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Zingano - Platão e Aristóteles o fascínio de filosofia

Date post: 24-Jul-2015
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PLATAo &: ARIST6TELES o fascinio da Filosofia Marco Zingano ODYSSEUS "- IMORTAIS DA CIENCIA Coordenac;ao MARCELO GLEISER
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PLATAo &: ARIST6TELES

o fascinio da Filosofia

Marco Zingano

ODYSSEUS

"-

IMORTAIS DA CIENCIA Coordenac;ao MARCELO GLEISER

-PLATAO & /

ARISTOTELES o fasemio da Filosofia

Marco Zingano

IMORTAIS DA CIENCIA Coordena~ao MARCELO GLEISER

ODYSSEUS

Ficha catalografica

ZINGANO, Marco Placio e Arist6teles - 0 fascinio da filosofia / Marco

Zingano. -- 2. ed. -- Sao Paulo: Odysseus Editora, 2005. (Imortais da ciencia / coordenac;:ao Marcelo Gleiser)

ISBN 85-88023-69-5

1. Arist6teles 2. Filosofia anriga 3. Placio I. Gleiser, Marcelo. II. Titulo III. Serie

Preparada pela Camara BrasiJeira do Livro, SP, Brasil

Todos os direitos desta edic;:ao reservados a: © 2005 Odysseus Editora Ltda.

Platao e Arist6teles - 0 fascinio da fllosofia Autor: Marco Zingano

Editor responsavel: Stylianos Tsirakis Coordenador editorial: Rafael Guanaes Aguiar Filho

Preparac;:ao: Maria Suzete Casellato Revisao: Daniel Seraphim

Projeto grafico: Odysseus Editora Ilustrac;:oes: Libera Malavoglia

Capa e editorac;:ao: Fabiana Martins de Souza

Odysseus Editora Ltda. Rua dos Macun;s, 495 CEP 05444-001 teL/f.,e (11) 38160835

e-mail: [email protected] www.odysseus.com.br

ISBN,85-88023-69-5

Edic;:ao: 2a

Ano, 2005

l

Imortais da Ciencia

o homem sempre buscou compreender os

fenomenos e os misterios do mundo it sua volta,

e essa busca constitui-se numa longa odisseia,

em que muitos se empenham, ate dedicando-lhe

a vida inteira.

As pessoas que participaram dessa aventura

de desvendamento, muitas vezes responderam

questoes formuladas por sua comunidade; em

outras, reformularam as perguntas; esse diaJogo

configurou algo como uma inteligencia coletiva.

Pelo brilho de suas mentes e por sua dedi­

ca~ao, muitos desses homens deram con­

tribui~oes fundamentais.

o reconhecirnento e a gratidao das gera~oes

que os sucederam sao a melhor expressao da

realiza~ao do mito da irnortalidade.

Pelo projeto Imortais da Ciencia, a Odysseus

Editora procurou expor os avan~os alcan~ados

pelo irnportante trabalho desses individuos,

retratando-lhes, ao mesmo tempo, 0 contexto

historico e os principais elementos biograficos.

Esperamos assirn contribuir para a inspira~ao e a

formayao das novas gera~oes.

Agradecimentos

A Odysseus Editora dedica a cole<;ao [mortais

da Ciencia ao cientista, divulgador de ciencia no

Brasil, Professor Jose Reis (1907-2002).

Agradecemos a todos aque!es que, com seu

trabalho, apoio, ideias ou sugestoes, tornaram

possive! a realiza<;ao des sa cole<;ao.

Stylianos Tsirakis

l

indice

Apresenta<;ao - Marcelo Gleiser 09

Introdu<;ao 13

Platao 17

Vida de Plado na Atenas CIassica + Os escritos de Plado

A filosofia de Platao • Os materialistas

Os morustas e os matematicos • A doutrina das Ideias

Plat:lo e 0 muncio dos homens • 0 legado de Plado

Arist6te!es 59

A vida de Arist6teles • A fisica de Arist6teles

Os quatro elementos· 0 movimento natural

Os corpos celestes e 0 quinto elemento + Os seres vivos

Saber e explicas:io causal + A teleologia em Arist6teles

o primeiro motor e 0 Deus de Arist6teles • Erica e politica

10 Platao e Arist6teles

Apesar de Arist6teles ter sido estudante da Academia

fundada por Platao em Atenas, 0 enfoque dos dois nao

poderia ter sido mais distinto. Pia tao era 0 abstrato, preocu­

pado em compreender a essencia mais profunda da reali­

dade, que ele atribuia ao mundo das Ideias, povoado de formas

geometricas puras, que jamais se transformam. Ele via com

muita desconfian~a a percep~ao do mundo atraves dos sen­

tidos, argumentando que eles podem nos iludir, confundindo

as nossas mentes. Por exemplo, para Platao, apenas a ideia de

urn c1rculo e perfeita. A sua representa<;ao con creta em urn

desenho jamais sera perfeita, mesmo que aparentemente ela

o seja, como oeorre nas representac;oes com uma impressora

de alta resolu<;ao. Perfei<;ao, s6 no mundo das ideias. A per­

cep<;ao da realidade it nossa volta e sempre distorcida pelos

nossos sentidos.

