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AS FACES (DIVERSAS) DA EMOÇÃO
A face humana trai e esconde as emoções. Extremamente móvel,
ela é capaz de assumir uma variedade muito grande de expressões que, ao
mesmo tempo em que se ligam a estados emocionais, desempenham um
papel de comunicação. As expressões faciais podem ser, então, tomadas
como indícios de emoções e/ou como sinais que têm sua influência nainteração humana.
A sensibilidade da reação facial evidencia-se em experimentos
como o de Cacioppo e colaboradores em que, através de sensores
especiais, correntes elétricas mínimas (indicadoras de contração) podiam
ser captadas em diversos músculos do rosto. Quando se lia a uma pessoa
uma mensagem que fosse contrária às suas atitudes, apareciam correntes
nos músculos que, ao redor dos olhos, controlam o franzir das
sobrancelhas, como um início, imperceptível a olho nú, de uma expressão
de contrariedade. Ao mesmo tempo, também surgiam potenciais em
músculos da boca, como se a pessoa estivesse preparando sua resposta à
mensagem. O rosto reagia, embora a nível subjacente, sem que nada se
visse do lado de fora.
Descobriu-se também graças ao exame minucioso de registros
em filme ou video-teipe da face, a existência de expressões micro-
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momentâneas , ou seja, expressões muito rápidas, que normalmente
passam despercebidas.
Perguntas muitas são suscitadas pelo estudo da expressão facial:
quantas são as emoções que aparecem na face ? São estas expressões
indicações confiáveis de como a pessoa se sente ou poderiam elas ser
falsificadas ? São todas as pessoas capazes de acertar no julgamento das
expressões ? Quais são as dicas faciais da emoção, isto é, quais são as
modificações específicas das partes do rosto que refletem os sentimentos ?
São as expressões faciais as mesmas em todo o mundo ou será que
variam de acordo com a cultura, com a idade ou a personalidade ? Estamoslonge de ter uma resposta definitiva a estas indagações, mas o progresso e
a multiplicação das pesquisas indicam estarmos num caminho promissor.
Quais são as emoções que transparecem na face ?
A maneira mais tradicional de se procurar saber quais e quantas
são as emoções expressas na face humana tem sido recorrer a estudos de
julgamento , ou seja, estudos em que fotografias de rostos são julgadas porobservadores que as classificam ou rotulam de acordo com a possível
emoção expressa. Os juizes têm por tarefa descrever as expressões em
suas próprias palavras, ou então indicar o termo que, num rol de categorias
fornecidas pelo experimentador, lhes parece aplicar-se à fotografia. Nos
primeiros estudos destes, atores ou próprio psicólogo posavam para as
fotografias: as emoções eram expressas muitas vezes de forma bastante
acentuada.
Usando este método, em 1938, Woodworth chegou à seguinte
escala de emoções da face, obtendo razoável concordância dos
observadores : (1) Felicidade, amor, alegria; (2) surpresa; (3) medo,
sofrimento, (4) raiva, determinação, (5) nojo, (6) desprezo.
A lista proposta por Osgood, quase trinta anos depois, não é
muito diferente : (1) felicidade; (2) surpresa; (3) medo; (4) tristeza, (5) raiva;
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(6) nojo, desprezo; (7) interesse. A coincidência de itens, nas duas listas,
sugere talvez a existência de expressões emocionais básicas .
Uma fotografia imobiliza, por assim dizer, a expressão emocional.
Trechos de filme ou de vídeo-teipe transmitem uma imagem mais dinâmica,
especialmente quando captados em condições naturais, sem pose. Cabe
também apresentar a face juntamente com outros indicadores, como a voz
ou gestos e posturas em outras partes do corpo.
Pesquisadores, como Thayer e Schiff, 1969) utilizam faces
esquemáticas, onde o rosto é delimitado por uma circunferência, os olhos
são pontos pretos, as sobrancelhas e a boca traços com curvaturas einclinação variáveis. As emoções são facilmente reconhecíveis em
expressões esquemáticas destas. Destes valor expressivo de faces
simplificadas que se valem os desenhistas de quadrinhos.
