulamentação, que ainda não conta com produções anteriores que abordem

esta questão, a opção metodológica eleita foi o dapesquisa de campo.

A pesquisa de campo é um instrumento desenvolvidopor meio de

entrevista abertasemiestruturada (MANZINI, 2003), entendendo ser esta uma

boa alternativa, na qual pesquisadores e pesquisados são sujeitos ativos na

produção do conhecimento.Do mesmo modo, as perguntas serão fundamentais

para fornecer dados para o perfil dos entrevistados (VEIGA, 1985).

Segundo Maria Isaura Pereira de Queiroz (1987, p.39), o contato prévio

com a realidade estudada auxilia no direcionamento, egarante adequação do

87  

      

    

roteiro de entrevistas abertas semiestruturadas, ao universo da situação em

que os sujeitos se encontram inseridos, garantindo que o conteúdo que vai ser

obtido seja frutífero para análise. Desta forma, nossa experiência profissional

na atuação do campo profissional da Teologia nos fornece subsídios para a

elaboração do roteiro de entrevistas mais adequado e que atenda o objetivo de

nossa pesquisa.

Para a realização da entrevista,elaboramos um roteiro com perguntas

principais, o que proporcionou para nós, que não temos muita experiência,

mais segurança.Além do mencionado, nossa opção pela entrevista aberta

semiestruturada foi pelo fato de facilitar novas informações de forma mais livre,

aproveitando da espontaneidade por parte do entrevistado, pois as respostas

não estão atreladas a uma uniformização de alternativas, possibilitando que

outras questões próprias ao tema por nós trabalhado pudessem emergir no

momento da entrevista.

No momento da coleta, a entrevista abertasemiestruturada abre a

possibilidade de introduzir outras perguntas, se necessário, para melhor

compreensãoda informação que nos foi fornecida, ou mesmo a possibilidade

de investigar questões momentâneas surgidas durante nossa entrevista que

tenham relevância para nossa pesquisa. Queiroz, em sua obra Relatos orais:

do “indizível” ao “dizível”, defende que a entrevista aberta promove a interação,

verbal e não verbal (gestos, silêncios, sons, imagens e sinais) com o nosso

entrevistado.

Reiteramos que os roteiros foram utilizados como norteadores no

momento da realização das entrevistas com os entrevistados e não

significaram um sinal de engessamento. Ao contrário, o roteiro foi norteado de

forma que haja espaço para o estabelecimento de um diálogo entre o

entrevistado e a pesquisadorana expectativa de obter dados que surjam

espontaneamente do convívio e das conversas, principalmente com a

confiança que se estabelece paulatinamente dos pesquisados com a

pesquisadora.

88  

      

    

O material utilizado para a execução dasentrevistas foi uma filmadora

Sony manual, ano 2008. Para a transcrição utilizamos um fone de ouvido e um

notebookda DELL, ano 2010.

Para realizarmos nossa pesquisa, elegemos cinco Faculdades de

Teologia na grande São Paulo, que estiveram presentes no grupo de trabalho

do Conselho Nacional de Educação. Sendo elas a Faculdade Teológica

Batista, sediada em São Paulo, no bairro de Perdizes; a Faculdade de Teologia

da Universidade Presbiteriana Mackenzie (CEFT), sediada em São Paulo no

bairro Consolação; a Faculdade de Teologia Umbandista (FTU), sediada em

São Paulo no bairro Vila Santa Catarina; a Faculdade de Teologia da UMESP

(FATEO), sediada em São Bernardo do Campo, no bairro Rudge Ramos, e a

Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, sediada em

São Paulo, no bairro do Ipiranga.

Para a entrevista, optamos por dois grupos, o primeiro grupo é o da

direção das instituições, constituído por cinco entrevistados. As entrevistas nas

Instituições de ensino superior selecionadas foram efetuadas com seus

respectivos reitores, com os quais havia sido feito contato no grupo de trabalho

das Diretrizes Curriculares Nacionais, ou com pessoas indicadas pela própria

instituição, que para a indicaçãoconsiderou a relevância da mesma para a

constituição do curso de Teologia ou para seu andamento.

Todas as pessoas elencadas pela instituição, que tiveram participação

relevante no processo de formação das faculdades ou que ocupam cargos de

direção, são homens, demonstrando que esta função é ocupada pelo sexo

masculino. Não tivemos acesso a nenhuma voz feminina que falasse sobre o

processo de reconhecimento da Teologia.O silêncio das mulheres é uma forma

de negá-las, pois o discurso pode ser, ao mesmo tempo, instrumento e efeito

de poder, e também obstáculo, escora, ponto de resistência e ponto de partida

oposto. O discurso veicula e produz poder; reforça-o, mas também o mina,

expõe, debilita e permite barrá-lo. (FOUCAULT, 2011)

89  

      

    

A carência e o silêncio das mulheres nos espaços de atuação

profissional da Teologia explicitam o campo restrito e garantem que “a

sociedade se encarrega, através de suas tradições e costumes, de classificar

algumas profissões de masculinas ou femininas, criando mitos em torna delas”

(TENENTE, 2007, p.72).

Foi neste universo masculino que colhemos nossos dados das

instituições. “Lugar” em que a ausência da mulher em cargos de poder não é

lembrada, pois ela ainda não passou por lá.

O segundo grupo, para o qual elucidaremos os procedimentos para a

entrevista mais adiante,é composto de vintepessoas (homens e mulheres)

formadas nas instituições selecionadas pós-reconhecimento. Sendo quatro de

cada instituição, dois homens e duas mulheres, permitindo uma análise

comparativa da absorção dos homens e mulheres pelo mercado de trabalho.

Pode ou não recorrer a um maior número de entrevistados(as)

egressos(as) se as informações não forem suficientes para uma análise do

campo profissional para mulheres pós-regulamentação, caso não haja

saturação dos dados.

O contato com as instituições para marcar as entrevistas ocorreu via e-

mail institucional e também via telefone, ambos disponibilizados no site das

faculdades, sendo que os e-mailseram da própria direção ou particular e o

telefone de contato era da secretaria das faculdades.

Neste contato nos apresentávamos, apresentávamos nossa pesquisa,

a instituição e o programa ao qual estamos vinculadas, bem como a proposta

da entrevista a ser realizada.Ressaltamos que as entrevistas, por ter um perfil

qualitativo, não tinham tempo previsto, que isto dependeria do próprio

entrevistado.

Quatro das entrevistas foram realizadas no mesmo período, durante o

mês de maio de 2012. Apenas na Faculdade de Teologia Nossa Senhora da

Assunção, por dificuldade de retorno por parte da instituição, a entrevista só foi

realizada no dia 17 de agosto de 2012.Dos entrevistados, apenas o professor

90  

      

    

Paulo Nogueira, da Faculdade de Teologia Metodista, nos pediu o roteiro com

antecedência, os demais entrevistados não demonstraram interesse em tomar

contato com o roteiro previamente. A apresentação do mesmo realizou-seantes

de iniciarmos a entrevista.

Neste momento, reiteramos o que já havíamos informado no primeiro

contato por e-mail ou por telefone, a finalidade da pesquisa e o procedimento,

acrescentando o roteiro. Após os contatos iniciais pedimos que assinassem um

termo de declaração de imagem em nosso nome. Estendemos o mesmo

procedimento aos alunos e alunas egressos que entrevistamos.

Nossa primeira entrevista aconteceu com o diretor Lourenço Rega, na

Faculdade Teológica Batista, no período da tarde, em uma sala de reunião na

área da direção da instituição. Na entrevista estávamos eu, o diretor Lourenço

Rega e uma terceira pessoa como assistente de filmagem.

A segunda entrevista ocorreu com o professor Antônio de Araújo

Maspoli, do programa de pós-graduação de Ciências da Religião da

Universidade Presbiteriana Mackenzie. O professor entrou em nossa lista de

entrevistados por ter participado da coordenação da comissão responsável

pela criação, implantação e reconhecimento junto ao MEC/INEP do Curso de

Bacharel em Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de 1999 a

2004, bem como pela coordenação da comissão responsável pela reforma do

curso de Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie em 2000.Ele nos

concedeu a entrevista no período da tarde, em uma sala de reuniões no prédio

da Teologia, adida à secretaria. Na entrevista estávamos eu, o professor

Maspoli e uma terceira pessoa como assistente de filmagem.

Na Faculdade de Teologia Metodista, o reitor Paulo Nogueira nos

concedeu a entrevista em seu gabinete de trabalho, no período da tarde, na

área da direção da instituição. Na entrevista estávamos eu, o diretor Paulo

Nogueira e uma terceira pessoa como assistente de filmagem.

91  

      

    

O diretor Francisco Rivas Neto nos concedeu a entrevista no jardim da

Faculdade de Teologia Umbandista, no período da tarde. Na entrevista

estávamos eu, o diretor e uma terceira pessoa como assistente de filmagem.

A indicação de nomes dos alunos e alunas egressos para entrevistas

foi pedida, num primeiro momento, às próprias instituições. Não

disponibilizamos de outro meio, pois a Teologia não possui um órgão que

centralize as informações destes profissionais. O único “sindicato” constituído

não possui informações sobre os profissionais.Embora constituído por lei, não

tem vigência de fato.No entanto,sentimos dificuldades na disponibilização dos

nomes, o que retardou o início do processo de coleta. Apenas a Faculdade

deTeologia da Metodista e a Faculdade de Teologia Umbandista nos

forneceram nomes sem dificuldades. No entanto, três dos telefones e e-mails

se encontravam desatualizados.

Então, optamos por outro método para conseguir entrevistas com os

alunos e alunas e o fizemos de três formas: a primeira, por indicação de nomes

pela própria instituição; a segunda, por pessoas que conhecemos em ambiente

acadêmico e a terceira forma foi resultado de nosso pedido de indicação aos

próprios entrevistados e entrevistadas.

Outra questão relevante sobre as entrevistas com as pessoas

formadas foi o fato de termos mais dificuldades de contatar e marcar com os

homens. As mulheres se predispuseram com mais facilidade ao encontro para

a entrevista, enquanto os homens demandavam várias tentativas via e-mail e

telefone.

A Faculdade de Teologia da Metodista nos forneceu dois nomes, de

uma mulher e de um homem,em um primeiro momento. Tentamos contato via

e-mail e telefone, mas obtivemos êxito apenas com a mulher. Para atingir o

número previsto de nossos entrevistados pedimos a ela a indicação de outros

nomes e também nos dirigimos a uma aluna de nosso programa de pós-

graduação, Ciências da Religião da PUC-SP, formada na instituição.A primeira

entrevista com a aluna egressa da Metodista, que está inserida em nosso

92  

      

    

programa de pós-graduação da PUC, foi realizada na sala de reuniões do

Programa de Ciências da Religião a portas fechadasno próprio programa,

antes do período da aula. A segunda entrevista com outra aluna egressa,

também da Metodista, ocorreu na sala de estudos da biblioteca da própria

Metodista.A segunda entrevistada nos indicou um colega de turma, que nos

concedeu entrevista em sua igreja, no período da tarde. O último entrevistado

nos concedeu entrevista em sua residência.

Para conseguirmos a entrevista com os homens formados na

Faculdade de Teologia Metodista, tivemos mais dificuldade por eles não

responderem nossos e-mails. Pedimos indicação a nossas entrevistadas e

procuramos novamente a secretaria da direção para obtenção de novas

indicações.

A Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, com

a qual tive muita dificuldade de contato, inclusive para agendar a entrevista

com a própria direção, só feita após três meses das demais entrevistas já

terem sido realizadas, foi concedida pelo professor Antônio Manzatto. A mesma

dificuldade também se reproduziupara a entrevista com os formados e

formadas.

Visando àotimização do tempo,buscamos um caminho alternativo,indo

à busca de pessoas formadas em Teologia nas instituições selecionadas para

a pesquisa em nosso próprio meio. Somos alunado programa de pós-

graduação em Ciências da Religião na PUC-SPe durante o período em que

cumpríamos nossas disciplinas tivemos contato com uma religiosaformada na

Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção e aproveitamos

essa relação para fazer o convite para entrevista, que nos foi concedida em

uma sala de aula da PUC-SP no quinto andar. Após a entrevista, ela nos

indicaoutra colega de sua turma da Teologia para entrevista e nos fornece o

telefone e e-mail para contato.

A religiosa formada na Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa

Senhora da Assunção indicada por nossa colega havia se formado em sua

93  

      

    

turma. Ela nos concedeu a entrevista em sua casa, uma casa de religiosas, no

período da noite. Com os homens tivemos mais dificuldade, de localizar e

realizar as entrevistas, mas conseguimos duas fichas de egresso, com

permissão do professor Manzatto,com a secretária da Faculdade Nossa

Senhora das Assunção, porém tivemos êxito com apenas uma das fichas e o

segundo foi indicação de nossa primeira entrevistada, sendo que ambas as

entrevistas se realizaram na PUC-SP.

Gostaríamos de pontuar que até este momento não havíamos

conseguido contato com a direção da Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa

Senhora da Assunção, por isso nossa opção de buscarmos no meio onde

estudávamos.

Os alunos e alunas da Faculdade de Teologia Umbandista foram

agendados na medida dassuas disponibilidades. Duas delas concederam

entrevista em suas casas e os dois alunos preferiram realizar as entrevistas na

instituição onde se formaram.

Na Faculdade de Teologia do Mackenzie os nomes não foram

disponibilizados pela instituição, mas pudemos obtê-los por indicação de

pessoas que contatamos.As entrevistas foram realizadas, duas delas, na praça

de alimentação da Universidade Mackenzie. Uma com um egresso atualmente

no final da pós-graduação na própria instituição, a outra com uma aluna

egressa que atualmente trabalha na própria instituição como professora, mas

não com sua formação de teóloga. A terceira entrevista ocorreu em uma igreja

presbiterianae a última foi realizada por meio do softwareSkype.

Procureia coordenadora do cursoda Faculdade Teológica Batista, com

quem mantive contato via telefone e e-mails, e ela nos indicou quatro nomes,

duas mulheres e dois homens. Porém, obtivemos resultado positivo com

apenas um dos indicados, que ocupa o cargo de assistente de coordenação de

curso.

Marcamos a entrevista por e-maile a mesma foi realizada na sala da

coordenação de curso da faculdade; após encerrarmos, me indicaram uma

94  

      

    

outra pessoa que trabalha na instituição para ser entrevistada. Assim,

realizamos a segunda entrevista. A terceira foi realizada com um egresso que

se encontra cursando a pós-graduação na UMESP, onde realizamos a

entrevista em uma sala de estudo da biblioteca. A quarta, na residência do

egresso.

Iniciei as entrevistas com a ideia de que os entrevistados

respondessem por escrito o roteiro e assim realizei, em caráter experimental,

com duas alunas, uma da Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da

Assunção e outra da Faculdade de Teologia Umbandista. Nos dois casos,

observamos que a tendência ao responder o questionário privilegiava a

rapidez, tendendo a respostas curtas. No entanto, ao término do mesmo,

elaboravam comentários e colocações relevantes para nossa pesquisa, que

não haviam escrito anteriormente. Então, optamos por adotar o mesmo

procedimento de gravação executado com os dirigentes das instituições, e

passamos a gravar as entrevistas, inclusive retomando as duas entrevistadas,

que nos possibilitaram a reavaliação do método a ser aplicado.

Ainda não encerrada a etapa da gravação das entrevistas, que

continuava em andamento,iniciamos a transcrição. Zaia Brandão (2000,

p.173)nos chama a atenção para o fato de que a entrevista significa trabalho e

como tal “reclama uma atenção permanente do pesquisador aos seus

objetivos, obrigando-o a colocar-se intensamente à escuta do que é dito, a

refletir sobre a forma e conteúdo da fala do entrevistado”. Por isso,optamos

pela transcrição das entrevistas manualmente, o fizemos de forma gradual no

decorrer das mesmas, como forma de analisarmos atentamente o conteúdo e

sua referência com o objetivo de nossa pesquisa e, assim, para iniciar a análise

dos dados,e as questões que incidem o objetivo de nossa pesquisa, com o

apoioda categoria analítica gênero, relações de poder e divisão sexual de

trabalho. Para a análise dos dados,Alves e Silva entendem que:

A análise qualitativa se caracteriza por buscar uma apreensão de significados na fala dos sujeitos, interligada ao contexto em

95  

      

    

que eles se inserem e delimitada pela abordagem conceitual (teoria) do pesquisador, trazendo à tona, na redação, uma sistematização baseada na qualidade, mesmo porque um trabalho desta natureza não tem a pretensão de atingir o limiar da representatividade (ALVES, 1992).

Com base na abordagem defendida por Alves e Silva, a análise dos

dados será realizada por meio da análise de conteúdo (COUTINHO, 2004,

p.138), com a interpretação das falasde nossos entrevistados e entrevistadas,

permeadas pelo referencial da categoria do patriarcado e divisão sexual do

trabalho, elencadas com vistas ao objetivo de nosso trabalho.

Ao término da coleta de dados inicieia fase de análise. A forma de

análise dos dados foi baseada em dois momentos: organização e análise

interpretativa dos dados. Na fase de organização foram elencados dados

relevantes como forma e conteúdo da interação verbal dos participantes, forma

e conteúdo da interação com o pesquisador, comportamento não verbal,

padrões de ação e reação, análise discursiva e expressões mais

utilizadas.Nosso desafio foi analisar a fala de nossos entrevistados sem nunca

perder o conjunto complexo da pesquisa.A voz de nossos entrevistados e

entrevistadasdeveria ser equilibrada, como em um fio de navalha, no eixo trino

proposto por nossa pesquisa.

2.4.1. Caminhos teóricos

O pensamento crítico feminista, com suas reflexões e interpretações,

contribuíram para tornar visível a sexualização do social. O movimento

feminista explicitou, desde a década de 1960, a opressão sofrida pelas

mulheres e a partir de então vem desenvolvendo trabalhos de pesquisa que

constituem instrumento valioso para uma leitura do social. Levandodiscussões

como a desnaturalização do papel social determinado pelo biológico,

hierarquização de gênero, a subordinação feminina, a ideologia das

representações culturais, a separação das esferas pública como masculina e

96  

      

    

privada como feminina 43 , gênero, igualdade, patriarcado, divisão social de

sexo, divisão sexual de trabalho, entre outros.

Os estudos feministas permitem a visibilidade das mulheres e destitui

qualquer possibilidade de posturas neutrasem relação aos valores dados pela

sociedade. Discute a participação tanto de homens como de mulheres na

prática e na teoria da construção do conhecimento, nas relações de trabalho,

nas questões sociopolíticas e culturais.

A epistemologia e a metodologia do feminismo propõem um modelo de

análise que permitam esclarecer a transformação das relações entre os

gêneros na sociedade.

A perspectiva de gênerocomporta pensar as diferençasem relação aos

diversos lugares que ocupam as mulheres no campo de trabalho e como no

conjunto das práticas sociais, dos símbolos, das representações, das normas e

dos valores sociais as sociedades delimitam os papéis femininos e masculinos.

A questão da profissionalização persiste com a concepção de que há:

[...] campos de saber ligados a distintas áreas disciplinares que são valorizadas como "femininas" ou "masculinas" e demarcadas de maneira desigual pela sociedade. A posição sexuada do sujeito que decide, os estereótipos sexuais socialmente atribuídos a mulheres e homens, a feminização e feminilização de determinadas carreiras, as formas de discriminação explícitas ou sutis, a auto-discriminação no acesso [...] (YANNOULAS, 2000, p.4).

Segundo Mosconi (1998), os saberes distintos são transmitidos a

públicos distintos, muitas vezes em função das próprias relações de gênero

que configuram os campos dos saberes. Há “tradições” acadêmicas, como na

Teologia, que defendem um imaginário de gênero na formação profissional,                                                             43 “Ser mulher, até aproximadamente o final dos anos 1960, significava identificar‐se com a maternidade e a esfera privada do lar, sonhar com um ‘bom partido’ para um casamento indissolúvel e afeiçoar‐se a atividades  leves  e  delicadas,  que  exigissem  pouco  esforço  físico  e mental”  (RAGO, Margareth.  Ser mulher no século XXI ou carta de alforria. In: VENTURINI, Gustavo; RECAMÁN, Marisol; OLIVEIRA, Suely (orgs), A mulher nos espaços públicos e privado. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004,pag. 31.  

97  

      

    

que se consolida em um discurso institucional queincentiva o estereótipo do

profissional a ser formado. O homem tem lugar privilegiado na formação

profissional da Teologia. Ser homem é uma qualificação prévia para a atuação

profissional.

O discurso, na voz dos diretores entrevistados e as estratégias das

instituições selecionadas, que ainda apresentam como objetivo de seu curso a

formação de pastores, presbíteros e ministros44 acaba por defender a Teologia

como um espaço majoritariamente masculino, pois as mulheres ainda têm

pouco acesso a cargos religiosos.

O olhar sobre minha experiência no grupo de trabalho do Conselho

Nacional de Educação, dominado por homens, as fontes analisadas, em sua

maioriaescrita por acadêmicos, e os cargos de direção nas Faculdades de

Teologia elegidas, ocupados por homens, e o discurso sobre profissional a ser

formado nas instituições me levarama refletir sobre osestreitos espaços

concedidos às mulheres como profissionais da Teologia, que são apresentados

de forma natural e reproduzidos nas relações de poder dentro das instituições e

no discurso dos entrevistados e entrevistadas.

Para Foucault, o poder se manifesta em relações de poder, em relações

sociais entre certos indivíduos ou grupos que se constituem em linhas

divisórias que separam os diferentes grupos sociais em gênero, classe e raça.

Assim, em vez de coisas, o poder é um conjunto de relações; em vez de derivar de uma superioridade, o poder produz a assimetria; em vez dese exercer de forma intermitente, ele se exerce permanentemente; em vez de agir de cima para baixo, submetendo, ele se irradia de baixo para cima, sustentando as instâncias de autoridade; em vez de esmagar e confiscar, ele incentiva e faz produzir. (ALBUQUERQUE, 1995)

O poder é concebido por Foucault (1979) como um conjunto de práticas

sociais e discursos construídos historicamente, que disciplinam o corpo e a

                                                            44 Enfatizamos  que  a  linguagem  apresentada  no  sítio  das  instituições  são  sempre  voltadas  para  o homem e nunca fazem menção a pastoras, ministras e presbíteras. Chamamos a atenção para este fato, pois mesmo as instituições que formam pastoras não fazem menção a esse diferencial. 

98  

      

    

mente de indivíduos e grupos e que é exercido a partir de numerosos pontos e

em meio a relações desiguais e móveis.

