+ All Categories
Home > Documents > Técnicas projetivas no contexto hospitalar: relato de …aidep.org/03_ridep/R23/R233.pdf ·...

Técnicas projetivas no contexto hospitalar: relato de …aidep.org/03_ridep/R23/R233.pdf ·...

Date post: 20-Sep-2018
Category:
Upload: dotu
View: 216 times
Download: 0 times
Share this document with a friend
22
Técnicas projetivas no contexto hospitalar: relato de uma experiência com o House-Tree-Person (HTP) Projective techniques in the hospital context: report of an experience with House-Tree-Person (HTP) RODRIGO SANCHES PERES 1 , MANOEL ANTÔNIO DOS SANTOS 2 , ADRIANA MARTINS RODRIGUES 3 , ÉRIKA TIEMI KATO OKINO 4 RESUMO: O presente estudo tem como objetivo apresentar algumas considerações sobre a utilização de técnicas projetivas no contexto hospitalar, focalizando mais especificamente a discussão dos alcances e limites do House-Tree-Person (HTP). Para tanto, os autores recorrem a uma pesquisa mais ampla, cuja finali- dade principal foi avaliar, mediante o emprego de um conjunto de testes psico- lógicos, a personalidade de um grupo de pacientes onco-hematológicos com indicação para o transplante de medula óssea. Os resultados oriundos da aplica- ção do HTP subsidiaram a compreensão de condições dinâmicas e aspectos estruturais do psiquismo dos examinados. Assim, é possível propor que o ins- trumento em pauta se destaca como um recurso potencialmente funcional para a avaliação psicológica no ambiente hospitalar. Em contrapartida, é preciso reconhecer que o HTP também apresenta importantes limitações, pois a inter- pretação do material obtido a partir de sua utilização se apóia em bases empíri- cas questionáveis. Todavia, essas limitações podem ser contornadas com a ado- 41 RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007 · 41 - 62 1. Mestre e doutorando em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Rua Jesuíno de Arruda 2753. Centro. São Carlos - SP - 13560- 060. E-mail: [email protected] 2. Mestre e doutor em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. 3. Mestranda em Saúde na Comunidade pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. 4. Mestre em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Transcript

Técnicas projetivas no contexto hospitalar: relato de uma experiência com o House-Tree-Person (HTP)

Projective techniques in the hospital context: report of an experience with House-Tree-Person (HTP)

RODRIGO SANCHES PERES1, MANOEL ANTÔNIO DOS SANTOS2, ADRIANA MARTINS RODRIGUES3, ÉRIKA TIEMI KATO OKINO4

RESUMO: O presente estudo tem como objetivo apresentar algumas considerações

sobre a utilização de técnicas projetivas no contexto hospitalar, focalizandomais especificamente a discussão dos alcances e limites do House-Tree-Person(HTP). Para tanto, os autores recorrem a uma pesquisa mais ampla, cuja finali-dade principal foi avaliar, mediante o emprego de um conjunto de testes psico-lógicos, a personalidade de um grupo de pacientes onco-hematológicos comindicação para o transplante de medula óssea. Os resultados oriundos da aplica-ção do HTP subsidiaram a compreensão de condições dinâmicas e aspectosestruturais do psiquismo dos examinados. Assim, é possível propor que o ins-trumento em pauta se destaca como um recurso potencialmente funcional paraa avaliação psicológica no ambiente hospitalar. Em contrapartida, é precisoreconhecer que o HTP também apresenta importantes limitações, pois a inter-pretação do material obtido a partir de sua utilização se apóia em bases empíri-cas questionáveis. Todavia, essas limitações podem ser contornadas com a ado-

41

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007 · 41 - 62

1. Mestre e doutorando em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de RibeirãoPreto da Universidade de São Paulo. Rua Jesuíno de Arruda 2753. Centro. São Carlos - SP - 13560-060. E-mail: [email protected]. Mestre e doutor em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo,docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de SãoPaulo.3. Mestranda em Saúde na Comunidade pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto daUniversidade de São Paulo.4. Mestre em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto daUniversidade de São Paulo.

INTRODUÇÃO

A lei 4119/1962 regulamenta aPsicologia no Brasil e estabelece aavaliação psicológica como atividadeprivativa do profissional da área. Emfunção disso, é possível afirmar que oexercício dessa prática auxilia adifundir a Psicologia como ciência e

profissão na sociedade (Noronha &Alchieri, 2003). Deve-se reconhecer,entretanto, que a avaliação psicológi-ca tem sido freqüentemente questio-nada tanto pela comunidade cientificaquanto pela população brasileira. Issoocorre porque muitas vezes os instru-mentos psicológicos são utilizados,como destaca Noronha (2002), de

ção de procedimentos metodológicos específicos. Desse modo, não inviabili-zam o emprego do HTP e tampouco comprometem seu valor como via de aces-so à personalidade.

Palavras-chave:

Técnicas projetivas; Avaliação psicológica; Psicologia hospitalar.

ABSTRACT:

This paper has as objective present some considerations about the use of pro-jective techniques in the hospital context, focusing more specifically the dis-cussion of the reaches and limits of House-Tree-Person (HTP). Thus, authorsuse as resource a wider research, whose main purpose was to evaluate with apsychological tests’ battery onco-hematological patients’ candidates for bonemarrow transplantation personality. The results obtained with HTP subsidizedthe comprehension of dynamic conditions and structural aspects of patientspsyche. So, it is possible to propose that HTP is a potentially functional instru-ment for the psychological evaluation in the hospital context. In compensation,it is necessary to admit that HTP also have present important limitations becau-se the interpretation of the graphical material has questionable empiric bases.Though, those limitations can be overcomed with the adoption of specificmethodological procedures. So, don’t make unfeasible the use of HTP and eithercommit their value as way access to personality.

KEY-WORDS:

Projective techniques; Psychological assessment; Hospital Psychology.

42

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

maneira simplista e equivocada. Apropósito, faz-se necessário salientarque não se trata de uma problemáticanacional, pois essa situação tambémpode ser observada em diversosoutros países (Messick, 1995;Almeida et al., 1998).

Com o intuito de minimizar essesquestionamentos, no final dos anos 90diversas entidades internacionais –tais como a American EducationalResearch Association, a AmericanPsychological Association, o NationalCouncil on Measurement inEducation e a European Federation ofPsychologists Association – se dedi-caram à definição de novos parâme-tros para a avaliação psicológica.Seguindo esse movimento, oConselho Federal de Psicologia lan-çou recentemente no Brasil uma reso-lução que dispõe especificamentesobre a elaboração, a comercializaçãoe a utilização de testes psicológicos5 einstitui um dispositivo para a contínuaapreciação das qualidades psicométri-cas dos mesmos6.

