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NOVOS SUJEITOS DA COMUNICAÇÃO -UMA CONTRIBUIÇÃO DOS ESTUDOS QUEER PARA MISTURAR:...

Date post: 16-Jan-2023
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NOVOS SUJEITOS DA COMUNICAÇÃO - UMA CONTRIBUIÇÃO DOS ESTUDOS QUEER PARA MISTURAR: EMISSÃO-RECEPÇÃO-EXPRESSÃO Camila Olivia 1 Yo, reinvindico mi derecho a ser un monstruo. Ni varón ni mujer. Ni XXY ni H_O. Yo, monstruo de mi deseo, carne de cada una de mis pinceladas, lienzo azul de mi cuerpo, pintora de mi andar. No quiero más títulos que cargar. No quiero más cargos ni casilleros a donde encajar ni el nombre justo que me reserve ninguna ciencia. Yo, mariposa ajena a la modernidad, a la posmodernidad, a la normalidad. 2 RESUMO A perspectiva comunicacional abordada neste artigo dialoga de maneira fluídica com outros campos dos saberes como o da Educação. Com esse diálogo aberto às questões da educação os meios de comunicação tenderiam a uma possível subversão da lógica reducionista emissor- receptor, passando a acrescentar uma intenção participativa e expressiva aos sujeitos. Jesús Martín-Barbero e Stuart Hall já apontam para a emergência de "novos sujeitos" tendo eles resistência, subversão e criação. O que faz propor a questão: quais as diferenças desse novo sujeito multicultural que subverte a hegemonia e que se expressa através das tecnologias/meios de comunicação? Assim, a proposta do artigo é explorar os "novos sujeitos" concedidos por três teóricas feministas contemporâneas - Rosi Braidotti, Judith Butler e Donna Haraway - assim como a do sujeito comunicante Latino Americano propondo um olhar plural aos estudos da comunicação e suas concepções de sujeito. Palavras-chave: educomunicação, nômade, performatividade, ciborgue. 1 Camila Olivia de Melo é especialista em Comunicação, política e imagem pela UFPR, mestranda do setor de Pós-graduação em Comunicação da UFPR, na linha de pesquisa Comunicação Educação e Formações Sócio Culturais, bolsista REUNI, orientada por Profa. Dra. Regiane Ribeiro pesquisando atualmente Comunicação na América Latina e sua fusão com a Educação, [email protected]. 2 Poesia de Suzy Shock que foi recitada durante o congresso Queering Paradigmans 4 na UFRJ em julho de 2012. Parte do “poemario trans piradopublicado em 2011, Buenos Aires: Nuevos Tiempos. Suzy é um ser colorido, que balança seu leque arco-íris em voz grossa no microfone. O trecho nos chama a atenção principalmente por possibilitar ser/estar outra coisa além do que as categorias fixas limitam e, abre portas a outros pensamentos de si mesma. Uma epígrafe para chamar atenção às formulações criativas a respeito dos "novos sujeitos".
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NOVOS SUJEITOS DA COMUNICAÇÃO - UMA CONTRIBUIÇÃO DOS ESTUDOS

QUEER PARA MISTURAR: EMISSÃO-RECEPÇÃO-EXPRESSÃO

Camila Olivia1

Yo, reinvindico mi derecho a ser un monstruo.

Ni varón ni mujer.

Ni XXY ni H_O.

Yo, monstruo de mi deseo,

carne de cada una de mis pinceladas,

lienzo azul de mi cuerpo,

pintora de mi andar.

No quiero más títulos que cargar.

No quiero más cargos ni casilleros a donde encajar

ni el nombre justo que me reserve ninguna ciencia.

Yo, mariposa ajena a la modernidad,

a la posmodernidad,

a la normalidad. 2

RESUMO

A perspectiva comunicacional abordada neste artigo dialoga de maneira fluídica com outros

campos dos saberes como o da Educação. Com esse diálogo aberto às questões da educação

os meios de comunicação tenderiam a uma possível subversão da lógica reducionista emissor-

receptor, passando a acrescentar uma intenção participativa e expressiva aos sujeitos. Jesús

Martín-Barbero e Stuart Hall já apontam para a emergência de "novos sujeitos" tendo eles

resistência, subversão e criação. O que faz propor a questão: quais as diferenças desse novo

sujeito multicultural que subverte a hegemonia e que se expressa através das

tecnologias/meios de comunicação? Assim, a proposta do artigo é explorar os "novos

sujeitos" concedidos por três teóricas feministas contemporâneas - Rosi Braidotti, Judith

Butler e Donna Haraway - assim como a do sujeito comunicante Latino Americano propondo

um olhar plural aos estudos da comunicação e suas concepções de sujeito.