J a Arist6teles pre feria explicar 0 mundo por meio de

argumentos l6gicos e pragmaticos, baseados no mundo dos

sentidos e nao no mundo dos conceitos e das ideias abstratas.

Para ele, 0 essencial era 0 que podiamos ver e perceber com

os nossos sentidos e nao 0 que existia apenas em nossas

mentes. A razao servia principalmente para organizar os

fatos percebidos de forma l6gica, a partir de explica<;6es de

grande apelo intuitivo. Por exemplo; se alguem perguntasse a

Arist6teles por que uma pedra cai quando ela e solta de uma

certa altura, ele responderia: tudo 0 que existe na Terra e feito

Apresenta~ao

dos quatro elementos, terra, agua, ar e fogo, em propor~6es

diferentes. Uma pedra e constituida principalmente de terra.

Portanto, 0 seu lugar natural e na terra, com 0 restante das

pedras. Quando ela e deslocada de seu lugar natural, a super­

ficie da Terra, a sua tendencia e voltar para la: ao cair, a pedra

esta voltando ao seu lugar de origem. Ja 0 fogo sobe porque

o seu lugar natural e acima da terra, da agua e do ar.

Guardadas as devidas propor<;6es, essa diferen<;a entre

os enfoques de Platao e Arist6teles pode ser vista na pratica

da Ciencia ate hoje. Enquanto os plat6nicos procuram expli­

ca<;6es baseadas em argumentos geometricos, em que a

beleza e a elegancia da Matematica dita as normas de como

teorias devem ser construidas, os aristotelicos sao bern mais

pragmaticos, baseando as suas teorias e explica<;6es em argu­

mentos de grande apelo l6gico, prestando maior aten<;ao a

problemas mais concretos. Isso nao significa que os cientistas

modernos pensam como Platiio e Arist6teles, aceitando as

suas ideias con forme elas foram originalmente propostas,

mas que certas tendencias de seu modo de pensar sobre 0

mundo sobrevivem ate hoje. A Ciencia precis a dos dois tipos

de enfoque.

11

A evolu<;ao do pensamento cientifico deve ser com­

preendida dentro do seu contexto hist6rico; suas origens e 0

seu passado nao devem ser esquecidos. Ap6s 0 seculo XVII,

muito pouca gente defenderia as ideias aristotelicas sobre a

12 Platao e Arist6teles

divisao do mundo em quatro elementos ou de um cosmo

cujo centro e a Terra, ou, no caso de Platao, de 6rbitas circu­

lares para os planetas. Mas, em essencia, a obra dos dois

dominou a evoluyao do pensamento ftlos6fico e cientifico

por mais de dois mil anos, de 400 a.c. ate em torno de 1650,

um feito que dificilmente sera repetido na Hist6ria.

Ao escrever este volume para a coleyao Imortais da

Ciencia, Marco Zingano teve de optar por incluir principal­

mente aqueles aspectos do pensamento platonico e aristo­

telico que tiveram maior impacto na evoluyao da "Filosofia

Natural", 0 antigo nome dado para a parte da Filosofia preo­

cup ada com os fenomenos naturais. Isso ele fez admiravel­

mente, vis to que a tarefa de traduzir as ideias de dois pen­

sadores que viverarn hi 2.400 anos em uma linguagem

acessivel aos leitores de hoje nao e nada facil. Certarnente,

Pia tao e Arist6teles ficariarn muito satisfeitos em constatar

que as suas ideias ainda sao seriamente discutidas tanto

tempo mais tarde, inspirando pessoas em um pais cujo con­

tinente eles nem sabiarn que existia. E dificil imaginar uma

definiyao mais apropriada de imortalidade.

Introdu<;ao

Apresentar em seus elementos basicos a ftlosofia de

Platao ou a de Arist6teles ja e tarefa ardua; 0 que dizer entao

de descrever em seus trayos principais as ftlosofias de Pia tao

e de Arist6teles? Confesso ter tido a sensayao de estar-me

lanyando em um abismo ao temerariamente aceitar 0 desafio

que me propuserarn os editores da coleyao Imortais da Ciencia.

14 PlatJo e Aristoteles

Meu unico consolo era 0 fato de nao ter de apresentar suas

doutrinas fllos6ficas como tais, mas de expor de que forma

essas tearias influenciaram a evolu~ao do pensamento cien­

rifico. 1sso me pareceu urn desafio que merecia ser enfrentado;

afmal, a aventura intelectual do Ocidente, pelo menos nos

Ultimos duzentos anos, e marcadamente cienrifica, a ponto

de a Ciencia aparecer hoje como a expressao mesma da

razao e ser decisiva ate para os nossos atos mais elementares

de existencia.

A quem questionar por que Plado e Arist6teles figuram

em urna cole~ao sobre os mais importantes cientistas, ja que

sao antes fll6sofos e Ciencia e Filosofia divorciaram-se na

1dade Modema, pe<;o que tenha paciencia para descobrir, ao

lange deste livro, por que urn cientista cultivado deve Ie-los.