Tais iniciativas têm auxiliado aaproximar a avaliação psicológica dasdiretrizes científicas e éticas queatualmente norteiam o exercício pro-fissional da Psicologia. Desse modo,o status da atividade em questão vemsendo gradativamente retomado nomundo todo, conforme salientamMeyer et al. (2001). Como resultado

direto desse processo, uma série deestudos dedicados ao assunto tem sidopublicada nos últimos anos e diversosnovos instrumentos foram desenvolvi-dos. Além disso, muitos testes psicoló-gicos tradicionais foram atualizados,revisados ou reformulados e, assim,passaram a ser novamente utilizadosnos mais diferentes contextos e com asmais distintas finalidades, como apon-tam Noronha e Alchieri (2003).

De acordo com Almeida (1995) eJacquemin (1995), o ambiente hospita-lar se destaca como um dos mais pro-missores para a prática da avaliaçãopsicológica, pois nesse contexto omaterial oriundo de tal atividade podefornecer elementos de grande relevân-cia para o direcionamento das interven-ções multidisciplinares desenvolvidasjunto à população assistida. Todavia,para tanto é imprescindível que o pro-fissional se preocupe não apenas com odelineamento das condições emocio-nais circunstanciais do paciente, mastambém com a identificação dos recur-sos adaptativos latentes dos quais omesmo dispõe para enfrentar a enfer-midade que provocou sua hospitaliza-ção (Lopes & Amorim, 2004).

Seguindo esse raciocínio, pode-sepropor que as técnicas projetivas sedestacam como instrumentos de ava-liação psicológica de grande relevân-cia no ambiente hospitalar, pois, aocontrário dos testes psicométricos,

43

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

5. Resolução CFP 02/20036 Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos.

favorecem a emissão de respostas quecriam condições propícias para a exte-riorização de conteúdos internos epossibilitam, assim, a investigaçãodos processos mentais profundos. Issoocorre porque as técnicas projetivasveiculam estímulos invariavelmentepouco estruturados, exigindo do exa-minado, como conseqüência, umintenso grau de criação e elaboraçãopessoal (Anzieu, 1978; Güntert,2000). Entretanto, a utilização dessetipo de instrumento no contexto hos-pitalar brasileiro tem sido objeto deum número reduzido de pesquisas.

Tendo em vista o que precede, opresente estudo foi desenvolvido como intuito de prestar contribuições ini-ciais para o preenchimento dessa lacu-na e fomentar reflexões posterioressobre o tema. Cumpre assinalar,porém, que, devido a necessidades deordem prática, optou-se por focalizarapenas um dentre os inúmeros instru-mentos projetivos existentes, a saber: oHouse-Tree-Person7 (HTP). Trata-sede uma técnica gráfica amplamentedifundida no Brasil, o que justifica deantemão sua escolha. Com efeito,pode-se até mesmo afirmar que o HTPtem sido mais empregado do que deve-ria, pois muitos profissionais extrapo-lam seu alcance e o utilizam equivoca-damente. Torna-se patente, assim, arelevância do assunto em pauta.

Por fim, faz-se necessário esclare-cer que o presente estudo se apoiarános achados oriundos de um trabalhomais amplo, cuja finalidade principalfoi avaliar – mediante o emprego deuma bateria de testes psicológicoscomposta pelo Inventário Fatorial dePersonalidade (IFP), pelo Teste deApercepção Temática (TAT) e peloHouse-Tree-Person (HTP) – a perso-nalidade de um grupo de pacientesonco-hematológicos adultos comindicação para o transplante de medu-la óssea (TMO). Dessa maneira, épreciso contextualizar esse trabalhomais amplo antes de abordar especifi-camente o objetivo proposto para opresente estudo.

O TMO é um procedimento médi-co complexo utilizado freqüentemen-te nas duas últimas décadas no trata-mento de uma série de enfermidadesgraves quando as terapêuticas con-vencionais não oferecem um bomprognóstico (Thomas, 2000). O méto-do em questão envolve a infusão desuspensões de células-tronco e visabasicamente a reverter a aplasiamedular decorrente de doenças hema-tológicas, oncológicas e onco-hema-tológicas (Pasquini & Ferreira, 1990).Portanto, o TMO se apresenta comouma possibilidade de recuperaçãopara portadores de tumores sólidos,leucemias, anemias, linfomas, hemo-

44

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

7. Considerou-se pertinente manter o nome original do instrumento levando-se em conta que noBrasil a nomenclatura em inglês é mais freqüente do que sua tradução para o português (Casa-Árvo-re-Pessoa).

globinopatias e outras enfermidadespotencialmente letais.

Porém, é preciso esclarecer que oTMO não deve ser considerado ummétodo plenamente resolutivo. Trata-se, na realidade, de um procedimentoagressivo, que pode tanto recuperar avida do paciente quanto conduzi-lo aoóbito. Tal paradoxo ocorre porque aimunossupressão induzida pelo regi-me de condicionamento pré-TMOtorna o receptor vulnerável a umasérie de complicações precoces e tar-dias que oferecem riscos à sua vida.Em função disso, cerca de 40% dospacientes submetidos a essa terapêuti-ca apresenta evolução clínica fatalantes mesmo da alta hospitalar(Tabak, 2000). Conseqüentemente, osujeito com indicação para o referidoprocedimento tende a vivenciarangústias associadas não apenas àperda da saúde, mas sobretudo à imi-nência da morte (Contel et al., 2000).

Diversos estudos sugerem que apersonalidade do paciente submetidoao TMO influencia – positiva ounegativamente – sua convalescença(Neuser, 1988; Andrykowski, Brady& Henslee-Downey, 1994; Sullivan,Szkrumelak & Hoffman, 1999).

Partindo desse princípio, evidencia-seque, como salientam Contel et al.(2000) e Torrano-Masetti, Oliveira eSantos (2000), a avaliação psicológicade sujeitos com indicação para o trata-mento em questão se destaca comoum recurso de grande relevância parao planejamento do trabalho da equipemultidisciplinar responsável pelaassistência dispensada aos mesmos noâmbito hospitalar. Não obstante, odesenvolvimento de novas pesquisasdedicadas a esse assunto se faz neces-sário para que se possa esclarecer qualé o verdadeiro papel desempenhadopelas variáveis psicológicas na sobre-vida pós-TMO.