O mesmo autor (1989, p. 104) defende que “as relações de poder são ao

mesmo tempo intencionais e não subjetivas”e que“não há poder que se exerça

sem uma série de miras e objetivos. [...] Da mesma forma que a rede das

relações de poder acaba formando um tecido espesso que atravessa os

aparelhos e as instituições, sem se localizar exatamente neles.” (1989, p. 105)

Para análise do poder, Foucault indica uma metodologia de“prescrições

de prudência”, a primeira a ser considerada é a regra de imanência, segundo a

quala produção de saberes se relaciona com relações de poder, ou seja, a

existência de focos de saber-poder como encontramos na Teologia.

A segunda regra é a das variações contínuas,segundo a qual as

relações de poder não são estáticas, podendo ser modificadas com as

circunstâncias. A terceira regra do duplo condicionamento aborda os focos

locais de poder e seu condicionamento alicerçado em estratégia global e a

forma inversa do mesmo, que se apoia em relações precisas e tênues que lhe

servem de suporte e ponto de fixação.45

A quarta e última regra é da polivalência tática do discurso. Foucault

defende que é no discurso que o poder e o saber são articulados e que o

mesmo não se dá de maneira polarizada em dominante e dominado, mas sim

de forma múltipla com estratégias diversificadas

O discurso se torna relevante em minha análise por

permitirrecompor“coisas ditas e ocultas, em enunciações exigidas e interditas

[...], variantes e efeitos diferentes segundo quem fala, sua posição de poder, o

contexto institucional em que se encontra.”46

Poder e visibilidade são constructos históricos, determinados

nas e pelas relações sociais. Em cada conjuntura sócio-histórica

é preciso, portanto analisar os elementos de determinação do

                                                            45Ibidem, p. 110. 46Ibidem, p. 111. 

99  

      

    

ponto de vista econômico, político e cultural que incidem na vida

cotidiana dos indivíduos e estruturam valores, modos de pensar,

de ser e agir. Ou seja, trata-se não apenas de reconhecer quem

tem poder e visibilidade, mas em quais condições materiais

foram alicerçados e são efetivados.(SANTOS; OLIVEIRA, 2010)

Essas questões nos levaram a escolher três categorias analíticas para

melhor contextualizar nosso objeto de pesquisa: gênero, relações de poder e

divisão sexual de trabalho.De modoque faremos um breve histórico de como o

conceito patriarcado desenvolvido num primeiro momento pelas feministas

contribuiu para novas leituras do social, permitindo questionamentos do mesmo

pelas categorias elegidas.

2.4.2. A formação de uma categoria analítica: do conceito de patriarcado

àcategoria de gênero

As primeiras definições dadas ao patriarcado faziam menção ao

sentido religioso e referiam-se aos “dignitários da Igreja, seguindo o uso dos

autores sagrados, para os quais patriarcas são os primeiros chefes de família

que viveram antes e depois do dilúvio” (DELPHY, 2009, p.173).

Apenas nos anos 70 do século XX o conceito de patriarcado é adotado

pelo feminismo e passa aludir à hegemonia masculina da qual deriva o

androcentrismo cultural. O patriarcado foi designado pelas feministas radicais

como uma “situação de dominação masculina em que os homens em particular

aparecem como agentes ativos da opressão feminina”(PUELO, 1995, p.23).

Kate Millet (1969), que marca a corrente neofeminista, por sua vez, define o

patriarcado como uma política sexual exercida fundamentalmente pelo coletivo

de varões sobre o coletivo de mulheres.

100  

      

    

Saffiot afirma que “as relações patriarcais, suas hierarquias, sua

estrutura de poder contaminam toda a sociedade, o direito patriarcal perpassa

não apenas a sociedade civil, mas impregna também o Estado”.(SAFFIOTI,

2004, p. 54).

Muitos foram osdebates em torno do patriarcado. Esses debates foram

aguçados pelacrítica que afirmava o “caráter generalista do patriarcado, que

universaliza a forma de dominação no tempo ou no espaço, ou então correr o

risco de cair na falha inversa, de ser trans-histórico e

transgeográfico”(DELPHY, 2009, p.177).

Sheila Rowbothan (2009) configura sua crítica à definição na qual

afirma-se o patriarcado como ordem hierárquica sexual do capitalismo e

controle político, pois segundo ela esta definição reproduz um conceito de

sistema econômico.Algumas feministas socialistas qualificam este conceito de

abstrato e “ahistórico”, além de o mesmo apontar para o que há de comum e

não para as variações da hegemonia masculinanas distintas sociedades e

épocas históricas, assim, como nos diversos sistemas econômicos e políticos.

(DELPHI, 2009, p.28.)

As próprias pesquisadoras feministas que fizeram uso do conceito

patriarcado “apontam para impasses e dúvidas sobre as representações do

sexo biológico” (LOBO, 2011, p.189), mas Pateman(1993) alega que o

abandono do conceito patriarcado levaria àperda de uma história política que

ainda está para ser mapeadae é neste sentido que buscamos discorrer sobre

ele antes de entrarmos com a categoria analítica gênero. Optei por abordar o

patriarcado por ser ele o primeiro macroconceito que cunhou a teoria feminista

e trouxe elementos que nos auxiliam a entender a sociedade na qual a teologia

se encontra inserida. (BEDIA,1995)

O conceito de patriarcado defendido por Célia Amorós (1991) é

definido como um conjunto de práticas reais e simbólicas, não se tratando de

uma essência, mas uma organização social ou conjunto de práticas que

101  

      

    

instituem a esfera material e cultural que lhe seja favorável, bem como a

constituição de meios ideológicos que favoreçam sua continuidade.

A construção social do que deva ser o homem e a mulher em nossa

sociedade está relacionado com a construção do sistema patriarcal, que

privilegia ideologicamente a dominação masculina e é ela quem define os

parâmetros socioculturais. São os homens, na maior parte das instituições, que

detêm o poder de organizar e estabelecer o social.(SAFFIOTI,2004)

Saffioti (2004) entende o patriarcado como o “regime atual de

relaçõeshomens e mulheres” e assinala alguns fatores presentes na sociedade

contemporânea de forma sistematizada: os direitos concedidos aos homens

sobre as mulheres, uma hierarquização nas relações entre homens e mulheres,

que invade todos os espaços da sociedade, constitui-se de uma base material,

corporifica-se e representa uma estrutura de poder baseada tanto na ideologia,

quanto na violência (SAFFIOTI, 2004, p. 57)

A base material e hierarquizada dada pelo patriarcado foi utilizada pelo

sistema capitalista, que se apropriou das estruturas simbólicas e das condições

objetivas criadas pelo mesmo.

Tomando o patriarcado como indissociável dos mecanismos de dominação-exploração do sistema capitalista, é, pois, impossível trabalhar as dimensões de gênero fora desse contexto.[...] As relações desiguais de gênero se apresentam como objetivação atualizada do patriarcado, enquantosistema que domina e oprime as mulheres. (SANTOS; OLIVEIRA, 2010)

A teoria feminista nos estudos de gênero, oriundadas pesquisadoras

norte-americanas, vem desenvolvendo alguns temas, entre eles,o questionar a

hierarquização dos sexos e a divisão sexual do trabalho (BEDIA, 1995). Para

tanto, as teorias feministas se orientam em duas direções: analisar criticamente

as construções teóricas patriarcais, bem como dar voz às mulheres

historicamente silenciadas, e a construção de uma nova forma de interrogar a

realidade (BEDIA, 1995).

102  

      

    

CoboBedia enfatiza que a grande contribuição dos estudos de gênero

foi propor uma redefinição de todos os grandes temas das ciências sociais, se

tornando uma categoria analítica que percorre todos os âmbitos e níveis da

sociedade. “Deste modo, a teoria feminista abre um espaço teórico novo na

medida em que desvela e questiona tanto os mecanismos de poder patriarcal

mais profundos como os discursos teóricos que pretendem legitimar o domínio

patriarcal” (BEDIA, 1995, p. 61, tradução nossa).

Gênero é um campo de estudos que adentrou o Brasil na década de

1970/1980 e desenvolveu-se a partir da problemática da condição feminina.

Neste período, muitos estudos foram realizados em torno da opressão sofrida

pelas mulheres, retratando as questõesde classe e sexo. (GROSSI, 1999)

Mas nos anos 1980 a condição feminina dá lugar aos estudos sobre as

mulheres, poisconcluiu-se que havia uma diversidade de aspectos que as

envolvia além de classe e sexo, os quaisdeveriam ser considerados como:

aspectos regionais, faixa etária, entre outros.

Gênero possibilitou o estudo não apenas das condições objetivas, mas

introduziu a perspectiva subjetiva das identidades construídas socialmente.

Este campo de estudos buscou ir além da suposta determinação biológica

como ordem natural, que definia ideologicamente os papéis sociais dos

homens e mulheres (Grossi, 1999, p. 329-343).Na abordagem de Saffioti, “o

sexismo não é somente uma ideologia, reflete, também, uma estrutura de

poder, cuja distribuição é muito desigual, em detrimento das mulheres”

(SAFFIOTI, 2004, p. 35).

“Os diferentes poderes detidos e sofridos por homens e mulheres”

(SAFFIOTI, 1992, p. 193) puderam ser analisados a partir da categoria gênero

de forma a desnaturalizar e historicizar as desigualdades, bem como

considerar aarticulação das diferentes dimensões da vida social. A categoria

gênero possibilitou uma compreensão da complexidade que envolve as

relações e particularidades entre os sexos, suas especificidades históricas e as

respectivas determinações socioestruturais.

103  

      

    

Assim, as relações entre os sexos são consideradas um produto

social, proveniente da organização, assimilação e reprodução dos poderes e

valores, numa dinâmica temporal, por elementos que são, ao mesmo tempo,

significativos no que se refere entre sociabilidade e cultura. (SANTOS;

OLIVEIRA, 2010).

Desta forma, refletir sobre gênero é estabelecer uma relação que

abarca a forma como a sociedade é estruturada, seja no âmbito político,

econômico ou cultural nos diferentes períodos históricos. Pensar a condição e

a opressão vivida pelas mulheres,sejamelas objetivas ou subjetivas, é pensar

as relações sociais em toda a sua complexidade.

Considerando estes fatores, Joan Scott propõe o estudo das relações

de gênero com base nas identidades socialmente construídas e suas

respectivas relações com as organizações sociais e representações culturais,

mas também presente nas instituições, nas estruturas sociais, nas práticas

cotidianas e nos diversos rituais que constituem as relações sociais. (SCOTT,

1995)

“Os estudos de gênero, portanto, surgem da ideia de que o gênero é

uma construção cultural que foi constituída historicamente em forma de

dominação e sujeição feminina. Esta hierarquização sexual tem se

materializado em sistemas sociais e políticos patriarcais.” (BEDIA, 1995, p. 62,

tradução nossa)

Então ser mulherou ser homem é uma construção social estabelecida

por uma sociedade patriarcal 47 (SAFFIOTI, 2004)onde o homem institui e

conduz a vida social promovendo o aumento da desigualdade social e

exploração das classes trabalhadoras, gerando uma situação de dominação

ideológica e exploração do trabalho da qual o capitalismo se apropriou.

                                                            47[...] As relações patriarcais, suas hierarquias, sua estrutura de poder contaminam toda a sociedade, o direito patriarcal perpassa não apenas a sociedade civil, mas impregna também o Estado” (SAFFIOTI, 2004, pag. 55)

104  

      

    

No mundo do trabalho, as desigualdades de gênero se mantêm entre

homens e mulheres 48 e novas configurações vão sendo construídas. A

organização social vai se tornando cada vez mais sexuada, impondo e

atualizando a Divisão Sexual do Trabalho. Antunes (1999, p. 109) afirma que:

As relações entre gênero e classe nos permitem constatar que, no universo do mundo produtivo e reprodutivo, vivenciamos também a efetivação de uma construção social sexuada, onde os homens que trabalham são, desde a infância e a escola, diferentemente qualificados e capacitados para o ingresso no mundo do trabalho. E o capitalismo tem sabido apropriar-se desigualmente dessa divisão sexual do trabalho.

As mulheres foram incumbidas do papel reprodutivo, cuidado com

filhos, marido e familiares no espaço privado e os homens,do trabalho

profissional no espaço público onde prevalece o poder, a visibilidade e o

discurso dominante (PERROT,2005). Com a delimitação, definição e

hierarquização dos papéis e espaços sociais específicos para homens e

mulheres gerou-se uma divisão sexual do trabalho que perdura e resiste até os

dias atuais.

“O sistema do capital se beneficia da opressão vivenciada pelas

mulheres, tanto do ponto de vista ideológico, por meio da reprodução do papel

conservador da família e da mulher, como na perspectiva da inserção precária

e subalterna no mundo do trabalho.” (SANTOS: OLIVEIRA, 2010)

.

2.4.3.Divisão sexual do trabalho49

                                                            48 Não estamos negligenciando a diversidade de gênero, classe, raça, orientação sexual, faixa etária, mas me aterei às relações entre homens e mulheres no campo profissional. 49Optei pela divisão sexual de trabalho, mesmo sendo ciente de que ela e gênero pertencem a escolas distintas. Fi-lo

por ser a divisão sexual do trabalho mais apropriada à discussão da atuação profissional da Teologia, pois ela me

permite entender a Teologia em seu processo de construção social e coloca a questão da mudança como foco.

(HIRATA, 1995)

105  

      

    

Pensar a divisão sexual do trabalho é pensar a concepção da

naturalização da divisão de tarefas para o sexo masculino e feminino. Esse

conceito promove a visualização de que há uma naturalização das funções e

atividades profissionais designadas aos homens e às mulheres, uma

construção cultural de divisão social de sexo que assinala a desigualdade de

gênero.

As pesquisas mostram que a divisão sexual do trabalho assumeformas conjunturais e históricas, constrói-se como prática social, ora conservando tradições que ordenam tarefas masculinas e tarefas femininas [...], ora criando modalidades da divisão sexual das tarefas. A subordinação de gênero, a assimetria nas relações de trabalho masculinas e femininas se manifesta não apenas na divisão de tarefas, mas nos critérios que definem a qualificação das tarefas, nos salários, na disciplina de trabalho (LOBO, 2011, p.169).

Assim, as práticas sociais são utilizadas como uma noção

indispensável que permite a passagem do abstrato ao concreto; permitindo

pensar concomitantemente o material e o simbólico; levando os atores sociais

àreflexão do sentido de suas práticas, para que o mesmo não seja dado de fora

por puro determinismo (KERGOAT, 1996).

O conceito de divisão sexual de trabalho foi utilizado pela primeira vez

por etnólogos para designar uma distribuição complementar dos trabalhos

entre homens e mulheres nas sociedades que estudavam, entre eles estava o

antropólogo Lévi-Strauss. Contudo, as feministas impõem uma nova

concepção à divisão sexual do trabalho, retirando a ideia de

complementaridade e introduzindo uma nova leitura, que propunha a relação

de poder dos homens sobre as mulheres.

Atualmente a sociologia, segundo Hirata, tem duas grandes teorias da

divisão sexual do trabalho que são opostas e divergentes. A primeira está

vinculada àconceitualização de “vínculosocial”, por meio de seus conteúdos

                                                                                                                                                                               

106  

      

    

conceituais (solidariedade orgânica, complementaridade, conciliação,

coordenação, parceria, especialização e divisão de papéis). A segunda remete

mais a umaconceitualização em termos de “relação social” (divisão do trabalho,

contradição, antagonismo, oposição, dominação, opressão, poder) (HIRATA,

2007).

A divisão sexual do trabalho é considerada como um aspecto da

divisão social do trabalho;assim, conceituar a divisão sexual em termos da

relação social funda-se na ideia de uma relação antagônica entre homens e

mulheres.Mas também “são relações assimétricas porque são assimétricas

suas relações com a sociedade. São também relações de poder, regidas por

leis e normas, tradições e hábitos” (LOBO, 2011, p.175).

Para Helena Hirata (2002, p.281), a divisão sexual do trabalho é

indissociável das relações sociais entre homens e mulheres e ela permite

romper com o enfoque em termos de funções e papéis. A dimensão

opressão/dominação está contida nesta categoria e baseia-se na ideia de uma

relação antagônica entre homens e mulheres (Idem, 2002,p.280). Para a

mesma autora é necessário que se considere que “[...] há uma extrema

variabilidade das formas de divisão do trabalho relacionada à evolução das

relações sociais de sexo em toda a sociedade [...]” (Idem, 2002, p.286) que

deve ser ponderada nas pesquisas.

Em busca de melhor entendermos como essas desigualdades e

assimetrias sistemáticas entre homens e mulheres se articulam na divisão

sexual do trabalho, Helena Hirata e DanièleKergoat (2007)propõem-nos dois

princípios organizadores. O primeiro princípio é o da separação, que indica a

existência de trabalhos de homens e trabalhos de mulheres, e o segundo

princípio, o hierárquico, que aponta que um trabalho de homem vale mais que

um trabalho de mulher.

O primeiro princípio, o da separação, que será utilizado por mim, indica

a existência de trabalhos de homens e trabalhos de mulheres e está inserido

na divisão sexual do trabalho como uma construção social e histórica. As

107  

      

    

profissões historicamente vão sendo personificadas como masculinas ou

femininas. A sexualização do trabalho:

pode se reproduzir por tradição cristalizada através da articulação de estratégias patronais e resistências [...], uma vez cristalizadas as tradições, a tendência à inércia é forte e a divisão sexual do trabalho tende a se reproduzir reforçando a imagem da naturalidade. (LOBO, 2011, p.154)

Assim, as profissões, segundo Lobo, acabam desenvolvendo uma

“tradição” e esta tradição também está vinculada àsexualização das tarefas. A

Teologia não fugiu deste estigma da sexualização profissional e, ao utilizarmos

a teoria da divisão sexual do trabalho,ela nos possibilitará entender melhor a

prática profissional da mesma na atualidade.

A Teologianasce e se desenvolve como disciplina no seio da religião

cristã, que por sua vez estende o exercício teológico aos homens. Neste

momento, estamos nos referindo ao saber e fazer teológico como extensão

religiosa, ofício de sacerdotes, mas, independentemente de como venhamos a

defini-la, é fato que a Teologia tradicionalmente foi exercida pelo sexo

masculino durante séculos. Isso levou àcristalização e naturalização de que é o

homem quem faz Teologia.

Considerando este contexto da Teologia, torna-se crucial refletirmos

como analisar a relação entrecampo profissional da Teologia e as mulheres.

Trata-se muito mais de refletir sobre as trajetórias femininas, mediante as

tradições e representações simbólicas deste campo profissional, que

propriamente sobre adinâmica do mercado de trabalho da Teologia,

ponderando que o papel da mulher como profissional da Teologia é tratado

como um devir surgido após regulamentação, enquanto o homem “nasce” com

a qualidade inata para a profissão.

Desta forma, torna-se imprescindível a voz de nossas(os) entrevistadas

(os). Ouvir o discurso dos(as) entrevistados(as) é a forma de apontar a questão

da profissionalização feminina e analisar as assimetrias de gênero nesta

profissão.Nesse momento, Kergoat ganha relevância, pois afirma que:

108  

      

    

A divisão sexual do trabalho não é um dado rígido e imutável e varia fortemente no tempo e no espaço, e que problematizar em termos dedivisão sexual do trabalho não remete a um pensamento determinista; ao contrário, trata-se de pensar a dialética entre invariantes e variações [...] esse raciocínio implica estudar ao mesmo tempo seus deslocamentos e rupturas, bem como a emergência de novas configurações que tendem a questionar a própria existência dessa divisão(KERGOAT, 2003, p.56).

O discurso teológico ainda permeia a profissionalização da Teologia e

tem grande relevância, mas o marco isonômico constituído pela oficialização

tende a levar ao questionamentoda existência da divisão instituída pela religião.

O professor Antônio Máspoliafirma que: “Era raríssimo encontrar uma

mulher fazendo Teologia50”.

3.Gênero e poder nas instituições pesquisadas  

Para desenvolver minha pesquisa, escolhi como campo empírico cinco

faculdades de Teologia. A escolha pautou-se em dois critérios: primeiro, porque

elas tinham representantes no grupo de trabalhos constituído pelo Conselho

Nacional de Educação para a discussão e elaboração das DCNs de Teologia

entre os anos de 2010 e 2012; segundo, por estar inseridas na grande São

Paulo. Vamos chamá-las por faculdades F1, F2, F3, F4 e F5 para preservar os

informantes, pois não foi unânime entre os mesmos a divulgação de seus

nomes, o que nos fez optar pela exclusão dos nomes das instituições e

entrevistados(as). Entre as cinco faculdades pesquisadas, quatro delas são de

Tradição cristã, consistindo em diferentes denominações: católica, luterana,

batista e metodista, a quinta faculdade é de confissão afro-brasileira.

A F1, de confissão batista, tem o status de faculdade isolada, ou seja,

sem vínculo com universidade. Seu histórico inicial está vinculado à fundação

de uma igreja e posterior formação de seminário para formação de pastores

                                                            50 A  frase  foi  retirada da entrevista que o professor Máspoli nos concedeu no Mackenzie em maio de 2012. 

109  

      

    

que veio a se constituir em curso livre de Teologia na década de 1950. Pediu o

credenciamento ao MEC no ano de 2003 e foi autorizada no ano de 2005.

A instituição possui as seguintes funções administrativas: direção,

direção administrativa, tesouraria, coordenação de curso, assistência de

coordenação de curso e secretaria executiva. Os cargos de diretor, diretor

administrativo, tesoureiro e assistente de coordenação são ocupados por

homens, e a coordenação de curso e secretaria executiva são executados por

mulheres. Os membros do corpo administrativo da instituição são membros da

hierarquia da igreja mantenedora ocupando cargos eclesiásticos, o que não

ocorre com as mulheres da instituição, pois a igreja mantenedora não possui

cargos eclesiásticos para o sexo feminino. Mesmo com forte presença das

influências eclesiásticas na direção da instituição, é possível identificar a

presença feminina em cargos de poder na faculdade. Demonstrando que as

mulheres já têm acesso a eles na instituição.

A faculdade F2, de confissão metodista, é vinculada à universidade. Seu

histórico inicial está assentado à fundação de uma igreja e posterior formação

de seminário, que também veio a se constituir em curso livre de Teologia na

década de 1930. Como está vinculada a uma universidade que goza do direito

de implantar cursos sem a prévia autorização do MEC51, isso dispensou o

pedido inicial de autorização junto aos órgãos competentes, sendo fundada

logo após a oficialização do curso pelo Ministério da Educação e Cultura no

ano de 1999. O reconhecimento do curso junto ao MEC se deu no ano de

2001. A instituição possui as seguintes funções administrativas: direção, vice-

direção, direção administrativa, coordenação de curso e secretaria executiva,

                                                            51 A  lei de ensino  superior que  rege nosso país,  LDB  (Lei de Diretrizes e Base),  concede o direito das universidades e centros universitários a execução da abertura de cursos sem o pedido antecipado de autorização e credenciamento junto ao MEC. O artigo 5º do Parecer Nº: CES 968/98 determina que: ”Os cursos superiores de formação específica estarão sujeitos a processos de autorização e reconhecimento com  procedimentos  próprios  e  que  resguardem  a  qualidade  do  ensino,  ressalvada,  quanto  à autorização,  a  autonomia  das  universidadesnos  termos  do  art.  53  da  Lei  9.394,  de  1996,  e  a  dos centros universitários, nos termosdo parágrafo 1º do art. 12 do Decreto 2.306, de 1997”. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1998/pces968_98.pdf>. Acesso em: 15 out. 2013.  

