NOVOS SUJEITOS DA COMUNICAÇÃO - UMA CONTRIBUIÇÃO DOS ESTUDOS
QUEER PARA MISTURAR: EMISSÃO-RECEPÇÃO-EXPRESSÃO
Camila Olivia1
Yo, reinvindico mi derecho a ser un monstruo.
Ni varón ni mujer.
Ni XXY ni H_O.
Yo, monstruo de mi deseo,
carne de cada una de mis pinceladas,
lienzo azul de mi cuerpo,
pintora de mi andar.
No quiero más títulos que cargar.
No quiero más cargos ni casilleros a donde encajar
ni el nombre justo que me reserve ninguna ciencia.
Yo, mariposa ajena a la modernidad,
a la posmodernidad,
a la normalidad. 2
RESUMO
A perspectiva comunicacional abordada neste artigo dialoga de maneira fluídica com outros
campos dos saberes como o da Educação. Com esse diálogo aberto às questões da educação
os meios de comunicação tenderiam a uma possível subversão da lógica reducionista emissor-
receptor, passando a acrescentar uma intenção participativa e expressiva aos sujeitos. Jesús
Martín-Barbero e Stuart Hall já apontam para a emergência de "novos sujeitos" tendo eles
resistência, subversão e criação. O que faz propor a questão: quais as diferenças desse novo
sujeito multicultural que subverte a hegemonia e que se expressa através das
tecnologias/meios de comunicação? Assim, a proposta do artigo é explorar os "novos
sujeitos" concedidos por três teóricas feministas contemporâneas - Rosi Braidotti, Judith
Butler e Donna Haraway - assim como a do sujeito comunicante Latino Americano propondo
um olhar plural aos estudos da comunicação e suas concepções de sujeito.
Palavras-chave: educomunicação, nômade, performatividade, ciborgue.
1 Camila Olivia de Melo é especialista em Comunicação, política e imagem pela UFPR, mestranda do setor de
Pós-graduação em Comunicação da UFPR, na linha de pesquisa Comunicação Educação e Formações Sócio
Culturais, bolsista REUNI, orientada por Profa. Dra. Regiane Ribeiro pesquisando atualmente Comunicação na
América Latina e sua fusão com a Educação, [email protected].
2 Poesia de Suzy Shock que foi recitada durante o congresso Queering Paradigmans 4 na UFRJ em julho de
2012. Parte do “poemario trans pirado” publicado em 2011, Buenos Aires: Nuevos Tiempos. Suzy é um ser
colorido, que balança seu leque arco-íris em voz grossa no microfone. O trecho nos chama a atenção
principalmente por possibilitar ser/estar outra coisa além do que as categorias fixas limitam e, abre portas a
outros pensamentos de si mesma. Uma epígrafe para chamar atenção às formulações criativas a respeito dos
"novos sujeitos".
INTRODUÇÃO
O diálogo aqui proposto faz parte dos primeiros caminhos em direção a dissertação,
ainda em andamento, do projeto de pesquisa que aborda as práticas educativas e os meios de
comunicação3, particularmente, aquelas desenvolvidas em ambientes educacionais não
formais. Assim, a proposta neste artigo é re-pensar conceitualmente a noção de diferença
entre sujeitos envolvidos - denominados educandos/as - nas práticas de fusão entre educação
e comunicação. Parte-se do pressuposto de que a educação está também em espaços
pedagógicos não formais como por exemplo em Organizações não Governamentais e, no
projeto de pesquisa o recorte é especificamente a ONG Ciranda atuando na cidade de
Curitiba-PR e região metropolitana. Percebe-se que em tal organização privilegia-se o uso dos
meios de comunicação como recurso didático para as atividades que são construídas na linha
pedagógica de projetos tentando assim fugir de modelos fixos e dispositivos de controle da
instituição escolar formal, assim como de seu currículo rígido (LOURO, 2008).
Nesse sentido, a trajetória dos Estudos Culturais proporciona um caminho alternativo
para compreender a edu-comunicação ligada aos processos, misturando-se às práticas
populares e ligadas diretamente a cultura e à cultura das pessoas, consequentemente, fornece
subsídio à questões relacionados a pretensa estabilidade da categoria sujeito/emissor. A
perspectiva da comunicação aqui compreendida estaria então exatamente nas interações, na
experiência cultural, nas inter-relações de sujeitos entre sujeitos ou por meio de tecnologias. A
lógica simplista emissão-recepção é subvertida, pois com a perspectiva Latino Americana da
comunicação seria possível visualizar a dissolução de certas barreiras limitantes às produções
e expressões de re-existência (MARTÍN-BARBERO, 2009).