Palavras-chave: educomunicação, nômade, performatividade, ciborgue.

1 Camila Olivia de Melo é especialista em Comunicação, política e imagem pela UFPR, mestranda do setor de

Pós-graduação em Comunicação da UFPR, na linha de pesquisa Comunicação Educação e Formações Sócio

Culturais, bolsista REUNI, orientada por Profa. Dra. Regiane Ribeiro pesquisando atualmente Comunicação na

América Latina e sua fusão com a Educação, [email protected].

2 Poesia de Suzy Shock que foi recitada durante o congresso Queering Paradigmans 4 na UFRJ em julho de

2012. Parte do “poemario trans pirado” publicado em 2011, Buenos Aires: Nuevos Tiempos. Suzy é um ser

colorido, que balança seu leque arco-íris em voz grossa no microfone. O trecho nos chama a atenção

principalmente por possibilitar ser/estar outra coisa além do que as categorias fixas limitam e, abre portas a

outros pensamentos de si mesma. Uma epígrafe para chamar atenção às formulações criativas a respeito dos

"novos sujeitos".

INTRODUÇÃO

O diálogo aqui proposto faz parte dos primeiros caminhos em direção a dissertação,

ainda em andamento, do projeto de pesquisa que aborda as práticas educativas e os meios de

comunicação3, particularmente, aquelas desenvolvidas em ambientes educacionais não

formais. Assim, a proposta neste artigo é re-pensar conceitualmente a noção de diferença

entre sujeitos envolvidos - denominados educandos/as - nas práticas de fusão entre educação

e comunicação. Parte-se do pressuposto de que a educação está também em espaços

pedagógicos não formais como por exemplo em Organizações não Governamentais e, no

projeto de pesquisa o recorte é especificamente a ONG Ciranda atuando na cidade de

Curitiba-PR e região metropolitana. Percebe-se que em tal organização privilegia-se o uso dos

meios de comunicação como recurso didático para as atividades que são construídas na linha

pedagógica de projetos tentando assim fugir de modelos fixos e dispositivos de controle da

instituição escolar formal, assim como de seu currículo rígido (LOURO, 2008).

Nesse sentido, a trajetória dos Estudos Culturais proporciona um caminho alternativo

para compreender a edu-comunicação ligada aos processos, misturando-se às práticas

populares e ligadas diretamente a cultura e à cultura das pessoas, consequentemente, fornece

subsídio à questões relacionados a pretensa estabilidade da categoria sujeito/emissor. A

perspectiva da comunicação aqui compreendida estaria então exatamente nas interações, na

experiência cultural, nas inter-relações de sujeitos entre sujeitos ou por meio de tecnologias. A

lógica simplista emissão-recepção é subvertida, pois com a perspectiva Latino Americana da

comunicação seria possível visualizar a dissolução de certas barreiras limitantes às produções

e expressões de re-existência (MARTÍN-BARBERO, 2009).

O esforço aqui é - tendo em mente os sujeitos partícipes da edu-comunicação -

explorar conceitualmente as formulações dos "novos sujeitos", como enfatiza o próprio

Martín-Barbero (1997, p. 285): "o cultural assinala a percepção de dimensões inéditas do

conflito social, a formação de novos sujeitos4 – regionais, religiosos, sexuais, geracionais – e

formas de rebeldia e resistência.”. Há ainda, a tentativa em agregar aos sujeitos comunicantes

uma potencialidade de subversão, produção e participação a partir de uma linha teórica que

3 O projeto de mestrado intitulado: Comunicação, Educação e Gênero - uma análise do projeto de

educomunicação: Navegando nos Direitos com crianças e adolescentes de Paranaguá-PR. 4 Grifo nosso. Consideramos importante esse trecho, pois, vai de encontro a pontos importantes de nosso artigo:

as configurações que os novos sujeitos assumem na contemporaneidade.