MÉTODO

Participantes

Participaram do presente estudodez sujeitos vinculados ao Hospitaldas Clínicas da Faculdade deMedicina de Ribeirão Preto daUniversidade de São Paulo(HCFMRP-USP)8 com indicação parao TMO alogênico9, sendo cinco delesdo sexo masculino e cinco do sexofeminino. A faixa etária dos mesmos

45

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

8. A instituição dispõe de uma quantidade reduzida de leitos para pacientes com indicação para oTMO. Além disso, a internação, na maioria dos casos, se prolonga por cerca de três meses.Conseqüentemente, o número de procedimentos executados por ano é modesto se comparado comcentros especializados de países desenvolvidos. Esse fato se torna patente tendo-se em vista que osparticipantes do presente estudo constituem a totalidade dos adultos submetidos ao TMO ao longode um período de doze meses.9. Procedimento que envolve o enxertamento entre um doador e um receptor histocompatíveis.

variou dos 19 aos 42 anos (média de28,3 anos) e o diagnóstico mais fre-qüente foi o de leucemia mielóidecrônica. Ademais, ressalte-se que amaior parte dos examinados não com-pletou o ensino médio e exercia pro-fissões que necessitam de pouca qua-lificação.

Instrumento

Como exposto anteriormente, ossujeitos em questão foram avaliadosmediante a aplicação de um conjuntode testes psicológicos, mas o presenteestudo abordará especificamente osresultados oriundos do emprego doHTP. Utilizada em larga escala nomundo todo desde que foi criada nadécada de 1940 pelo psicólogo norte-americano John N. Buck, essa técnicaprojetiva gráfica envolve, em um pri-meiro momento, a execução dos des-enhos de uma casa, de uma árvore ede uma figura humana. Os materiaisnecessários para tanto são folhas depapel branco tamanho ofício e lápispreto com ponta regular. Em umsegundo momento, adota-se uminquérito específico com o intuito decomplementar a atividade gráfica coma comunicação verbal.

O HTP favorece a projeção tanto deelementos estruturais quanto de aspec-tos dinâmicos da personalidade do exa-minado, de modo que apresenta diver-sas possibilidades de utilização.Ademais, pode ser aplicado em crian-ças e adultos, visto que a atividade pro-

posta não exige qualquer habilidadeartística e geralmente tem boa aceita-ção. Por fim, faz-se necessário salientarque, em contraste com outras técnicasgráficas, o HTP obteve parecer favorá-vel no Sistema de Avaliação de TestesPsicológicos do Conselho Federal dePsicologia. Conseqüentemente, não háqualquer restrição à sua aplicação comoinstrumento psicológico na prática pro-fissional no contexto brasileiro.

Técnica de aplicação

A coleta de dados foi realizadaindividualmente em uma sala reserva-da e com condições apropriadas nasinstalações do HCFMRP-USP antesdo início do regime de condiciona-mento pré-TMO. Os participantesexecutaram os desenhos com lápispreto em folhas de papel brancotamanho ofício sobre uma mesa razo-avelmente ampla e plana – capaz depermitir o apoio dos braços em suasuperfície – e permaneceram sentadosem uma cadeira confortável. Assimsendo, puderam adotar uma posturanatural de relaxamento, o que permitesupor que qualquer indício de tensãopsíquica projetado nos desenhos éendógeno e não imposto pela situaçãoexterna.

As recomendações técnicas preco-nizadas por Buck (2003) foram adota-das como referencial para a coleta dosdesenhos. Dessa forma, as instruçõesapresentadas aos participantes foram,em linhas gerais, as seguintes: a) “Por

46

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

favor, desenhe uma casa”, b) “Porfavor, desenhe uma árvore”, c) “Porfavor, desenhe uma figura humana” ed) “Por favor, responda às perguntasque vou lhe fazer agora para que eupossa compreender melhor seus des-enhos”. As folhas de papel foramentregues aos sujeitos na posição hori-zontal para o desenho da casa e verti-cal para o desenho da árvore e da figu-ra humana. Além disso, vale destacarque os mesmos foram informados deque poderiam utilizar uma borracha seconsiderassem necessário.

Adotou-se como norma aceitar osdesenhos incompletos e estereotipa-dos, uma vez que a ocorrência de pro-duções desse tipo pode indicar a exis-tência de conflitos relacionados à áreanegligenciada e seus significados sim-bólicos. Cumpre assinalar tambémque o inquérito teve início imediata-mente após a conclusão da etapa grá-fica da tarefa. Ressalte-se, todavia,que se optou por utilizar um questio-nário abreviado – baseado no inquéri-to originalmente proposto por Buck(2003) – com o intuito de tornar atarefa menos cansativa para os sujei-tos. Por fim, é preciso destacar que acoleta de dados do presente estudo foiexecutada com a aprovação doComitê de Ética em Pesquisa doHCFMRP-USP.

Técnica de avaliação

A análise dos desenhos coligidosfoi dividida em duas etapas distintas.Na primeira delas, o conjunto domaterial obtido foi examinado àscegas e de maneira independente pordois juízes especializados (psicólogospós-graduados com experiência pré-via no manejo de técnicas projetivasgráficas) visando a evitar a contami-nação dos resultados. Os juízes utili-zaram um protocolo específico paracada um dos desenhos, ambos elabo-rados pelo primeiro autor com basenos indicadores propostos pela litera-tura científica especializada10. Taisprotocolos compreendem tanto osaspectos gerais e formais quanto oselementos específicos das produçõesgráficas.

Em função disso, os desenhos decada um dos participantes foram ava-liados em 97 indicadores, sendo 23referentes ao desenho da casa, 24 aodesenho da árvore e 45 ao desenho dafigura humana. As unidades de cotação– ou seja, as proposições não-exclu-dentes de cada um dos indicadores quecompõem os protocolos – avaliadasconsensualmente pelos juízes foramautomaticamente consideradas. Já asunidades de cotação avaliadas de modoconflitante foram examinadas pelo pri-

47

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

10. A literatura científica especializada compreende, no caso, os estudos de Hammer (1981), Piccolo(1981), Lourenção van Kolck (1984), Hammer (1991), Arzeno (1995), Grassano (1996), Campos(1998), Cunha (2000a), Freitas e Cunha (2000), Retondo (2000) e Buck (2003).

meiro autor. Após a conclusão do tra-balho dos juízes, foi obtido o índice deconcordância mediante o cálculo dasubtração da concordância possívelpela discordância real e da posteriordivisão do produto dessa operação pelonúmero de unidades de cotação.