O esforço aqui é - tendo em mente os sujeitos partícipes da edu-comunicação -
explorar conceitualmente as formulações dos "novos sujeitos", como enfatiza o próprio
Martín-Barbero (1997, p. 285): "o cultural assinala a percepção de dimensões inéditas do
conflito social, a formação de novos sujeitos4 – regionais, religiosos, sexuais, geracionais – e
formas de rebeldia e resistência.”. Há ainda, a tentativa em agregar aos sujeitos comunicantes
uma potencialidade de subversão, produção e participação a partir de uma linha teórica que
3 O projeto de mestrado intitulado: Comunicação, Educação e Gênero - uma análise do projeto de
educomunicação: Navegando nos Direitos com crianças e adolescentes de Paranaguá-PR. 4 Grifo nosso. Consideramos importante esse trecho, pois, vai de encontro a pontos importantes de nosso artigo:
as configurações que os novos sujeitos assumem na contemporaneidade.
desse fôlego a sujeitos multiculturais, plurais e não estranhos à tecnologias como propõem o
pesquisador mexicano Guillermo Gómez-Orozco (2012). Assim, a proposta do artigo é
dedicar-se aos pontos em comum entre a formulação de sujeitos concedidas por três teóricas
feministas de perspectiva queer5 - Rosi Braidotti, Judith Butler e Donna Haraway - com a do
sujeito na perspectiva comunicacional Latino Americana de Martín-Barbero e Guilherme
Gómez-Orozco. Além disso, perceber a contribuição que o olhar crítico das teóricas
feministas fornecem à categoria fixa do sujeito universal que estaria ocupando um espaço
apenas de emissor ou receptor. Com isso, visibilizar um sujeito plural que possibilite
misturar-se na cultura e nas tecnologias.
Para tal é preciso assumir no texto uma atitude pós-colonial, pois para tecer esse
diálogo é preciso considerar os territórios epistemológicos em que as teóricas feministas
transitam, suas produções são de viés norte-americano e europeu entretanto, não seria o caso
abandonar tais perspectivas, pelo contrário, seguir como Stuart (2009) aconselha exercitando
a tradução Latino Americana dos conceitos em um processo de "desvinculação colonial",
criando uma escrita sem centro e de conexões abertas a diferentes olhares.
Estudos culturais e comunicação, por onde começar?
A proposta em dialogar com o campo da comunicação e da educação aparece como
um desafio teórico. E é nesse sentido que os Estudos Culturais abre caminhos para encontrar
diferentes conceitos e termos para escapar de teorias com perspectivas estagnadas. Por essas
alternativas opta-se em iniciar o este artigo pela trajetória dos Estudos Culturais e seu legado
fortemente difundido por Stuart Hall, a partir disso, teremos pistas para olhar a comunicação
não mais através dos meios, mas, a partir da cultura e de suas interfaces, deslocando o
conceito de cultura e misturando-o às práticas cotidianas. Nesse terreno possível se faz pensar
os embates e principais conflitos que a multiculturalidade Latino Americana têm tensionado
5 Forte produção na década de 80 inspirada, principalmente, nos filósofos Jacques Derrida e Michael Foucault,
os Estudos Queer começam a se fundamentar como ramificação no espaço múltiplo que os estudos culturais se
caracterizam. A perspectiva queer é justamente observar os binarismos como um leque de possibilidades,
rompendo com pressupostos identitários fixos em lógicas binárias. Preocupa-se com a heteronorma, termo
utilizado para designar como condição de normalidade social a heterossexualidade, a partir dos teóricos queer,
Miskolci (2009) afirma, “a heteronormatividade [serve] como marco de controle e normalização da vida de gays
e lésbicas, não mais para que se “tornem heterossexuais”, mas com o objetivo de que vivam como eles.” Nesse
sentido a heteronormatividade atinge a todos os sujeitos, independente de sua identidade sexual pois, busca
regular e encaixar a vida social como pertencente aos símbolos heterossexuais de poder e normatização.
na categoria de sujeito universal e a partir disso, seguir re-pensando a noção de diferença
entre os sujeitos envolvidos na teia social da América Latina.