A percepção do rosto se dá através de um processo de avaliação
global em que cada sinal (inclinação da sobrancelha, rugas ao redor dos
olhos, grau de abertura da pálpebra, forma e abertura da boca, etc.) é
confrontado com os outros e integrado com eles.Sinais pertencentes a emoções diferentes podem combinar-se na
face, como quando alguém se mostra, ao mesmo tempo, surpreso e
enojado ou quando a tristeza passa para a alegria sem totalmente
desvanecer-se. A mescla de emoções se manifesta em situações
ambivalentes, ou quando um sentimento, devido à experiência passada,
está associada a outros sentimentos.
Em nossas interações diárias, somos capazes de distinguirnuances muito sutís, transformações e misturas de afetos na face dos
outros. Percebemos que alguém está quase sorrindo, que alguém esteve
chorando, que alguém está tentando controlar sua raiva. A possibilidade de
mesclas e gradações expressivas faz com sejam muitas as faces da
emoção e muito refinados os julgamentos a elas referentes.
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Em que idade começa uma criança a discriminar expressões
faciais ? Para responder à pergunta, Barrera e Maurer (1981) sentaram
nenês de apenas 3 meses de idade numa cadeirinha diante de um painelonde eram projetados slides de sua mãe (ou de uma pessoa estranha) (a)
com expressão zangada, (b) com expressão sorridente. As crianças
distinguiam claramente um slide do outro, sendo um tanto melhor a
discriminação quando as expressões eram da mãe. Algumas, além disso,
entravam num forte choro diante do rosto zangado, o que indica, além da
simples discriminação, um reconhecimento do sentido específico da
expressão.
Até que ponto há acerto num julgamento de emoção ?
Os estudos de julgamento mostram que há concordância entre
observadores na interpretação de que certos rostos são típicos de certas
emoções. Mas é crucial descobrir se estas interpretações tem validade
concreta, isto é, se a face da cólera corresponde de fato a sentimentos de
cólera. Para esclarecer a questão, importa localizar pessoas que estejampassando por determinada experiência emocional, obter fotos, filmes ou
teipes de sua expressão facial para mostrá-los a observadores. Se o
julgamento destes corresponde à experiência emocional - tal que se supõe
que tenha ocorrido - então pode-se acreditar que tenha tido validade a
leitura da emoção.
Ekman e colaboradores fotografaram pacientes quando estavam
sendo admitidos em um hospital psiquiátrico, em busca de atendimento e,
mais tarde, quando, após o tratamento e menos pertubados, estavam em
alta. Observadores sem treino algum conseguiam destinguir as fotos tiradas
na admissão das tiradas na alta. A outros observadores, nada se dizia a
respeito de serem as fotos de pacientes psiquiátricos: pedia-se
simplesmente que julgassem se a emoção expressa era agradável ou
desagradável. Novamente, havia acerto: as expressões - obtidas na
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admissão ao hospital - denotavam sentimentos mais desagradáveis do que
as da alta.
Sem que delas nos demos conta, expressões surgem em nosso
rosto, enquanto assistimos a um filme: variam de acordo com o teor
(divertido, assustador, etc.) das cenas. Ekman registrava as expressões de
estudantes enquanto assistiam seja a um filme "forte", focalizando uma
cirurgia, seja a um filme bem mais leve. Observadores eram capazes de
adivinhar qual era o filme que tinha sido visto, tendo como única dica a
expressão facial dos espectadores.
É evidente que a precisão de um julgamento destes diminuirá àmedida que forem abordadas emoções mais sutís, menos intensas. mesmo
assim, pode-se concluir que, em certas circunstâncias, a interpretação dada
ao rosto de uma pessoa corresponde à descrição que a pópria pessoa daria
de seu estado emocional ou então, ao estado que se supõe tenha sido
propiciado pelo contexto ambiental específico.
A questão da universalidade da expressão emocional
Quando dois esquimós se cumprimentam, batem levemente com
a mão um no ombro do outro; japoneses poderão inclinar-se, as costas
retas; americanos poderão tocar ou levantar levemente seu chapéu;
indivíduos da tribo Wanyiika segurarão um a mão do outro apertando os
respectivos polegares, brasileiros poderão abraçar-se, batendo cada um
nas costas do outro, russos poderão beijar-se na boca. Em cada um destes
sinais, reconhece-se a influência de um determinado contexto cultural, cadaum deles surge como produto de uma pressão socializadora. Não seria
também a expressão facial uma espécie de código arbitrário, aprendido por
cada indivíduo em função de sua adaptação a uma cultura específica ?
A pesquisa moderna mostra, ao contrário, que existem
similaridades marcantes entre culturas na expressão e na leitura de certas
emoções. Ekman, por exemplo, arrola felicidade, nojo, surpresa, tristeza,
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raiva e medo como emoções básicas, com valor transcultural.