Sucintamente, ditia que a razao disso e simplesmente 0 fato

de que a ciencia, seja ou nao nossa principal atitude inte­

lectual, e uma atividade de pensamento e parece sensato

supor que e melb~r refletir sobre 0 que e pensar do que

exibit pensamentos sem saber ao certo 0 que e essa atividade.

o div6rcio entre Ciencia e Filosofia deve ser visto como uma

separa<;ao amigavel; na verdade, elas mantem muitos pontos

e interesses comuns, que dizem respeito principalmente it

racionalidade e it argumenta<;ao. Ora, Plado e Arist6teles de­

bru<;aram-se exatamente sobre isso enos legaram reflex6es

extraordinariamente fecundas sobre a natureza do objeto de

l

Introdu<;ao

pensamento e, em particular, sobre 0 que e esta atividade tao

enigmatica, 0 pensar, e em especial 0 que e pensar bem.

Seria, porem, injusto limitar a influencia desses dois fllo­

sofos it reflexao sobre 0 saber e a natureza da argumenta<;:ao.

Plado e Arist6teles tambem fizeram ciencia. Plado dedicou-se

em particular it Matematica, mas tambem a outras disciplinas:

urn de seus dialogos, 0 Timeu, foi visto durante muito tempo

como 0 tratado de Fisica e Quirnica da Antigiiidade.

Arist6teles tendeu mais ao estudo empirico da natureza, prin­

cipalmente a Biologia, mas !egou-nos tambem tratados sobre

o universo, sobre a natureza da alma, sobre a Fisica em geral,

sobre os metais, em surna, sobre urn vasto campo, hoje com­

partimentado em diferentes disciplinas cienrificas.

Nao ha como entender a hist6ria da Ciencia sem passar

pelos dois, e ja por isso merecem figurar em uma cole<;:ao

dedicada aos grandes cientistas, mesmo que a maior parte de

suas hip6teses cienrificas tenha sido corrigida ou abandonada.

As datas, na maioria dos casos, sao aproximativas, ja

que nao temos como obter muita precisao. Fomeci sempre as

mais usuais, para ganhar em clareza; eventualmente, na falta

de dados rninimamente precisos, mencionei somente 0 seculo

em que 0 autar em questao viveu.

15

16

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PI.tao e Arist6teles

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Vista da Acropole de Atenas, sec_ V a_C_

PlatJo

Vida de Platao na Atenas Classica

Platao nasceu em Atenas em 428 a_C e morreu na

mesma cidade em 347 a_C Isso po de parecer sem import:in­

cia; afrnal, todo mundo nasce em algum lugar e depois

morre em algum lugar - na maioria das vezes, no mesmo

lugar_ No caso de Platio, nao e: ele viveu no lugar certo, no

tempo certo. Sua vida transcorreu no maior momento politico

e cultural de Atenas. Por volta de 450 a.C, Atenas esta em

seu apogeu: domina os mares, imp era sobre urn vasto ter­

rit6rio, decide democraticamente seu pr6prio destino, impi3e

sua moeda as outras cidades. Entre 447 a.C e 438 a.C, e construido 0 Partenon, simbolo por excelencia da pujan~a

de Atenas. Seu arquiteto, Fidias, 0 ornamenta com estatuas

de extraordiniria beleza. 0 Partenon e mais um monurnento

a pr6pria cidade-estado Atenas do que urn templo religioso;

suas esculturas glorificam a vit6ria da razao sobre 0 primitivo,

exaltam 0 ateniense como 0 homem civilizado em contraste

com 0 barbaro. A vida cultural esta em plena efervescencia

e seu ritmo e dado pelo teatro: Esquilo primeiro (525-456

a.C), depois 0 genial S6focles (496-406 a.C), enfim 0 irre­

quieto Euripides (485-406 a.C). No teatro, sao encenados

18 Plat'io e Arist6teles

problemas morais, questiona-se 0 sentido da existencia; os

espectadores atenienses tern diante de si uma profusao de

temas que, por meio de uma aparente retomada de figuras

miticas, na verdade viram pelo avesso 0 seu pr6prio coti­

diano. N a comedia, eles podem rir de seus trejeitos, de suas

aspira~6es e mesmo de sua arrogancia, principalmente nas

pe~as de Arist6fanes (445-386 a.C). Fil6sofos vern para

Atenas, antes urna entre tantas cidades-Estado, agora centro

do mundo: Anaxagoras primeiro, depois G6rgias, Protagoras

e tantos outros. E em Atenas que a vida cultural de fato ocorre.

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Teatro ateniense

Plat'io

No entanto, nem tudo sorri para Atenas: a partir de

431 a.C, eclode a guerra civil na Grecia e a cidade tern de

enfrentar militarmente Esparta, sua maior rival. A pe<>te

aparece ja no primeiro ano de guerra, que nao tarda, assirn, a

desfllar seu cortejo de males. Entre 421 e 416 a.C, hi urn

curto periodo de paz, mas a guerra e logo retomada; Atenas

consegue vencer momentaneamente, por volta de 411 a.C,

mas, em 404 a.C, sua derrota e defmitiva. 0 muro de defesa

que os atenienses haviam construido em volta de sua cidade

e derrubado ao som de £lautas: assirn comemoraram os

espartanos e seus aliados a derrota de Atenas. A democracia

nao sai ilesa desse combate, e Atenas conhece entao urn go­

verno oligarquico, dito dos trinta tiranos, que persegue mui­

tos cidadaos e obriga outros mais ao exilio. A cidade vive

momentos de indecisao e confusao; os atenienses sentem

que 0 apogeu e a gl6ria ja pettencem ao passado e bus cam

com ansiedade sinais que indiquem como sera 0 futuro.