Os valores obtidos variaram de0,69 a 0,93 (média de 0,73) para odesenho da casa, de 0,79 a 0,94(média de 0,81) para o desenho daárvore e de 0,76 a 0,92 (média de0,78) para o desenho da figura huma-na. Levando-se em consideração osparâmetros fornecidos pela literaturacientífica especializada (Anastasi &Urbina, 2000; Fachel & Camey,2000), esses índices podem ser consi-derados satisfatórios.

Conseqüentemente, a avaliaçãodos juízes foi empregada como pontode partida para a segunda etapa deanálise, executada pelo primeiro autormediante o exame qualitativo, inter-pretativo e exploratório dos desenhos.

Considerou-se pertinente submetero material obtido a esse tipo de análisetendo em vista que a maioria dos pes-quisadores responsáveis pelos avançosdas técnicas projetivas gráficas o con-sidera mais revelador – ainda quemenos objetivo – do que o examequantitativo (Arzeno, 1995; Grassano,1996). Os estudos que forneceram asdiretrizes para a elaboração do proto-colo de avaliação também foram ado-tados nesse processo. Faz-se necessá-rio reconhecer que alguns desses estu-dos possuem certas limitações, visto

que são apoiados em bases empíricasquestionáveis. Entretanto, subsidiam aatribuição de significados a diversosaspectos das produções gráficas, o quejustifica sua utilização.

Vale destacar ainda que, com ointuito de conferir maior fidedignida-de às interpretações, se levou em con-sideração a convergência dos achadosdecorrentes da avaliação dos diferen-tes desenhos. Assim sendo, foi execu-tado um exame global do conjuntodas produções coletadas. Procedeu-sedessa forma porque, como apontaLourenção van Kolck (1984), o mate-rial oriundo do emprego de técnicasprojetivas gráficas é, por essência,multideterminado. Pode-se afirmar,portanto, que um único aspecto deuma figura jamais possui, por si só,um sentido específico e tampoucoreflete necessariamente traços da per-sonalidade do sujeito que a produziu.

A despeito disso, a literatura cientí-fica especializada sustenta que certosconjuntos de características são maisrepresentativos para a análise dealguns domínios da personalidade doque para a análise de outros. No pre-sente estudo, optou-se por focalizarmais especificamente seis domíniosprincipais, a saber: integração lógica,adequação à realidade, recursos adap-tativos, controle dos impulsos, ima-gem corporal, funcionamento defensi-vo e relacionamentos interpessoais.Os indicadores observados na avalia-ção de cada um desses domínios seencontram sintetizados no Quadro 1.

48

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

RESULTADOS

Antes de mais nada, deve-se ressal-tar que os domínios focalizados nopresente estudo não foram tomadoscomo componentes autônomos da per-sonalidade, mas sim como facetas do

psiquismo intimamente relacionadasentre si. Além disso, cumpre assinalarque se considerou relevante apresentaralguns indicadores verificados com ointuito de esclarecer os pilares dasinterpretações formuladas11. Não obs-tante, esse recurso possui um caráter

49

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

Domínios Indicadores

Integração lógica

Tema, perspectiva, esquema e integração em ambos os desenhosEngajamento e comportamentos não-verbais na execução em ambos osdesenhosRespostas fornecidas ao inquérito em ambos os desenhos

Recursos adaptativos

Posição da folha de papel, resistências, simetria e proporção em ambosos desenhosAspectos de conteúdo do telhado no desenho da casaAspectos de conteúdo das folhas, flores e frutos no desenho da árvoreAspectos de conteúdo das mãos e dos pés no desenho da figura humana

Controle dos impulsos

Tipo de linha e tipo do traço em ambos os desenhosAspectos de conteúdo das paredes no desenho da casaAspectos de conteúdo da copa no desenho da árvoreAspectos de conteúdo da cabeça, do pescoço e dos cabelos no desenhoda figura humana

Imagem corporal

Tamanho, localização, detalhes e complementos em ambos os desenhosSeqüência e movimento nos desenhos da árvore e da figura humanaAspectos de conteúdo dos acessórios no desenho da casaAspectos de conteúdo do tronco no desenho da árvoreAspectos de conteúdo do tórax, da cintura e das roupas no desenho da casa

Funcionamento defensivo

Reforços, correções, retoques, sombreamentos e borraduras em ambos osdesenhosRespostas fornecidas ao inquérito em ambos os desenhos

Relacionamentos interpessoais

Aspectos de conteúdo das portas e janelas no desenho da casaAspectos de conteúdo das raízes, dos galhos e dos ramos no desenhoda árvoreAspectos de conteúdo dos olhos, da boca, dos braços e das mãos no des-enho da figura humana

Quadro 1: Principais indicadores observados na avaliação dos domínios da personalidade focalizados no presente estudo

11. Faz-se necessário esclarecer que não temos a pretensão de delinear aqui as bases empíricas quesustentam a atribuição de significados a cada um dos aspectos dos desenhos. Para um aprofunda-mento a esse respeito remetemos o leitor aos estudos que forneceram as diretrizes para a elaboraçãodo protocolo de avaliação adotado.

meramente ilustrativo, uma vez que osreferidos indicadores adquirem senti-do somente se inseridos em um con-texto global. Tal contexto pode ser vis-

lumbrado com o auxílio do Quadro 2,o qual sistematiza as característicasmais freqüentes no conjunto dos des-enhos examinados.

50

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

Desenhos Características

Casa

Localização no segundo quadrante da folha de papelTamanho grandePerspectiva frontalIntegração adequadaCorreções e retoques em excessoDetalhes e complementos apropriadosPortas diminutasJanelas com caixilhos e cortinasPresença de cercas e muros

Árvore

Posicionamento horizontal da folha de papelSimetria adequadaTema inespecíficoReforços adequadosPresença de árvores secundáriasAusência de raízesSimplificação da linha do soloTronco de superfície raiada ou fendadaCopa sombreadaGalhos pontiagudos

Figura humana

Proporções adequadasLinhas finasTema estereotipadoPerspectiva frontalSeqüência adequadaPescoço grossoCabeça grandeSimplificação dos olhosAusência de mãos ou pésPresença de botões e bolsos nas roupas

Quadro 2. Características mas freqüentes no conjunto dos desenhos examinados

51

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

A maior parte dos pacientes ava-liados apresentou um pensamentorazoavelmente organizado e umaadequada consciência de interpreta-ção (engajamento na tarefa, respos-tas verbais apropriadas e desenhosrazoavelmente integrados e propor-cionais). Alguns deles, contudo,demonstraram uma considerávelpropensão à invasão de conteúdosafetivos (gestualidade exacerbada,tom de voz diminuído e contatovisual parcial durante a tarefa).Mesmo assim, é possível sugerir quea capacidade de integração lógicados examinados se encontrava pre-servada. Conseqüentemente, pode-sepropor que possuíam condições deelaborar cognitivamente os estímu-los oriundos do mundo exterior.