Recentemente, ele foi levado a incluir também a expressão de "desprezo"
como sinal universal.
Eibl-Eibesfeldt, usando uma câmera de filmar especialmente
construída para filmar de lado , a fim de não provocar inibições nas pessoas,
reuniu uma farta documentação sobre reações expressivas em diversas
culturas. Descobriu que, em situações de encontro, as pessoas se
cumprimentam por um breve sinal da sobrancelha, que se levanta e
permanece levantada por aproximadamente um sexto de segundo. Este
sinal de sobrancelha foi registrado em indivíduos das tribos Waika eQuechua da América do Sul, em Balineses, Papuanos, Samoanos,
Bosquímanos e europeus de diversos países. Brasileiros, como todos nós
tivemos a oportunidade de constatar também podem ter o rápido
erguimento de sobrancelha, abrindo o olhar, no primeiro instante de um
encontro. Segundo Eibl-Eibesfeldt, o sinal da sobrancelha também
acompanharia o agradecimento ou a aprovação e surgiria, durante uma
discussão, quando alguém quisesse enfatizar um aspecto de seu
argumento. As pessoas não estão normalmente cientes de seu própriomovimento de sobrancelha, mas o usam como resposta quando
cumprimentadas desta maneira.
O levantamento da sobrancelha talvez tenha por origem biológica
um movimento que permite abrir mais os olhos, para ver melhor. É por isso
que faz parte do quadro facial indicativo de surpresa : "O que é isso ?",
parece dizer a sobrancelha bem erguida, o olho bem aberto. Ao longo da
evolução, ritualizou-se, isto é, tornou-se mais estereotipado, mais constanteem suas características de início e fim, adquiriu o valor próprio como sinal
social, significando o reconhecimento do amigo ou da pessoa querida, uma
surpresa agradável. "Como é bom ver você !" talvez seja a mensagem
subjacente. O sinal ocorre em situações de manifestação de afeto, como no
agradecimento, no consentimento, no flerte, durante cumprimentos, no
encorajamento e incentivo que se dá a alguém. Ocorre também durante a
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conversa, acompanhando a fala, tendo então o sentido de um movimento
expressivo de afirmação, "sim".
Importa notar, que como qualquer sinal, o erguimento da
sobrancelha depende dos sinais e informações contextuais. Executado
lentamente, com um olhar fixo, ou uma inclinação do rosto para trás,
seguido de perto por um fechamento dos olhos (uma interrrupção do
contato social), ele pode transmitir a mensagem exatamente oposta, uma
mensagem de indignação, arrogância, rejeição social. A mão pode erguer-
se também, enfatizando a rejeição. Alguns povos, como os gregos, usam
um erguer de sobrancelhas lento, com recuo da cabeça, para significar"não". A surpresa pode ser desagradável.
Poder-se-ia arguir que semelhanças inter-culturais na expressão
facial não significam necessariamente que os padrões musculares
subjacentes sejam inatos . Poderiam decorrer de uma aprendizagem que se
processasse da mesma maneira em todas as culturas. Dados de Eibl-
Eibesfeldt mostram, contudo, que certas expressões faciais têm base pré-
programada . Ele filmou crianças de 5 e 7 anos, surdas e cegas de
nascimento. Nunca tinham visto ou ouvido alguém rir ou chorar, não
poderiam ter-se aporoveitado de uma aprendizagem por contato com
adultos ou com outras crianças. No entanto, tinham expressões bem
reconhecíveis: riam, sorriam, faziam birra, mostravam surpresa, raiva.
Quando uma pessoa estranha a segurava, uma menininha deficiente
tentava soltar-se e agistava a cabeça de lado e de outro, como fariam
outras crianças.
Nota-se, no repertório facial de crianças surdas-cegas, a falta devárias formas mais sutís de expressão, o que indica a possibilidade de que,
por sobre uma pré-programação genética, se instale normalmente uma
programação proveniente da aprendizagem.
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FIGURA 2. Criança surda-cega de 5 anos e três meses (vítima da
Talidomida) rindo (Foto de I. Eibl-Eibesfeldt).