110  

      

    

todas ocupadas por homens membros da hierarquia eclesiástica pertencente a

igreja mantenedora, com exceção da vice-direção, que é ocupada por uma

mulher, esposa de pastor e secretaria executiva, que é ocupada por um

homem sem vínculo com a igreja mantenedora.

A faculdade F3, de confissão presbiteriana, é vinculada à universidade.

Tem em seu histórico a vinculação com o movimento de implantação e

desenvolvimento da igreja presbiteriana no Brasil e dentro desse processo

implementou no início da década de 1940 um curso livre de Teologia. A

vigência do curso como oficial dispensou o pedido de autorização inicial ao

MEC, pois foi criado no seio de uma universidade que tem autonomia de fundar

seus próprios cursos, sendo reconhecido pelo MEC no ano de 2004. A

faculdade possui os seguintes cargos administrativos: diretor, auxiliar

administrativo e secretário executivo, todos ocupados por homens. Sendo os

três pertencentes à hierarquia eclesiástica luterana. O diretor e secretário são

presbíteros, e o coordenador é pastor.

A faculdade F4, de confissão católica, é vinculada à universidade. Seu

histórico inicial está atrelado à congregação religiosa, que também veio a

constituir um curso livre de Teologia na década de 1940. Embora, se encontre

unida a uma universidade no momento atual, isso não ocorria no período de

sua autorização, dessa forma, teve de pedir junto ao MEC seu credenciamento

e autorização para o funcionamento do curso no ano de 2004. A instituição

possui os seguintes cargos administrativos:Grão-chanceler, diretor, diretor

adjunto e coordenador de curso. Todos os cargos são ocupados por homens,

membros da hierarquia eclesiástica da igreja mantenedora.

A F5, uma faculdade de confissão afro-brasileira, é uma instituição

isolada como a F1 e não possui vínculo com universidade. A faculdade de

Teologia nasce da iniciativa de um pai de santo das religiões afro-brasileiras

que implementa o projeto, pedindo no ano de 2001, a autorização de

funcionamento, que foi emitida pelo MEC no ano de 2003. Essa é a única

instituição que não funcionava como curso livre antes do pedido de

111  

      

    

autorização. Todas as demais já atuavam como cursos livres que visavam à

formação de contingente para a área ministerial e pastoral.

Os cargos administrativos da instituição são os seguintes: direção, vice-

direção, direção administrativa e secretaria executiva. Nessa instituição todos

os membros pertencem a hierarquia eclesiástica da mantenedora, dois(duas)

deles são sacerdotes(isas) das religiões afro-brasileiras em atividade em seu

ministério. Os cargos de direção e direção administrativa são ocupados por

homens e o cargo de vice-diretora e secretária executiva, por mulheres.

Ao concluir a apresentação das instituições pesquisadas, gostaria de

ressaltar que, das cinco instituições pesquisadas, quatro nasceram por meio de

uma igreja ou seminário que veio a constituir cursos livres de Teologia e

apenas uma é formada diretamente como faculdade sem antes constituir um

seminário, mas vinculada a templo religioso; assim sendo, o vínculo com as

instituições religiosas é fundamental para sua existência e atual funcionamento

tanto a nível econômico. Todas as instituições pediram a autorização de

funcionamento logo após o reconhecimento do curso pelo Ministério da

Educação e Cultura no ano de 1999, por meio da Portaria CNE/ CSE 249 de

1999.

Assim, os cursos livres de Teologia para a formação de presbíteros,

ministros e pastores mudam seu status para curso regulamentado pelo MEC e

atingem sua habilitação perante os órgãos governamentais. Ao constituírem

seus componentes curriculares, fizeram uso da liberdade expressa na Portaria

CNE/ CSE 249 de 1999, que permitia que a composição dos mesmos fosse

contemplada pelas especificidades confessionais.

Desta forma, cada faculdade pode manter suas características

denominacionais, bem como concretizá-las nos componentes curriculares e em

suas políticas institucionais. Faço ressalva com relação a essas diferenças,

pois isto estará presente nos discursos de meus entrevistados e minhas

entrevistadas em consonância com a diversidade dos ambientes de formação.

112  

      

    

Entre as cinco instituições pesquisadas, quatro delas mantêm em seus

interstícios marcas dos valores culturais defendidos pelo discurso religioso

judaico-cristão e a quinta traz um discurso pautado na teologia afro-brasileira,

uma nova perspectiva no campo teológico brasileiro.

Para adentrar nos elementos de minha análise, busquei em primeira

instância reconhecer quem ocupava os cargos da direção, vive-direção,

coordenação de curso e secretaria executiva nas faculdades, identificando se

são do sexo masculino ou feminino, pois esses cargos se tornam relevantes

por ser lugar do exercício de poder. Os dados encontram-se no Quadro A do

Apêndice.

Como é possível observar no Quadro A, as colocações de importância

hierárquica são ocupadas em sua maioria por homens. Os cargos de direção

em totalidade são exercidos por homens, que também se encontram

posicionados nas hierarquias eclesiásticas; o cargo de vice-direção aparece

apenas em duas das instituições pesquisadas e é ocupado por mulheres, a

diretoria administrativa é ocupada por homens em todas as instituições, a

coordenação de curso é desempenhada por quatro homens e uma mulher

entre as cinco faculdades pesquisadas e na secretaria executiva encontramos

três homens e duas mulheres. Os dados apontam a presença masculina na

maioria dos cargos de poder dentro das faculdades e, também, que as

mulheres marcam presença no meio, mesmo que em minoria. Elas ocupam

cargos subordinados de vice-diretora ou coordenação de curso, no entanto,

mesmo sob o comando dos homens, elas se encontram em espaço onde têm

condições de exercer o poder.

Embora os homens ainda apareçam nas funções com maior valor

social, como os cargos de direção (HIRATA; KERGOAT, 2007) e permaneçam

a maioria em “cargos de ponta”, as mulheres, em certa medida, mesmo

ocupando cargos em que são subordinadas ao sexo masculino, conseguem

acesso a colocações de relevância nas instituições e, assim, exercem e

participam de tomada de decisões dentro da rede de poder (FOUCAULT, 1979)

113  

      

    

interno das instituições. Como afirma Foucault (1979), não há subordinação e

dominação sem resistência e a presença das mulheres nos cargos de

relevância hierárquica reflete a luta das mesmas e a consequente resistência

que marca sua presença no meio da Teologia.

Para melhor entender como esses cargos são ocupados, questionei

meus(inhas) entrevistados(as) sobre o critério utilizado para a contratação e a

resposta para minha pergunta era a capacidade e competência para o

exercício do mesmo. Reiteraram que, como se tratava de um ambiente

acadêmico, era necessária a titulação adequada na área (mestrado e

doutorado). Mas Hirata (p. 46) coloca "que o modelo de competência (...) face à

hierarquia e ao coletivo de trabalho é jogado de maneira diferente, senão por

vezes oposta no caso dos homens e das mulheres” 52 . Dessa maneira é

possível entender que a competência e qualificação têm pesos diferentes na

dependência do sexo, mas mesmo, assim, a relevância da capacitação

acadêmica é utilizada como discurso e reiterada nas narrativas dos homens e

mulheres entrevistados(as). Como na fala de Glória (56), que ocupa o cargo de

vice-diretora da F2 desde 2009:

“(...) cargos de direção no meio acadêmico além da competência necessária está profundamente associado à formação acadêmica. Eu mesma só tive acesso avice-direção após conquistar meu doutorado, mas também considero tão fundamental quanto minha formação a indicação que obtive da mantenedora. Historicamente os vários espaços da Teologia não é um ambiente acolhedor para as mulheres, sempre é necessário um plus para entrarmos nesse meio. Minha formação na área não foi simples. Querer a capacitação na área é uma coisa ir em busca e realiza-la é outra. Tem de se contar com uma rede de apoio, que é constituída praticamente por homens. Sem isso creio que ser muito mais difícil.”

Em sua narrativa, Glória aponta algumas questões relevantes: a

competência, a formação acadêmica, a indicação da mantenedora e a rede de

apoio. Se por um lado o depoimento de Glória explicita a relação entre poder-                                                             

114  

      

    

saber, quando afirma ser necessária a formação por outro também vincula a

“distribuição” do poder na faculdade onde atua profissionalmente a indicações

realizadas pela mantenedora, lugar por excelência do poder eclesiástico. Como

disse Glória sua formação foi importante, mas a indicação da mantenedora foi

um plusfundamental, ou seja, no caso referido a formação não seria suficiente.

Ambos os lugares: na academia e na religião (mantenedora) são

espaços historicamente androcêntricos que privilegiam a atuação masculina.

Regina Jurkkewicz, em sua pesquisa Gênero, poder e religião – ONGs em São

Paulo: um estudo de caso (1999) colocaque não basta ter acesso ao

conhecimento, mas é necessária a quebra de condicionamentos sociais, que

diferenciam as possibilidades de acesso para homens e mulheres em lugares

saber-poder. No caso retratado por Glória ela descreve o uso de uma rede de

apoio, praticamente constituída por homens e ressalta que seria muito difícil

conseguir algo sem fazer uso da mesma. Mediante a narrativa de Glória, é

possível identificar que a rede de apoio, formada por homens, está constituída

por “poder” e funciona como um centro de acesso e distribuição do mesmo, ou

seja, segundo Foucault ela não “tem” o poder, mas o detêm e é capaz de

influenciar quem entra ou não no espaço da profissionalização da Teologia.A

segunda mulher que ocupa o cargo de vice-diretora, da F5, Mara (48), foi

designada para o cargo em 2008 e faz relato similar:

Meu cargo atual na instituição foi indicação da mantenedora. Isso se deu para resolução de algumas questões administrativas. Eu vinha trabalhando junto à diretoria da mantenedora há alguns anos e a mesma chegou à conclusão que minha contribuição na diretoria da mantida seria positiva. Minha formação acadêmica teve início após assumir o cargo para que pudesse obter maior adequação ao mesmo.

As duas mulheres indicam em seus relatos que a competência e

formação foram necessárias, mas não foram os únicos fatores determinantes

para que viessem a ocupar o cargo de vice-direção nas faculdades F2 e F5. Os

relatos apontam para a influência e extensão do poder eclesiástico, presente

nas mantenedoras na constituição e formação dos quadros de direção das

115  

      

    

faculdades, e não apenas para a capacidade e formação na área, como foi

relatado pelos diretores das cinco instituições. A capacidade de administrar e

conhecer a área foi um dos fatores determinantes para a entrada no campo,

mas a formação é imprescindível para se manter no cargo.

Mas, no caso de Mara, assumir o cargo foi um facilitador para sua

formação acadêmica, pois ela relata que sua capacitação se deu após assumir

a vice-direção da instituição F5, ou seja, ela fez uso da oportunidade associada

à necessidade de maior capacitação para permanecer no lugar de vice-diretora

e buscou sua formação. O cargo foi um facilitador para a capacitação

profissional, e não o contrário, como apontado pelos gestores.

No relato das duas vice-diretoras evidencia-se que elas abriram seus

próprios caminhos e construíram suas trajetórias, mesmo dentro de um

contexto em que as mulheres não encontram facilidades, pois ele foi criado e

dominado por homens ao longo da história da Teologia, ou seja, elas se

apropriaram das relações de poder existente para se projetar num meio

inóspito.

Mesmo considerando as indicações das mantenedoras53, as mulheres

conquistaram um espaço de poder na direção das instituições e buscaram sua

capacitação na área para a manutenção de seus cargos. Apontando para a

existência de pontos de resistência e conquistas, que se estendem às

faculdades como espaços em que as mulheres articulam-se e buscam a

formação como uma forma de luta para permanecer no local conquistado

rompendo com a histórica subordinação feminina na área. Dessa maneira

podemos compreender o poder nas instituições na perspectiva de Foucault

como algo que circula e, não como algo que se encontra nas mãos de alguém.

Não é possível excluir o momento e o contexto histórico-cultural atual de

conquistas e mudanças sociais do “lugar” das mulheres na sociedade, mas

também não há como negar que essas mulheres construíram estratégias na

                                                            53 O  fato  de  as mulheres  serem  indicadas  aos  cargos  pela mantenedora  demonstra  que  elas  estão conquistando espaço dentro das respectivas igrejas. 

116  

      

    

relação com suas igrejas (mantenedoras) e faculdades (mantidas) e

reconfiguraram as dinâmicas de gênero androcêntricas presentes nas mesmas.

As igrejas, que tinham plena liberdade para definir, criar ou interditar,

bem como estender o exercício do poder única e exclusivamente para os

homens, também passam a indicar mulheres a cargos de poder nas faculdades

estudadas.

3.1. Mulheres em “lugar” de poder nas faculdades

Ao nos referirmos às mulheres em lugar de poder nas faculdades

pesquisadas nosso objetivo era compreender as relações de poder e as

dinâmicas estabelecidas por elas nas instituições. Entendo relações de poder

segundo Foucault: primeiro que o poder não é algo que se detêm, segundo que

ele não se exerce sem resistências e terceiro que as relações de poder não

são produtos mecanicistas e envolvem vários componentes.Considerando a

perspectiva foucaultiana das relações de poder, na qual o poder é algo que se

exerce e não se encontra localizado em nenhuma parte específica, mas sim,

com a ideia de circularidade é possível compreender o que Foucault chamou

de microfísica do poder na qual o poder se desloca etransita.

“O poder está em toda parte; não porque englobe tudo e sim porque provém de todos os lugares (...). O poder não é uma instituição e nem uma estrutura, não é uma certapotência de que alguns sejam dotados: é o nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada. (FOUCAULT; 2012, p. 88-89)

A questão de poder em Foucault apresenta outro elemento relevante

que utilizarei nesse item: a relação de poder-saber, pois ele defende que o

saber não tem neutralidade e sim, se encontraassociado a relações de poder.

Para Foucault:

“(...) o fundamental da análise é que saber e poder se implicam mutuamente: não há relação de poder sem constituição de um campo de saber, como também, reciprocamente, todo saber constitui novas relações de

117  

      

    

poder. Todo ponto do exercício do poder é, ao mesmo tempo, um lugar de formação de saber”. (FOUCAULT: 2013, p. 23)

Assim, fazendo uso da perspectiva foucaultiana é possível analisar a

presença de duas mulheres no cargo de vice-direção das faculdades, num

lugar de saber-poder tradicionalmente masculino. A presença de mulheres na

vice-direção das faculdadesé resultado de práticas de resistências e de micro

relações de poder, que foram exercidas por elas no interior das mantenedoras

ao longo do tempo, pois por meio do desempenho profissional demonstraram

capacidade e liderança.

A ação profissional das mulheres em cargos de vice-direção não só as

legitima como sujeitos de poder, mas também cria possibilidades para que as

posições tradicionais de gênero no meio, que foram frutos das práticas e

discursos hegemônicos, sofressem um abalo, servindo em certa medida de um

desequilíbrio nas relações de gênero que deram significado às relações de

poder presentes na área. Foucault(1989, p. 104) defende que “as relações de

poder são ao mesmo tempo intencionais e não subjetivas”.

Assim, é a objetivação do poder que as leva a se produzirem, bem

como ganhar legitimidade por meio de seu trabalho em um espaço do qual

historicamente foram excluídas e invisibilizadas. Essas mulheres, mesmo tendo

o seu sexo como algo que restringe a ocupação de cargos em instâncias

superiores no campo, passaram a compor e lidar com possibilidades

semelhantes à dos homens nas posições de poder. Nas narrativas das vice-

diretoras é possível identificar as dificuldades de estar nesse “lugar” onde as

mulheres ainda são exceção, mas também as estratégias utilizadas pelas

mesmas nos “jogos de poder” que envolvem sua permanência na área:

Como eu cheguei ao cargo de vice-direção? É uma longa história, mas tentarei ser o mais sucinta possível. Comecei minha trajetória como a maioria das mulheres: prestando serviços assistenciais à comunidade em regime de voluntariado. Fazendo Teologia com o objetivo de me instrumentalizar para esses trabalhos. Nessas atividades, aos

118  

      

    

poucos fui assumindo responsabilidades por projetos, equipes, e isso me levou a uma aproximação com a diretoria da mantenedora. Sou de uma personalidade muito ativa e determinada e esse fator acabou me fazendo construir novas dinâmicas de trabalho que apresentei à direção da mantenedora que foram aceitas, adotadas e compartilhadas e após esse episódio passei a ser uma espécie de “consultora” da diretoria da mantenedora, mas sem vínculos, porém, com o passar dos anos, porque foram anos, eles me fizeram o convite para compor a diretoria. Eu aceitei e foi um desafio, pois estar como voluntária era uma coisa, e estar como membro da direção era outra. Acho que eles só se deram conta disso depois que eu já estava lá [risos]. Os espaços de poder na religião “não são” [a entrevistada faz o gesto das aspas com as mãos nesse momento- grifo meu]para serem usufruídos por mulheres e, assim, conferir a elas isso foi um tumulto naquela diretoria. Nesse momento começa a minha luta para a conquista de meu espaço num cargo de poder. Esperar que me concedessem seria inútil, eu teria que lutar por ele. Eu não sou muito pacífica nos meus intentos, ou melhor, tenho uma postura de ir atrás. Não poderia esperar que alguém simpatizasse com ideia de me apoiar. Como se conquista um cargo? Trabalhando duro e de forma eficaz, e assim o fiz. Depois de alguns anos, a mantenedora começou a detectar alguns ruídos na comunicação com os membros da mantida e os problemas administrativos da faculdade começaram a crescer. Como a mantenedora sempre tem um membro na mantida, eles me encaminharam para o cargo de vice, e não da direção. Quando assumi o cargo na faculdade, propus que outras mulheres viessem a compor a direção da instituição, mas consegui a introdução de apenas uma. (MARA, 49 anos)

A fala de Mara descreve a forma com que utilizou sua capacidade e

potencial de trabalho como uma estratégia para se tornar reconhecida

profissionalmente, pois, como ela afirmou em sua narrativa: “Não poderia

esperar que alguém simpatizasse com ideia de me apoiar. Como se conquista

um cargo? Trabalhando duro e de forma eficaz, e assim o fiz”. Afinal, ela

mesma fala que contar com agentes facilitadores seria muito difícil. Ela resistiu

às dinâmicas hierárquicas de poder na áreae conseguiu assumir um lugar de

liderança, mas estar lá foi um longo processo de lutas, disputas e estratégias

políticas.Mara demonstra consciência de que as mulheres possuem

119  

      

    

capacidade para as instâncias de poder, ao propor a contratação de mais

mulheres para a direção da faculdade, mas também “trata-se de uma mudança

de estrutura fundamental que permitiu a realização, com uma certa coerência,

da modificação dos pequenos exercícios de poder” (FOUCAULT, 2013, p. 215)

que lhe permitiu ousar uma indicação, mesmo que ela tenha sido rejeitada.

Na outra faculdade, onde também ocupa o cargo de vice-diretora,

Glória (50 anos)narra situação similar à de Mara, porém refere como estratégia

de permanência no cargo o fato de ter conduzido as “coisas bem devagar” e

sendo reconhecida pelos seus pares:

Eu não tinha expectativa de conseguir um cargo na direção da faculdade. Esses cargos e as hierarquias eclesiásticas são praticamente a mesma coisa. Nunca imaginava uma mulher na direção, muito menos eu. Historicamente, isso não havia acontecido. Tenho ciência que sou exceção e faço parte de um marco histórico ao ocupar esse cargo e só consegui estar aqui devido aos meus anos de trabalho e dedicação à vida profissional. Eu conquistei bem devagar e de maneira silenciosa o meu cargo. Na minha área, mulher tem de trabalhar em dobro para poder ser indicada a qualquer tipo de cargo e estar aqui é muito significativo para mim e para meus pares. Meu cargo foi indicação, como se os outros não fossem, mas uma mulher ser indicada gera muitos falatórios, enquanto um homem ser indicado é algo natural. Se fui indicada, foi por competência, e se mantenho no cargo, é pelo mesmo motivo.

Glória tem ciência de ocupar um lugar historicamente de homens e, de

preferência, de clérigos, por isso demonstrou certo assombro com a indicação

para o cargo, mas, ao mesmo tempo, um orgulho pela conquista de marcar a

presença feminina em um espaço onde sua ausência era a constante. Por

outro lado, o fato de não esperar ocupar esse tipo de cargo se deve ao

processo de internalização das dinâmicas de gênero reproduzidas pela lógica

da ordem social androcêntrica e não se trata de falta de capacidade das

mulheres para assumir essas atividades.

A experiência narrada por Glória demonstra que o ambiente de

trabalho da Teologia, onde imperam os valores clericais, são concebidos no

imaginário como “não lugares” para as mulheres. Mas, ao mesmo tempo, estar

120  

      

    

ali em um espaço de poder que era destinado aos homens e clérigos a

confirma como pessoa capaz de ação, mas também estende aos seus pares

do sexo feminino a mesma capacidade de atuar em ambientes que, há até bem

pouco tempo, lhes era negado. Estar na direção da faculdade de Teologia é

uma forma de visibilizar as mulheres como pessoas capazes de exercer o

poder, mesmo que dentro de um universo masculino e clerical.Mas, como

retrata Foucault “(...) não é possível que o poder se exerça sem saber, não é

possível que o saber não engendre poder." (FOUCAULT; 2013 p. 141-142).

Elas edificaram seus lugares como sujeitos capazes de exercer poder-saber.

Esse cargo apresenta uma “estimação do valor social” e religioso, que

“ditam a visibilidade e a invisibilidade das competências, sua legitimidade e, no

fim das contas, a verdade dos atores e das relações de forças [...]” (RICHARD,

2003, p.76).A ocupação estratégica dos cargos por essas mulheres, se não foi

capaz de abalar as imagens masculinas que os caracterizam, ao menos

constitui base de manobra para futuras conquistas delas ou de outras que

venham a se inserir no campo.

Restringir o acesso das mulheres a cargos de poder era uma forma de

manter o campo generizado e obstruir o uso de dinâmicas de gênero que

pudessem alterar o quadro até então existente. A conquista desses cargos

demonstra que algo está mudando e contribui no sentido de desconstruir os

papéis de gênero que estruturavam as práticas, definiam e determinavam os

“lugares” de homens e mulheres na Teologia. Essas duas mulheres

representam o desafio aos códigos normativos de gênero no campo e reiteram

novas possibilidades para as mulheres no campo profissional da Teologia.