Pia tao e 0 olhar arguto e ferino de todos esses eventos.

Platao (0 nome provem do fato de ter ombros largos)

nasce no momento cetto, no lugar certo. Era membro de

urna familia aristocritica ateniense e parecia orguihoso disso:

faz de seus dois irmaos, Gliucon e Adimanto, os interlocu­

tores de S6crates em urn de seus mais celebres dialogos, A

Republica. Entre seus parentes estao Critias e Carmides, dire­

tamente envolvidos com a tirania que governou Atenas ap6s

19

20 Platao e Arist6teles

Cena de batalha retratada em vaso de ceramica (aprox. 510 a.C.).

a derrota na guerra civil e aos quais Pia tao dedica tambem

dialogos seus (Critias contem 0 famoso mito de Atlantida;

Carmides versa sobre a virtude moral). A veia aristocratica de

Platao acentuar-se-a cada vez mais ao lange de sua vida. Ele

tern urn encontro decisivo: S6crates (469-399 a.C), ateniense

de feia aparencia, que desprezava a riqueza material, mas era

urn notave! argumentador que declarava saber somente que

nada sabia, porem mostrava com e!egancia que todos os outros

nao s6 nada sabiam, como tam bern ignoravam esse fato. 0

exemplo de S6crates fascinou Platao; torna-se seu discipulo,

assim como outros jovens, entre as quais encontrava-se

Alcibiades, intrepido e arrogante politico e general, de car-

Platao

reira conturbada e pouco clara, que terminou assassinado na

Frigia em seqiiencia a derrota ateniense de 404 a.C Em 399

a.C, quando a democracia voltou a Atenas ap6s 0 sombrio

periodo dos trinta tiranos, S6crates e julgado e condenado a morte sob a acusa~ao de perverter jovens e introduzir novos

deuses; expiava, na verdade, 6dios e incompreensoes acumu­

lados nesses anos confusos e atribulados. Plario estava entre

os que assistiam ao julgamento; profundamente decepcionado,

atribui a democracia a responsabilidade pela condena~ao de

seu mestre e retira-se de Atenas, indo habitar Megara, urna

cidade vizinha, acompanhado de outros seguidores de

S6crates. Fez algumas viagens, entre as quais inclui-se uma

primeira estadia na corte de Dionisio, na Sicilia. Ao retornar

de la, volta a Atenas, onde funda sua escola, a Academia,

assim nomeada por estar localizada nos jardins do templo

dedicado ao her6i Academos, na peri feria da cidade. La teve

como discipulos a elite do mundo inte!ectual grego: Es­

peusipo, Xen6crates, Eudoxo e Arist6teles, para citar os mais

famosos. Quando de sua morte, em 347 a.C, legou a pos­

teridade uma escola que, por dois milenios, marcou decisiva­

mente a aventura inte!ectual do mundo ocidental e deu a Cieqcia, entao nascente, urn impulso extraordinario.

21

22 Plat.'io e Arist6teles

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Os escritos de Platao

Hi tteze cartas atribuidas a Pia tao, escritas em fun~ao

de suas viagens Ii Sicilia, mas sup6e-se que a maior parte delas

tenha sido forjada. Talvez quatto tenham sido escritas por

Platao, ou mesmo somente uma, a se:tima, que contem, ah~m

de dados pessoais, elementos de sua doutrina ftIos6fica; e

conveniente, contudo, guardar certo ceticismo quanto ao seu

uso douttinirio. No entanto, elas nos dao informa~6es

Plat.'io

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23

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Platao

valiosas sobre sua vida, pois mesmo uma fraude precisa ter

uma base real para parecer verdadeira. Sabemos que Pia tao,

inconformado com a condena<;ao de S6crates, decide nao

seguir uma carreira politica, tipica, em sua epoca, de urn

membro de familia aristocritica, preferindo dedicar-se aos

estudos e ao desenvolvimento do conhecimento. Mesmo

24 Platao e Arist6teles

assim, quando Dionisio II chega ao poder em Siracusa,

Plarao aceita empreender mais duas viagens a Sicilia a flm de

servir-lhe de conselheiro politico. Em sua fllosofla politica,

Platao sustentou que os reis deviam ser fllosofos, e os flloso­

fos, reis; envolver-se em politica nao estava fora de seu pro­

grama, pois queria reformar 0 governo dos homens com

base em urna ciencia politica alheia a toda democracia e deli­

bera~ao publica. Os resultados foram catastroflcos: Platao

terminou sua breve carreira politica sendo vendido como

escravo; felizmente, foi resgatado por urn benfeitor que 0

reconheceu em um mercado de escravos no Golfo de Ta­

rento. Seu sonho, porem, de reformar os homens com base

em urn saber infalivel permaneceu intacto; terminou sua vida

escrevendo urn grande tratado intitulado As Leis, menos para

dar as diretrizes de como bem governar os homens (como

flzera em A Republica) do que para indicar quais barreiras

devemos necessariamente imp or a massa para que ela nao

provoque um inferno de males. Platao, talvez em fun~ao do

ate tragico da execuyao de Socrates, que foi julgado e conde­

nado a motte pelo regime democratico ateniense, sempre

temeu a maioria, os procedimentos deliberativos, 0 que

chamava de demagogia, e procurou refugiar-se em um

mundo ideal, autonomo, seguro e livre de paix6es, instilando

em seus ouvintes e leitores uma sutil, mas indefectivel

desconflan~a quanto a natureza hurnana.