Não obstante, a análise dos desen-hos executados aponta que algunssujeitos tendiam, devido a uma mar-cante necessidade de auto-afirmação,a supervalorizar seus recursos inter-nos e a menosprezar as limitaçõesimpostas pela realidade, o que indu-bitavelmente obliterava a adaptaçãoao meio (casas muito grandes, árvo-res com excesso de flores ou frutos).

Em contrapartida, outros possuíamuma capacidade adaptativa potencial,mas não a empregavam adequada-mente (casas com detalhes e comple-mentos adequados, figuras humanassimétricas e proporcionais). Assim,não raro se sentiam impotentes fren-te aos obstáculos e se resignavampassivamente (figuras humanas semmãos e pés).

O conjunto das produções coligi-das sugere que a maior parte dos exa-minados exercia um controle restriti-vo sobre os próprios impulsos (figu-ras humanas com pescoço grosso ecabeça grande, árvore com copa som-breada). Entretanto, pode-se suporque esse controle dependia do empre-go de uma grande quantidade deenergia psíquica, de modo que usual-mente se tornava impraticável, sobre-tudo quando ocorria um aumento sig-nificativo das tensões. Nessas situa-ções, alguns deles tendiam à agressi-vidade, como denota a Figura 1.Ademais, ressalte-se que os impulsossexuais também eram controladoscom excessivo rigor, o que sugeria aexistência de conflitos na esfera dasexualidade.

52

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

A imagem corporal de uma parcelados indivíduos avaliados apresentavauma valência negativa, pois se mos-trava influenciada diretamente porsentimentos de inferioridade, insegu-rança e inadequação (figuras humanasdiminutas e estereotipadas, árvorescom tronco de superfície raiada oufendada). A propósito, parece plausí-

vel supor que tais sentimentos seencontravam intimamente relaciona-dos com a tendência à resignação queos mesmos apresentavam. Cumpreassinalar, contudo, que a maioriadeles possuía – provavelmente devidoa uma considerável fragilidade egóica– uma imagem corporal compensató-ria, como ilustra a Figura 2.

Figura 1. Árvore desenhada por J. (42 anos, ensino fundamental incompleto, casado)

As respostas fornecidas ao inquéritoindicavam que os participantes do pre-sente estudo também empregavam, nomomento da avaliação, outras estraté-gias defensivas com o intuito de se pro-teger da mobilização emocional quepoderia ser desencadeada pela hospita-lização. A regressão e a repressão sedestacaram como as mais freqüentes, o

que pode ser entendido como um refle-xo da imaturidade afetiva que parececaracterizá-los, como se nota nosQuadros 1, 2 e 3. É preciso reconhecer,todavia, que alguns deles vinham lan-çando mão de mecanismos que suge-rem a existência de uma organizaçãopsíquica mais estável, tais como aracionalização e a intelectualização.

53

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

Figura 2. Figura humana desenhada por P. (24 anos, ensino superior incompleto, casado)

54

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

Quadro 3. Inquérito do desenho da casa respondido por M.(28 anos, ensino médio completo, casada)

Quadro 4. Inquérito do desenho da árvore respondido por M.(28 anos, ensino médio completo, casada)

Perguntas Respostas

Quem mora nesta casa? Eu, meu marido e uma pessoinha.

Que pessoinha? Uma criança.

Ela é filha de quem? É minha filha.

Em que casa você estava pensandoenquanto desenhava

Não pensei em nenhuma casa. Não tavaimaginando a minha casa, entende?

Mas você não falou que mora nessa casa? Sim, mas tinha que ter umas florzinhas.

Você gostaria de morar nesta casa? Sim, se tivesse mais florzinhas [Risos].

Por quê você gostaria de morar nessa casa?Porque eu moraria com as pessoas queeu gosto.

Se você pudesse escolher um quarto paramorar nesta casa, qual deles escolheria?

Não sei, eu não sei como é a casa. Achoque escolheria qualquer um. Escolheriapela vista que tem do local.

Se esta casa fosse sua, com quem vocêgostaria de morar?

Com o meu marido e com essa pessoin-ha. Porque num futuro não muito distan-te nós vamos adotar uma criança. Porqueeu não posso ter filho, né? Aí então agente vai adotar um.

O que mais faz falta nesta casa?Se tiver essas duas pessoas, o meu mari-do e essa pessoinha, aí já tá bom.

Perguntas Respostas

Esta árvore está sozinha ou no meio deoutras?

No meio de outras.

Como ela se sente desse modo?Sei lá, acho que ela tá bem.Tá cheia defrutos, bem bonita.

É uma árvore saudável? Sim.

Por quê você tem essa impressão? Porque ela tem frutos e flores.

É uma árvore forte? É.

Por quê você tem essa impressão? Também porque tem frutos e flores.

Em que esta árvore faz você pensar oulembrar?

Eu tava pensando numa árvore que eu viontem aqui perto do hospital.

Por fim, os desenhos executadosindicam que os sujeitos em questãotendiam, de maneira geral, a manterrelacionamentos sociais, familiares eamorosos superficiais e, conseqüen-temente, a estabelecer laços afetivospouco vigorosos (casas com portas ejanelas diminutas, figuras humanascom traços faciais simplificados). AFigura 3 é um indício dessa tendên-

cia. Não obstante, a maior parte delesapresentava uma necessidade pre-mente de reverter essa situação(casas com caminho até a porta, figu-ra humana e árvores extras), o queprovavelmente ocorreu devido à con-dição de saúde dos mesmos. Talnecessidade, entretanto, era reconhe-cida conscientemente por poucosexaminados.

55

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

Quadro 5: Inquérito do desenho da figura humana respondido por M.(28 anos, ensino médio completo, casada)

Perguntas Respostas

Qual a idade dessa pessoa? Sei lá, uns 20 e poucos anos.

O que ela está sentindo?Triste ela não tá. Olha a boquinha dela.Tá contente.

Essa pessoa tem boa saúde? Ih, acho que sim.

Do que essa pessoa tem medo?Ah, não sei. Acho que ela não tem medode nada.

O que faria essa pessoa mais feliz? Ter outro bonequinho aqui.

Quais são os três maiores desejos destapessoa?

Ai meu Deus... Eu não sei... Complicadoisso. Só se eu der os meus desejos pra ela.