desse fôlego a sujeitos multiculturais, plurais e não estranhos à tecnologias como propõem o

pesquisador mexicano Guillermo Gómez-Orozco (2012). Assim, a proposta do artigo é

dedicar-se aos pontos em comum entre a formulação de sujeitos concedidas por três teóricas

feministas de perspectiva queer5 - Rosi Braidotti, Judith Butler e Donna Haraway - com a do

sujeito na perspectiva comunicacional Latino Americana de Martín-Barbero e Guilherme

Gómez-Orozco. Além disso, perceber a contribuição que o olhar crítico das teóricas

feministas fornecem à categoria fixa do sujeito universal que estaria ocupando um espaço

apenas de emissor ou receptor. Com isso, visibilizar um sujeito plural que possibilite

misturar-se na cultura e nas tecnologias.

Para tal é preciso assumir no texto uma atitude pós-colonial, pois para tecer esse

diálogo é preciso considerar os territórios epistemológicos em que as teóricas feministas

transitam, suas produções são de viés norte-americano e europeu entretanto, não seria o caso

abandonar tais perspectivas, pelo contrário, seguir como Stuart (2009) aconselha exercitando

a tradução Latino Americana dos conceitos em um processo de "desvinculação colonial",

criando uma escrita sem centro e de conexões abertas a diferentes olhares.

Estudos culturais e comunicação, por onde começar?

A proposta em dialogar com o campo da comunicação e da educação aparece como

um desafio teórico. E é nesse sentido que os Estudos Culturais abre caminhos para encontrar

diferentes conceitos e termos para escapar de teorias com perspectivas estagnadas. Por essas

alternativas opta-se em iniciar o este artigo pela trajetória dos Estudos Culturais e seu legado

fortemente difundido por Stuart Hall, a partir disso, teremos pistas para olhar a comunicação

não mais através dos meios, mas, a partir da cultura e de suas interfaces, deslocando o

conceito de cultura e misturando-o às práticas cotidianas. Nesse terreno possível se faz pensar

os embates e principais conflitos que a multiculturalidade Latino Americana têm tensionado

5 Forte produção na década de 80 inspirada, principalmente, nos filósofos Jacques Derrida e Michael Foucault,

os Estudos Queer começam a se fundamentar como ramificação no espaço múltiplo que os estudos culturais se

caracterizam. A perspectiva queer é justamente observar os binarismos como um leque de possibilidades,

rompendo com pressupostos identitários fixos em lógicas binárias. Preocupa-se com a heteronorma, termo

utilizado para designar como condição de normalidade social a heterossexualidade, a partir dos teóricos queer,

Miskolci (2009) afirma, “a heteronormatividade [serve] como marco de controle e normalização da vida de gays

e lésbicas, não mais para que se “tornem heterossexuais”, mas com o objetivo de que vivam como eles.” Nesse

sentido a heteronormatividade atinge a todos os sujeitos, independente de sua identidade sexual pois, busca

regular e encaixar a vida social como pertencente aos símbolos heterossexuais de poder e normatização.

na categoria de sujeito universal e a partir disso, seguir re-pensando a noção de diferença

entre os sujeitos envolvidos na teia social da América Latina.

Inicia-se o debate, portanto, com o processo de maior força criativa dos Estudos

Culturais, formulando-se na década de 70 na Inglaterra, em um momento histórico de

transformações sociais, reivindicações, resistência das subculturas, manifestações políticas, e

vozes silenciadas clamando por visibilidade. As chamadas “minorias” organizavam-se e assim

teciam o pano de fundo conturbado dos anos 70's quando uma “nova esquerda” se proliferava.

Diante desse breve contexto, podemos pontuar os pensadores que oxigenaram as idéias do

Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS) em Birmingham, como Richard Hoggart

(1957), Raymond Williams (1958) e E. P. Thompson (1963)6, representando o movimento

intelectual de forte impacto teórico de esquerda que transbordou os muros acadêmicos onde a

militância por seus objetivos era radical, no sentido de mudanças políticas urgentes. O esforço

teórico de tais autores além de introduzir novas questões também impulsionou a uma visão

crítica pós-marxista, pois, colocou em questão a diferença dos sujeitos - pensando-os como

ativos e de resistência - propôs alternativas práticas políticas e, principalmente, repensar o

conceito de cultura.