Em suma, há motivos fortes para crer que exista um núcleo de
expressões faciais comuns a todas as culturas, tendo muito provavelmente
como base padrões neuro-motores de natureza genética. Como escreve
Ekman (1971): "Não é necessário aprender um conjunto totalmente novo de
movimentos musculares e um conjunto totalmente novo de regras para
interpretar a expressão facial, cada vez que a gente se muda de uma
cultura para outra". Pus o "totalmente novo" em itálico, porque leva a uma
idéia importante : nenhum padrão de comportamento escapa de umburilamento, a partir da experiência, a partir da aprendizagem. A expressão
facial ajusta-se, de maneira mais ou menos sutil, através da experiência, às
exigências da interação social.
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FIGURA 2. Menina surda-cega de 9 anos de diade. Vê-se a transiçãodo
sorriso para o choro e, finalmente, para o choro forte. (fotos de I. Eibl-
Eibesfeldt).
Variabilidade cultural: circunstâncias eliciadoras e regras de exibição
Todos passamos pela experiência de ter sentido uma fortevontade de rir numa situação em que o riso era inapropriado (como, por
exemplo, durante uma aula) e todos temos feito força para controlar nosso
rosto, imprimindo-lhe a expressão requerida pelo contexto (por exemplo,
durante uma aula, uma expressão de sereno interesse pelas palavras do
professor). Episódios como este sugerem a existência de um controle social
da expressão facial e apontam para a possibilidade de modificações
aprendidas na manifestação das emoções .
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A primeira fonte de variabilidade que pode ser imputada à
experiência passada, seja cultural, seja própria do indivíduo, é relativa às
circunstâncias eliciadoras : em culturas diferentes, diferentes serão assituações capazes de eliciar alegria, medo, raiva, etc.
Uma segunda fonte de variabilidade é relativa às regras de
exibição , ou seja, às normas que regulam o controle do rosto e da
expressão emocional em geral. Em certas culturas, o choro forte e
manifestações acentuadas de pesar são uma praxe por ocasião de um
funeral; em outras, a reserva é tida como desejável e normalmente
assumida pelos participantes ao ritual. As regras de desempenhoespecificam as ocasiões para o uso de determinadas "técnicas" de controle
da expressão.
Segundo Ekman e Friesen, dentre estas técnicas, constariam:
(a) intensificação da expressão. "O homem que ri alto demais e
tempo demais de uma piada moderadamente engraçada", escreve Morris,
"torna-se imediatamente suspeito. Sentimos intuitivamente que na realidade
ele não achou graça, mas quer ocultar o fato, e faz isso exagerando aresposta. Ou percebemos, talvez, que ele estava com a mente em outro
lugar, e não tendo ouvido apropriadamente nossa piada, ri com exagero,
como precaução de segurança. Ou talvez não tenha entendido a piada e
esteja tentando dissimular isso.". (b) diminuição da intensidade da
expressão; (c) neutralização (adoção de uma expressão neutra no lugar da
que normalmente surgiria) e (d) substituição da expressão de uma emoção
sentida pela expressão de outra.
As regras de exibição, assim como a associação de reações
emocionais a circunstâncias eliciadoras específicas, decorrem de uma
aprendizagem que se dá em grande parte durante a infância e
adolescência, mas que continua, evidentemente, pela vida afora.
O escritor inglês Oscar Wilde dizia, jocosamente, que as palavras
são a melhor maneira de esconder o que a gente pensa. Da mesma forma,
tendo em vista os imperativos sociais ou pessoais, poder-se-ia dizer que a
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face é a melhor maneira de esconder o que a gente sente. Mas o controle
nem sempre é perfeito: expressões micro-momentâneas podem irromper,
traindo a emoção genuina, ou uma parte do padrão expressivo podediscrepar das outras. Pesquisas sobre o grau de disfarce e de composição
que alguém consegue impor à sua face e também sobre quanto pode ser
desvendado o fingimento estão sendo executadas: o tema merece atenção
pois leva a uma avaliação mais realista a respeito do quê é expresso pela
expressão emocional.
Diferenças individuais
O grau de assimilação das regras de exibição e as múltiplas
experiências modeladoras pelas quais passa o indivíduo o levam a ter
características próprias na maneira de sentir e expressar emoções. Quanto
mais conhecemos determinada pessoa, mais nos tornamos hábeis em
interprestar pequenos movimentos da face, às vezes muito próprias dela. O
dicionário das expressões básicas não se mostra suficiente, no pormenor
do dia-a-dia.Certas pessoas caracterizam-se pelo controle que têm sobre suas
expressões emocionais: mantêm uma face impassível, raramente
demonstrando o que sente. Têm o que os americanos costumam chamar
de poker face . Às vezes, o bloqueio da expressão facial é específico de
circunstâncias particulares ou do relacionamento com uma certa categoria
de pessoas. Alguém pode, por exemplo, seguir a regra (ou tentar seguí-la !)
de não demonstrar raiva diante de crianças ou de conservar-se sereno
numa competição, apesar dos escores negativos.