Quais são os seus desejos?Ficar boa, realizar os meus planos queficaram na gaveta, né? Voltar a estudar,arrumar um emprego na área. É isso.

Quais são os principais defeitos destapessoa?

É difícil... Sei lá. Tem milhões. Ela échata, ansiosa.

E quais são as principais qualidadesdesta pessoa?

Ela é boa com as pessoas.

Qual é a parte do corpo de que esta pes-soa menos gosta?

As bochechonas. É a única coisa.

Qual é a parte do corpo de que esta pes-soa mais gosta?

Os olhos.

O que vai acontecer com ela? Não sei. Não tenho idéia.

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos indicam quenenhum dos pacientes avaliados apre-sentava um quadro psicopatológico denatureza psicótica ou limítrofe. Seisso acontecesse, a decisão de subme-tê-los ao TMO possivelmente seriarepensada. De qualquer forma, a aná-lise do conjunto do material coligidoaponta que os recursos adaptativosdos mesmos se encontravam parcial-mente comprometidos. Ademais,sugere que o funcionamento defensi-vo dos sujeitos em questão vinhasendo operacionalizado, na maioriados casos, a partir da utilização demecanismos que remetem para moda-lidades anteriores de comportamentoe pensamento.

Tais características poderiam con-tribuir para a adoção de estratégias deenfrentamento pouco eficientes e,assim, favorecer o surgimento decomplicações que colocariam emrisco a vida dos pacientes. Em funçãodisso, intervenções foram conduzidascom o intuito de expandir o nível deconsciência que os mesmos possuíamacerca de suas condições físicas eemocionais para, desse modo, fomen-tar a utilização dos recursos adaptati-vos previamente existentes em nívellatente e para a elaboração mental –mediante o estabelecimento de cone-xões associativas – das angústias quevinham promovendo uma acentuadamobilização afetiva até então.

Diante do exposto, conclui-se queo HTP se mostrou adequado frente ao

56

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

Figura 3: Casa desenhada por S.(31 anos, ensino fundamental completo, casada)

objetivo proposto, possibilitando acompreensão de importantes aspectosda personalidade dos examinados efornecendo elementos de grande rele-vância para o trabalho da equipe mul-tidisciplinar responsável pelo trata-mento dos mesmos. Possivelmenteisso ocorreu porque, ao executar atarefa, os pacientes empregaram basi-camente a comunicação gráfica, que émenos suscetível à utilização demecanismos de defesa do que a lin-guagem verbal e, conseqüentemente,favorece a projeção de conteúdosinconscientes. Além disso, os estímu-los apresentados aos sujeitos tambémcontribuem para a exteriorização deconteúdos internos, pois os temas dosdesenhos são, ao mesmo tempo, bas-tante familiares e pouco específicos,como aponta Hammer (1981).

Cumpre assinalar também que oHTP envolve a utilização de materiaisde baixo custo, exige a realização deuma atividade relativamente simples etende a ser concluído com certa rapi-dez (Campos, 1998). Por fim, faz-senecessário destacar que a tarefa pro-posta usualmente é bem aceita porindivíduos que apresentam dificulda-des de expressão verbal ou baixonível educacional (Lourenção vanKolck, 1984; Arzeno, 1995; Buck,2003). Nota-se, portanto, que o HTPapresenta uma série de vantagens emrelação aos testes psicométricos volta-dos para a avaliação da personalidade.Em maior ou menor grau, todas elasforam evidenciadas a partir de seu

emprego no presente estudo, o quesugere que a técnica em questão épotencialmente proveitosa no contex-to hospitalar.

Nesse sentido, os resultados obti-dos são compatíveis com os achadosda literatura científica especializada,visto que diversos autores responsá-veis por pesquisas conduzidas a partirda utilização do HTP – dentre os quaisse destacam Güntert (1990), Diniz(2002) e Gramacho e Bacarji (2004) –ou de outras técnicas projetivas gráfi-cas – tais como Loureiro e Romaro(1985), Lourenção van Kolck e Neder(1991), Hojaji e Romano (1995),Tardivo et al. (1999) e Santos, Peres eBenez (2002) – salientam o valordesse tipo de instrumento na avalia-ção psicológica de pacientes hospita-lizados portadores das mais variadascondições clínicas.

Por outro lado, é preciso reconhecerque o HTP apresenta certas limitações,uma vez que a maioria dos estudos queestabelece critérios para a análise inter-pretativa do material coligido median-te sua aplicação se apóia em basesempíricas questionáveis. Ademais, ascaracterísticas de uma produção gráfi-ca não revelam necessariamente aspec-tos da personalidade do indivíduo quea executou, já que, conforme apontaLourenção van Kolck (1984), podemser influenciadas por diversas variá-veis, tais como estereótipos culturais,determinantes sociais, fatores de gêne-ro e condições ambientais. Em funçãodisso, a experiência do examinador no

57

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

manejo do instrumento se mostra degrande relevância, o que restringe, aomenos parcialmente, suas possibilida-des de aplicação.

Devido a essas limitações, as hipó-teses baseadas na avaliação dos des-enhos oriundos da utilização do HTPdevem necessariamente ser comple-mentadas com os resultados obtidos apartir do emprego de técnicas de ava-liação mais objetivas – sobretudo seforem utilizadas como base para a ela-boração de pareceres ou para a propo-sição de condutas nas situações emque existem opiniões divergentes arespeito do diagnóstico e do tratamen-to a ser dispensado aos examinados.Tal necessidade torna-se patentetendo em vista que, como afirmamLopes e Amorim (2004), a prática dapsicologia no contexto hospitalargeralmente alcança maior reconheci-mento da parte dos demais profissio-nais de saúde, quando se apóia eminstrumentos sistemáticos e parâme-tros definidos criteriosamente.

Apropósito, ressalte-se que a literatu-ra científica especializada sustenta que,qual seja o contexto, a combinação dediferentes instrumentos é o procedimen-to mais adequado para que se possa exe-cutar uma avaliação psicológica fidedig-na, pois, em última análise, qualquerrecurso passível de ser utilizado nessaatividade apresenta restrições(Lourenção van Kolck, 1981;Jacquemin, 1995). Tal proposição podeser corroborada levando-se em conside-ração que, como destaca Cunha (2000b),

recentemente muitos pesquisadores –principalmente aqueles que se dedicamao estudo da personalidade – têm lança-do mão de baterias compostas por ins-trumentos psicológicos de diferentestipos com o intuito de garantir uma mel-hor apreensão do conhecimento visado.