3.2. Entre as dinâmicas de gênero e relações de poder: situando

meus(inhas) entrevistados(as) no processo de formação e inserção

profissional

A fim de obter a maior abrangência analítica das relações de gênero é

necessário considerar e estabelecer as especificidades do espaço social em

121  

      

    

análise, o campo profissional da Teologia, a organização do mesmo, as

particularidades dos seus membros e do contexto sócio-histórico em que estão

inseridos, e a configuração das relações de poder que se interpõem nesse

meio, bem como os circuitos de poder que permitem distinguir seus efeitos nas

relações e interações entre indivíduos, bem como nas práticas e discursos

institucionais que promovem e reforçam as assimetrias de gênero.

Ao ir a campo e ouvir meus(inhas) entrevistado(as) tinha como objetivo

saber sua inserção profissional, mas percebi no decorrer da pesquisa que estar

ou não inserido profissionalmente se tratava de uma situação complexa e tinha

vínculos com as influências familiares, questões religiosa e com o processo de

formação dos mesmos como é possível observar nas narrativas abaixo. Algo

que me foi relatado nas entrevistas e me levou a analisar o que havia

estimulado a opção pelo curso, bem como o que envolveu o processo de

formação desde a graduação.

Sou de família de pastores, Meu avô foi pastor, meu pai é pastor e eu segui o pastorado também. Todos éramos da Assembleia (refere-se a Igreja Assembleia de Deus- grifo meu). Comecei o pastorado com 18 anos. Hoje não sou mais da Assembleia. Fundei minha própria igreja. Foi assim, que cheguei na Teologia motivado pelo pastorado e o desejo de ser um bom pastor. Eu trabalhava como operário nas linhas de montagem e todo mundo falava para mim que fazer Teologia era perda de tempo, mas como eu queria seguir como pastor nem ligava. Eu comecei a estudar com bolsa do sindicato e ficava essa cobrança, mas depois eu consegui bolsa do Pro-uni e as cobranças acabaram. (MARCOS, 26 anos) Me casei com uma batista e comecei a participar de algumas atividades na comunidade da igreja e fui me envolvendo com a religião. Sou da aeronáutica, mas essa não é uma profissão que preencha. Foi então que pensei que ser pastor seria uma forma de redirecionar minha vida além de poder ajudar as pessoas. Decidi ser teólogo. Fuie me formei. (GLAUCO, 44 anos) Fiz Teologia porque queria estudar a história da Igreja e lá era o lugar ideal. Sempre tive a pretensão de ser

122  

      

    

acadêmico na área de história, mas era fascinado por essas coisas de poder que envolviam a história da Igreja. (Jorge, 36) Meu pai um devoto, minha mãe conselheira na comunidade e eu filha de religiosos. Não podia ser muito diferente. Era inevitávelconhecer a religião. Pensei muito se valeria a pena pagar um curso que me traria pouco retorno, mas apostei porque conhecer minha religião era algo que desejava.(Fatima, 50 anos) Sou esposa de pastor. Viver, respirar e estar com a religião era uma constante. Ele foi fazer Teologia e eu me motivei a ir com ele sem grandes pretensões, mas com a ideia de melhorar minha atuação na comunidade. (Sara, 36 anos)

Para melhor localizar o contexto faço uma breve apresentação do grupo

que compôs minha pesquisa, sua trajetória na formaçãoe das estratégias

utilizadas por eles(as) para alcançar sua capacitação considerando as relações

de poder e dinâmicas de gênero.Procurei a perspectiva que aceita a existência

de pontos de adesão e resistência ao poder, capazes de legitimar ou negar as

ações de nossos(as) entrevistados(as), entendendoas diferentes instituições

(família, religião e faculdades de teologia) como espaços em que homens e

mulheres articulam suas relações por meio de movimentos de negociação,

debate e de luta de acordo com interesses em jogo. “As relações de gênero,

assim, são percebidas como mecanismos e práticas sociais que são instituídos

e instituem ações e comportamentos” (CAPELLE, 2004) 54 . Dentro dessa

perspectiva é possível abordar o gênero como uma forma de expressão das

relações de poder no espaço de formação e atuação profissional, assim como

consideraros jogos de interesses que as envolvem.

As dinâmicas das relações de gênero aliada a concepção de poder

defendida por Foucault remetem a um “sistema” de redes tensas e

continuamente ativas, em que não se permite a posse do poder, mas tão-

somente a capacidade de exercê-lo em múltiplas instâncias e intensidades

                                                             

123  

      

    

diversas. Dessa forma, como afirma Foucault em a Microfísica do poder (2013)

o poder passa a ter seus efeitos vinculados a manobras, técnicas, táticas e

mecanismos, tendo implicações sobre as ações dos sujeitos que o exercem.

O ponto de vista foucaultiano de poder aplicado às relações de gênero

admite o rompimento com a polarização de que o poder está nas mãos dos

homens ou das mulheres, poisdescentraliza o poder e o faz circular. Porém,

isso não anula o fato de que em certosmomentos algumas pessoas estejam

mais submetidas a manobras de poder do que outras, como é possível

observar na fala de nossos(as) entrevistados(as).

É esse processo das dinâmicas das relações de gênero e poder que

busquei analisar a partir das narrativas de meus(inhas) entrevistados(as). Para

melhor localizar meus informantesapresento nos quadros B e C, no Apêndice,

(os) entrevistadas (os) das cinco instituições pesquisadas, bem como elucido o

caminho que percorri para chegar a eles(as). Foram selecionados quatro

discentes de cada instituição divididos em 2 homens e duas mulheres somando

o total de 20 entrevistados (as). Os critérios de escolha foram baseados em

indicações das faculdades, dos próprios entrevistados ou da busca em

programas de pós-graduação nas próprias instituições pesquisadas.

Ao buscar qual a motivação de ambos os sexos para cursar Teologia

foi possível identificar que os homens entrevistados fizeram essa opção devido

à expectativa de uma formação ligada à área seminarística e inserção na

carreira acadêmica. Entre os dez entrevistados oito tinham ou pretendiam ter

ligação com as hierarquias eclesiásticas. Ao passo que entre as mulheres o

objetivo com a formação era seguir carreira acadêmica, oportunidade de se

inserir no ensino superior, conhecimento da própria religião ou preparar-se para

trabalho voluntário, apenas uma passou a pertencer à hierarquia eclesiástica,

mas no início não tinha essa pretensão. “Nesse caso, as estratégias de poder

que envolvem as relações de gênero apontam para uma diferenciação entre os

sexos que delimita comportamentos e condutas e é delimitada por eles”

(CAPELLE, 2004).

124  

      

    

Ao analisar a questão geracional, entre meus(as) entrevistados(as) foi

possível averiguar, que nesse grupo pesquisadotanto os homens como as

mulheres mais novas, que entraram no curso após a oficialização, buscaram a

Teologia vislumbrando a inserção no campo, fosse na área ministerial e

acadêmica, no caso dos homens, fosse na área acadêmica, no caso das

mulheres. Em contrapartida, as gerações mais velhas, que ingressaram no

mesmo período, procuraram a Teologia para conhecer melhor a religião ou se

instrumentalizar para trabalhos voluntários. Considerando que, já se

encontravam inseridas profissionalmente em outra área ou aposentadas.

Nesse momento o reconhecimento do curso ganha certo destaque, pois as

gerações mais novas em seu processo de formação já puderam usufruir de um

curso de Teologia reconhecido e como tal com viés profissionalizante.

Enquanto, as gerações mais velhas no período de sua formação não contavam

com esse fator, ou seja, buscaram cursos que lhe permitissem a inserção no

mercado de trabalho. Não é possível afirmar que as gerações maisnovas

fizeram a opção pelo curso para sua profissionalização devido a oficialização

da disciplina de Teologia, mas é possível dizer que o reconhecimento do curso

permitiu abrir um novo horizonte profissional para as gerações mais novas de

ambos os sexos.

Outra questão significativa está vinculada à formação em nível de

graduação. As mulheres possuem mais graduações que os homens e, em nível

de pós-graduação, os homens têm maior formação que as mulheres (ver

quadros D e E, no Apêndice).

Entre as mulheres, encontramos 1 doutoranda, 1 mestra, 5 mestrandas

e 3 bacharelas; em contrapartida, entre os entrevistados temos 1 doutor, 2

doutorandos, 3 mestres, 3 mestrandos e 1 em pós-graduação lato sensu. Isso

demonstra que o sexo masculino investiu mais em sua formação stricto sensu,

mestrado e doutorado, de forma a preparar-se para a vida acadêmica. O nível

de formação já é um demarcador dos lugares que homens e mulheres

125  

      

    

ocuparão no campo profissional, assim como a persistência da reprodução da

assimetria de gênero na área.

Outro ponto que se destacou nas entrevistas foi o fatodos homens

passarem a atuar com o status de pastor antes mesmo do término do curso de

graduação. Como nos narra Mariana (28 anos):

Eles eram chamados de pastores, mas oficialmente eles só seriam pastores após a formação quando passariam a ser chamados de pastor acadêmico. Quando eles faziam estágio ministerial nas igrejas eram tratados como pastores e, já tinham grandes influências nas igrejas, eram vistos como pastores porque estavam cursando a Teologia, mas oficialmente não eram reconhecidos como tal. Só depois da graduação.

Enquanto, alguns de meus entrevistados conseguiam exercer o

pastorado antes mesmo de concluir sua graduaçãoas mulheres pesquisadas

por mim, que pretendiam atuar na área tinham de buscar maior qualificação.

Tendo de se dedicar durante um período maior à sua capacitação para

conseguir algo na área. Para atuação na área ministerial as mulheres não

dependem apenas de sua formação, mas também do fato da denominação

aceitar ou não o ministério feminino. A pesquisa demonstrou critérios

particulares para cada gênero na inserção profissional, com nítida

desvantagem para as mulheres entrevistadas.

Desta forma, ficasempre a dúvida da inserção das mulheres como

profissional da área, uma vez que os homens estão em franca vantagem e são

ainda idealizados como profissionais no campo. Como coloca Schiebinger

(2001,p. 351): “o ingresso das mulheres é geralmente considerado o mais fácil

das tarefas”, mas o início de sua inserção profissional é sempre um

complicador, pois “as disciplinas estabelecem limites ao que pode ser

perguntado e por quem (grifo meu). (...) Elas fornecem critérios para o

conhecimento e métodos e regulam o acesso às profissões (grifo meu)”

(SHIEBINGER, 2001, p. 290).

126  

      

    

Assim, as narrativas de nossos(as) entrevistados(as) indicam que a

própria estrutura do campo profissional da Teologia é atravessada por

dinâmicas que se colocam contra o desejo pessoal das mulheres de seguir

carreira. A articulação das estratégias de poder reflete-se nos discursos e

práticas das faculdades e no processo de formação e capacitação acadêmica

de maneira objetiva e subjetiva constituindo políticas que levam as mulheres ao

desestímulo de sua permanência. “O poder não se dá, não se troca nem se

retoma, mas se exerce, só existe em ação (...)” (FOUCAULT, 2013, p 175) e a

ação no seio das faculdades é de estímulo aos homens e desestímulo às

mulheres como nos relata Luana (26 anos):

Fazia parte do currículo educacional no sentido do seguinte, para o teólogo é interessante você participar, você conhecer, como se fosse seu objeto de estudo, como a reação das pessoas. Na formação de meus colegas que iam ser pastores eles tinham a experiência de como fazer a liturgia, de como lidar e organizar as pessoas. Eu não participava dessa maneira porque eu não ia ser pastora, então eu não podia me envolver diretamente com essa atividade. Eu ficava lá lia alguma coisa no púlpito. Era assim.

Apesar do curso reconhecido pelo MEC, o privilégio da prática do saber

teológico ainda se encontra nas mãos dos homens e, principalmente, daqueles

que pretendem serem clérigos. A dificuldade criada para as mulheres no meio

de formação é um dos fatos que justificamcinco de minhas entrevistadas se

declararem inseridas profissionalmente em outras áreas e de apenas três

apresentarem o desejo de atuar profissionalmente na Teologia ou buscar

inserção profissional em áreas afins, grupo este representado pelas gerações

mais novas. Como nos afirma Luciana (44 anos): “Eu fui para Ciências da

Religião na pós-graduação porque a Teologia ainda é um campo muito fechado

para mulheres.”

Em contra partida entre os entrevistados, três ingressaram na Teologia

já atuando como pastores ou evangelistas etrês buscavam a formação para

atuar no ministério. Como é possível constatar na narrativa de um deles,

Francisco (28 anos):

127  

      

    

Venho de família de pastores. Meu avô, meu pai e alguns tios são pastores. Eu inclusivepregava junto com meu pai na igreja e foi esse um dos motivos para fazer Teologia.

Dois deles desejavam apenas conhecer a religião, um deles, se

instrumentalizar para trabalhos voluntários nas comunidades religiosas, e o

outro desejava apenas a atuação na carreira acadêmica. A maioria dos

homens declarou em entrevista buscar a Teologia para a capacitação

ministerial mediante as exigências de sua inserção como padres, pastores e

ministros, mas, no decorrer do processo de formação, cinco deles optaram por

seguir carreira ministerial e também acadêmica de forma concomitante. A

supremacia dos homens na área, foi construída socialmente no seio das

religiões judaico-cristãs e, está imbricada aos privilégios implícitos no processo

de inserção no campo dos quais são portadores. Na Teologia ainda imperam

os pressupostos estruturais que reproduzem a figura do homem e clérigo,

como uma norma de gênero que se reproduz nas práticas que validam a

hierarquia de sexo, legitimando-a como norma.

Como afirma Scott (1990,p. 13) “gênero é um elemento constitutivo das

relações sociais, baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e mais, o

gênero é uma forma primeira de dar significado às relações de poder”a

situação da Teologia mostra como as conjunturas do meio naturalizam

posições diferenciadas para cada sexo desde a formação à profissionalização

sendo capaz de influenciar aspolíticas institucionais, como podemos observar

no Quadro F, no Apêndice, de concessão de bolsas:

De acordo com o Quadro F (ver no Apêndice), é possível constatar que

os homens de nossa pesquisa receberam mais bolsas que as mulheres para a

formação na graduação, mas, o que é mais significativo, eles foram favorecidos

com bolsas da própria instituição onde fizeram o curso, enquanto a maioria das

bolsas conquistadas pelas mulheres foi pleiteada junto a órgãos como o

ProUni, ou seja, elas obtiveram pouco apoio financeiro das faculdades para a

formação. Entre os(as) entrevistados(as), o sexo masculino recebeu mais

128  

      

    

bolsas das próprias faculdades do que o sexo feminino. As mulheres

receberam menos incentivo financeiro que eles. Segundo os dados analisados,

é possível apontar que, em termos de apoio financeiro, os homens são

favorecidos e o incentivo financeiro facilita que a área permaneça inalterável.

Não obstante todos esses fatores que se interpõem como desafios para as

mulheres, o seu acesso e permanência na área, mesmo que de forma reduzida

e restrita, é significativo e retrata um tipo de resistência.

O Quadro G (ver Apêndice) ilustra como os diferentes tipos de apoio

institucional ainda mantêm os homens como os profissionais idealizados da

área:

Os dados coletados evidenciam que os discentes do sexo masculino

permanecem maioria nas instituições pesquisadas, demonstrando que os

cursos de Teologia ainda são “lugares de homens”. Em todas as outras

faculdades, no decorrer dos últimos cinco anos, o quadro continua estável, com

a maioria masculina, com exceção da F5, uma faculdade não cristã, de

confissão afro-brasileira, a única que apresentou no mapa de discentes do ano

de 2009 um número maior de mulheres do que de homens matriculados e, nos

demais anos, observa-se um equilíbrio entre o sexo masculino e feminino. Esse

dado demandaria novas interrogações sobre a teologia afro-brasileira e as

mulheres, o que poderia ser trabalhado futuramente, mas a Teologia

historicamente difundida ainda preserva seu meio como masculino.

Tanto os dados quantitativos como as narrativas de nossos(as)

entrevistados(as) dentro do grupo pesquisado indicam um número reduzido de

mulheres na área, bem como políticas que facilitem sua entrada na Teologia e

apontam que os principais destinatários da Teologia são os homens, embora

as mulheres se façam presentes. Esse fator facilita a reprodução da cultura

androcêntrica e a hegemonia dos homens no interior da profissão. Apesar dos

avanços na democratização do acesso à formação da Teologia, em virtude do

reconhecimento do curso, as relações de poder e gênero em seu meio ainda

persistem assimétricas.

129  

      

    

3.3. Relações de gênero na formação e profissionalização da

Teologia

Se, por um lado, a Teologia é apresentada nas falas de nossos(as)

entrevistados(as) como resistente à presença e atuação feminina, sendo um

ambiente ainda com reservas, por outro lado é necessário considerá-la em um

contexto social mais amplo, que impõe certas restrições às mulheres, ou seja,

não é possível isolá-la ou mesmo desconsiderar como afirma Hirata e Kergoat

(2007) que, de uma forma geral, as mulheres enfrentam mais dificuldades que

os homens em suas conquistas profissionais e de capacitação. Como é

possível constatar na narrativa de nossa entrevistada Sara (F2), de 36 anos,

em que aborda a dificuldade e os desafios que as mulheres enfrentam para a

capacitação e profissionalização por conta da dupla ou às vezes tripla jornada

(casa, trabalho e formação). Embora as mulheres tenham conquistado mais

espaço, elas ainda são responsabilizadas por tais tarefas. “O processo que

legitima a fundamentação biológica dos gêneros empurra as mulheres para

certos tipos de trabalhos e papéis sociais que elas devem desempenhar”

(SCHMID, p.8)impondo a elas um excesso de tarefas e, são poucas as

mulheres que conseguem conciliar a sobrecarga de atividades e sobrepujá-las

para conseguir a capacitação ou mesmo condições para poder assumir

compromissos profissionais que exijam mais tempo e dedicação. Essa

dificuldade é descrita por Sara (36 anos), que cursou a F4, em sua narrativa,

na qual rememora sua experiência:

Eu fiz Teologia, mas sempre gostei da área de educação, então procurei no mestrado fazer pesquisa nesse sentido e estudei projetos na área de educação para cursos em EAD. Analisei muitos projetos pedagógicos e mesmo didáticas e estratégias utilizadas para esse tipo de curso para fazer meu mestrado e isso me abriu uma oportunidade muito boa de emprego. A universidade em que me formei começou um projeto nesse sentido e eu fui convidada para compor a equipe de gerenciamento e implantação do projeto, mas eles exigiam

130  

      

    

oito horas de trabalho diário e tempo disponível para avaliar os possíveis polos que fossem surgindo em outras cidades. Eu teria que viajar periodicamente, aí tive de abandonar a proposta porque tenho família e na época meus filhos eram muito pequenos. A lógica do trabalho é escolher quem não é tão dividido, como meu marido, por exemplo. Isso não é piada, não! Eu não tenho as mesmas condições dele profissionalmente. Nós fizemos graduação juntos e ele já é doutor há muito tempo, bem colocado profissionalmente, e eu parei no mestrado e vivo de empregos que ofereçam certa flexibilidade de horários para poder dar conta dos filhos e das atividades que fazem parte da rotina de uma casa.

A narrativa de Sara expõe a existência de assimetrias nas dinâmicas de

gênero e aponta para o fato de as mulheres serem impossibilitadas de se

dedicar à capacitação e trabalho na mesma proporção que os homens, pois a

elas ainda é designado às tarefas do espaço privado. Segundo Scott (1990)

essas características atribuídas a homens e mulheres são construções sociais,

um sistema de aprendizado, que se refere a diferentes hábitos, costumes e

formas de pensar atribuídos a cada um dos sexos, que acabam por indicar as

funções que os mesmos devam assumir em nossa sociedade algo que é visto

criticamente por Sara quando ela narra as diferentes condições dela e do

esposo:“(...) aí tive de abandonar a proposta porque tenho família e na época

meus filhos eram muito pequenos. A lógica do trabalho é escolher quem não é

tão dividido, como meu marido (...)”. Segundo Buschini(1994), “a presença ea

idade dos filhos são os fatores que mais interferem na participação feminina no

mercado de trabalho, porque as mães ainda são as principaisresponsáveis

pelos cuidados com as crianças pequenas” e isso é possível constatar na

narrativa de Sara. Esse fato implica perceber uma diferenciação entre os sexos

nas atividades sociais que, para Kergoat (1996), trata-se de um desculpa

muitas vezes empregada pela sociedade para hierarquizar as atividades entre

homens e mulheres.

No depoimento de Sara ela expõe suas dificuldades de conciliar vida

acadêmica, profissional e de seus compromissos familiares. Ele demonstra

consciência de que sua formação e inserção no mercado de trabalho

131  

      

    

ultrapassam a capacitação como o caso de seu marido devido às tarefas que

lhe são atribuídas socialmente (dona de casa e papel de mãe) das quais os

homens são liberados. É possível verificarque, apesar da participação feminina

ter experimentado um crescimento, e, por conseguinte, ter obtido um

posicionamento mais favorável no mercado de trabalho, as mulheres, como

Sara, continuam se engajando preferencialmente nas atividades que permitam

combinar os trabalhos da vida privada com o trabalho da vida pública. Segundo

Oliveira (1999) o fato das mulheres optarem por trabalhos que não prejudiquem

as tarefas na vida privada é uma clara indicação da continuação do padrão de

segregação ocupacional, o qual marca as condições do trabalho feminino.

Se na fala de Sara há “tensão” e conflito ao narrar a incumbência de ter

que assumir de forma simultânea responsabilidades profissionais e familiares

por outro ela reforça que esse papel cabe as mulheres quando abandona uma

oportunidade de trabalho eaceita a divisão de tarefas no que concerne ao

cuidado dos filhos. Sara arca com o cuidado dos filhos e afazeres da casa em

geral tornando comum o desdobramento das mulheres no desempenho do seu

duplo papel. Ela assume que cabe à mulheres, portanto, além do seu trabalho

fora de casa, a incumbência da execução dopapel de mãe, esposa e dona-de-

casa. Assim, segundo Oliveira (1999, p. 35), “está colocado a dupla jornada de

trabalho, ou melhor, a jornada extensiva de trabalho, que começaem casa,

passa pelo mundo do trabalho evai terminar novamente em casa”.

Ao contrário do marido, Sara ao desempenhar uma atividade profissional

também assumia as responsabilidades de esposa, mãe e trabalhadora e

cumpria dois trabalhos. A constatação de desigualdades presente na fala de

Sara na divisão de trabalhos entre ela e o esposo de acordo com Kergoat

(2003, p. 59), é fruto de “processos pelos quais a sociedade utiliza a

diferenciação para hierarquizar essas atividades”.