É muito antiga a hipótese de que haveria uma relação inversa
entre a exprressividade facial e o grau de repercussão interna, fisiológica,
da emoção. Assim, já em 1919, Waller relatava resultados segundo os
quais "quanto mais perfeitamente a pessoa pode controlar os sinais visíveis
da emoção, mais violenta é sua reação fisiológica (medida através da
resposta elétrica da pele)". A supressão dos traços expressivos da face
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levaria a uma espécie de represamento da emoção, com intensificação
autonômica. O externalizadores seriam as pessoas que botam para fora a
manifestação emocional. Os internalizadores aliam, à poucaexpressividade, uma forte reatividade fisiológica. Esta concepção se choca
com a idéia de que feedbacks provenientes da face possam modular a
experiência emocional (Ver textos da unidade anterior). resultados mais
recentes (Zuckerman, 1981) não parecem confirmar a hipótese da
externalização vs. internalização. Mostram que o padrão facial e a
reatividade fisiológica andam juntos.
A análise da face
Embora a percepção da face efetue-se de forma global, gestáltica,
há muita vantagem em descer ao plano do pormenor, a fim de analisar a
contribuição de cada parte, de cada músculo, no processo expressivo.
Dispomos agora de instrumentos muito precisos para definir a face, graças
aos esforços de pesquisadores como Izard e Ekman.
FAST. Numa primeira tentativa de colocar rigor na descrição daface, evitando a abordagem "impressionista", Ekman, Friesen e Tomkins
criaram uma técnica de avaiação da experessão facial, o FAST ("Facial
Affect Scoring Technique"). Tratatva-se de uma série de fotos das três
partes da face capazes de movimento independente: (a)sobrancelha/testa ,
(b) olhos/base do nariz , (c) parte inferior da face . Cada conjunto de fotos foi
relacionado a uma das seis emoções básicas (felicidade, tristeza, raiva,
medo, nojo e surpresa). Para "decompor" uma expressão qualquer,
codifica-se cada um de seus aspectos - a forma da sobrancelha, a abertura
do olhos, etc. - a partir das fotos-critério.
FACS. O FACS ("Facial Action Coding System") é muito mais
abrangente do que o FAST. Não se restinge aos movimentos faciais ligados
às seis emoções básicas, mas pretende fornecer um mapeamento de toas
as unidades de ação (ou movimentos musculares unitários) da face.
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Ekman e Friesen, com paciência impressionante, treinaram-se ao
espelho, músculo por músculo, adquirindo controle voluntário de partes do
rosto que ninhguém sonharia em mexer deliberadamente. Quando ocontrole da mobilidade facial foi julgado suficiente, os pesquisadores
passaram a fotografar um número enorme de combinações de mvoimentos
dos músculos faciais (ver, na pagina seguinte, alguns dos muitos padrões
que, voluntariamente, Ekman pode imprimir em sua face).
Através do FACS, pode-se dizer que músculos se mexem, por
quanto tempo, em que intensidade, juntamente com que outros.
Diz Ekman : "Descobrimos que as pessoas se espantam durantea aprendizagem do FACS por começarem a ver coisas que nunca tinham
notado antes... Já que as pessoas que aprendem o FACS tornam-se mais
conscientes de seus próprios movimentos faciais, elas são mais capazes de
saber, logo , como estão se sentindo... o estreitamento dos lábios é um dos
primeiros sinais de raiva. Agora, estou tão ciente das sensações no
músculo envolvido que, quando meus lábios se apertam, sei imediatamente
que alguma coisa está me deixando zangado".
O FACS como instrumento de medida da face pode ser usado
numa série de situações, como, por exemplo, estudar as mudanças clínicas
durante um episódio psicótico, avaliar as reações de crianças à violência
transmitida pela TV, fornecer dicas sobre formas de comunicação não-
verbal durante a fala, etc. O treinamento no FACS, que invlui uma aquisição
de controle sobre os próprios músculos faciais, seria útil para médicos,
enfermeiras, psicólogos e outros especialistas cuja profissão exige um
contacto intenso com pessoas e uma necessidade avaliar como estaspessoas se sentem.