Cumpre assinalar também que aanálise do HTP tende a se tornarmenos subjetiva nas situações em queé executada às cegas por juízes espe-cializados. Tal procedimento, entre-tanto, não raro se mostra inviável noscasos em que a avaliação psicológicadeve necessariamente ser concluídacom maior rapidez, visto que é inega-velmente mais dispendioso. A utiliza-ção de um protocolo de avaliaçãodetalhado também auxilia a minimizara subjetividade inerente ao exame domaterial decorrente da aplicação doHTP. Não obstante, alguns autorespropõem que, a despeito dos referidosprocedimentos, esse processo pode serentendido como um meio-termo entrea ciência e a arte (Hammer, 1981).

Por fim, é preciso enfatizar que rela-tivizar a validade das hipóteses basea-das na análise interpretativa dos desen-hos coligidos a partir da aplicação doHTP tomando-se como parâmetro oscritérios positivistas de objetividademáxima preconizados pelas ciênciasnaturais é uma falácia, dado que o uni-verso psíquico do examinado, objeto dareferida técnica, não pode efetivamenteser medido de forma direta (Güntert,2000). Nesse sentido, é possível afir-mar que, conforme Silva (1981), a pro-

58

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

ficuidade do instrumento em questão e,em um sentido mais amplo, das técni-cas projetivas de modo geral, se encon-tra intimamente relacionada à inexis-tência de vias de acesso mais objetivasao conhecimento visado.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos mediante aaplicação do HTP no presente estudopermitiram o delineamento de algumasdas principais características de perso-nalidade dos examinados e, assim,contribuíram para o aprimoramento daassistência multidisciplinar dispensadaaos mesmos. Conseqüentemente, suge-rem que a utilização do instrumentoem questão no contexto hospitalartende a ser proveitosa. De qualquermaneira, devem ser vistos com parci-mônia, pois se referem a uma situaçãobastante específica. Levando-se emconsideração que são referendadospelo achados de outras pesquisas, con-tudo, podem ser entendidos como umimportante indício da funcionalidadedo HTP na avaliação psicológica depacientes hospitalizados.

Em contrapartida, é preciso recon-hecer também que, como salientadoanteriormente, o HTP possui limitaçõ-es que restringem de maneira signifi-cativa seu alcance e não devem seringenuamente desconsideradas.Porém, tais limitações podem ser con-tornadas mediante o emprego de pro-cedimentos metodológicos específi-cos, como discutido anteriormente.

Assim sendo, não inviabilizam suautilização como instrumento de ava-liação psicológica. A propósito, o fatodo referido instrumento ter sido apro-vado recentemente pela comissão téc-nica responsável pelo Sistema deAvaliação de Testes Psicológicos doConselho Federal de Psicologia tornaevidente essa constatação.

Vale salientar novamente que o HTPnão deve ser utilizado de forma descon-textualizada, pois, assim como asdemais técnicas projetivas, se mostrapertinente apenas nas situações em quese faz necessária uma avaliação maisdetalhada do psiquismo do examinado.Portanto, em diversas situações podeser substituído por instrumentos maissimples. Ademais, muitas vezes oemprego do HTP se torna inviável nocontexto hospitalar em função de limi-tações físicas dos examinados ou decondições ambientais inadequadas.Conclui-se, portanto, que, como salien-ta Almeida (1995), a escolha dos ins-trumentos a serem utilizados na avalia-ção psicológica de pacientes hospitali-zados deve levar em consideração umasérie de fatores de ordem prática.

Por fim, é possível propor que o pre-sente estudo indica também que a ava-liação psicológica no contexto hospita-lar tende a promover uma articulaçãoentre a pesquisa e a assistência, contri-buindo tanto para a produção do conhe-cimento quanto para o atendimento dasnecessidades da clientela. Outros auto-res – tais como Spink (2003) eBenedetti (2004) – também defendem

59

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Almeida, L. S.; Prieto, G.; Muñiz, J. & Bartram, D. (1998). O uso dos testes emPortugal, Espanha e países iberoamericanos. Psychologica, 20, 41-50.

Almeida, S. R. (1995). Alcances e limites do uso de testes psicológicos no hos-pital. In: M. F. P. Oliveira & S. M. C. Ismael (Orgs.). Rumos da psicologiahospitalar em cardiologia (pp. 147-152). Campinas: Papirus.

Andrykowski, M. A.; Brady, M. J. & Henslee-Downey, P. J. (1994).Psychosocial factors predictive of survival after allogeneic bone marrowtransplantation for leukemia. Psychosomatic Medicine 56 (5), 432-439.

Anzieu, D. (1978). Os métodos projetivos (M. L. E. Silva, Trad.). Rio deJaneiro: Campus.

Arzeno, M. E. G. (1995). Psicodiagnóstico clínico (B. A. Neves, Trad.). PortoAlegre: Artes Médicas.

Bruscato, W. L. & Benedetti, C. (2004). Produção de conhecimento em psico-logia hospitalar. In: W. L. Bruscato; C. Benedetti & S. R. A. Lopes (Orgs.).A prática da psicologia hospitalar na Santa Casa de São Paulo: novas pági-nas em uma antiga história (pp. 213-236). São Paulo: Casa do Psicólogo.

Buck, J. N. (2003). H-T-P: manual e guia de interpretação (R. C. Tardivo,Trad.). São Paulo: Vetor (Original publicado em 1970).

Campos, D. M. S. (1998). O teste do desenho como instrumento de diagnósticoda personalidade. Petrópolis: Vozes.

Contel, J. O. B.; Sponholz Jr., A.; Torrano-Masetti, L. M.; Almeida, A. C.;Oliveira, E. A.; Jesus, J. S.; Santos, M. A.; Loureiro, S. R. & Voltarelli, J. C.(2000). Aspectos psicológicos e psiquiátricos do transplante de medula óssea.Medicina 33, 294-231.

Cunha, J. A. (2000). Técnicas projetivas gráficas: por que sim? por que não?São Paulo: Casa do Psicólogo.

Cunha, J. A. (2000b). Estratégias de avaliação: perspectivas em psicologia clínica. In:J. A. Cunha (Org.). Psicodiagnóstico-V (pp.19-22). Porto Alegre: Artes Médicas.

Diniz, D. H. M. P. (2002). Descrição da dinâmica de personalidade de crian-ças e adolescentes portadores de insuficiência renal crônica em tratamento

essa tese e propõem que a pesquisadeve fazer parte do cotidiano do psicó-logo hospitalar e não ser consideradauma atividade desvinculada da presta-ção de serviços, visto que pode fomen-tar o desenvolvimento de novas práti-

cas nas situações em que o mesmo nãoencontra respaldo teórico capaz deauxiliá-lo. A propósito, tais situaçõesainda ocorrem com freqüência e geral-mente levam a improvisações bem-intencionadas pouco resolutivas.