Platao

Grande parte dos seus escritos, ou mesmo todos, nos

foram transmitidos, divididos em tetralogias;1 sua preser­

vayao deve-se nao so ao fato de serem obras fllosoficas

impressionantes, mas tambem por serem textos de rara

beleza literana. Platao elegeu como estilo fllosoflco 0 diaJ.ogo,

e nenhurn outro fllosofo ou literato conseguiu se igualar a ele

no genero. Sao 36 titulos (excluidos alguns poucos textos que

lhe foram falsamente atribuidos). A personagem principal

dos diaJ.ogos e Socrates e e muito dificil nao se deixar con­

vencer pela voz socratica. Ao terminarmos 0 FMon, nos

acreditamos que a alma e imottal; ao fecharmos 0 Politico,

aspiramos todos a possuir a ciencia real, com base na qual se

governa bem, estando acima das leis. Pela voz de Socrates,

Pia tao exp6e doutrinas que sao na verdade suas, como a

doutrina das Ideias, que veremos mais adiante. Ainda pela

voz de Socrates, Platao faz as suas proprias teses obje~6es de

forte alcance, como os problemas mencionados no inicio do

dialogo Parmenides. Pela voz de Socrates, enfun, Platao refuta

as doutrinas de seus adversarios e exp6e com clareza seus

pontos fracos. Por meio de seus diaJ.ogos, Platao realizou

aquilo que para ele proprio era a deflni~ao do pensar: um

diaJ.ogo da alma consigo mesma, sem ouvidos para louvores

ou premios, somente atenta a verdade. Porem, por meio de

1 Tctralogia, isto e: composto de quatro dialogos; csta divisao, apesar de ser mwto

antiga, nao c, parem, do proprio Platao.

25

26 Platao e Arist6teles

seus diaJogos, Platao tam bern difundiu doses consideraveis

de misticismo e mitologia, vistos ora como 0 unico meio

disponivel para nos tornar compreensivel a realidade, ora

como a pr6pria verdade, para a qual os argumentos racionais

Nascimento de Atena, vaso do sec. VI a.C.

que a precediam nao passavam de exercicios preparat6rios.

Este e 0 mistino de Platao: durante seculos, cientistas e intelec-

Platao 27

tuais encontraram nele inspira~ao para suas pesquisas, assirn

como misticos e ocultistas de todo tipo viram nele urn emi­

nente predecessor, rao irnbricados esrao nele os elementos

racionais e as mistico-emocionais.

o misticismo de Pia tao, porem, e moderado, e por

1SS0 mesmo tao influente. Talvez sua figura emblematica

seja 0 Demiurgo, 0 artesao do mundo que, contemplando

as ideias das coisas, para sempre dadas na eternidade, cria 0

mundo sensivel, no qual c6pias daquelas ideias existem

segundo a ordem do tempo. 0 Demiurgo tern uma fun~ao

explicativa importante, a saber, a de mostrar como 0 mundo

sensivel - 0 nosso mundo - foi criado, e is so segundo uma

constru~ao racional de explica~ao, ao mesmo tempo em

que guarda lugar para urn outro tipo de explica~ao, mistica

ou teol6gica, como fundamento ultimo do mundo, que

parece men os interessada em explicar 0 mundo do que em

nos fornecer satisfa~oes existenciais para nossa vida. Aqui

esta, em seu apogeu, 0 misterio de Pia tao.

A filosofia de Platiio

Nao nos e mais possivel desvendar esse misterio, mas

talvez tampouco isso seja necessario. 0 homem Platao mor­

reu com seus segredos, assirn como todo homem ou mulher

enterra consigo seus enigmas. Resta-nos 0 que ele escreveu;

28 Platao e Arist6teles

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Socrates

e para compreender sua ftlosofia, talvez seja mais uti! come~ar olhando ao redor, vendo em que ambiente cresceu

e que problemas investigou. Platao foi fll6sofo; convem ver

quais ftlosofias eram propostas em sua epoca. Por Filosofia

deve-se entender aqui nao uma disciplina restrita, como

ocorre hoje em dia, mas, em sentido bem mais amplo, a

Ciencia ou, mais !iteralmente, 0 amor ao saber. todo aquele que

Platlo

se dedicava ao estudo da natureza e da vida era considerado,

na Antigiiidade, um ftl6sofo.

o pr6prio Platao pode servir-nos de guia. No dialogo

S oftsta, ele menciona a batalha de gigantes que se erguia, em

seu tempo, em torno da questao do ser. Essa questao nao e

outra senao a velha pergunta, que ainda hoje fazemos e a

respeito da qual ainda hoje discutimos: 0 que hd no mundo? E claro, nao se trata simples mente de !is tar que coisas estao ao

nosso redor, como esta cadeira, este vidro, aquele passarinho,

estes meus sapatos e assim por diante. 0 que se quer saber

com essa quesdo e quais sao os elementos basicos ou pri­

mordiais do mundo, aquilo do qual tudo 0 mais e feito e no

qual tudo um dia se dissolve. A essa questao, assim entendi­

da, havia duas respostas. A primeira delas era dada pelos

materialistas; a segunda pelos monistas e matematicos.