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Sorrisos na pista de boliche: expressão de um estado interno ou ato
comunicativo ?
Na tradição de pensamento em que se encaixam as pesquisas de
Ekman, Isard e outros, a ênfase recai sobre a relação entre a expressão
facial e o estado emocional subjacente. Entende-se, evidentemente, que a
expressão poderá ser decodificada por observadores e que, portanto,
contém uma mensagem e se integra num processo de interação social.
Apesar disso, dá-se relativamente pouca atenção à expressão facial como
sinal que regula a maneira como uma pessoa se relaciona a outra.
Kraut e Johnson (1979) propuseram-se confrontar duas hipótesesa respeito da origem do sorrir: (a) a hipótese (propriamente) emocional que
vê o sorriso como nascendo de um estado interno de alegria, felicidade ou
divertimento; (b) a hipótese social , que entende o sorriso como uma reação
ao outro, como elemento de uma estratégia envolvida no estabelecimento
ou fortalecimento de liames de cordialidade entre pessoas. Nesta segunda
conotação, o sorriso se assemelharia aos gestos e às expressões de
animais (em particular, de primatas) que regulam a interação - apaziguando,
indicando relações de dominância, estabelecendo distâncias inter-
individuais, etc.
Kraut e Johnston optaram por uma pesquisa naturalística, feita
literalmente ao ar livre. Numa primeira fase, observaram jogadores numa
pista de boliche. "A observação de jogadores de boliche", escrevem, "é uma
condição excelente para distinguir as hipóteses social e emocional a
respeito da causa do sorrir. De acordo com a hipótese emocional, os
jogadores de boliche deveriam sorrir sempre que se sentissem felizes, porexemplo, imediatamente depois de acertarem algumas ou todas as balizas.
Mas, de acordo com a hipótese social, o sorriso deveria surgir durante a
interação entre jogadores, independentemente dos escores conseguidos".
O registro da expressão facial e de outros comportamentos dos
jogadores, num boliche de Ithaca (Nova Iorque), foi tomado de dois
ângulos: (1) o observador permanecia no final da pista, atrás das balizas e
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de uma parede em cuja fenda aplicava seu binóculo. Podia, assim, avaliar a
expressão e os gestos do jogador logo depois do lance, quando este se
erguia e dava uma olhada para os resultados. Eventuais sorrisos nesseexato momento poderiam estar associados ao sucesso alcançado no lance
(contexto não-social ).
(2) Outro observador, a alguma distância da parte inicial da pista,
ficava atento às expressões faciais e outras reações manifestadas pelo
jogador quando, em seguida ao lance, virava-se para os amigos (contexto
social ). Os escores alcançados a cada lance - se bons, se ruins - eram
anotados.Na Tabela abaixo está o número de sorrisos registrados, quando
o contexto era social ou não-social, quando o escore era bom ou ruim. Os
jogadores eram geralmente inexpressivos e sorriam muito raramente,
quando olhavam para as balizas. Em 116 casos, sorriram 36 vezes quando
frente aos amigos, mas apenas 4 vezes quando frente às balizas. O sorriso
não era relacionado com o sucesso dos lances mas parecia fortemente
dependente da interação social.
Kraut e Johnston replicaram o resultado obtido no boliche
tomando como objeto o comportamento de torcedores num estádio durante
uma partida de hockey. A análise era feita através de fotos tiradas com
teleobjetiva. Constataram que o sorriso dos torcedores não acompanhava
as boas jogadas de sua equipe mas associava-se principalmente a posturas
do corpo que indicassem interação social.
Finalmente, foram feitas observações de pessoas que andavam
na rua, quando o tempo estava agradável ou quando frio e chuvoso. Havia
uma leve tendência de as pessoas sorrirem mais em dias de clima bom do
que em dias de mau tempo. Mas a variável mais poderosa, novamente, era
a interação social: transeuntes sorriam muito mais enquanto conversavam,
em comparação com a situação em que simplesmente andavam um ao lado
dos outros.
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Número de sorrisos registrados duranteum jogo de boliche
ESCORE
Bom Ruim Total
Contexto social 11 25 36
Contexto n/social 1 3 4
Total 12 28
(26 casos bons, 90 casos ruins)
Os resultados de Kraut e Johnston não permitem, é claro, que se
rejeite a ligação entre algo (emoção subjetiva) que a pessoa poderá
designar como sentimento de alegria, divertimento ou felicidade, e uma
expressão sorridente. Sorrisos podem ocorrer em contextos de isolamento.