Inicia-se o debate, portanto, com o processo de maior força criativa dos Estudos
Culturais, formulando-se na década de 70 na Inglaterra, em um momento histórico de
transformações sociais, reivindicações, resistência das subculturas, manifestações políticas, e
vozes silenciadas clamando por visibilidade. As chamadas “minorias” organizavam-se e assim
teciam o pano de fundo conturbado dos anos 70's quando uma “nova esquerda” se proliferava.
Diante desse breve contexto, podemos pontuar os pensadores que oxigenaram as idéias do
Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS) em Birmingham, como Richard Hoggart
(1957), Raymond Williams (1958) e E. P. Thompson (1963)6, representando o movimento
intelectual de forte impacto teórico de esquerda que transbordou os muros acadêmicos onde a
militância por seus objetivos era radical, no sentido de mudanças políticas urgentes. O esforço
teórico de tais autores além de introduzir novas questões também impulsionou a uma visão
crítica pós-marxista, pois, colocou em questão a diferença dos sujeitos - pensando-os como
ativos e de resistência - propôs alternativas práticas políticas e, principalmente, repensar o
conceito de cultura.
A trajetória dos Estudos Culturais não termina nos anos 70’s, pelo contrário. Ao entrar
da década de 80 e 90 as pesquisas do centro alcançam nível internacional, dialogando com
outras perspectivas e como Escosteguy (2006) chama atenção, foi nesse momento -
considerado um período de “despolitização” - em que houve uma “fragmentação e
trivialização” dos estudos da área. Entretanto, por mais que os Estudos Culturais tenham
mudado suas reflexões, as temáticas se ramificaram, sendo possível pensar nos
deslocamentos7 de conceitos, questões, metodologias e sujeitos. Essa “nova etapa” abre
caminhos para outros olhares no campo fértil das relações culturais.
Ao afirmar que os Estudos Culturais tem por característica tal “deslocamento”
compreende-se que há nitidamente rupturas e redescobertas teóricas. Assim o conceito cultura
se desloca para pensá-la não mais com entonação elitista e, sim, como a que interage com as
práticas cotidianas com produção de sentidos vinculada ao exercício, ao modo fazer cultura
por diversos sujeitos sociais. É exatamente a re-descoberta do popular que o filósofo e
6 Os textos base seguem respectivamente, The uses of literacy (1957), Culture and society (1958) e The Making
of the english working-class (1963). 7 Ao utilizar o termo “deslocamento”, nos referimos ao que para Stuart Hall (2009) aponta: tomar outro caminho,
direcionar o olhar de maneira diferente, desenvolver outros métodos que explorem o plural, as diferenças e as
exclusões.
comunicólogo espanhol - já considerado colombiano - Jesús Martín-Barbero aponta como
pistas a compreender a comunicação, pois o pensar a cultura através das práticas é também
perceber a comunicação acontecendo, segue o autor:
Na redefinição da cultura, é fundamental a compreensão de sua natureza
comunicativa. Isto é, seu caráter de processo produtor de significações e não
de mera circulação de informações, no qual o receptor, portanto, não é um
simples decodificador daquilo que o emissor depositou na mensagem, mas
também um produtor. (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 287).
Por mais que haja uma vontade teórica em encaixar os Estudos Culturais em uma
escola, ou em um modelo teórico que tranquilize a turbulenta procura por verdades, o campo
não pode ser reduzido a conceitos lineares e universais, pois, criou-se ao longo do caminho
produções, histórias e discursos múltiplos compreendendo suas questões também como
processos de comunicação. Isso se comprova na perspectiva adotada por Stuart Hall na
Universidade de Birmingham-Inglaterra, onde se evidenciam os discursos de produções
acadêmicas abertas e plurais oportunizando pesquisas em meios de comunicação. O ingresso
de Stuart Hall nas pesquisas do CCCS ocorre ao substituir Richard Hoggart, no final da
década de 60’s e permanece por dez anos, esse projeto lhe deu visibilidade internacional.
Durante tal período o autor resgatou, fazendo uso de seu espaço de destaque nos Estudos
Culturais, os “estudos etnográficos, as análises dos meios massivos e a investigação de
práticas de resistência dentro de subculturas” (ESCOSTEGUY, 2006, p. 141).