A trajetória dos Estudos Culturais não termina nos anos 70’s, pelo contrário. Ao entrar

da década de 80 e 90 as pesquisas do centro alcançam nível internacional, dialogando com

outras perspectivas e como Escosteguy (2006) chama atenção, foi nesse momento -

considerado um período de “despolitização” - em que houve uma “fragmentação e

trivialização” dos estudos da área. Entretanto, por mais que os Estudos Culturais tenham

mudado suas reflexões, as temáticas se ramificaram, sendo possível pensar nos

deslocamentos7 de conceitos, questões, metodologias e sujeitos. Essa “nova etapa” abre

caminhos para outros olhares no campo fértil das relações culturais.

Ao afirmar que os Estudos Culturais tem por característica tal “deslocamento”

compreende-se que há nitidamente rupturas e redescobertas teóricas. Assim o conceito cultura

se desloca para pensá-la não mais com entonação elitista e, sim, como a que interage com as

práticas cotidianas com produção de sentidos vinculada ao exercício, ao modo fazer cultura

por diversos sujeitos sociais. É exatamente a re-descoberta do popular que o filósofo e

6 Os textos base seguem respectivamente, The uses of literacy (1957), Culture and society (1958) e The Making

of the english working-class (1963). 7 Ao utilizar o termo “deslocamento”, nos referimos ao que para Stuart Hall (2009) aponta: tomar outro caminho,

direcionar o olhar de maneira diferente, desenvolver outros métodos que explorem o plural, as diferenças e as

exclusões.

comunicólogo espanhol - já considerado colombiano - Jesús Martín-Barbero aponta como

pistas a compreender a comunicação, pois o pensar a cultura através das práticas é também

perceber a comunicação acontecendo, segue o autor:

Na redefinição da cultura, é fundamental a compreensão de sua natureza

comunicativa. Isto é, seu caráter de processo produtor de significações e não

de mera circulação de informações, no qual o receptor, portanto, não é um

simples decodificador daquilo que o emissor depositou na mensagem, mas

também um produtor. (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 287).

Por mais que haja uma vontade teórica em encaixar os Estudos Culturais em uma

escola, ou em um modelo teórico que tranquilize a turbulenta procura por verdades, o campo

não pode ser reduzido a conceitos lineares e universais, pois, criou-se ao longo do caminho

produções, histórias e discursos múltiplos compreendendo suas questões também como

processos de comunicação. Isso se comprova na perspectiva adotada por Stuart Hall na

Universidade de Birmingham-Inglaterra, onde se evidenciam os discursos de produções

acadêmicas abertas e plurais oportunizando pesquisas em meios de comunicação. O ingresso

de Stuart Hall nas pesquisas do CCCS ocorre ao substituir Richard Hoggart, no final da

década de 60’s e permanece por dez anos, esse projeto lhe deu visibilidade internacional.

Durante tal período o autor resgatou, fazendo uso de seu espaço de destaque nos Estudos

Culturais, os “estudos etnográficos, as análises dos meios massivos e a investigação de

práticas de resistência dentro de subculturas” (ESCOSTEGUY, 2006, p. 141).

Dessa forma, segue-se pensando os Estudos Culturais como Hall (2011) denomina, um

projeto de objetivos marcados, porém, não fixos. Incentiva-se ainda a pensar as questões

contemporâneas de uma maneira dialógica em que os aspectos culturais estejam sempre

interligados a sua prática, que haja uma reflexividade teórica, e, principalmente que esse

conjunto de saberes tornem-se cada vez menos a procura por verdade e cada vez mais o

acumulo construtivo de conhecimentos. Vale destacar que é justamente nesse mesmo sentido

que a comunicação têm sido abordada por Dominique Wolton (2004), há aqui uma

aproximação de idéias, pois, o pesquisador sugere, pensá-la em “nível direto”, aquele em que

há interação, “partilha mútua” na tentativa de compreender-se mutuamente, a fim de gerar

experiências.