Fagundes (1978), no Brasil, pedia a seus sujeitos que lessem piadas
projetadas numa tela, numa sala em que ficavam sozinhos em em que suasexpressões faciais eram registadas através de video-teipe. Fagundes
encontrou sorrisos em 55% dos 1800 registros. Mesmo assim, a pesquisa
de Kraut e Johnston tem o mérito de ressaltar o controle que sobre certas
expressões faciais exerce a dinâmica do contacto interpessoal. As
circunstâncias sociais não apenas eliciam expressões faciais, podem
reforçá-las.
A face como referencial
A expressão emocional não comunica apenas o estado de quem
a exibe ou sua prontidão para interagir com um interlocutor, desta ou
daquela maneira. Ela também serve de referência a respeito das
características do ambiente físico ou social, é usada como sinal de que uma
situação é segura, agradável, ou, ao contrario, de que contém perigos. Esta
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função referencial da expressão já foi documentada com crianças
pequenas: mostrou-se que elas se valem da expressão facial ou corporal da
mãe para regular sua ação.
O psicanalista Bowlby dizia que entre mãe e criança estabelece-
se um laço de apego e que o objetivo primordial deste laço é garantir a
proximidade física entre ambos, especialmente em situações
potencialmente perigosas. Ele postulava a importância central da mãe
como base segura de exploração: a criança ganharia coragem para efetuar
incursões num ambiente novo, na medida em que pudesse reestabelecer
contato físico com a mãe, a qualquer momento.Estudos recentes têm mostrado contudo que a mera presença da
mãe é insuficiente para suprir esta segurança. A mãe precisa também esta
emocionalmente disponível para a criança, isto é, ela precisa estar numa
posição tal que a criança possa ter acesso ao seu rosto ou a outros sinais
seus. Se uma mãe está presente, com seu filho de um ano e meio de idade,
num ambiente familiar, mas virando-lhe as costas , o menino se mostrará
inquieto e buscará insistentemente o contato visual com a mãe. Se a mãe
estiver no mesmo quarto mas lendo um jornal ou mostrando-se alheia, a
criança ficará aflita e tentará estabelecer um contato face-a-face. As provas
cada vez mais claras de que a presença materna, per se , não basta para
prover segurança, levam alguns autores a argumentar que a mãe precisa
deixar seu estado emocional visível, audível, tangível para tranquilizar seu
filho e que a disponibilidade emocional é mais fundamental do que a
proximidade para compreender a relação de apego.
A expressão facial materna regula, de modo importante, aexploração e a brincadeira da criança. Num estudo (Klinnert, 1984),
crianças pequenas, de aproximadamente um ano de idade, eram expostas
a um brinquedo atraente, novo e móvel, mas um tanto assustador em
aparência. Mãe, brinquedo e criança eram dispostos num arranjo espacial
triangular que permitia à criança monitorar a expressão da mãe e
aproximar-se dela ou do brinquedo. Os pesquisadores manipulavam a
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expressão facial das mães, treinando-as a posar alegria, medo ou uma
expressão neutra. Os resultados deste estudo demonstraram quão influente
era a expressão facial da mãe na reação da criança ao brinquedao novo.Quando a mãe posava medo, a criança se aproximava dela; quando posava
uma expressão alegre, a criança dirigia-se para o brinquedo, e quando a
mãe permanecia neutra, permanecia numa distância intermediária.
Foi demonstrado o papel da sinalização emocional sobre o
comportamento de crianças pequenas numa situação de perigo ambiental.
Sorce, Emde, Campos e Klinnert (1985) usaram uma mesa especialmente
preparada, com tampo de vidro, onde, a partir de um certo lugar, tinha-se aimpressão de que havia um declive ou "precipício". Uma criancinha de um
ano de idade colocada sobre a mesa anda no tampo e pára geralmente,
cautelosa, no ponto em que vê o "precipício", se a altura do declive for
suficiente. Quando o declive é pequeno, ela nem se detém, passa direto.