Os materialistas

Para os materialistas, 0 universo inteiro se reduz a urn,

dois ou varios componentes materiais. Tales de Mileto (sec.

VI a.c.) havia afirmado, na aurora da ciencia grega, que toda

a diversidade da natureza se reduzia a um s6 elemento, a agua.

Com essa afirma~ao, ao mesmo tempo ingenua e de uma

impressionante ousadia, nasceu 0 sonho da Ciencia de

exp!icar 0 mundo. Outros ftl6sofos tentaram corrigir Tales:

29

30 PI.tao e Arist6teles

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~, ):; v ;?--.;;)~ ; // 'c \\ \

it,:'\ ~.{fi;'.' -I">--J "­~ -C'.-_,~ .

~. < i\ \ .

Socrates na prisao

para uns, 0 mundo se reduz nao a tigua, mas ao ar, para QU­

ttos, 0 universo e 0 resultado da uniao ou separa~ao pro­

vocada por principios opostos, como 0 amor e 0 adio; para

outtos ainda, nosso mundo finito e envolto pelo indeterrni­

nado, de onde vern e para onde volta segundo urn ciclo pre­

determinado.

Diante das respostas oferecidas, pode-se sorrit da sim­

plicidade dos primeiros materialistas. No entanto, Platao nao

sorria, pois ha urna versao do materialismo que esta longe de

ser ingenua, apresentada por Leucipo e Demacrito ja por

volta de 440-430 a.c. Para eles, os mundos, infmitos e sem

PI.tao

limites, sao constituidos por urn nUmero tambem inflnito de

atomos (em grego, atomo signiflca indivisfve~. Os atomos sao

indestrutiveis e encontram-se eternamente em movimento

pelo vazio. Esta cadeira aqui nao e senao 0 resultado do

encontto momentaneo e fortuito de urn certo nUmero de

atomos; aquelas pessoas que vejo passar ao longe sao outtos

tantos conglomerados momentaneos e fortuitos de atomos.

Os objetos diferem entre si pela quantidade e diversidade dos

atomas, as quais ditam, por sua rarefa<,;:ao ou concentra<;:ao, 0

destino das coisas; os atomos, por sua vez, diferem entte si

por urn mimero infmito de formas e tamanhos. Eles nao sao

perceptiveis; percebemos somente os conglomerados que

resultam do seu encontro fortuito e conrinuo. E importante

salientar que, segundo as atomistas, as fenomenos macros­

capicos - como esta parede verde que percebo - nao existem

realmente; 0 que existe sao unicamente os atomos que os

compoem: esta parede e um aglomerado de atomos, em per­

petuo movimento. Como nao vemos as atomas, temos a

ilusao de que a parede permanece a mesma, pois nao per­

cebemos sua conrinua muta,ao atomica. Na verdade, 0 verde

que percebo tampouco existe, pois ele e somente 0 efeito

provocado em minha percep<;ao pelo choque dos atomos;

todas as diferen<;as qualitativas dos objetos reduzem-se as

diferen<;as dos atomos envolvidos na constitui<;ao dos objetos.

31

32 Platao e Arist6teles

Nao e dificil perceber aqui a marriz de urna resposta

que hoje tem 0 aval da Ciencia: a explica~ao do mundo medi­

ante a composi~ao mais ou menos complexa de urn numero

limitado de tipos de atomos. Tampouco e dificil perceber

aqui algumas incoerencias. As formas dos atomos nao pre­

cisam ser infInitas; se 0 forem, ali:is, 0 poder explicativo da

hip6tese atomista toma-se incontrolavel ao permitir uma

infInidade de formas atomicas para uma mesma coisa (uma

mesma mesa pode ser 0 resultado do enconrro de atomos,

digamos, dos tipos 1 a 12.000 ou dos tipos 39.000 a 52.000 e

assim por diante). Alem dis so, os atomos sao dotados de

movimento eterno; ora, como as antigos desconheciam 0

principio de inercia, era preciso postular uma causa que os

mantivesse sempre em movimento. Epicuro (341-270 a.c.),

que viveu ap6s Platao, procurou e!iminar as falhas do atomis­

mo. Para ele, devemos explicar 0 numero inflnito de mundos

pela combinac;ao inflnita de urn nu.mero finito de atomos, 0

que permitiria uma explica~ao sensata do mundo, e 0 criterio

de que disporiamos para determinar qual e esse nu.mero e a

pr6pria experiencia: se for necessario postular cem formas

diferentes para explicar a diversidade do mundo, adota-se

esse filimero; se nao bas tar, aumenta-se 0 filimero de formas

de atomos con forme nossas necessidades de explicac;ao dos

fenomenos fisicos, sabendo de antemao que 0 numero e fIni­

to. A teoria postula, por exemplo, a existencia de atomos

l

Platao

redondos para explicar a extrema mobilidade da alma

hurnana (aflnal, somos capazes de passar do riso ao choro em

segundos), pois 0 que e redondo e particularmente m6vel;

para objetos mais fIxos, como as montanhas, atomos de

forma cubica pareceriam mais adequados. Os atomos dife­

rem, assim, por um numero finito, ainda que muito grande, de

formas, mas tambem por uma cerfa variac;ao de tamanho e

pelo peso. A atribuiC;ao de peso servia em parte para explicar

seus movimentos, pois e 0 peso que, para os Antigos, expli­

cava a queda (e 0 movimento) dos corpos. 0 atomismo anti­

go, na versao de Epicuro, estava mais pr6ximo da teoria

atomica do mundo que a Ciencia Modema propos.