60

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

hemodialítico. Dissertação de Mestrado Não-publicada. Curso de Pós-Graduação em Nefrologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.

Freitas, N. K. & Cunha, J. A. (2000). Desenho da casa, árvore e pessoa (HTP). In: J.A. Cunha (Org.). Psicodiagnóstico-V (pp. 519-527). Porto Alegre: Artes Médicas.

Gramacho, P. M. & Bacarji, J. E. W. (2004). Projeção investigada através de des-enhos de crianças com câncer. Acta Oncológica Brasileira, 24 (3), 649-660.

Grassano, E. (1996). Indicadores psicopatológicos nas técnicas projetivas (L. S.P. C. Tardivo, Trad.). São Paulo: Casa do Psicólogo.

Güntert, A. E. V. A. (1990). Pacientes laringectomizados: avaliação psicológi-ca através das provas HTP, Pfister e Rorschach. Dissertação de MestradoNão-publicada. Curso de Pós-Graduação em Distúrbios da ComunicaçãoHumana, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo.

Güntert, A. E. V. A. (2000). Técnicas projetivas: o geral e o singular em avalia-ção psicológica. In: F. F. Sisto; E. T. B. Sbardelini & R. Primi (Orgs.).Contextos e questões da avaliação psicológica (pp. 77-84). São Paulo: Casado Psicólogo.

Hammer, E. F. (1981). A técnica projetiva da casa-árvore-pessoa: interpretaçãodo conteúdo (E. Nick, Trad.). In: E. F. Hammer (Org.). Aplicações clínicasdos desenhos projetivos (pp. 121-153). Rio de Janeiro: Interamericana(Original publicado em 1969).

Hammer, E. F. (1991). The House-Tree-Person (HTP) clinical research manual.Los Angeles: Western Psychological Services (Original publicado em 1964).

Hojaji, E. M. & Romano, B. W. (1995). Modificação da imagem corporal aolongo do processo de transplante cardíaco. , 5 (6, Supl.A), 9-16.

Jacquemin, A. (1995). Alcances e limites do uso de testes psicológicos no hos-pital. Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo 5 (3,Supl.A), 17-20.

Lopes, S. R. A. & Amorim, S. F. (2004). Avaliação psicológica no hospital geral.In: W. L. Bruscato; C. Benedetti & S. R. A. Lopes (Orgs.). A prática da psi-cologia hospitalar na Santa Casa de São Paulo: novas páginas em uma anti-ga história (pp.53-68). São Paulo: Casa do Psicólogo.

Loureiro, S. R. & Romaro, R. A. (1985). A utilização de técnicas projetivas –Bateria de Grafismos de Hammer e Desiderativo – como instrumentos de diag-nóstico: estudo preliminar. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 37 (3), 132-141.

Lourenção Van Kolck, O. (1984). Testes projetivos gráficos no diagnóstico psi-cológico. São Paulo: EPU.

Lourenção Van Kolck, O. & Neder, C. R. (1991). A imagem corporal em tenta-tivas de suicídio por ingestão de substâncias cáusticas. Revista Brasileira dePesquisa em Psicologia, 3 (3), 39-45.

61

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007

Meyer, G. J.; Finn, S. E.; Eyde, L. D.; Kay, G. G.; Moreland, K. L.; Dies, R. R.;Eisman, E. J.; Kubiszyn, T. W. & Reed G. M. (2001). Psychological testingand psychological assessment: a review of evidence and issues. AmericanPsychologist, 56 (2), 128-165.

Messick, S. (1995). Validity of psychological assessment: validation of inferen-ces from person´s responses and performances as scientific inquiry into scoremeaning. American Psychologist, 50 (9), 741-749.

Neuser, J. (1988). Personality and survival time after bone marrow transplanta-tion. Journal of Psychosomatic Research 32 (4-5), 451-455.

Noronha, A. P. P. (2002). Os problemas mais graves e mais freqüentes no usodos testes psicológicos. Psicologia: Reflexão e Crítica, 15 (1), 135-142.

Noronha, A. P. P. & Alchieri, J. C. (2003). Reflexões sobre os instrumentos deavaliação psicológica. In: R. Primi (Org.). Temas em avaliação psicológica(pp. 7-16). Campinas: Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica.

Pasquini, R. & Ferreira, E. (1990). Transplante de medula óssea. In: H. P.Oliveira (Org.). Hematologia clínica (pp. 561-577). Rio de Janeiro: Atheneu.

Piccolo, E. G. (1981). Os testes gráficos (M. Felzenszwalb, Trad.). In: M. L. S.Ocampo, M. E. G. Arzeno & E. G. Piccolo (Orgs.). O processo psicodiag-nóstico e as técnicas projetivas (pp. 203-311). São Paulo: Martins Fontes.

Retondo, M. F. N. G. (2000). Manual prático de avaliação do HTP (casa-árvo-re-pessoa) e família. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Santos, M. A.; Peres, R. S. & Benez, M. S. L. (2002). Contribuições do Desenhoda Figura Humana para o delineamento do perfil psicológico de um grupo deobesos mórbidos. Psic, 3 (2), pp. 20-29.

Spink, M. J. P. (2003). Psicologia social e saúde. Petrópolis: Vozes.Silva, M. L. E. (1981). Interpretação de testes projetivos: projeção e represen-

tação. Rio de Janeiro: Campus.Sullivan, A. K.; Szkrumelak, N. & Hoffman, L. H. (1999). Psychological risk

factors and early complications after bone marrow transplantation in adults.Bone Marrow Transplantation 24, 1109-1120.

Tabak, D. G. (2000). Transplante de medula óssea na leucemia mielóide crôni-ca. Medicina 33, 232-240.

Tardivo, L. S. P. C.; Fráguas Júnior, R.; Rizzini, M. A. & Paulo, M. S. L. L.(1999). Os desenhos da figura humana em pacientes com depressão secun-dária. Mudanças, 7 (11), 223-234.

Thomas, E. D. (2000). Bone marrow transplantation: a historical review.Medicina 33, 209-218.

Torrano-Masetti, L. M.; Oliveira, E. A. & Santos, M. A. (2000). Atendimento psi-cológico numa unidade de transplante de medula óssea. Medicina, 33, 161-169.

62

RIDEP · Nº 23 · Vol. 1 · 2007


Recommended