Dessa forma, segue-se pensando os Estudos Culturais como Hall (2011) denomina, um
projeto de objetivos marcados, porém, não fixos. Incentiva-se ainda a pensar as questões
contemporâneas de uma maneira dialógica em que os aspectos culturais estejam sempre
interligados a sua prática, que haja uma reflexividade teórica, e, principalmente que esse
conjunto de saberes tornem-se cada vez menos a procura por verdade e cada vez mais o
acumulo construtivo de conhecimentos. Vale destacar que é justamente nesse mesmo sentido
que a comunicação têm sido abordada por Dominique Wolton (2004), há aqui uma
aproximação de idéias, pois, o pesquisador sugere, pensá-la em “nível direto”, aquele em que
há interação, “partilha mútua” na tentativa de compreender-se mutuamente, a fim de gerar
experiências.
Distante da técnica e mais próxima do popular - das práticas cotidianas - a
comunicação acontece nos sujeitos sociais, que de acordo com Wolton (2004, p.35):
“Nenhuma técnica de comunicação, por mais eficiente que seja, jamais alcançará o nível de
complexidade e de cumplicidade da comunicação humana.” Ainda nesse ponto, o que se pode
perceber com Martín-Barbero (2009) é a “superação da visão instrumental” percebendo a
comunicação mais a fundo, enxergando-a nas transformações diárias, ou seja, no complexo
cotidiano cultural dos sujeitos. Sendo assim, por se tratar de mediações complexas e
transversais o uso dos meios assumem novas configurações ou "novos usos sociais"
impulsionando a possibilidades de expressão.
sentidos e usos que, em seus tateios e tensões, remetem por um lado à dificuldade de
superar a concepção e as práticas puramente instrumentais para assumir o desafio
político, técnico e expressivo, que supõe o reconhecimento na prática da
complexidade cultural que hoje contém os processos e os meios de comunicação.
(MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 20)
Assim, esforça-se em pensar a comunicação com os sujeitos de seus processos o que
significa transgredir os limites da tecnologia e dos meios, abandonar a segurança sistêmica e
adentrar no campo das múltiplas e complexas relações humanas. Daí abordar a comunicação
no mesmo sentido de Wolton (2004) e Martín-Barbero (2009) como produtora de sentidos,
não apenas como circulação de informação, mas também capaz de produzir/incentivar/mediar
os conhecimentos.
A partir dessa linha teórica é possível pensar a comunicação em estado de inter-relação
com os sujeitos, a preocupação estaria também nos sujeitos envolvidos no processo de
comunicação e não apenas nos artefatos. Assim como Martín-Barbero, o pesquisador
mexicano Gómez-Orozco (1998) propõem re-pensar os sujeitos partícipes em "seu contexto
atual" quando na fusão dos campo comunicação e educação. A preocupação do teórico Latino
Americano com as problemáticas envolvendo os meios nos ambientes educativos é justamente
que haja uma potente possibilidade de expressão, "o objetivo é a alfabetização cultural
múltipla de todos para podermos nos expressar em distintas linguagens, com distintas lógicas
de articulação, e circular nossas próprias mensagens, e não somente recebermos as mensagens
de outros." (GÓMEZ-OROZCO, 1998, p. 251). Sendo assim, não haveria na
contemporaneidade espaço para o binário reducionista emissor-receptor, pois os sujeitos
estariam em todos os níveis: emitindo, interpretando, produzindo e interagindo. Ainda com
Gómez-Orozco (2012), parte-se de uma condição de receptores anônimos para uma
recepção de interlocução criativa e crítica. A comunicação como produtora de sentidos é
compreendida pelo autor, como "participação" como prática de criação a partir das próprias
mensagens situando a fala a partir de contextos.
Portanto, percebe-se a partir de tais teóricos a concepção de um sujeito elástico da
comunicação, ou como uma "audiência elástica". Necessário então, seria explorar
determinadas formulações de sujeito que dê conta de tal mistura cultural, criação e
criatividade. Enquanto Martín-Barbero e Stuart Hall apontam para a emergência de "novos
sujeitos" com resistência, subversão e criação, é possível formular a seguinte questão: tem
ocorrido o desaparecimento do sujeito universal que se configura apenas como emissor ou
receptor? ou ainda, quais as possíveis formulações criativas para um sujeito multicultural de
subversão da hegemonia cultural e que se expresse através das tecnologias/meios de
comunicação?
Multiculturalidade, criatividade e conectividade - formulações dos novos sujeito
Para as questões formuladas, considera-se no presente artigo as discussões formuladas
por teóricas feministas ligadas aos Estudos Queer, propondo desestabilizar um sujeito que é
universal, que é apenas opressor ou oprimido, emissor ou receptor. Para o entendimento de
uma comunicação a partir da cultura, exercitando-a não mais apenas em artefatos, mas
compreendendo-a como plural nas relações entre os sujeitos, se faz urgente considerar
teoricamente um sujeito híbrido, cultural, produtor e que dialogue também com a tecnologia.