Asociedade androcêntrica acaba delegando as mulheres por meio de

convenções sociais as atividades relativas a vida privada. Sara explicita sua

dificuldade, ora de assumir compromissos profissionais, ora de continuar sua

132  

      

    

formação em razão de sua dupla jornada, bem como as restrições do tipo de

trabalho que as mulheres conseguem assumir para conciliar o trabalho no

campo privado e profissional, o que ocasiona mais dificuldades para elas do

que para os homens com relação ao tipo de cargo, pois os cargos de maior

poder pedem mais dedicação em questão de horários e acúmulos de

responsabilidades. Isso permite aos homens a apropriação das funções com

maior valor social adicionado(HIRATA; KERGOAT, 2007).

O desdobramento das mulheres no desempenho do seu duplo papel

dificulta a conquista da capacitação e profissionalização e, quando essa

capacitação e profissionalização ocorrem, as mulheres têm de se esforçar o

dobro dos homens, pois a elas cabe, portanto, “além do seu trabalho fora de

casa, a incumbência da execução do papel de mãe, esposa e dona de casa.

(OLIVEIRA, 1999, p. 35)55. As mulheres, para se manterem na profissão, se

submetem à dupla jornada para fazer valer a sua vontade de permanecer

exercendo a profissão. Na cultura de nossa sociedade, a construção social dos

papéis específicos para as mulheres e homens sobrecarrega as mulheres, mas

também apresenta “a força de trabalho masculina como força livre, a força de

trabalho feminina como sexuada. Ou seja, as condições de negociação da

força de trabalho não são as mesmas (...)” (LOBO, 1991, p. 152).

Fátima (50 anos), uma das teólogas entrevistadas, pertencente a uma

geração mais velha, que cursou a F1,diz que não conseguiu conciliar a vida

familiar, atividades do voluntariado e trabalho profissional:

Eu trabalhava, cuidava de minhas duas filhas, prestava serviços comunitários na igreja e estudava. Eu estava dando conta apesar da correria. Fiz a minha graduação assim, trabalhando meio período, cuidando da casa no outro meio período, estudando à noite e realizando trabalhos comunitários aos finais de semana. Foram quatro anos que eu nem sei direito como eu sobrevivi. Parecia uma máquina. Foi por isso que não continuei a estudar, tinha que ter um horário para descansar. Eu me acabei. Todo mundo me pergunta: “e o seu marido não ajudava”, e eu sempre respondo “não, ele assistia futebol” [risos].

                                                            55Ibidem, 1999.

133  

      

    

Em nossas entrevistas, as mulheres de gerações mais velhas narraram

não ter encontrado apoio dos maridos com relação à divisão dos trabalhos

domésticos, como no caso de Fátima. Em sua narrativa, ela fala de forma

crítica que em seu cotidiano não contava com o auxílio do esposo, pois o

comportamento do marido refletia a cultura machista, que compreende que

essas atividades são tarefas das mulheres, reafirmando a clássica divisão

sexual de trabalho que destinou aa mulheres o trabalho do espaço privado.

Fica claro em sua narrativa que ela acaba internalizando a ideologia da cultura

androcêntrica, que deposita sobre ela toda a responsabilidade no cuidadocom

os filhos, com a casa e quando sente que não está dando contade suas

funçõessociais, ela faz a opção de abandonar suas atividades no espaço

público ou como diz Hirata (2005;p. 155) “que atrás de cada uma delas estão

sujeitos e sujeitas (indivíduos) que com toda sua subjetividade são muitas

vezes obrigados a desistir, seja por pressão familiar, ou por incompreensão do

marido ou por auto pressão (...)”.

É possível observar certa contradição existente na vida de Fátima e

também na voz de outras entrevistadas: elas se encontram divididas entre os

velhos e os novos valores, pois ao mesmo tempo, que a sociedade moderna as

incentiva a terem uma profissão também lhes cobra a responsabilidade sobre o

trabalho no espaço privado: casa ecuidados com os filhos. Assim, as mulheres

que desejam trabalhar no espaço público têm de assumir a sobrecarga de

trabalho do público e privadose desdobrando como Sara ou fazer como Fátima

abandonar um dos trabalhos, no caso de nossa entrevistada abdicou do

trabalho no espaço público.

Outras circunstâncias se evidenciam na fala de minhas entrevistadas

que apontam a dupla jornada, mesmo aquelas que são religiosas e não

constituíram família. Dalva (52 anos) narra seu cotidiano como estressante:

Na minha congregação, temos compromissos diversos, desde lavar, cozinhar, passar até as tarefas nas comunidades, trabalhar para ganhar dinheiro e fazer retiros espirituais

134  

      

    

periódicos. Quando fazemos a opção de estudo, piora tudo. A que horas estudamos? Quando dá. Bem diferente dos padres, que não lavam, não passam, não cozinham e ainda ganham para estudar. Todo mundo pensa que religiosa tem tempo de sobra, é exatamente o oposto, não temos tempo para nada. Uma tenta dar apoio para a outra na hora do sufoco.

As religiosas também apontam para a sobrecarga de atividades em sua

vida cotidiana, que não difere das mulheres casadas e com filhos, mas afirmam

contar com uma rede de apoio de seus pares na “hora do sufoco”, mas, mesmo

assim, têm que fazer um esforço redobrado para conciliar todos os

compromissos. A narrativa de Dalva (52 anos) também aponta no sentido de

dinâmicas de gênero desiguais quando diz que os padres disponibilizam de

muito mais tempo para o estudo e menor sobrecarga de atividades diárias com

os afazeres domésticos.

Inês, que pertence a uma geração mais nova, já descreve outra

situação na qual pode contar com o apoio do esposo, mas descreve que isso

foi fruto de sua insistência na mudança dos padrões culturais estabelecidos de

que tarefas domésticas cabem às mulheres.

Eu sempre trabalhei fora. Minha família não tinha muitos recursos, sabe? Estudar e trabalhar para mim era comum, natural. Quando eu casei, assumi mais uma função: de dona de casa, que quando era solteira eu não tinha. Meu marido no começo quis se encostar. Não queria me ajudar. Aí eu comecei a falar que nós fazíamos as mesmas coisas fora de casa: trabalhar e estudar, então era justo que fizéssemos as mesmas coisas dentro de casa. Ele reclamava até no começo, mas depois isso se tornou parte da rotina de nossa vida.

O apoio do esposo foi algo construído na relação do casal e contou

nesse processo com as estratégias de resistência de Inês, que utilizou como

argumento para a mudança da postura do marido as próprias circunstâncias

vividas pelo casal no espaço público, que eram semelhantes, e afirmou que no

espaço privado deveria acontecer o mesmo. Com essa postura, ela construiu o

próprio caminho e foi capaz de “negociar” as tarefas e apoio do esposo. A

135  

      

    

necessidade de Inês de conciliar sua vida de profissional, estudante e dona de

casa foi um fator determinante para ir à busca de uma nova constituição das

relações familiares e dos trabalhos no espaço privado. Assim, ela aponta um

caminho para desconstruir e ressignificar as relações de gênero no próprio

ambiente familiar e terminar com sua reprodução no espaço privado.

Nas narrativas de minhas entrevistadas foi possível identificar as

dificuldades sofridas e as estratégias utilizadas por elas para se manter ou não

no processo de capacitação e profissional. Algumas apontam a falta de apoio,

enquanto outras apontam o apoio negociado das atividades domésticas que

conseguiram com seus cônjuges, mas todas elas relatam a sobrecarga de

atividades, que recaem sobre elas, restringindo ou dificultando a ação

profissional. As mulheres, para permanecer no campo, fazem uso de

estratégias específicas, cada qual dentro de seu contexto, para construir suas

próprias possibilidades de continuar em atividade na área. No compito geral

entre nossas entrevistadas foi possívelverificar que no tocante às divisões das

tarefas domésticas existem relações mais igualitárias e relações mais

tradicionais, quese mesclam. Isto sugere facetas modernas e facetas

conservadoras entre os entrevistados (as).

3.4. Vantagens dos homens clérigos e desvantagens dos(as) leigos(as) na

formação

Luciana, uma religiosa de 44 anos que estudou na F4, de confissão

católica, relata sua experiência de mulher sem filhos e sem família, mas

pertencente a uma congregação. Ela narra os desafios de sua vivência de

religiosa e de seus pares na profissionalização da Teologia e as dinâmicas de

gênero presentes no meio, bem como as dificuldades que enfrenta para a o

sustento e formação na área:

O meu curso é revalidado. Eu já tinha feito o curso antes, mas só tinha valor para a igreja. Então, quando o curso passou a dar diplomas válidos fora do meio eclesiástico, eu resolvi voltar

136  

      

    

e validar. A turma que eu iniciei, quando não era... era reconhecido, nós éramos em duas mulheres, e na outra que eu terminei na revalidação a maioria também era de homens. Eu fiz a noite porque de manhã são só os homens que vão ser padres. Existia também uma carta para leigos e religiosas. No caso dos leigos, para fazer o curso tinha de ser apresentada uma carta do padre. Teria que passar pelo padre para ele dar uma carta de autorização para poder estudar. O leigo só conseguia fazer Teologia com uma carta de apresentação do padre. Na minha época, eu não sei como está hoje, a cada renovação de matrícula tínhamos que apresentar uma carta. Era uma carta de apresentação. A minha coordenadora, a provincial, tinha que me apresentar, como eu sou religiosa. Era uma coisa que a gente questionava, pois o direito canônico diz que todos os fiéis podem cursar Teologia e a faculdade tinha essa exigência na época. Como religiosa, para nós mulheres não é obrigatório estudar Teologia. Ao contrário dos padres, que é obrigatório estudar Teologia e Filosofia. Para nós mulheres não há exigência, somos incentivadas a ficar apenas com a formação interna da Congregação. Eu sempre falei: Como vou ser religiosa sem estudar Teologia? Eu queria aprender, eu queria saber, ser religiosa com qualidade. Aprender história da igreja, entender da Bíblia, da espiritualidade. Eu pensava que deveria ser uma exigência para nós, religiosas, como é para os homens. [...] Após minha formação, nunca busquei atuar como teóloga para me sustentar, trabalho em uma ONG. Eu acho que o campo é muito restrito para as mulheres, por isso fui para Ciências da Religião na pós-graduação, que é mais aberta. As minhas colegas, irmãs, que trabalham diretamente com as comunidades, têm muita dificuldade na inserção e na atuação como teólogas nas igrejas e paróquias. Não há remuneração. Antes as irmãs iam para as paróquias, havia uma remuneração, mas hoje não há mais. As dioceses cortaram isso. Os padres têm remuneração. Os padres têm o seu salário, seja religioso ou diocesano, mas para nós religiosas não há. Para autossustentação não há como sobreviver de Teologia. O campo é muito restrito e mais ocupado por homens. Alguns colegas meus que se formaram comigo estão atuando nas comunidades. A aceitação das mulheres teólogas não é a mesma coisa. A aceitação das pessoas é muito maior dos seminaristas do que das religiosas. [...] Muitos amigos meus me incentivam a fazer outra graduação. (Luciana, 44 anos)

Luciana, ao relatar sua experiência, aponta para o fato de os homens

clérigos terem mais possibilidade de ação, mais liberdade e acesso à formação

137  

      

    

da Teologia e ao campo profissional, pois faz parte da política e gestão das

igrejas, à qual pertence exercer seu poder institucional a favor do sexo

masculino e, assim, incentivar a formação dos homens, como parte de seu

“quadro” na área de Teologia, muitas vezes com apoio financeiro. A

“naturalização” das normas e regras institucionalizadas pelo discurso religioso

tradicional dominante estabelece assimetrias de gênero no processo de

formação que favorecem os homens. As mulheres, por sua vez, não contam

com apoio institucional e dependem de iniciativas pessoais, sem ajuda de suas

igrejas. A narrativa de Luciana aponta criticamente a existência dessas

dinâmicas de gênero nas políticas institucionais que facilitam a manutenção do

status quo da Teologia como um “lugar” de homens e preferencialmente

clérigos. Enquanto as mulheres, como ela, buscam de forma individual criar

estratégias para conseguir sua formação no meio assumindo uma postura de

resistência às relações de gênero difundidas na formação da Teologia. Luciana

“mesmo sob a influência de determinadas características institucionais,

organizacionais, bem como do tipo de socialização” (CAPELLE, 2005;p. 365)

ao qual foi submetida ela foi capaz “de produzir conhecimento acerca do

contexto e de agir ativamente no sentido de exercer poder” (CAPELLE, 2005;

p. 365) buscando alternativas para seu acesso ao saber da Teologia.

Luciana questiona as políticas de reprodução das relações de “lugares”

e papéis de gênero, assim como apresenta uma consciência reflexiva da

existência de normas androcêntricas e patriarcais que inferiorizam e excluem

as mulheres por meio de práticas e políticas institucionais. Sua iniciativa em um

espaço acadêmico que tem restrições à presença feminina pode ser

interpretada em termos foucaultianos como iniciativa que desponta como força

e resistência as dinâmicas de gênero na área.

A narrativa de Inês (26 anos), que cursou a faculdade F2, relata as

experiências que ela viveu de dinâmicas de gênero na área, e também explicita

como afirma Scott o quanto “o gênero está implicado na concepção e na

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construção do poder em si” (1991,p. 14) seja na prática profissional como nos

meandros da formação:

O forte da Teologia é a cristã, que forma padres, pastores, diáconos e ainda não é tão aberto para mulheres. Os protestantes aceitam, mas também não são todas as igrejas. Se a gente pensar, as mulheres são muito prejudicadas, mas a gente não ouve nada disso durante a graduação.

A narrativa de Inês faz a memória de sua experiência em um contexto

específico de formação vinculado à denominação metodista, mas que pode

trazer novos significados com relação ao que concerne às dinâmicas de

gênero. A atitude dela de questionamento dos conteúdos passados, ou melhor,

não passados, no bacharelado é uma maneira de reavaliação da ação e

postura institucional no que tange a abordagem das relações de gênero.

Inês, quando discorre: “Se a gente pensar, as mulheres são muito

prejudicadas, mas a gente não ouve nada disso durante a graduação”,

apresenta uma fala crítica em relação ao papel de cumplicidade e indiferença

que as instituições desempenham com relação à transformação dos papéis de

gênero na área, sem demonstrar comprometimento com políticas que venham

a favorecer a mudança. Se por um lado Inês cobra mudança dos conteúdos

passados na formação por outro lado existe que defenda a permanência dos

conteúdos na maneira “tradicional”. Como é possível identificar na fala de um

de meus entrevistados Osvaldo (61 anos) da F4, no qual apoia a permanência

do discurso teológico tradicional:

“Eu gosto muito de exegese. Essa é minha área, quero me aprofundar nela. É um conhecimento difundido há séculos na Teologia. Tem algumas pessoas que querem inovar a exegese. Eu acredito na visão mística da bíblia, a visão histórica, a visão moderna compromete alguns pontos da Tradição. Falo de tradição com T maiúsculo. Aquela que vem de longe, que passou por grandes pensadores da Igreja. Colocar coisas diferentes, tentar assim... questionar a sua estrutura é pôr em risco a Tradição. O que eu quero dizer é que muitas coisas mudaram no mundo. Você vê hoje nas faculdades de Teologia discutimos se o aborto deve ou não ser praticado, diversidade sexual, eutanásia por

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exemplo. Eu sou uma pessoa que defendo os direitos de todo cidadão, mas não é possível confundir isso com a Tradição. Essas ideias de questionar por exemplo se Deus é homem, se é mulherisso já é deturpar a Tradição. Isso é uma coisa que respeito, mas não aceito na Teologia. Afinal é algo que nasceu com um pequeno grupo, mas não tem uma fundamentação. Você pode achar que sou conservador, mas não sou, apenas respeito a Tradição e o modo clássico de se fazer exegese.

Osvaldo faz críticas às novas formas de se interpretar e fazer exegese

da Tradição proposta pela perspectiva feminista. Ele relata de maneira

pejorativa as ideias feministas em sua narrativa: “Essas ideias de questionar,

por exemplo, se Deus é homem, se é mulherisso já é deturpar a Tradição”.

Discursos que fujam da visão tradicionalista não são bem visto por Osvaldo,

enquanto são desejados por Inês.

São duas perspectivas uma que defende o discurso religioso tradicional

vigente e outra que defende uma reinterpretação das questões de gênero na

área. Essas duas perspectivas podem ser entendidas como luta em torno dos

significados, da verdade e dos valores das dinâmicas de gênero no campo da

Teologia. Segundo, Foucault (2013,p. 138) “cada luta se desenvolve em torno

de um focoparticular de poder”, dessa maneira, um contra discurso sobre

gênero, que fuja dos padrões teológicos tradicionaisapresenta um risco ao

poder instituído no meio, pois não constituem apenas intervenção intelectual,

mas também política e religiosa. Excluir as questões de gênero do projeto

pedagógico do curso, não possibilitando disciplinas que venham discutir esses

pontos é uma ação política que obstrui o acesso a um contra discurso e

possibilita, assim, a manutenção das representações de gênero, com viés

androcêntrico, defendidas pelo discurso religioso tradicional. Nas duas

narrativas é possível identificar tensões entre ter ou não contra discursos, que

venham a discutir a posição tradicional do discurso teológico na formação da

Teologia.

A posição mais ortodoxa do discurso religioso tradicional tem justificado

processos de segmentação de gênero na formação da Teologia, muitas vezes

140  

      

    

por determinação de lideranças da cúpula da Igreja que defendem a

segregação entre turmas de leigos (mulheres e homens) e de seminaristas.

Introduzir um contra discurso nesse meio é mexer nas estruturas constituídas.

Na narrativado gestor Márcio, da instituição F3 é possível observar como o

discurso religioso tradicional justifica e objetiva em suas práticas de formação

as dinâmicas de gênero:

Os alunos continuam maioria masculina. Dois períodos do curso da manhã são majoritariamente masculinos. Não encontramos a presença feminina pela manhã porque o curso é basicamente voltado para presbíteros. O currículo noturno e diurno é o mesmo, as exigências são as mesmas e na maioria das vezes repete o conteúdo [grifo meu]. O curso diurno suscita menos discussões porque é para a formação de padres e pronto, e também exige mais horas de estudos, o que dificulta aos leigos e leigas porque tem menos possibilidade de estudar de manhã, a maioria trabalha ou tem outros afazeres.

A Teologia presente nas faculdades que postulam a segregação das

turmas que ocultam as dinâmicas de poder de uma ordem patriarcal e

androcêntrica.A oficialização da Teologia abre o acesso ao saber teológico, até

então quase que exclusivo dos homens clérigos. A Teologia oficializada “fora”

dos seminários vive hoje dois universos concomitantes: o primeiro é o da

formação eclesiástica, que buscam dinâmicas e políticas para manter seu

espaço preservado, e o outro é o da formação que permite aos leigos, entre

eles se encontram as mulheres, ter acesso ao curso de Teologia reconhecido

pelo MEC, ou seja, a oficialização do curso permitiu às mulheres fazer uso de

nova estratégia, a capacitação na área, que lhes possibilite marcar presença

num meio antes vedado a elas. Mas, é possível constatar nas palavras do

gestor da F3 que as instituições criam mecanismos e políticas para afastar as

mulheres e leigos com determinadas políticas internas: “o curso diurno é para

formação de presbíteros”. A narrativa do gestor da F3 apresenta a restrição

como uma simplicidade e naturalidade, mas dentro da perspectiva de Foucault

ele nos remete a códigos normativos e, “uma perpétua articulação do poder

141  

      

    

com o saber e do saber com o poder” (FOUCAULT, 2013,p. 230) instituídos no

processo de formação, ou seja, que o curso diurno não é para leigos(as). Isso

são práticas institucionais que delimitam aos alunos e alunas (leigos/as) o

horário que podem estudar, bem como retiram a liberdade e a possibilidade de

ação dos(as) mesmos(as).

A fala do gestor da F3 traz as tensões de gênero presentes no processo

de formação em sua instituição, que privilegia os homens e clérigos e os coloca

em posição privilegiada na formação teológica. Na narrativa de nosso

entrevistado, o status de padre e homem confere a eles, vocacionados, certas

exclusividades na área, com posições distintas que facilitam o acesso ao

saber-poder, da mesma forma, que desqualificam leigos e leigos, para as

atividades “mais intensas” da intelectualidade.

Outra questão presente na narrativa do gestor da F3 é quando ele

coloca que “o curso diurno suscita menos discussões porque é para a

formação de padres e pronto”, ou seja, nesse ambiente não há espaço para

questionamentos e discussões sobre as “verdades” do discurso teológico e a

presença feminina seria um perigo às “verdades” dadas, pois algumas delas

questionariam como questionam o lugar dado a elas na hierarquia eclesiástica,

como a restrição ao exercício do ministério, bem como as limitações do próprio

discurso religioso que se concretizou em restrições no campo56. Para “algumas

pesquisadoras e para um certo número de teólogas, o androcentrismo é parte

inerente das religiões (...) para outras, o problema das religiões históricas foi a

sua apropriação pelos homens” (ROSADO, 2001, p. 96) mas ambas apontam

para a exclusão das mulheres.

                                                            56Gostaria de ressaltar que no período da Alta Idade Média as mulheres foramculpabilizadas por muitas das catástrofes que aconteciam na região, sendo-lhes imputada a causa, a falta de fé e sexualidade exacerbada das

mesmas, como podemos ver num breve trecho do documento denominado MalleusMaleficarum. “A razão natural é que ela é mais carnal que o homem, sendo justificável, a seus olhos, a maioria das abominações carnais. E deve ser notado que existiu um defeito na formação da primeira mulher, uma vez que ela foi formada de uma costela curva, ou seja, a costela do peito, a qual é arqueada como se fosse em direção contrária a um homem. Quando uma mulher chora, ela obra para iludir o homem. [...] Em conseqüência ela mostra que duvida e tem pouca fé na palavra de Deus. E tudo isso é indicado pela etimologia da palavra: pois feminaprocede de fee minus, uma vez que ela é sempre fraca para manter a preservar a fé. Portanto, uma mulher é por sua natureza mais rápida em hesitar em sua fé, e conseqüentemente mais rápida em abjurar a fé, que é a causa da bruxaria” (KRAMER; SPRENGER, 2010, p. 115).

142  

      

    

Se foi possível identificar narrativas que apoiam o status quovigente

também foi possível identificar pensamentos críticos no próprio meio contra a

discriminação das mulheres, como na fala do Frei Gilson (50 anos).

O tabu estava muito claro. Era questão de gênero. Misturar seminarista com mulher era um perigo [risos]. Assim, na cabeça dos conservadores. Como se o mundo verdadeiro não existisse. Havia sempre uma prevenção. Ainda há institutos hoje, que, quando fala assim, os leigos; mesmo nos cursos reconhecidos pelo MEC, que falam assim: os leigos não têm muita formação para acompanhar o curso. Porque tem pré-requisitos, mas no fundo é uma desculpa, dentro desses leigos tem mulher, mas não se fala a palavra leiga para não cair na discriminação de gênero, mas embutido nessa palavra leigo está escrito leiga, leia-se leiga.