Distante da técnica e mais próxima do popular - das práticas cotidianas - a

comunicação acontece nos sujeitos sociais, que de acordo com Wolton (2004, p.35):

“Nenhuma técnica de comunicação, por mais eficiente que seja, jamais alcançará o nível de

complexidade e de cumplicidade da comunicação humana.” Ainda nesse ponto, o que se pode

perceber com Martín-Barbero (2009) é a “superação da visão instrumental” percebendo a

comunicação mais a fundo, enxergando-a nas transformações diárias, ou seja, no complexo

cotidiano cultural dos sujeitos. Sendo assim, por se tratar de mediações complexas e

transversais o uso dos meios assumem novas configurações ou "novos usos sociais"

impulsionando a possibilidades de expressão.

sentidos e usos que, em seus tateios e tensões, remetem por um lado à dificuldade de

superar a concepção e as práticas puramente instrumentais para assumir o desafio

político, técnico e expressivo, que supõe o reconhecimento na prática da

complexidade cultural que hoje contém os processos e os meios de comunicação.

(MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 20)

Assim, esforça-se em pensar a comunicação com os sujeitos de seus processos o que

significa transgredir os limites da tecnologia e dos meios, abandonar a segurança sistêmica e

adentrar no campo das múltiplas e complexas relações humanas. Daí abordar a comunicação

no mesmo sentido de Wolton (2004) e Martín-Barbero (2009) como produtora de sentidos,

não apenas como circulação de informação, mas também capaz de produzir/incentivar/mediar

os conhecimentos.

A partir dessa linha teórica é possível pensar a comunicação em estado de inter-relação

com os sujeitos, a preocupação estaria também nos sujeitos envolvidos no processo de

comunicação e não apenas nos artefatos. Assim como Martín-Barbero, o pesquisador

mexicano Gómez-Orozco (1998) propõem re-pensar os sujeitos partícipes em "seu contexto

atual" quando na fusão dos campo comunicação e educação. A preocupação do teórico Latino

Americano com as problemáticas envolvendo os meios nos ambientes educativos é justamente

que haja uma potente possibilidade de expressão, "o objetivo é a alfabetização cultural

múltipla de todos para podermos nos expressar em distintas linguagens, com distintas lógicas

de articulação, e circular nossas próprias mensagens, e não somente recebermos as mensagens

de outros." (GÓMEZ-OROZCO, 1998, p. 251). Sendo assim, não haveria na

contemporaneidade espaço para o binário reducionista emissor-receptor, pois os sujeitos

estariam em todos os níveis: emitindo, interpretando, produzindo e interagindo. Ainda com

Gómez-Orozco (2012), parte-se de uma condição de receptores anônimos para uma

recepção de interlocução criativa e crítica. A comunicação como produtora de sentidos é

compreendida pelo autor, como "participação" como prática de criação a partir das próprias

mensagens situando a fala a partir de contextos.

Portanto, percebe-se a partir de tais teóricos a concepção de um sujeito elástico da

comunicação, ou como uma "audiência elástica". Necessário então, seria explorar

determinadas formulações de sujeito que dê conta de tal mistura cultural, criação e

criatividade. Enquanto Martín-Barbero e Stuart Hall apontam para a emergência de "novos

sujeitos" com resistência, subversão e criação, é possível formular a seguinte questão: tem

ocorrido o desaparecimento do sujeito universal que se configura apenas como emissor ou

receptor? ou ainda, quais as possíveis formulações criativas para um sujeito multicultural de

subversão da hegemonia cultural e que se expresse através das tecnologias/meios de

comunicação?

Multiculturalidade, criatividade e conectividade - formulações dos novos sujeito

Para as questões formuladas, considera-se no presente artigo as discussões formuladas

por teóricas feministas ligadas aos Estudos Queer, propondo desestabilizar um sujeito que é

universal, que é apenas opressor ou oprimido, emissor ou receptor. Para o entendimento de

uma comunicação a partir da cultura, exercitando-a não mais apenas em artefatos, mas

compreendendo-a como plural nas relações entre os sujeitos, se faz urgente considerar

teoricamente um sujeito híbrido, cultural, produtor e que dialogue também com a tecnologia.