Rosi Braidotti (1994) fala sobre "una consciencia nómade", ou uma atitude do sujeito
nômade. Já a filósofa Judith Butler (2005) considera em sua teoria o sujeito de
performatividade que desestabiliza as coerências de gênero, enquanto Donna Haraway
(2000) propõe a noção de sujeito como sendo um ciborgue, onde além da resistência há
também uma hibridez de máquinas, animais não humanos e humanos.
Ao re-pensar o sujeito como sendo nômade, Braidotti (1994) nos ajuda a pensar uma
das questões propostas: quais as possíveis concepções de sujeito, integrante de uma
configuração social de economia transnacional e multicultural em contexto Latino
Americano? O sujeito nômade vai em direção às mesclas culturais, introduzindo na categoria
sujeito uma subjetividade alternativa, tentando dessa maneira pensá-lo de formas diferentes.
Nesse sentido, com o nômade seria possível ao o feminismo pós-moderno, e às teorias sociais
uma abertura e um movimento político mais fluídico e imaginativo quanto às questões de
identidade (BRAIDOTTI, 1994). Há um processo criativo envolvendo a concepção
nômade, pois considera que a estabilidade das identidades e das condutas sociais estão em
decadência. Toma em sua formulação os processos históricos e os movimentos transnacionais,
portanto o pensamento nômade, de acordo com a autora, está muito mais vinculado à
subversão e a deslocamentos de conceitos e metodologias rígidas do que propriamente de uma
viagem física.
O estar nômade, portanto, está ligado a fluidez simultânea de diferentes eixos étnicos,
da língua, da estética, das múltiplas experiências. Há uma noção de deslocamento e é com tal
mobilidade que a espontaneidade teria espaço, segue Braidotti (1994, p. 32): " un estilo
creativo de transformación; uma metáfora performativa que permite que surjam encuentros y
fuentes de interaccíon de experiencia y conocimiento insospechadas que, de otro modo,
difícilmente tendrían lugar." Uma adesão aos aspectos culturais é percebida na formulação da
autora em ressonância com a proposta dos Estudos Culturais, agregando movimento ao
sujeito contemporâneo.
Pautando-se na pluralidade novas concepções de sujeito aparecem na teoria de Butler
(2005) sua preocupação com sexo/gênero/identidade compõem o sujeito de sua teoria que é
atingido pela performatividade. O sujeito ocupa na teoria butleriana um espaço pensante, e
com isso o sujeito performativo nos ajuda a refletir com a questão: existem possibilidades de
produção, resistência e subversão neste sujeito contemporâneo? A filósofa diria que sim,
entretanto, ainda em fase de emergência.
Um sujeito performativo seria aquele que como a Drag Queen, ao parodiar/encenar o
feminino em um corpo culturalmente e discursivamente instituído como masculino subverte a
estabilidade do que Butler (2012) chama de "coerência dos gêneros", pois representa um
desafio com instância de denúncia. A Drag Queen sinaliza a fabricação do tido como
feminino, e mais, é potencialmente "desconstrutivo da norma", pois quebra a lógica que
naturaliza o que se entende por gênero (LOURO, 2009, p. 139). Daí pensar que a
performatividade poderia ser uma estratégia dos abjetos ou dos "outros" - aqueles em fricção
ao sujeito universal de lógica binária - um sujeito apto a desestabilizar a heteronormatividade.
O mais efervescente da teoria de Butler nos parece ser a possibilidade de subversão e
produção que o ato performativo traz ao sujeito contemporâneo, uma das características
imprescindíveis do que Haraway (2000) chama de ciborgue.
Subversões micros, fronteiras borradas entre máquina e humano, conexões de
identidades flutuantes estão nitidamente aplicadas aos pensamentos fundantes de Donna
Haraway (2000). Percebe-se em sua teoria uma posição "política-ficcional" com criatividade
gramatical, abandonando a perspectiva fixa e única da identidade. A autora está a procura de
uma epistemologia que proporcione uma fratura da identidade, que abra possibilidades a um
sujeito capaz de se conectar e colidir.