O frei aponta criticamente a discriminação existente com relação às

mulheres e rememora a extensa tradição de prevenção e medo para com elas.

O sexo feminino, com todas as coisas que lhe são “próprias”, ainda é

considerado perigoso. Frei Gilson retrata a cultura patriarcal e descreve como

ela está impregnada nos espaços de ensino superior, reconhecidos pelo MEC,

do saber teológico. Assim, a segregação entre leigos (entenda-se mulheres

como leigas) e clérigos tende a garantir a reprodução do poder hierárquico e o

androcentrismo na Teologia, que reflete as questões confessionais e

denominacionais. Frei Gaspar retrata as tensões de gênero no ambiente de

formação assinalando que a presença feminina ainda é um tabu. Em frente a

essa cultura androcêntrica, as mulheres que desejam entrar e permanecer

como profissionais da Teologia enfrentam desafios e preconceito e precisam

constantemente buscar estratégias e dinâmicas para o enfrentamento dos

valores normatizados na Teologia.

Essa postura pautada em políticas institucionais reguladas por meio do

discurso religioso não tem sido mais suficiente para desencorajar as mulheres

a entrar na luta pela busca de seu “lugar” no campo profissional da Teologia.

Lourdes (F4), uma jovem teóloga de 36 anos que tem batalhado para

143  

      

    

conquistar um espaço no campo, faz menção em sua narrativa à necessidade

da desconstrução das imagens projetadas sobre as mulheres no meio:

Tudo na Teologia parece ter o lugar certo, os homens, as mulheres, até mesmo a forma com que as pessoas devem se comportar. É tudo muito quadrado. Sei lá é difícil porque os tempos mudaram, mas às vezes parece que não mudou. As mulheres sempre são estigmatizadas de uma maneira ou de outra. Onde eu trabalho, como não sou pastora, fica mais difícil. Às vezes [gaguejou]nos deixam pouco espaço para atuar como pastoras, não que eu queira, as minhas amigas que enveredaram por esse caminho são sempre alvo de críticas. Isso não quer dizer que eu não sofra críticas. Preferi o espaço acadêmico para trabalhar, mas aqui o fato de eu não ser pastora também pesa e provoca discriminação. Antes eu ficava triste e não falava nada, agora que eu estou determinada a continuar minha carreira acadêmica e consegui uma indicação para trabalhar na área, comecei a pensar com minha cabeça e não mais com a cabeça eclesiástica. Eu sou capaz, antes eu até duvidava um pouco disso de tanto ouvir na graduação o que falavam das mulheres no Novo Testamento, mas depois do mestrado não penso mais nisso. Os estudos na pós-graduação me levaram a ter contato com algumas teólogas feministas e passei a entender melhor toda essa história de que mulher não pode isso, não pode aquilo e estou indo à luta. Consegui trabalhar na área, sou uma das raras mulheres que trabalham lá, mas com ou sem críticas estou mostrando que posso fazer o mesmo que os professores.

A narrativa de Lourdes (F3) ainda remete à força dos estigmas

difundidos sobre as mulheres e ilustra a sutileza da forma como os

mecanismos de desqualificação das mesmas vão sendo construídos na

formação do bacharelado de Teologia na instituição onde estudou. Relata que

o discurso teológico sobre as mulheres prejudicou sua autoestima e gerou

dificuldades para ela crer em seu próprio potencial. Em sua fala, revela que de

certa forma havia internalizado as lógicas de gênero reproduzidas pelo discurso

teológico cristão referentes à assimetria e hierarquia dos sexos. Após a tomada

de consciência dos dispositivos que se inscreviam nas relações de gênero em

sua formaçãoLourdes alega ter despertado para o fato de as mulheres

possuírem capacidade e que a interdição das mesmas na profissionalização da

Teologia era em função de dinâmicas androcêntricas e hierárquicas de poder.

144  

      

    

Ela superou os mecanismos de gênero que internalizou e conseguiu se

estabelecer como profissional na área afirmando conscientemente: “Eu sou

capaz, antes eu até duvidava um pouco disso [...]. Consegui trabalhar na área,

sou uma das raras mulheres que trabalham lá, mas com ou sem críticas estou

mostrando que posso fazer o mesmo que os professores”.

Isso demonstra que a limitação das mulheres no meio sofre fissuras,

em geral pequenas e pouco disseminadas, mas fissuras, e, quando se leva em

conta o histórico de exclusão das mulheres da Teologia ou seu processo de

invisibilização na área, esses pequenos espaços se transformam em mudanças

significativas e concretas da conquista de um “lugar” antes apenas ocupado por

homens.

Ela também destaca o fato de não pensar mais com a “cabeça

eclesiástica” após ter contato com outro tipo de discurso: o discurso da teologia

feminista. Contatar outros discursos teológicos elaborados e difundidos pelas

feministas provocou em Lourdes uma reavaliação e reconstrução do que havia

interiorizado em seu aprendizado na graduação. Ela demonstra a importância

de um contradiscurso que possibilite resistências e reinterpretações. A

presença da Teologia Feminista nos meios de formação é politicamente

importante e significativa, pois permite levar a questionamentos e revisitar de

forma crítica o discurso teológico tradicional, queimpõe em certa medida uma

dominação masculina que controla e estabelece regras formais de poder e de

saber, que são objetivadas nas faculdades de forma a excluir discursos que se

contraponham ao vigente.

A exclusão das disciplinas que discutem gênero, como Teologia

Feminista, é uma forma de exercício de poder que possibilita o controle do

saber, porém o momento atual de grande acesso à informação e de conquistas

de espaços pelo pensamento feminista, principalmente no meio político e

acadêmico, tem facilitado o acesso do contradiscurso, o que permitiu a Lourdes

a reflexão sobre seu potencial. No processo de capacitação acadêmica,

Lourdes encontrou o poder de reconstrução e de ressignificação do discurso

145  

      

    

teológico tradicional e refletiu como ele a influenciou de maneira negativa. O

acesso a um “novo” saber possibilitou-lhe a mudança. Segundo a visão

foucaultiana, “não é possível que o poder se exerça sem saber, não é possível

que o saber não engendre poder” (2013, p. 231). Ela soube se conduzir para

novas perspectivas do que é ser mulher na Teologia e ter soberania de suas

ações, e isso envolveu uma relação político-social em seu meio profissional.

Segundo a perspectiva foucaultiana, pode se dizer que o mesmo poder

impresso no discurso teológico tradicional que disciplina também pode ser

aplicado ao discurso da teologia feminista que liberta.

A narrativa de Lourdes destaca uma dupla discriminação: por ser

mulher e não ser pastora. O que remete à existência de hierarquia entre as

mulheres que atuam na área. Lourdes aponta para uma conduta de

segregação no campo segundo a qual as mulheres leigas são mais

discriminadas do que as mulheres pastoras. É um duplo esforço para as leigas,

pois é necessário superar a segregação de gênero e a segregação

eclesiástica. Há normas especificadas dentro do campo profissional, onde não

basta a qualificação na área, sendo necessário o diferencial da formação

eclesiástica para haver maior oportunidade de atuação profissional.

O fato de mulheres pastoras conseguirem com mais facilidade sua

inserção também revela um processo de discriminação, mas também é a

demonstração de que as mulheres conseguiram conquistar um espaço nas

hierarquias eclesiásticas.

É importante destacar que minhas entrevistadas demonstraram

consciência da existência das dinâmicas de poder no meio que reproduzem a

desigualdade de gênero, bem como a influência das hierarquias eclesiásticas

que acabam por estabelecer hierarquização não apenas entre os gêneros, mas

também em seus pares. O que leva algumas mulheres a novas condutas,

outras escolhas e opções, como no caso de Lourdes, de romper com os

padrões estabelecidos (“cabeça eclesiástica”) no meio e ter crença em seu

146  

      

    

potencial profissional, o que segundo Foucault só é possível quando se

assume uma posição de resistência ao poder instituído.

Lourdes se reconstrói, reconstrói sua trajetória ao interagir com a

realidade no campo profissional da Teologia e suas dinâmicas de poder. Sua

inserção no campo profissional demonstra um avanço nesse espaço de saber e

poder historicamente masculino e representa um foco, mesmo que pontual, de

resistência da assimetria de gênero na Teologia, assim como o fato de as

mulheres conquistarem a existência pública nesses espaços de saber tem um

aspecto político significativo.

Outras questões que permeiam o meio de formação e

profissionalização da Teologia acabam se tornando critérios seletivos, no

entanto considerados aceitáveis socialmente, pois estão em “consonância” com

a dinâmica androcêntrica de nossa sociedade, que reproduz nos seus diversos

espaços a discriminação de gênero. Dentro dos espaços acadêmicos

reverberam os valores culturais presentes na sociedade, como a questão da

sexualidade retratada por Susana, da (F4), uma jovem de 28 anos que narra

uma vivência que teve nas aulas de pós-graduação na universidade em que

estuda:

Eu estou sempre correndo. Moro longe da universidade e até foi por isso que eu atrasei para encontrar você aqui. Demoro quase duas horas para chegar aqui. E essa coisa de entrar em ônibus, sair e entrar em metrô e sempre com a preocupação de que cidade é perigosa, que quanto menos chamar a atenção é melhor, a gente nunca se arruma, procura ser discreta. Enfim, isso me fez lembrar de um dia aqui na pós... depois que você me mandou o e-mail fiquei pensando em que eu podia ajudar se não trabalho ainda. Aceitei mais para ajudar porque eu sei que pesquisa de campo não é fácil. Aí procurei pensar como podia ajudar e tem que ser com minha experiência na formação. Afinal é sobre mulher na Teologia que você quer saber. Foi aí que lembrei de um dia que me marcou muito. Um dia que eu queria me sentir bem bonita [risos], mesmo com medo de andar de ônibus chamando a atenção. Mulheres têm esses dias, não têm? Eu me arrumei. Coloquei uma roupa bem bonita, passei rímel, batom, só não passei uma sombra porque eu não tinha, arrumei o cabelo e fui para a aula. Quando desci do ônibus intacta [grifo meu] foi um alívio, porque a gente tem

147  

      

    

medo. Cheguei à aula e todo mundo começou a me olhar estranho. Fiquei até sem jeito, me senti mal. Deu vontade de sumir. Eu sou um pouco tímida e não tinha muita liberdade com o grupo, só com um que é muito meu amigo, nós sempre estudamos juntos, mas ele não foi naquele dia. Ele não estava lá. Quando a aula acabou, achei melhor tirar tudo. Fui ao banheiro e tirei tudo. Nem sei se o negócio era porque eu estava daquele jeito bonitona, mas achei melhor tirar tudo. Achei melhor não chamar a atenção. E isso ficou guardado, sabe? Até hoje fico encafifada e eu acho que tem a ver com a ideia que mulher na Teologia não pode chamar a atenção. Foi pior na aula do que no ônibus [risos].

Ao narrar sua experiência, Susana explicita que há preconceitos com a

sexualidade feminina em nossa sociedade e ele se faz presente nos diversos

ambientes sociais, desde o ônibus até os cursos de pós-graduação, ambiente

que deveria ser um espaço “mais aberto” por envolver pesquisadores. Susana

relata sua experiência na universidade e chama a atenção para os

preconceitos ainda presentes, mesmo que mais velados, com uso de olhares

que recriminam, inibem e constrangem. Nessa área de saber, onde o sexo

masculino é considerado a figura idealizada, estar “bonitona” como ela

desejava não foi algo confortável. Os atributos da sexualidade feminina passam

a ser motivo de constrangimento e continuam sendo problema dentro dos

espaços sociais, incluindo os espaços acadêmicos da Teologia.

Os atributos da sexualidade feminina podem ser entendidos como um

mecanismo de resistência segundo o qual o perfil concebido para o meio é o

masculino. Desta forma, as características femininas são tratadas como tabus.

Quando Susana diz “Até hoje fico encafifada e eu acho que tem a ver com a

ideia que mulher na Teologia não pode chamar a atenção”, remete a um

simbolismo da negatividade da sexualidade feminina e seus contornos

corporais, mas, ao mesmo tempo, que, enquanto o corpo e a sexualidade

feminina são mal vistos, há uma garantia de que o modelo masculino

permaneça o ideal.

Desse modo, há um preconceito com a “figura” feminina fora dos

padrões “naturais”. A experiência de Susana recortada por mim está

148  

      

    

relacionada a uma expectativa do perfil ético-moral que devam ter as mulheres.

Isso pode ser entendido como discriminação de gênero. Expectativa reforçada

na fala José (43 anos):

A Teologia é a porta da religião para sociedade. Ela carrega consigo mais que um saber ela carrega uma proposta do indivíduo perante a sociedade, mas principalmente com Deus. O porta voz da Teologia, o teólogo tem que ser uma pessoa capaz de atuar ativamente na sociedade e na religião. Há uma expectativa de quem deva ser esse porta voz (grifo meu). Creio que as mulheres são um pouco lesadas nesse momento.

Na narrativa de José ele fala sobre criticamente da “expectativa de como

quem ser esse porta voz”e essa expectativa é interpretada por ele como um

fator que prejudica o ingresso das mulheres no meio e assim, pode ser

assinalada como um dos fatores que promoveu o ingresso tardio das mulheres

na Teologia. No Brasil ele se deu por meio de disputas e negociações, em

meados do século XX, motivado pela Teologia da Libertação (que levou à

inserção de mulheres e leigos para melhor atender seus\trabalhos nas

pastorais), movimento feminista (criou pressão sobre o lugar da mulher na

sociedade) e Concílio do Vaticano II (trazia, entre muitas deliberações, a

questão da participação das mulheres). A entrada das mulheres aconteceu e

configurou um novo arranjo e uma forma de subversão frente ao poder

patriarcal e androcêntrico.

Entretanto, a continuidade da permanência e crescimento das

mulheres na Teologia continua esbarrando na cultura androcêntrica e patriarcal

do meio e nas dinâmicas de gênero defendidas por ela, que impregnam as

relações cotidianas da formação na área, bem como a atuação profissional.

Nos depoimentos que recolhi é possível identificar que a experiência de

estar inserida na Teologia tanto no papel de docente como no papel de

estudante exige um esforço redobrado por parte das mulheres (leigas ou

religiosas), mas também por parte dos homens leigos. Enquanto o sexo

149  

      

    

masculino e clérigo já tem “seu lugar ao sol”, as mulheres e os homens leigos

estão em constante processo de conquista e essa conquista atravessa as

relações que estabelecem com as instituições, com as dinâmicas de ensino

que as mesmas organizam em seus projetos pedagógicos de curso e nas

relações, com professores, com colegas de trabalho e com seus colegas de

formação.

De maneira geral, as narrativas colocam que as dinâmicas envolvidas

nas relações da inserção são mais críticas quando se tratam das mulheres no

campo e sempre regadas por microrrelações de poder e de gênero, de maneira

a garantir que a figura masculina e, principalmente, clerical, permanecem como

centrais. As diversas experiências relatadas, que se encontram dentro de

contextos distintos, das cinco faculdades, em suas práticas e lógicas,

favorecem o sexo masculino.

Mas esse espaço teológico masculino e eclesiástico, com o

reconhecimento do curso, sofre mais um golpe e descontinuidade histórica com

o ingresso de mulheres e leigos e abala a confortável ordem hierárquica

estabelecida na Teologia como sendo um “lugar” só de homens. A Teologia é

levada a repensar-se e abrir novas possibilidades para o campo.

Assim, a participação das mulheres é um foco de resistência aos

códigos normativos de gênero ditados no meio. Dessa forma, a presença

feminina pode ser entendida como ressignificação das dinâmicas de gênero na

lógica androcêntrica da profissionalização da Teologia, que assume a

característica de uma estratégia de enfrentamento, que é assumida pelas

mulheres que perseveram no meio, mesmo com todos os mecanismos de

resistências criados.

O novo status da Teologia gerou algumas mudanças nos conteúdos e

métodos para melhor atender o andamento histórico. Foram abandonadas as

estruturas teológicas sólidas e repensada a proposta dos cursos de forma a

incluir uma formação teológica para as(os) leigas(os). Embora as mudanças

150  

      

    

tenham ocorrido, não bastaram para mudar o discurso dominante e as

diferentes posições dadas a homens e mulheres na Teologia.

3.5. Elas não aceitam a exclusão e falta de apoio: mulheres construindo

suas trajetórias na Teologia

No item anterior foi possível constatar que nas instituições pesquisadas

os homens permanecem maioria e no processo de capacitação estão à frente

das mulheres, demonstrando que dominam não só a área profissional do

ministério, mas também do meio acadêmico. Os motivos que levam à

manutenção masculina na área vão do discurso hegemônico judaico-cristão,

que concebe o sexo masculino como ideal, até os desdobramentos do mesmo

em políticas tendenciosas nas instituições que visam manter o meio como afeto

aos homens. Essa desigualdade em relação aos sexos na Teologia, presente

em diferentes instituições, demonstra que a Teologia carrega marcas de uma

cultura social-androcêntrica e que a profissão permanece generizada.

Dentro de um contexto no mínimo indiferente às mulheres, sem apoio

institucional, é necessário que elas se articulem em busca de estratégias que

permitam a construção de uma trajetória na Teologia. Uma dessas estratégias

utilizada foi a mudança na configuração do curso de Teologia, que passa ao

status de curso reconhecido e permite pleitear apoio financeiro em órgãos

como o ProUni.

Essa estratégia de apoio financeiro está presente na narrativa de três

de nossas entrevistadas. Mariana (26 anos), da faculdade F2, esposa de pastor

e que fez uso do ProUnipara ingressar na Teologia. Ao relatar suas

motivações, explicita que buscou a Teologia como segunda opção no

ProUnipor conta do fato de sua denominação evangélica não aceitar mulheres

no pastorado e por ter o desejo de fazer história. Isso a influenciou a não

colocar como primeira opção a Teologia no ProUni, porém no decorrer do

processo redirecionou sua formação para a carreira acadêmica na área: 

151  

      

    

A opção que eu coloquei no ProUniera uma das várias opções. Tinha colocado história na PUC e Teologia no Mackenzie e Metodista, mas eu nem sabia se eu ia conseguir ou não. Eu não esperava ser chamada para Teologia. Teologia era uma vontade porque eu era cristã e queria conhecer a fé, a história da Igreja. Ainda no final de meu primeiro ano de Teologia prestei vestibular de novo para história e eu não passei. Foi quando eu assumi mesmo a Teologia e acabei gostando. Vou ser teóloga mesmo. Assumi a profissão. Então eu resolvi seguir carreira acadêmica e continuar minha qualificação. E fazer Teologia para dar aula, dar palestras e escrever. Não foi a intenção do ministério pastoral. É claro que poderia ser uma ferramenta para isto, como é, mas a intenção nunca foi o ministério pastoral. Por questões históricas, a Teologia era para formar padres, no caso da Igreja católica não há ordenação feminina, e as igrejas protestantes não são todas que ordenam mulheres. Existem algumas igrejas que não têm necessidade da Teologia para exercer o ministério pastoral, porque não há ministério pastoral para mulheres. A (F2) tem ordenação para mulheres há 30 anos, o que é muito recente na história. A inserção das mulheres na Teologia ainda é incipiente. Isso pensando na Teologia só para ministério pastoral, mas se você pensa na Teologia como estudo não necessariamente confessional apenas, aí acho que tem uma certa distinção. (Mariana)

Percebe-se uma reflexão no ato de Mariana, que redirecionou a sua

trajetória driblando as dinâmicas e limitações de gênero “inerentes” ao seu

campo de formação. Esse posicionamento de Mariana foi algo construído ao

longo do processo de formação, pois num primeiro momento ela desejava sair

do campo, mas encontrou no próprio processo de formação acadêmica uma

ressignificação do poder de fazer sua própria trajetória. Numa leitura

foucaultiana “trata-se (...) de demarcar as posições e os modos de ação de

cada um, as possibilidades de resistência e de contra-ataque (...)”

(FOUCAULT, 2013, p. 242) e, isso constitui uma posição estratégica de quem

reconhece os limites que essa área lhe impõe e mesmo assim opta por resistir

no meio recriando possibilidades que acabam se afirmando como forma de

resistência política mediante um saber/poder em domínio dos homens. Ela

usufrui de um poder que se desloca e se transforma em capacidade de ação e

152  

      

    

recondução de sua formação. O que teve início como segunda opção no

ProUniacaba se tornando uma profissão almejada.

O desejo de Mariana de ser uma profissional da área e prosseguir sua

capacitação, como ela mesma coloca: “Vou ser teóloga mesmo. Assumi a

profissão. Então eu resolvi seguir carreira acadêmica e continuar minha

qualificação” é um devir, afinal, depende de um longo processo de formação.

Enquanto no caso dos homens a graduação já os capacita para atuação

profissional, como disse anteriormente, para as mulheres é necessário maior

esforço e anos de dedicação.

A narrativa de Mariana demonstra que, embora os desafios

permaneçam, ela os sobrepõe e vai em busca de seus estudos na área,

encontrando suas próprias possibilidades para prosseguir a capacitação. Ela

iniciou com o ProUnie hoje é bolsista da empresa de fomento CNPq, que já

havia financiado seus estudos no mestrado. Mariana está concluindo seu

doutorado fazendo uso de bolsas de estudos. Sua capacidade de produzir-se

como profissional da área demonstra que “cada um de nós, é no fundo, titular

de um certo poder (...)” (FOUCAULT, 2013, p. 255) e a ação de Mariana

aparece impregnada de poder.