Rosi Braidotti (1994) fala sobre "una consciencia nómade", ou uma atitude do sujeito

nômade. Já a filósofa Judith Butler (2005) considera em sua teoria o sujeito de

performatividade que desestabiliza as coerências de gênero, enquanto Donna Haraway

(2000) propõe a noção de sujeito como sendo um ciborgue, onde além da resistência há

também uma hibridez de máquinas, animais não humanos e humanos.

Ao re-pensar o sujeito como sendo nômade, Braidotti (1994) nos ajuda a pensar uma

das questões propostas: quais as possíveis concepções de sujeito, integrante de uma

configuração social de economia transnacional e multicultural em contexto Latino

Americano? O sujeito nômade vai em direção às mesclas culturais, introduzindo na categoria

sujeito uma subjetividade alternativa, tentando dessa maneira pensá-lo de formas diferentes.

Nesse sentido, com o nômade seria possível ao o feminismo pós-moderno, e às teorias sociais

uma abertura e um movimento político mais fluídico e imaginativo quanto às questões de

identidade (BRAIDOTTI, 1994). Há um processo criativo envolvendo a concepção

nômade, pois considera que a estabilidade das identidades e das condutas sociais estão em

decadência. Toma em sua formulação os processos históricos e os movimentos transnacionais,

portanto o pensamento nômade, de acordo com a autora, está muito mais vinculado à

subversão e a deslocamentos de conceitos e metodologias rígidas do que propriamente de uma

viagem física.

O estar nômade, portanto, está ligado a fluidez simultânea de diferentes eixos étnicos,

da língua, da estética, das múltiplas experiências. Há uma noção de deslocamento e é com tal

mobilidade que a espontaneidade teria espaço, segue Braidotti (1994, p. 32): " un estilo

creativo de transformación; uma metáfora performativa que permite que surjam encuentros y

fuentes de interaccíon de experiencia y conocimiento insospechadas que, de otro modo,

difícilmente tendrían lugar." Uma adesão aos aspectos culturais é percebida na formulação da

autora em ressonância com a proposta dos Estudos Culturais, agregando movimento ao

sujeito contemporâneo.

Pautando-se na pluralidade novas concepções de sujeito aparecem na teoria de Butler

(2005) sua preocupação com sexo/gênero/identidade compõem o sujeito de sua teoria que é

atingido pela performatividade. O sujeito ocupa na teoria butleriana um espaço pensante, e

com isso o sujeito performativo nos ajuda a refletir com a questão: existem possibilidades de

produção, resistência e subversão neste sujeito contemporâneo? A filósofa diria que sim,

entretanto, ainda em fase de emergência.

Um sujeito performativo seria aquele que como a Drag Queen, ao parodiar/encenar o

feminino em um corpo culturalmente e discursivamente instituído como masculino subverte a

estabilidade do que Butler (2012) chama de "coerência dos gêneros", pois representa um

desafio com instância de denúncia. A Drag Queen sinaliza a fabricação do tido como

feminino, e mais, é potencialmente "desconstrutivo da norma", pois quebra a lógica que

naturaliza o que se entende por gênero (LOURO, 2009, p. 139). Daí pensar que a

performatividade poderia ser uma estratégia dos abjetos ou dos "outros" - aqueles em fricção

ao sujeito universal de lógica binária - um sujeito apto a desestabilizar a heteronormatividade.

O mais efervescente da teoria de Butler nos parece ser a possibilidade de subversão e

produção que o ato performativo traz ao sujeito contemporâneo, uma das características

imprescindíveis do que Haraway (2000) chama de ciborgue.

Subversões micros, fronteiras borradas entre máquina e humano, conexões de

identidades flutuantes estão nitidamente aplicadas aos pensamentos fundantes de Donna

Haraway (2000). Percebe-se em sua teoria uma posição "política-ficcional" com criatividade

gramatical, abandonando a perspectiva fixa e única da identidade. A autora está a procura de

uma epistemologia que proporcione uma fratura da identidade, que abra possibilidades a um

sujeito capaz de se conectar e colidir.