Platao teria fIcado satisfeito com a teoria atomica re­

formulada por Epicuro? Seguramente nao. Sua objec;ao nao

diria respeito aos detalhes da teoria, mas a um ponto central:

a cosmologia' dos atomistas e isenta de Teleologia, isto e, nao

recorre a nenhurna explicaC;ao sobre a fInalidade das coisas.

Tudo 0 que existe e 0 resultado de uma necessidade cega, do

choque puramente mecanico e fortuito dos atomos, sem que

haja urn fun que comande seus movimentos. 0 determinis­

mo decorrente do choque mecanico enrre os atomos toma­

ria caduco todo discurso sobre 0 fun e 0 bem das coisas. Ora,

para Platao, urna explica~ao cientifIca nao po de prescindir da

Visao da estrutura do univcrso

33

34 Platao e Aristoteles

no~ao de bem e de fllTI, pois, para e!e, tudo 0 que e tende ao

bem, de modo que 0 bem como fllTI e constitutivo do

pr6prio ser das coisas. Com 0 atomismo, podemos explicar,

por exemplo, como e possive! que eu me sente (tenho !ais e

tais articula~6es, meu corpo e constituido de tais e tais partes

ou 6rgaos, que se reduzem todos a certos conglomerados de

itomos), mas nao podemos explicar por que eu me sento e

nao fico, ao contd.rio, em pe ou deitado. 0 atomismo nao

somente evitou a explica~ao fInal, como sobretudo tornou-a

incompative! com a explica~ao cientifIca. Para Placio, isso

equivaleria a assinar sua pr6pria senten~a de morte, pois

explicar 0 mundo implica investigar em que sentido 0 que

existe esti constituido internamente por um fllTI ou valor.

Para Platao, 0 Bem e 0 principio supremo de tudo 0 que e, 0

que 0 faz rejeitar toda explica~ao que acarrete 0 abandono da

Teleologia.

Epicuro deu urna resposta a essa difIculdade: os ito­

mos, em queda livre, apresentam um infllTIO desvio, cuja con­

sequencia e a introdu~ao de urn e!emento de indetermina~ao

na natureza. A natureza deixa de ser estrito determinismo,

pois a todo momento os infllTIOS desvios podem alterar 0 que

seria, sem tais desvios, uma sequencia inevitavel e necessaria

de choques atomicos. A resposta fez fortuna, mas e insatis­

fat6ria: 0 que Platao buscava era uma doutrina unifIcada

capaz de explicar ao mesmo tempo 0 Ser e 0 Bem, nao a

Platao

mera introdu~ao da indetermina~ao na natureza. Assim,

PIa tao nao pode aderir as teses dos materialistas.

Os momstas e os matematicos

Mas quem sao os outros contendores da batalha de

gigantes a respeito do que hi no mundo? PIa tao os chama de

amigos das Idiias, e certamente se sente pr6ximos deles, pois

ele pr6prio propos, como solu~ao a este debate, a doutrina

das Ideias (veremos em breve que doutrina e essa). Entre

esses amigos encontra-se Parmenides (segunda metade do

sec. VI/primeira metade do sec. V). Para Parmenides, que

redigiu em versos sua doutrina filos6fIca, 0 que e nao pode

ser gerado, pois, se 0 fosse, enta~ nao era, quando justamente

e; tampouco pode ser miiltiplo, pois, se 0 fosse, haveria algo

outro do que e!e, 0 que nada seria, visto que 0 outro do que

e e 0 que nao e. 0 ser, portanto, e imune aos caprichos do

tempo, sendo im6ve! e eterno. Alem disso, nao pode ser

miiltiplo, pois entao haveria algo que e sendo outro que 0 ser,

o que e impensivel. Ora, para Parmenides, hi urna intima

re!a~ao entre 0 ser e 0 pensar.

A tese de Parmenides leva it conclusao de que hi urn

tinieD set, isto e, conduz ao rnonismo. Ora, 0 monismo e ina­

ceitive!, pois e 6bvio que 0 mundo e miiltiplo e dotado de

movimento, mas 0 seu argumento tem 0 charme irresistive!

35

36 Platao e Arist6teles

dos paradoxos logicos. Nao adianta por Parmenides na tra­

jetoria de urna carruagem para constatar que, do ponto de

vista pritico, ele, ao jogar-se para 0 lado, reconhece que h:\

movimento; 0 problema esta em como satisfazer simultanea­

mente as exigencias da razao e as evidencias empiricas. 0

poema de Parmenides e urn canto de sereia, mas algumas de

suas notas nao sao de todo falsas. 0 que encanta sobretudo

Platio e a atitude de Parmenides de partir da razao e, em

fun<;ao de suas exigencias, atribuir entio ao ser sensivel 0 que

vale para 0 objeto de pensamento.