Outra de minhas entrevistadas Lourdes (27 anos)ao rememorar sua

trajetória, entre o período em que decide cursar Teologia e seu ingresso na

faculdade, retrata a estrutura das dinâmicas de gênero e poder não apenas no

seio das faculdades, mas também nas igrejas e famílias. A fala de Lourdes

descreve sua família como conservadora adepta do discurso religioso

tradicional, que foi o primeiro foco de resistência encontrado por ela: “Já houve

resistência de minha família, que achava que Teologia não era coisa para

mulher”. O discurso teológico tradicional se manifesta em uma cultura patriarcal

e androcêntrica, na qual as pessoas aprendem a identificar-se com normas,

modelos e concepções de papéis de gênero, passando a entendê-los como

valores universais, e isso interfere no modo como as famílias se organizam e

entendem o status social de gênero como me declarou Lourdes:

153  

      

    

Eu queria muito estudar. Vim de família evangélica muito conservadora, minha mãe só fez até o ensino médio depois ficou em casa cuidando dos filhos. Eu não queria isso para mim, mas também não tínhamos muito recurso. Foi aí que apareceu a oportunidade na igreja que frequentávamos de fazer Teologia com o apoio financeiro da comunidade. Era a novidade da Teologia reconhecida. Pediram aos interessados que se inscrevessem e eu fiz a minha inscrição e foi aí que tudo começou. Já houve resistência de minha família, que achava que Teologia não era coisa para mulher, mas não fiquei desestimulada, era uma oportunidade de obter uma bolsa de estudo, porém não fui contemplada porque a prioridade era formar pastores. Não me conformei, fui atrás de vestibular. Tinha certeza que passaria porque sempre fui muito estudiosa e minha mãe falava que não tínhamos como pagar e eu sempre dizendo que daria um jeito. Foi nesse momento que pensei no ProUni. Me inscrevi no programa e, quando fui chamada lá por volta de março, dava saltos de alegria. Deixei a família toda de boca aberta. (Lourdes, 27 anos)

Quando Lourdes narra sobre as suas experiências com a família

conservadora, revela que ela teve influências da “idealização” do papel de

gênero que deveria cumprir socialmente. Porém, na busca de sua formação

acadêmica, ela teve de romper em primeira instância com a concepção

defendida no seu meio familiar de que Teologia “não é coisa de mulher”. Nesse

momento, ela rompe com o poder de um discurso tradicional do que é ser

mulher descontruindo os modelos de gênero que havia internalizado. Para ela

e para sua família, sua decisão foi uma quebra de padrões. Esse esforço

redobrado que Lourdes produziu para conquistar sua formação na Teologia

aparece nas narrativas de nossas entrevistadas de maneira constante.

Entretanto, elas encontram maneiras particulares de driblar as dificuldades e

preconceitos, sejam eles no meio familiar ou acadêmico, mesmo que isso lhes

exija um esforço redobrado.

Lourdes também dribla as dificuldades de acesso ao ensino superior

criando mecanismos para usufruir de benefícios concedidos pelo ProUnipara

ocupar um lugar na formação da Teologia. É uma ação política significativa,

uma conquista e uma ação transgressora. Ela buscou alternativa para sua

154  

      

    

inclusão na área aproveitando-se das brechas que vão sendo construídas

politicamente. A ação de Lourdes explicita que é possível que “todos aqueles

em que o poder se exerce como abuso, todos aqueles que o reconhecem como

intolerável, podem começar a luta a partir de onde se encontram e a partir de

sua atividade própria.” (FOUCAULT, 2013, p. 141).

O relato de Dalva (50 anos), aluna egressa da faculdade F3, de

confissão católica, é similar ao de Lourdes. Ela relata sua experiência

descrevendo a forma como construiu um caminho em busca de sua formação.

Dalva narra como conquistou bolsa da própria instituição rompendo com uma

tradição de favorecimento apenas para homens clérigos e homens leigos:

O curso que eu fiz tinha dois horários: o da manhã voltado apenas para a formação dos presbíteros e diáconos. Nesse horário não havia mulheres. Eles já entravam sem pagar nada porque faziam parte da formação do quadro da igreja. No meu horário já não tinham clérigos e nem muitas pessoas com bolsa. Eu mesma cursei sem bolsa um ano. Pagava todo mês a mensalidade direitinho. Quando eu descobri que um colega da turma, que era leigo, tinha conseguido entrar na faculdade com bolsa parcial eu fui atrás. Quando falei para minha colega de turma que pleitearia uma bolsa ela logo quis me desanimar dizendo que mulher é difícil ter bolsa. Passei o ano todo pedindo bolsa e era sempre negado, mas no final do ano entrei com uma carta que demonstrava o valor de meu salário e eles meio a contragosto me concederam bolsa de um ano e toda vez que chegava a rematrícula lá ia atrás da renovação quase implorando por ela. Seja lá como for eu consegui três anos de bolsa parcial. (DALVA, 52 anos)

O conteúdo da fala de Dalva demonstra criticamente como as questões

de gênero atravessam o apoio financeiro no universo da formação na Teologia.

Em sua narrativa ela aponta “a discriminação indireta que é em primeiro lugar

definida por uma medida aparentemente neutra que afeta de modo

desproporcional as pessoas de um sexo, na maioria das vezes as mulheres

155  

      

    

(...)” (LANQUETIN, 2003, p. 141)57. Dalva inicia sua narrativa num primeiro

momento desaprovando a separação das turmas entre clérigos e leigos(as).

Em um segundo momento, censura o privilégio de os homens-clérigos

poderem fazer o curso gratuitamente, mas no decorrer de sua fala também

aponta para o fato de um homem leigo ter conseguido uma bolsa parcial para

cursar a faculdade e relata sua luta pessoal para conseguir o mesmo

benefício.Dalva, embora tenha encontrado resistência, não desistiu de seu

intento, pois entendia que os mesmos direitos concedidos aos homens

deveriam ser estendidos às mulheres. “Essa posição que as mulheres podem

ocupar como atrizes do social e negociadoras está ligada a sua capacidade de

reivindicar e afirmar seu poder (...)” e contribui “(...) para redefinir as relações

de poder entre os gênero epara revelar a necessidade de repensar a

organização da vida cotidiana”(LAUFER, 2003, p. 132) dentro de um espaço

de ensino superior.

Dalva, como um sujeito capaz de produzir mudanças, articulou-se na

busca para transformar a situação, apesar dos desafios e dos preconceitos de

gênero que imperam nesse espaço, que excluem e invisibilizam as mulheres.

Ela se fez visível e marcou sua conquista. A sua iniciativa, de certo modo,

1exerce poder, uma vez que luta para romper com esquemas institucionais

normatizados a favor dos homens. Dalva foi resistente às normas instituídas

que limitavam seus direitos e abriu novas possibilidades. O relato é o

reconhecimento dos pequenos avanços nas dinâmicas de gênero no universo

de formação da Teologia e retrata as tensões entre aqueles que desejam

manter a ordem estabelecida e de quem luta para modificá-la.

Na voz de meu entrevistado Marcos, gestor da instituição F3, uma

instituição católica, reitera-se que as políticas institucionais de apoio à

formação são pautadas em dinâmicas e hierarquização de gênero e priorizam a

formação do quadro (padres e bispos):

                                                            57 LANQUETIN, Marie Thèrése. A igualdade profissional: o direito sobre o crivo dos fatos. IN: MARUANI, Margareth; HIRATA, Helena. As novas fronteiras da desigualdade ‐ homens e mulheres no mercado de trabalho. São Paulo: editora Senac, 2003.  

156  

      

    

A clericalização atual que privilegia não apenas o papel masculino, mas o agente eclesiástico, que no catolicismo é preponderantemente masculino. Então, a mulher não tem muito o que fazer nesse ambiente [grifo meu]. A clericalização do curso corresponde a essa masculinização da Teologia [...] O investimento eclesiástico acaba sendo para a formação de seus quadros. Os seus quadros principais são masculinos: padres e bispos. As agências eclesiásticas investem mais em seus membros e as mulheres ficam prejudicadas. As mulheres, quando procuram a Teologia, elas visam se instrumentalizar para trabalhos nas comunidades, atendimentos assistências não têm a preocupação com uma formação específica para atuar na área. Muitas inclusive já atuam profissionalmente.

Embora no relato do gestor da instituição F3 o narrador discorra

criticamente sobre a falta de incentivo financeiro às mulheres, é fato que a

discriminação de gênero existe, sendo explicitada nas políticas das faculdades.

Nota-se que no processo de formação é priorizada a formação de homens e

clérigos, ou seja, o poder clerical e androcêntrico impõe limites aos homens

leigos e mulheres. Assim, os homens-clérigos nessa instituição são favorecidos

tanto pelos aspectos políticos como econômicos. Isso não significa que as

poucas mulheres que se encontram matriculadas no curso noturno não criem

resistências no interior dessas instituições, que lhes determinam papel

secundário ou mesmo as invisibiliza.

Luciana (44 anos) diz que não basta a inserção das mulheres na

Teologia, é necessário que se tenha consciência das dinâmicas institucionais e

das estruturas de gênero que circulam nesse espaço, para que essas

dinâmicas não se reproduzam sem resistência:

Nós mulheres temos que ter direitos iguais. O que tá faltando é conscientizar mais sobre as desigualdades que existem. Levar isso a discussão nas faculdades para acabar com esse preconceito e favorecimento. A mulher ter consciência dessa coisa de gênero faz toda a diferença e só assim conseguiremos mudanças de verdade. Não podemos esperar que as coisas mudem, temos que fazer com que elas mudem. (Luciana, 44 anos)

157  

      

    

A aluna egressa da F3 fala de maneira consciente das discriminações

e falta de políticas instituídas nas faculdades que abordam as desigualdades

de gênero, mas pontua a necessidade de as mulheres se conscientizarem das

dinâmicas de gênero para que possam criar resistências às práticas presentes

nesses ambientes. Essa narrativa evidencia que ainda há certa inconsciência

das construções sociais de gênero nos “bancos das faculdades”, o que

corrobora a reprodução das dinâmicas de desigualdade no meio. A proposta de

Luciana é sensibilizar para a questão como forma de modificar a estrutura de

gênero na Teologia.

As narrativas descritas apontam para certa modificação no campo.

Novos espaços e configurações foram conquistados pelas mulheres por meio

das manobras que elas exerceram fazendo uso de poder. Isso demonstra que

elas não se curvam às imposições dos discursos institucionais e

androcêntricos, e sim buscam criar novas possibilidades para o sexo feminino

no interior das faculdades, bem como no campo profissional da Teologia.

3.6. Divisão sexual do trabalho: os homens têm trabalhos, as mulheres

executam tarefas?

A clericalização atual que privilegia não apenas o papel masculino, mas o agente eclesiástico, que no catolicismo é preponderantemente masculino. Então, a mulher não tem muito o que fazer nesse ambiente [grifo meu]. A clericalização do curso corresponde a essa masculinização da Teologia [...]

O conteúdo da narrativa de Mario (F3) revela como o campo

profissional é permeado pela discriminação de gênero, mas também justifica a

divisão sexual do trabalho na Teologia, bem como o não reconhecimento das

atividades femininas de atendimento a comunidade como uma forma de

atividade profissional, pois elas não executam o trabalho idealizado para a

área. Entendendo que o atendimento que prestam nas comunidades não é

atuar profissionalmente e está mais relacionado a trabalho voluntário, ou seja,

158  

      

    

associado a ideia de “trabalho feminino”, não remunerado. Sendo entendido

como extensão da vida familiar “próprio” da responsabilidade das mulheres.

Essas responsabilidades acompanhadas pelas características como paciência, delicadeza e passividade, delineiam os papéis sociais atribuídos às mulheres como um aspecto natural do ser feminino. Isso equivale a dizer que as diferentes funções ocupadas por homens e mulheres em nossa sociedade se justificam em termos biológicos, pela suposta capacidade natural que um ou outro tem para realizar determinadas tarefas. (BUSCHINI, 1994,p. 173),

Dentro da perspectiva de gênero é possívelquestionar esses sistemas

de pensamento, e apontar para o processo social de construção das atividades

femininas e masculinas na profissionalização da Teologia. Scott (1995) entende

que as características de homens e mulheres não são de ordem natural ou

biológica, são construções sociais, e retrata as funções dos mesmos em nossa

sociedade, por meio de um sistema de aprendizado, que se refere a

diferenteshábitos, costumes e formas de pensar atribuídos a cada um dos

sexos. Assim, a ideia de que as mulheres têm de exercer sem remuneração as

atividades nas comunidades, enquanto os homens exercem trabalhosé um

processo de aprendizado social.

Segundo Hirata (2004), as mulheres são menos remuneradas e a

diferença salarial entre homens e mulheres é um fato no mundo inteiro, mas a

questão principal é que as competências em relação a cuidados e “relação de

serviço” não são avaliadas como tal, mas entendidas como atributos naturais

das mulheres, então são ignoradas, ficando sem reconhecimento e

remuneração. Desta forma, quando as mulheres buscam o mercado de

trabalho da Teologia nas comunidades, isso não apresenta o caráter

profissional. Além da naturalização de ser a Teologia trabalho para homens,

existe a desqualificação profissional de algumas funções que as mulheres têm

exercido no meio. Ou seja, segundo Hirata (2007) existe a separação entre os

trabalhos femininos e masculinos em que o trabalho do homem “vale” mais que

o da mulher.

159  

      

    

As atividades profissionais podem ser consideradas femininas ou

masculinas em diferentes períodos da história e isso evoca a questão da

dimensão simbólica na formação das carreiras. A profissionalização da

Teologia se encontra em um momento de “virada” histórica, com o

reconhecimento do curso. De qualquer forma, é importante ressaltar que as

relações sexuais de trabalho se entrelaçam a outros determinantes sociais,

como o contexto de valorização de certa atividade no interior da sociedade.

Além disso, segundo Hirata e Kergoat (2007) os processos de precarização

das atividades laborais podem atingir homens e mulheres. Porém, em minha

pesquisa foi possível verificar que historicamente na Teologia as mulheres são

as mais atingidas.

As recentes mudanças proporcionaram o acesso das mulheres ao

diploma de teólogas, que de certa forma não as coloca diretamente

empregadas na área e nem as protege do desemprego, mas traz um progresso

indiscutível que pede uma reflexão sobre a profissionalização do campo. Ao

serem entrevistadas sobre o trabalho profissional na Teologia, as mulheres

apontaram para características negativas com relação às perspectivas de

inserção na área, desde piores condições de trabalho como também a

resistência à presença feminina no meio. O mesmo não ocorreu com a maioria

de meus entrevistados, que prontamente responderam estar inseridos ou terem

como certa a inserção no campo profissional. Mas um dado significativo foi que

todas as mulheres apresentaram queixas sobre a negação ou restrição do

trabalho na área ministerial para o sexo feminino, apontando que se trata ainda

como atividade reconhecida para o sexo masculino. Reafirmando que:

“A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Essa forma é modulada histórica e socialmente. Tem como características a designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos (grifo meu), militares etc.). (…) essa forma particular de divisão social do trabalho tem dois princípios organizadores: o

160  

      

    

princípio de separação (há trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o princípio hierárquico (um trabalho de homem “vale” mais que um trabalho de mulher).” (HIRATA & KERGOAT, 2008, p. 266).

É, portanto, fato que a Teologia sofre modificações e que as mesmas

permitem estratégias e margens de manobra às mulheres que desejam entrar

nesse meio profissional, mas a tardia profissionalização atesta e reproduz as

relações de um campo profissional sob o peso hegemônico da Teologia

“masculina”, que difunde a divisão sexual do trabalho, apoiada em um discurso

religioso tradicional e, como afirma Scott (1995, p. 90), “o discurso é um

instrumento de orientação do mundo”, assim, no “mundo” da Teologia ele

define, estabelece e determina o que cabe ao sexo masculino e feminino no

campo profissional da Teologia, com trabalhos distintos e determinado pelas

“qualidades” de cada sexo. A narrativa da teóloga Raquel deixa claro como são

definidos os espaços, a partir da abordagem de um campo hegemônico e

androcêntrico:

Nunca busquei atuar como teóloga. Eu acho que o campo é muito restrito, por isso fui para Ciências da Religião. As minhas colegas, irmãs, que trabalham diretamente com as comunidades, têm muita dificuldade na inserção e na atuação como teólogas nas igrejas e paróquias. Não há remuneração. Antes as irmãs iam para as paróquias, havia uma remuneração, mas hoje não há mais. As dioceses cortaram isso. Para você trabalhar, as congregações têm de te sustentar. Os padres têm remuneração. Os padres têm o seu salário, seja religioso ou diocesano, mas para nós religiosas não há. Para autossustentação não há como sobreviver de Teologia. O campo é muito restrito e mais ocupado por homens. Alguns colegas meus que se formaram comigo estão atuando nas comunidades. A aceitação das mulheres teólogas não é a mesma coisa. A aceitação das pessoas é muito maior dos seminaristas do que das religiosas. [...] Muitos amigos meus me incentivam a fazer outra graduação. (Raquel, 44 anos, mestranda)

Na narrativa de Raquel é possível identificar a discriminação

profissional no âmbito religioso que se estende à formação no campo

profissional da Teologia, quando fala sobre as possibilidades profissionais para

mulheres e homens. A preferência pelo sexo masculino como profissional

salariado está explicitada na narrativa acima e essa discriminação tem sua

161  

      

    

base nas questões simbólicas disseminadas pelo imaginário do discurso

religioso tradicional, que se consolidou nas práticas do ministério, e não está

vinculada com a capacidade dos(as) profissionais. Embora o discurso vigente

nas entrevistas apontasse como critério de contratação justamente a

capacidade e formação na área, na prática a maioria das contratações se dão

por normas instituídas pelas igrejas. Se, por um lado, os trabalhos “delegados”

às mulheres são inferiorizados e muitas vezes não remunerados, por outro

lado, o trabalho dos homens é valorizado, remunerado e incentivado pelas

instituições.

Os dados coletados em entrevistas reforçam a complexidade que

envolve o que é ser teólogo e teóloga pós-regulamentação, pois não existe

uma fronteira definida entre o que é ser bacharel e bacharela com ser religioso

e religiosa. Segundo a narrativa abaixo, a estrutura religiosa por meio da

divisão sexual de trabalho prevê: homens no ministério e mulheres na

educação religiosa, e trabalhos voluntários promovem a entrada seletiva das

mulheres nesse espaço profissional apropriado cultural e socialmente pelo

sexo masculino.

Eu sei que para as mulheres conseguirem fazer parte de várias profissões foi muito difícil, mas na Teologia chega a ser cruel. Quem vai ser padre tem essa história de vocação e a vida fica voltada para estudar, e além do mais já está com o emprego garantido e nem tem que pensar como vai ganhar dinheiro e pagar as contas, é só entrar na faculdade e pronto. Com os pastores, se não é idêntico, é muito parecido. Afinal, eles entram na faculdade tranquilos porque o emprego na igreja é garantido. Faz parte do trabalho deles se aprimorar, se aprimorar e se aprimorar para melhor atender a comunidade e as igrejas. Ninguém quer um representante burro [risos]. Para as mulheres, aí a coisa é bem diferente. Eu, por exemplo, na minha religião, não posso fazer tudo o que eu quero. Tem coisas que são determinadas independentes da minha vontade. Quando fazemos Teologia, o que eles indicam para nós é trabalho voluntário, secretaria em projetos e sem ganhar nada. O trabalho nas comunidades é importante, mas sem ganhar é difícil. A dificuldade começa aí, mas não para não... Comecei a estudar com muita dificuldade para poder sair do voluntariado, porque para conseguir alguma coisa a gente, as

162  

      

    

mulheres, nós temos que nos esforçar mais, estudar mais e contar com algum canal de contato. (Inês)

A narrativa de Inês deixa claro como os sistemas simbólicos religiosos

incidem sobre as dimensões do campo profissional e a forma como se

estabelecem critérios quanto aos postos e condições de trabalhos

considerados mais “adequados” a cada gênero. Trabalho e pertença religiosa

se misturam e são utilizados como forma de controle do campo profissional

“dentro e fora” dos muros das igrejas.

A experiência de Inês aponta para as modalidades de trabalho

voluntário, não assalariado, exercido pelas mulheres e o trabalho remunerado

exercido pelos homens. Logo, a atividade feminina é desvalorizada como

modalidade de trabalho e se relaciona a tarefas mais tradicionais de

cuidadoras. “A divisão, que é socialmente construída, segrega atividades entre

homens e mulheres e atribui um menor valor ao trabalho realizado pelas

mulheres” (SANTOS, 2010, p. 223). O status de voluntária acaba sendo

entendido como uma extensão das atividades de cuidadoras entendidas

culturalmente como trabalho feminino (SANTOS, 2010). No entanto, Inês

assinala que as mulheres deveriam seguir em sentido contrário, buscando

qualificação, para fugir da condição de trabalho voluntário. O caminho da

qualificação é apresentado na narrativa como solução, mesmo que parcial,

para sair dos trabalhos não remunerados. Esta forma de atuação das mulheres

na Teologia é um processo que reforça o “lugar” de reprodução para as

mesmas, negando e invisibilizando sua atuação profissional, e muitos trabalhos

são colocados como “naturalmente femininos” apenas para não serem

devidamente remunerados, como no caso da Teologia.

Na narrativa de Inês, a destinação das mulheres formadas é a esfera

do trabalho voluntário e reprodutivo, enquanto os homens são destinados ao

trabalho produtivo e remunerado, ou seja, há uma divisão sexual do trabalho.

Como nos reforça a fala de Isaura e Pedro:

163  

      

    

Eu me formei para me instrumentalizar para os trabalhos voluntários. Não tinha expectativa alguma de sustento com a profissão. Sei que isso seria impossível. As mulheres na Teologia exercem tarefas que são muito similares a uma extensão das atividades de mãe. Há um aproveitamento do que eles chamam de dom feminino para as atividades que as mulheres devem exercer. (Isaura)

Os trabalhos que homens e mulheres realizam, todos são bons e necessários. Cada um tem uma função. No Novo Testamento, Maria não está alçada acima do domínio dos homens, então cabe aos homens representar Deus, como sempre aconteceu. No culto de Maria, a mulher representa a divindade materna que evoluiu, por isso as mulheres seguem sendo representantes de Maria e têm como parte de sua evolução exercer esse dom maternal. Por isso são tão importantes nos trabalhos das comunidades, onde podem cuidar e desenvolver seu dom. (Pedro)

A força do discurso religioso que se concretiza nas práticas está

presente na fala de Pedro e Isaura. Pedro reproduz o discurso dominante do

tipo “ideal” de trabalho para homens e mulheres com base nas “qualidades”

femininas e masculinas transformadas em qualificações profissionais e ao

mesmo tempo mantém a generização do campo profissional (HIRATA, 1995).

Já Isaura fala criticamente das “tarefas” dadas às mulheres na Teologia, bem

como da falta de expectativa do retorno financeiro.