Pautando-se nesses pressupostos e sem perder-se do foco nas reais conexões sociais a
autora coloca em questão a "informática da dominação", as fronteiras entre os corpos, os
sistemas de comunicação, as biotecnologias e problematiza, principalmente, os dualismos de
base estruturante da contemporaneidade. Assim, ao conceituar o sujeito ciborgue percebe-se
um desmontar remontado, um pessoal que é coletivo, uma pele que é máquina. Duas questões
estão bem marcadas no manifesto de Haraway (2000), a primeira é a atenção aos impactos
que a mediação das tecnologias têm proporcionado nas relações sociais e, com isso re-pensa
as fronteiras corporais não como barreiras mas como fusões híbridas com potentes
possibilidades de resistência e subversão. O segundo ponto forte estaria em sua nova/diferente
forma de propor o fazer política, como um movimento cotidiano de pequenas conexões que
aos poucos formam redes, propondo um fazer/utilizar os mesmos instrumentos de dominação
numa contra-dominação. Quando afirma que "nos faltam conexões suficientemente sutis para
construir de forma coletiva teorias sobre a experiência" (p. 82), Haraway (2000) talvez esteja
mostrando uma vontade de sobrevivência na dispersão e a possibilidade - em determinados
momentos - de unir-se por afinidade ou oposição, tecendo uma profusão de espaços.
Nesse sentido o sujeito ciborgue refuta uma unidade original e se declara
"oposicionista e perverso", opõem-se às matrizes binárias universais, é perverso por pensar
em revoluções moleculares incentivando tomar posse dos mecanismos de dominação para
marcar e reescrever o mundo. Mas com quais ferramentas e que ações políticas? A proposta
seria primeiramente desmanchar sólidas referências e conceitos do próprio feminismo
"mainstream" para daí considerar, como Foucault, as múltiplas e dinâmicas configurações de
poder com o objetivo materialista em focar no corpo, nas instituições, e no que são capazes de
fazer e o que pode-se fazer com eles.
Assim, quando afirma haver "potentes possibilidades" de resistência e subversão do
ciborgue é possível compreender seu olhar à sociedade contemporânea, mas não para destruí-
la, e sim como uma dura crítica à seu discurso homogeneizante ansiando por um contra-poder
utilizando dos próprios instrumentos em ação das estruturas de dominação. Ação política
aqui, diz respeito a criar contradições por dentro das estruturas, não há pretensão em
desmontá-las, mas sim uma ação de ruídos e conflitos no cotidiano (HARAWAY, 2000).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, chega-se ao ponto nodal deste debate, pois encontrar uma perspectiva de
sujeito que vá de encontro à mistura cultural da América Latina é de extrema urgência. Isso
porque, há o esforço em abordar a comunicação a partir do cultural e da mistura entre emitir,
produzir e receber mensagens. Dessa forma, já não se suporta a concepção de um sujeito
universal. Com as contribuições apresentadas pelas teóricas feministas é possível pensar os
envolvidos nos processos edu-comunicativos, não mais, apenas como receptores e usuários
dos meios de comunicação, mas também como tendo "potentes possibilidades" para
instrumentalizar as tecnologias em produções cotidianas, conectando-se em redes,
encontrando espaços de resposta e participação.
Assim, a perspectiva feminista dos novos sujeitos oxigena o campo da comunicação,
pois abre caminhos à uma abordagem da diferença e possibilita aos sujeitos ações de
performatividade para re-criar criativamente certas normas constituídas e reiteradas
verticalmente. Acrescenta ainda uma atitude nômade aos sujeitos com características de
mescla e fluidez cultural. Daí partir em direção ao campo das mediações e não apenas ao dos
meios traz o sujeito não como categoria fixa, mas como protagonista de movimentos e de
conexões, possibilitando resistência e expressão.
Adotar portanto, uma postura teórica de interlocução da comunicação é também estar
em sintonia com o projeto de pesquisa dos Estudos Culturais, em uma tentativa de tornar
visível sujeitos plurais que se misturam à cultura e às tecnologias que se movimentam em
conceitos, deslocando paradigmas, para que assim, seja possível pensar os educandos/as como
sujeitos comunicantes e partícipes dotados de uma identidade múltipla e assim possibilitar sua
expressão através dos meios de comunicação. Por isso, esforça-se para que daqui pra frente
na continuidade de minha pesquisa no planejamento e execução do projeto, já mencionado, as
questões da subjetividade sejam levadas em consideração além das ações cotidianas entre os
sujeitos como fundamentais aos dos processos de produção da comunicação e educação.
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