Pautando-se nesses pressupostos e sem perder-se do foco nas reais conexões sociais a

autora coloca em questão a "informática da dominação", as fronteiras entre os corpos, os

sistemas de comunicação, as biotecnologias e problematiza, principalmente, os dualismos de

base estruturante da contemporaneidade. Assim, ao conceituar o sujeito ciborgue percebe-se

um desmontar remontado, um pessoal que é coletivo, uma pele que é máquina. Duas questões

estão bem marcadas no manifesto de Haraway (2000), a primeira é a atenção aos impactos

que a mediação das tecnologias têm proporcionado nas relações sociais e, com isso re-pensa

as fronteiras corporais não como barreiras mas como fusões híbridas com potentes

possibilidades de resistência e subversão. O segundo ponto forte estaria em sua nova/diferente

forma de propor o fazer política, como um movimento cotidiano de pequenas conexões que

aos poucos formam redes, propondo um fazer/utilizar os mesmos instrumentos de dominação

numa contra-dominação. Quando afirma que "nos faltam conexões suficientemente sutis para

construir de forma coletiva teorias sobre a experiência" (p. 82), Haraway (2000) talvez esteja

mostrando uma vontade de sobrevivência na dispersão e a possibilidade - em determinados

momentos - de unir-se por afinidade ou oposição, tecendo uma profusão de espaços.

Nesse sentido o sujeito ciborgue refuta uma unidade original e se declara

"oposicionista e perverso", opõem-se às matrizes binárias universais, é perverso por pensar

em revoluções moleculares incentivando tomar posse dos mecanismos de dominação para

marcar e reescrever o mundo. Mas com quais ferramentas e que ações políticas? A proposta

seria primeiramente desmanchar sólidas referências e conceitos do próprio feminismo

"mainstream" para daí considerar, como Foucault, as múltiplas e dinâmicas configurações de

poder com o objetivo materialista em focar no corpo, nas instituições, e no que são capazes de

fazer e o que pode-se fazer com eles.

Assim, quando afirma haver "potentes possibilidades" de resistência e subversão do

ciborgue é possível compreender seu olhar à sociedade contemporânea, mas não para destruí-

la, e sim como uma dura crítica à seu discurso homogeneizante ansiando por um contra-poder

utilizando dos próprios instrumentos em ação das estruturas de dominação. Ação política

aqui, diz respeito a criar contradições por dentro das estruturas, não há pretensão em

desmontá-las, mas sim uma ação de ruídos e conflitos no cotidiano (HARAWAY, 2000).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, chega-se ao ponto nodal deste debate, pois encontrar uma perspectiva de

sujeito que vá de encontro à mistura cultural da América Latina é de extrema urgência. Isso

porque, há o esforço em abordar a comunicação a partir do cultural e da mistura entre emitir,

produzir e receber mensagens. Dessa forma, já não se suporta a concepção de um sujeito

universal. Com as contribuições apresentadas pelas teóricas feministas é possível pensar os

envolvidos nos processos edu-comunicativos, não mais, apenas como receptores e usuários

dos meios de comunicação, mas também como tendo "potentes possibilidades" para

instrumentalizar as tecnologias em produções cotidianas, conectando-se em redes,

encontrando espaços de resposta e participação.

Assim, a perspectiva feminista dos novos sujeitos oxigena o campo da comunicação,

pois abre caminhos à uma abordagem da diferença e possibilita aos sujeitos ações de

performatividade para re-criar criativamente certas normas constituídas e reiteradas

verticalmente. Acrescenta ainda uma atitude nômade aos sujeitos com características de

mescla e fluidez cultural. Daí partir em direção ao campo das mediações e não apenas ao dos

meios traz o sujeito não como categoria fixa, mas como protagonista de movimentos e de

conexões, possibilitando resistência e expressão.

Adotar portanto, uma postura teórica de interlocução da comunicação é também estar

em sintonia com o projeto de pesquisa dos Estudos Culturais, em uma tentativa de tornar

visível sujeitos plurais que se misturam à cultura e às tecnologias que se movimentam em

conceitos, deslocando paradigmas, para que assim, seja possível pensar os educandos/as como

sujeitos comunicantes e partícipes dotados de uma identidade múltipla e assim possibilitar sua

expressão através dos meios de comunicação. Por isso, esforça-se para que daqui pra frente

na continuidade de minha pesquisa no planejamento e execução do projeto, já mencionado, as

questões da subjetividade sejam levadas em consideração além das ações cotidianas entre os

sujeitos como fundamentais aos dos processos de produção da comunicação e educação.

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