Essa conduta segue a postura da profissionalização também

encontrada em outras áreas, nas quais as habilidades adquiridas pelas

mulheres em seu processo de socialização, que segundo Carvalho (2008) são

fartamente utilizadas no processo produtivo, são intencionalmente ignoradas

como componentes da qualificação de seus empregos, não constituindo,

portanto, nenhum reconhecimento salarial ou de status social para as

trabalhadoras. Foi possível constatar entre os homens e mulheres com a

mesma formação atuando no campo profissional da Teologia a existência de

um processo de inferiorização, quase sempre das mulheres, que, mesmo

apresentando a mesma formação dos homens, são consideradas menos

164  

      

    

qualificadas, circunstância que só pode ser elucidada pela representação social

do feminino e pelas relações sociais de gênero como um todo e não pela

capacidade em si, e não apenas pelas características da tarefa (CARVALHO,

2008). Situação similar se encontra ilustrada na fala de nossa entrevistada:

Como eu estou interdisciplinarmente com religião e literatura, os teólogos mais ortodoxos acham que o que eu estudo não é Teologia porque não é um texto bíblico em si. Em contrapartida, se eu estou do outro lado da Literatura, alguns acham que religião não tem nada a ver. Ainda tem nichos literários que querem fazer a distinção. Então não há muito espaço para uma perspectiva religiosa dentro da literatura. Existe uma linha teológica que dialoga, mas não é geral. Aí quando você fala que é teóloga soa como algo exótico. Você vai ser freira? Vai ser pastora? Coisas do gênero. Tanto que eu prestei um concurso no SESC de São Paulo, quando eu terminei o curso, e tinham mais de 100 mil inscritos para 300 vagas. Eu passei na prova. Quando eu fui fazer a entrevista, eu era a única mulher e a única teóloga, não tinha nenhum outro currículo de teólogo entre os outros 300 candidatos aprovados. Eu percebi quando eu fui fazer a entrevista, na qual eu fui reprovada, que existe um pouco de medo porque pensam que vai misturar religião. Fazer proselitismo, sabe? Para as mulheres é mais complicado porque fora tem preconceito com a Teologia e dentro tem preconceito com as mulheres, que, se forem para as igrejas, fica sempre sob o comando de um homem e, muitas vezes, com qualificação superior a dele, mas mesmo assim recebendo muito menos e na vida acadêmica não é muito diferente. Nem pensar em cargos de direção ou qualquer cargo além de professora. Não dá para esquecer que quem manda nas faculdades de Teologia é sempre uma igreja. Tanto é que se você quiser estudar Teologia em uma universidade pública, não tem. Você tem que fazer em uma universidade confessional. (Luana, 26 anos)

Luana 26 anos faz uma análise crítica das condições que são impostas

à maioria das mulheres que buscam atuar profissionalmente na sociedade em

geral em razão das questões culturais construídas do “lugar” ou do “não lugar”

que as mulheres são levadas a ocupar no campo profissional, mas também

aborda a restrição do campo profissional das pessoas formadas em Teologia

fora dos “muros” da religião. No entanto, traz a problemática da falta de espaço

para as mulheres no campo profissional da Teologia, dentro dos “muros” da

165  

      

    

religião, ou seja, há restrição para todos(as) fora da religião e para as mulheres

há mais reserva ainda dentro da religião, assim ela se torna “uma sem lugar”,

ou melhor, sem grandes perspectivas de atuar como teóloga. Em segundo

lugar, traz à tona a questão salarial, porque as mulheres não têm remuneração

igual à dos homens mesmo quando sua qualificação seja maior. Então, fala

sobre a subordinação das mulheres teólogas aos homens quando no meio

profissional da Teologia, da restrição profissional para teólogas em cargos de

poder nas faculdades de Teologia e, por fim, sobre o fato de a Teologia ter por

característica a confissão, demonstrando que “quem manda nas faculdades é

sempre uma igreja”.

No relato de Marcelo, um jovem pastor de 26 anos e casado, é possível

identificar a fala de Luana, segundo a qual quem de certa forma “manda” no

campo profissional são as igrejas e elas, por meio de sua hierarquia, criam

dificuldades para as iniciativas de apoio à mudança do quadro atual, no qual as

mulheres só podem ocupar posições subordinadas, não assalariadas, como

voluntárias e de preferência fora do ministério:

Eu sou pastor. Durante muitos anos fui pastor da Assembleia de Deus, mas eles eram muito radicais. Isso me levou a mudar de denominação. Aliás, fundei uma igreja evangélica com alguns dissidentes que queriam as coisas diferentes. Alugamos um lugar, fizemos um conselho e abrimos nossa igreja. Minha esposa ajudou em todo o processo. Ela trabalhou desde a reforma até a implantação dos projetos. Quando fiz Teologia, havia uma disciplina, Teologia e cidadania, e lá aprendi muitas coisas que busquei pôr em prática aqui na comunidade e minha esposa me ajudou. Ela depois foi estudar Teologia também para ficar mais instrumentalizada. Após três anos que a Igreja funcionava, ela começou a me ajudar no culto dando assistência e assumiu algumas partes do culto. Um dia ela me falou: Por que eu não assumo a função de pastora de vez? Na hora fiquei um pouco surpreso, afinal nunca imaginei isso antes, mas, de tanto ela falar que não era justo ela fazer tudo que outros pastores faziam, mas, mesmo assim, não ser considerada como tal, eu resolvi levar o caso dela ao conselho. Ela tinha razão. Éramos oito no conselho e eu cheguei com essa pauta, mas todos foram contra. Argumentei de várias formas. Apresentei os trabalhos que ela já exercia, mas de nada adiantou. Aí ela falou para mim que não faria mais o mesmo trabalho que os homens sem ganhar nada e sem poder

166  

      

    

participar como pastora e eu estou até hoje lutando para conseguir que ela seja aceita como pastora.

A narrativa de Marcelo aponta para os sinais de mudança no campo e

demonstra que o peso de um pensamento hegemônico que defende a

divisão sexual de trabalho na Teologia está sofrendo mudanças e contando

com o apoio de alguns homens do meio; por outro lado, as mulheres

representadas pela “esposa do pastor” não aceitam sem resistência o

“lugar” concedido a elas como profissional da Teologia. As mulheres não se

deixam mais envolver por padrões institucionais que ditem a elas o tipo de

“tarefas” que devem assumir e desejam se profissionalizar no meio,

inclusive algumas estão revendo as atividades que exerciam de forma

voluntária. Considerando que a divisão sexual do trabalho na Teologia não

está insensível às mudanças sociais e culturais, pelas quais a Teologia pós-

regulamentação passou, entre outros fatores sociais mais amplos, é

possível observar que a trajetória das relações sociais entre os sexos e a

organização das suas práticas no campo profissional da área não têm se

mostrado rígidas e imutáveis, e sim têm apresentado novos

comportamentos que têm pressionado a transformação da área. O fato de

os homens ainda serem em maioria associados ao trabalho remunerado e

as mulheres ao não remunerado não significa necessariamente que estejam

confinados a essas situações sem que possam transitar e, ao contrário, eles

podem variar de acordo com os espaço de atuação profissional (KERGOAT,

2003, p. 56).

Utilizando como base os pontos levantados por Luana e Marcelo, pode-

se dizer que a atuação do sexo feminino e masculino no campo profissional

apresenta condições desiguais, o que dificulta que as mulheres alcancem o

mesmo status profissional dos homens, uma vez que a divisão sexual do

trabalho na Teologia é perpassada pelo imaginário do discurso religioso

tradicional, materializado em políticas e práticas no processo de contratação na

167  

      

    

área. A manutenção dos homens em posições privilegiadas de poder e piso

salarial afasta as mulheres do reconhecimento de sua capacidade profissional

e contribui para não dar visibilidade no campo de trabalho para o sexo

feminino. A presença das mulheres em atividades não remuneradas e os

homens em atividades remuneradas vincula-se aos determinantes de cunho

religioso, que ainda impregnam a cultura da Teologia no Brasil. “As mulheres

sempre trabalharam. Elas nem sempre exerceram “profissões’”, (PERROT,

2005, p. 251), entre elas, a de teóloga. Como afirmou Dalva (52 anos) em sua

entrevista:

As mulheres sempre trabalharam na teologia, mas quem sempreaparece? Os homens? Elas ficam atrás das cortinas, anônimas. As mulheres anônimas de Paulo.

CONCLUSÃO 

O início desta pesquisa se deu em virtude de minha inquietação sobre

o campo profissional para mulheres teólogas. Como disse na Introdução, fiquei

instigada a verificar como a religião, mesmo depois da regulamentação da

Teologia, ainda é um fator determinante na restrição do campo profissional

para mulheres teólogas.

  Foi essa interrogação que me levou a campo para investigar os

bacharéis e bacharelas em Teologia e, antes deles, os dirigentes ou os

participantes do processo de regulamentação das instituições eleitas. Minha

interrogação defrontou-se com a questão de gênero, divisão sexual de trabalho

e relações de poder. Fiz uma revisão bibliográfica que pudesse me

instrumentalizar sobre as categorias eleitas e uma pesquisa histórica sobre a

implantação do ensino superior no Brasil para melhor localizar a

regulamentação da disciplina de Teologia.

Ao pesquisar a instalação das primeiras escolas no país, pude

constatar que a questão de gênero sempre acompanhou esse percurso com

uma clara divisão do que homens e mulheres deveriam aprender. No ensino

168  

      

    

superior, o procedimento não foi diferente: a subordinação de gênero persistiu

e construiu uma assimetria do que era o campo de trabalho masculino e do que

era o campo de trabalho feminino, além de estabelecer critérios que definiam

os tipos de qualificações para cada gênero.

Ao abordar gênero, enfoquei as mulheres, mas, como este tema é

relacional, também abordei o papel dos homens. O gênero é uma categoria

importante para entender as relações de poder na atuação profissional e

sempre foi determinante nas políticas educacionais de nosso país, que

consubstanciaram várias modalidades de subordinação profissional das

mulheres. Mas, mesmo assim, proporcionaram a elas uma estruturação das

novas relações entre vida pública e privada, permitindo que as políticas fossem

abaladas pelas questões de gênero.

A pesquisa aponta para os conflitos dentro desse processo, no qual a

Teologia se encontra inserida, bem como para a discriminação de gênero, as

relações de poder e divisão sexual de trabalho, amparada por norma e

tradições e baseadas no discurso teológico da formação profissional.

A Teologia é uma articulação entre fé e razão (ANDRADE, 2010), e

esta definição levou à discussão da questão de sua cientificidade. Inúmeras

polêmicas foram levantadas sobre sua legitimidade como ciência, mas Tomás

de Aquino, em sua obra magna, Suma Teológica, com base em Aristóteles,

estabeleceu seu status epistemológico e metodológico (PASSOS, 2011, p. 62)

e, desse modo, a Teologia adquiriu o caráter científico.

A Teologia, uma vez concebida como ciência, trazia em seu bojo

preconceitos negativos tanto da religião como da ciência ao se referir ao sexo

feminino. Se a Teologia clássica trabalhava com a premissa da epistemologia

do sagrado, ou seja, era o esforço humano e limitado que buscava

compreender o que foi historicamente revelado, incluindo a construção

simbólica do feminino, ao buscar novos caminhos, no caso, o científico, ela

abria as “portas” para uma nova releitura de si, por meio do método científico,

que pressupõe transformações.

169  

      

    

A matéria da profissionalização da disciplina de Teologia, no decorrer

da história, não interessava às igrejas, por uma questão religiosa, mas também

não descartava a questão econômica, pois a ênfase no caráter vocacional

permitia ter em seu meio um profissional não assalariado, com os homens

exercendo a função ministerial alicerçados na ideia de carisma.

Assim, as primeiras faculdades livres de teologia surgem envoltas em

uma teia complexa que envolve a religião e a formação profissional. Esse

processo tem continuidade nas primeiras faculdades livres de teologia no Brasil

e permanecem quando surgem as faculdades autorizadas pelo MEC após o

ano de 1999, que nascem por meio de uma igreja (seminários maiores) e

mantêm toda a estrutura, organização e hierarquia de sua denominação nos

cargos e projeto pedagógico do curso.

A tradição teológica trouxe inicialmente pouco espaço e liberdade para

a mulher, que ficou subjugada ao homem. A violência simbólica imposta à

mulher, negando sua condição de sujeito proativo, violência esta amparada e

justificada pelos textos sagrados, que configurou a assimetria das relações

sociais de sexo na sociedade ocidental, persiste no início da profissionalização

da teologia no Brasil.

Assim, a formação profissional da Teologia, perpassada pela tradição

religiosa, tem mantido a subordinação das mulheres e a discriminação de

gênero, favorecendo os homens com o “direito” natural de serem profissionais

da área.

Averiguei que isso não ocorria com o mesmo grau de intensidade nas

diferentes instituições. Algumas apresentaram um discurso mais radical,

segundo o qual a discriminação de gênero e a divisão sexual de trabalho são

explícitas, “sem” possibilidades de mudança, ao passo que em outras de

discurso mais moderado havia assimetria de gênero, porém as mulheres,

embora em franca desvantagem profissional, têm alguma possibilidade de

exercer a profissão, inclusive o ministério.

170  

      

    

Outro fator a ser considerado é a naturalidade com que as faculdades

defendiam o “lugar” das mulheres na Teologia a partir do discurso teológico.

Esta postura deixa claro que não há nenhum interesse em implementação de

políticas que visem trabalhar a questão de gênero nas instituições, seja no

âmbito da gestão, seja na implantação de componentes curriculares do curso

de Teologia. Não é interessante discutir a questão de gênero já que ela está

dada e há muito pela religião.

A única instituição que trabalha laivos da questão de gênero é de outra

confessionalidade: afro-brasileira. Nessa instituição ocorrem ações isoladas,

como palestrae curso de extensão, com realização de forma concomitante a

um módulo da pós-graduação lato sensu, que trabalha gênero. Porém, ao

analisar os componentes curriculares da graduação, observei que não se

encontra incorporado ao curso uma disciplina de gênero, ou seja, as ações se

dão, mas não são institucionalizadas no bacharelado.

A presença das mulheres nas faculdades de Teologia não lhes tirou o

lugar bafejado pela discriminação de gênero. Esta discriminação se faz

presente nas políticas das faculdades, como no caso do financiamento à

formação dos homens em detrimento do financiamento para a formação das

mulheres.

A partir das declarações de nossos(as) entrevistados(as), constatamos

que a minoria das mulheres de minha amostra não se encontram trabalhando

como profissionais da Teologia. Elas, ao se formarem, têm de lutar mais por

um lugar e nesse processo buscam maior qualificação para aumentar suas

chances no campo, sendo que as teólogas que prosseguiram seus estudos

stricto sensu o fizeram em áreas afins, como ciências da religião, e não na

própria área.

Estão inseridas no campo profissional apenas as mulheres que

conseguiram inserção no campo profissional no ensino superior ou em outras

áreas. No entanto, os homens conseguem atuar como profissionais da

Teologia após concluir o curso de graduação, em sua maioria como pastores,

171  

      

    

diáconos, presbíteros, ao passo que sua formação stricto sensu é uma

complementação de sua formação para adentrar no campo acadêmico, uma

segunda profissão.

Volto à minha questão inicial: como a religião, mesmo depois da

regulamentação da Teologia, ainda é um fator determinante na restrição do

campo profissional para mulheres teólogas?

Os dados coletados apontam que a religião, por meio de seu discurso

religioso-teológico, que preconiza o saber-poder nas mãos do gênero

masculino, é fator determinante para a restrição do campo profissional para

mulheres após o reconhecimento da disciplina.

Neste momento, retomo minha experiência profissional no CNE,

quando era a única mulher em uma mesa de discussão. Ao pesquisar as

faculdades elegidas, constatei que a viabilidade de minha presença no CNE se

deu por eu ser oriunda de uma faculdade de Teologia de confessionalidade

afro-brasileira, onde as restrições às mulheres se dão, mas não de maneira

radical.

Tal fato que me levou a novas interrogações: a Teologia afro-brasileira

foi passível de promover algum tipo de alteração no campo, mesmo que de

forma pontual, como no caso do CNE? O reconhecimento da disciplina de

Teologia foi capaz de abrir para discussão a problemática da discriminação de

gênero e divisão sexual de trabalho dentro dessa área e levar a políticas que

diminuam as assimetrias?

A análise aponta para esta direção, mas, para que os estudos sejam

mais conclusivos, é necessário ampliar as instituições estudadas para que se

possa analisar se este quadro com relação às mulheres permanece.

172  

      

    

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Apêndice I Roteiro de entrevistas aplicado aos dirigentes das instituições eleitas O roteiro de entrevistas será dividido em quatro partes:

1- O processo de regulamentação da Teologia no âmbito nacional. 2- O processo de regulamentação da IES, entrando na especificidade de

cada instituição para seu credenciamento. 3- Perfil do egresso 4- Campo profissional

Entrevista: 1- Participou das discussões para o processo de reconhecimento da

disciplina de Teologia no Brasil? Em que ano? 2- Quais as instituições que participaram desta discussão?

189  

      

    

3- De quantas pessoas era composto o grupo envolvido no processo? Pode citar o nome dos integrantes do grupo?

4- Na sua visão, quais os pontos que merecem destaque no processo de regulamentação?

5- Em que momento a sua instituição pediu o credenciamento? Já existia o curso, na qualidade de curso livre? Um breve relato da instituição desde sua origem como instituição livre até sua regulamentação.

6- O tempo médio para o credenciamento? 7- Quantas pessoas participaram do processo de credenciamento em sua

instituição? Quais os nomes dos participantes? 8- A procura pelo curso aumentou ou diminuiu pós-regulamentação? 9- Qual o perfil de quem procurava a Teologia antes da regulamentação? 10- Qual é o perfil de quem passou a procurar a Teologia pós-

regulamentação? (interesse na profissão, confessionalidade, classe social, raça, gênero, idade)

11- Qual o perfil das mulheres que ingressam no curso (por exemplo: esposa de pastor, ministros, religiosas com ou sem formação profissional)?

12- Os alunos seguem dentro da área de formação?Qual o perfil de quem prossegue?

13- Vocês concedem bolsas? Dentro da concessão de bolsas qual o critério utilizado?

14- O (a) profissional é absorvido (a) por qual mercado de trabalho? (ministro, pastor,área acadêmica, equipes multiprofissionais, ONGs e outros).

Apêndice II Roteiro de entrevistas aplicado aos(às) formados(as) 1-Nome:

2-Idade:

3-Sexo:

4-Faculdade de Teologia que cursou:

5-A Teologia é a sua primeira graduação:

6-Ano em que se formou:

190  

      

    

7-Tempo de integralização do curso:

8-Turma de graduação era composta de maioria masculina ou feminina?

9- Porcentagem em média de homens?

10-Porcentagem em média de mulheres?

11-Faixa etária dos alunos abaixo ou acima de 25 anos:

12-Teve algum incentivo (bolsa)?Qual?

13-Tem alguma pessoa próxima envolvida com o sacerdócio ou religiosa? Grau

de parentesco.

14-O que motivou a escolha da Teologia?

15-Havia algum tipo de divisão de currículo para homens e mulheres?

16-Em sua turma cursavam pastores(as), ministros(as) ou sacerdotes(isas)?

17-Qual seu objetivo com sua formação?

18- Trabalha em sua área de formação? Especifique.

19- Qual o perfil do profissional da Teologia em sua opinião?

20- O campo profissional é mais propício para homens ou mulheres? Justifique.

21- Tem algo que considera relevante destacar?

Apêndice III - Tabelas

Quadro A: divisão dos cargos das instituições analisadas, de acordo

com o gênero

Faculdades Diretor Vice-diretor Diretor

Administrativo

Coordenação Secretaria

Executiva58

F1 Homem Não possui Homem Mulher Mulher

F2 Homem Mulher Homem Homem Homem

F359 Homem Homem Homem Homem Homem

                                                             59 Esta é a única  instituição a possui chanceler, que não consta nessa  tabela devido  termos citado em momento anterior. No item vice‐diretor, a mesma instituição nomeia o cargo de diretor adjunto. 

191  

      

    

F4 Homem Não possui Homem Homem Homem

F5 Homem Mulher Homem Homem Mulher

Quadro B: relação das mulheres entrevistadas

Nome Idade Faculdade Formação específica Atuação profissional atual

Luana 26 F2 Doutoranda Literatura e Religião

Bolsista pela FAPESP

Inês 26 F2 Mestranda em Ciências da Religião

Bolsista da Capes

Mariana 28 F5 Mestranda Em Ciências Sociais

Bolsista da UFABC

Susana 36 F3 Mestra em Ciências da Religião

Professora de Ensino Superior

Sara 40 F3 Mestra em Ciências da Religião

Professora de Ensino Superior

Luciana 44 F4 Mestranda 60 em Ciências da Religião

ONG

Vera 46 F1 - Voluntária

Sônia 47 F5 Mestranda em Ciências da Religião

Prof. escola publica

Fátima 50 F1 - Secretária

Dalva 52 F4 - Voluntária

Quadro C: relação dos homens entrevistados

Nome Idade Faculdade Formação específica Atuação profissional atual Marcelo 26 F2 Mestre

Ciências da Religião Assistente de Coordenação de curso Ensino Superior

Lucas 26 F1 Doutorando em Literatura Bíblica

Pastor

Marcos 27 F2 Mestre Ciências da Religião

Pastor e professor de ensino superior

Francisco 28 F3 Mestre Literatura e Religião

Pastor Professor de ensino superior

Jorge 36 F3 Doutor Em História

Professor de ensino superior

Glauco 44 F1 Mestrando Ciências da Religião

Bolsista da CAPES e militar

José 43 F5 Doutorando Literatura e Religião

Padre e Bolsista da FAPESP

Fabio 44 F4 Especialização Em Teologia

Área comercial

Antonio 52 F5 Mestrando Ciências da Religião

Área Comercial

Osvaldo 61 F3 Mestrando Teologia

Aposentado

Quadro D: titulação das mulheres entrevistadas Idade Faculdade Número de graduações Formação atual

26 F2 1 Doutoranda

                                                            60 Já havia se formado no curso de Teologia livre e revalidou o diploma 

192  

      

    

26 F2 2 Mestranda

28 F5 2 Mestranda

36 F4 2 Mestra

40 F4 2 Doutoranda

44 F3 1 mestranda61

46 F1 1 -

47 F5 4 Mestranda

49 F3 1 -

52 F1 1 -

Quadro E: titulação dos homens entrevistados

Idade Faculdade Número de graduações Formação atual

26 F2 1 Mestre

26 F1 1 Doutorando

27 F2 1 Mestre

29 F4 1 Mestre 38 F3 1 Doutor

44 F1 1 Mestrando

44 F4 1 Mestre

44 F5 1 Especialização

52 F5 1 Mestrando

61 F3 2 Mestrando

Quadro F: divisão de bolsas de estudo de acordo com o gênero sexual

dos entrevistados

Gênero Total de

entrevistados

(as)

Total de

bolsistas

Total sem

bolsa

Concedida

pela

instituição

Bolsa do

ProUni

Integral Parcial

Masculino 10 8 2 7 1 5 2

Feminino 10 5 5 2 3 2 0

Quadro G: demonstrativo de discentes dos últimos cinco anos das faculdades

pesquisadas

Faculdade 2008 2009

2010 2011 2012

F M F M F M F M F M F1 48 344 48 361 53 397 78 376 61 436 F2 16 33  12 53 21 57 9 28 7 34 F3 12 240 13 283 9 274 10 213 8 281 F4* F5 11 14 9 5 6 9 4 9 12 13

* durante 9 meses buscamos obter os dados dos alunos dessa instituição, mas a mesma não colaborou.

                                                            61 Já havia se formado no curso de Teologia livre e revalidou o diploma 


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