Os pesquisadores usaram um declive intermediário diante do qual as
crianças demonstram hesitação. Chegando na zona do "precipício" as
crianças passavam a ter um comportamento de busca de informação,
tentanto ler a face de sua mãe : olhavam alternadamente para o declive epara o rosto da mãe. As mães eram treinadas em demonstrar medo,
tristeza, interesse, raiva ou alegria. Enquanto 66 % das crianças cuja mãe
sorria atravessaram direto o "precipício", nenhuma das crianças que viam
sua mãe temerosa o atravessaram. Resultados semelhantes foram
encontrados quando a expressão da mãe era de interesse (75 % de
travessias) e de raiva (apenas ll % de travessias).
Buscar, na face da mãe, uma referência emocional é, então, umprocesso importante através do qual crianças pequenas obtêm informação
sobre como lidar com eventos ambientais ou sociais ambíguos. Um sinal no
rosto do adulto tem consequências imediatas sobre o comportamento, e
pode manter-se influente durante um certo tempo depois de ter sido
captado.
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Não se sabe exatamente ainda através de que processo a
expressão emocional dos outros afeta o bebê. Uma das possibilidades é
que tais expressões servem com simples dicas ambientais - estímuloscondicionados associados no passado com certas consequências. Uma
face de medo atua como sinal de perigo e favorece respostas cautelosas.
Outra possibilidade é que a criança copia, por um processo empático, a
emoção do outro: a face de temor da mãe muda o estado de ânimo da
criança e, a partir deste efeito afetivo, seu comportamento diante dos
estímulos do ambiente.
O efeito referencial também modula o desempenho em contextossociais. Crianças, a partir dos seis meses de idade, começam a mostrar-se
temerosas diante de uma pessoa estranha. Alguns autores supõem que o
medo surge porque, a partir de um certo estágio de desenvolvimento, a
criança se torna capaz de comparar uma representação mental da mãe à
percepção da pessoa estranha: a discrepância serve de sinal para a
ansiedade. Há indicações de que possa estar envolvido um processo de
referenciação . A partir dos cinco meses, quando um estranho se aproxima,
a criança olha para ele, e depois para a mãe e assim alternadamente, o queparece indicar uma comparação entre os rostos. Mas é também plausível
que esteja buscando, no rosto da mãe, uma dica de como esta vai reagir ao
estranho, para modelar seu próprio comportamento.
Nota-se que as mães, na presença de pessoas estranhas,
proporcionam à criança uma informação afetiva: olham menos para estas
pessoas, sorriem menos, vocalizam menos do que diante de pessoas
conhecidas e esta diferença pode ser essencial para a criança atenta.Boccia e Campos (1989) testaram crianças de quase 9 meses de
idade, em companhia das mães, numa situação de aproximação de pessoa
estranha. Algumas mães eram treinadas a reagir positivamente ao
estranho, com um levantar de sobrancelha e com um largo sorriso; outras
eram treinadas a manter o cenho franzido, a levantar as pálpebras e a
apertar os lábios, numa configuração indicativa de preocupação. A pessoa
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estranha entrava, se aproximava, conversava com a mãe e acabava
pegando a criança no colo.
A expressão alegre da mãe fez com que o filho reagissse de
maneira positiva (sorrindo) ao estranho e mantivesse esta reação positiva
durante o tempo do contato. Além disso, a expressão facial da mãe afetou o
grau de inibição motora e de choro da criança, no primeiro encontro. A
criança com mãe apreensiva tendia a chorar mais e a inibir mais seus
movimentos.
Os resultados do estudo mostram que mesmo uma breve
comunicação emocional por parte da mãe pode afetar a reação a umapessoa estranha. O processo de referenciação reforça a idéia de que a
expressão emocional é um instrumento de comunicação, que serve para
regular e manter o relacionamento social.
Em suma
Quanto mais se sabe, mais há ainda para saber. As pesquisas e
observações recentes sobre a expressão facial, se entusiasmam por
desvendar aspectos desconhecidos, tornam mais explícita sua
complexidade, apontam para o muito que precisa ser explorado.
Estudos sobre as expressões de crianças muito pequenas, sobre
seu papel no relacionamento com os pais e outros adultos, sobre seu
desenvolvimento com a experiência e a idade, sobre a maleabilidade dos
padrões musculares da face, sua suscetibilidade à aprendizagem, sobre a
expressão facial como instrumento de comunicação, sobre suas relaçõescom a linguagem e a cognição em geral, sobre suas origens filogenéticas, e
outros estudos, possibilitarão, além de uma maior compreensão, o que em
si já é importante, uma abertura para aplicações práticas.