Embora saiba que deve recusar a mosofia de Par­

menides, por consideri-la paradoxal, Platao ve aqui a resposta

para urn problema que 0 atormentava hi tempos. Quando

jovem, segundo 0 relato de Aristoteles, Platao escutou as

liqoes de Critilo (segunda metade do sec. V a.C), discipulo de

Hericlito (540-480 a.c.). Segundo Hericlito, tudo esti em

£luxo continuo: nao entramos duas vezes no mesmo rio, pais

outras sao as iguas que 0 constituem. Critilo levou ao

extrema essa tese: nao entramos nem uma Unica vez no mesmo

rio, pois ele esti em perpetua mudan<;a. Critilo limitava-se a

apontar 0 dedo as coisas, pois temia que, no curto tempo con­

sumido pelo simples ato de as nomear, elas ji seriarn outras e

nao mais as mesmas. Platao aplicou a tese de Heraclito ao

mundo sensivel: tudo 0 que se apresenta a nossa percepqao

esti em perpetuo fluxo; ora surge, ora desaparece, estando

L

Platao

sempre em transformaqao. No entanto, podemos falar sobre

essas coisas, ao contririo do que pretendia Critilo; contudo,

nao podemos conhece-las, pois conhece-las requer urna estabili:

dade que elas nao podem oferecer. Para Platao, 0 que havia de

verdadeiro em Parmenides era que 0 objeto de conhecimento e

urn objeto de raZao, nao de sensarao, e a solu<;ao do paradoxo de

Parmenides parecia residir no estabelecimento de urna rela<;ao

entre objeto racional e objeto sensivel ou material que privile­

giasse 0 primeiro em detrimento do segundo. Lenta, mas irre­

sistivelmente, a doutrina das Ideias formava-se em sua mente.

37

Outros amigos das Ideias sao os matemiticos. A

Academia, a escola de PIa tao, foi urn centro de estudos ma­

temiticos, e ao que parece era condiqao para 0 ingressante ter

familiaridade com a Matemitica. Alguns de seus membros ou

colaboradores foram celebres matematicos, como Eudoxo

(391-332 a.c.) e Teeteto (414-369 a.c., apresentado por

Platao como urn jovem e brilhante matemitico no diilogo

que leva seu nome). Aqui eli, encontramos nos escritos de

PIa tao definiqoes que vao reaparecer nos Elementos de

Euclides, a suma dos conhecimentos matemiticos, redigida

por volta de 300 a.c. e que ainda servia, em pleno sec. xx, de manual de estudos em Geometria: no diilogo Parmenides,

o circulo e definido em termos similares aos de Euclides; no

Menon, a figura e defmida como a extremidade do solido,

defmiqao tecnica retomada no livro XI dos Elementos; alem

38 PlaGio e Arist6teles

disso, Platao e 0 unico fIl6sofo antes de Euclides a ter pro­

posto uma defmil'ao de linha reta.

o interesse de PIa tao por esses temas provinha do fato

de que bus cava urn modele matemittco do mundo e isso 0

fez aproximar-se dos disdpulos de Pitigoras, cuja influencia

difusa e constante em Platao deriva justamente dessa aposta

em comum de ler a natureza por meio dos caracteres ma­

temittcos. Ler a natureza por meio da Matemittca significa

para PIa tao encontrar, por tris do perpetuo fluxo dos obje­

tos sensiveis, uma estrutura permanente, propriamente ra­

cional, que se furta it geral'ao e corrupl'ao. A esfera matemitt­

ca e perfeita, imutivel, tendo sempre as mesmas relal'oes; as

esferas reais, como uma bola de futebol ou uma bola de gude,

sao imperfeitas, mutiveis e suas relal'oes dependem das

modifical'oes que sofrem. Como 0 conhecimento e do esti­

vel e do que sempre e de mesmo modo (pois se sei que A

produz B, sei entao que A sempre produz B e nao que ora 0

produz, ora nao 0 produz), a base matemittca pareceu a

Pia tao poder fundar 0 conhecimento do mundo, 0 que ele

considerava impossivel se ttvessemos de recorrer unicamente

aos objetos empiricos.

Na Anttgiiidade, aceitava-se comumente que havia

quatro elementos primordiais, de cuja combinal'ao erarn

feitos todos os outros corp os: a terra, a igua, 0 ar e 0 fogo;

mais ainda, acreditava-se que urn se transforrnava no Dutro,

PlaGio

L

~ Od.aedro

<) Tetraedro

Cubo

~ ~

Ico<;aedro

;J)\ r ~ ,_, . ..r' ,-r~-.:....,=-­-2 - -.'~

Ar

~ 6; AJfrj(/r

I="ogo

~ "I '!'?' .=-' v/ /,

Terra

o

DjJ~. -~~j;

/

Agua

Os quatro elementos e suas equivalencias geometricas de acordo com Platao

39

40 Platao e Arist6teles

estando esses quatro elementos em continua altera~ao dclica.

Teeteto, ao que tudo indica, resolveu os problemas ligados a constru~ao dos poliedros regulares; Platiio adotou seus resul­

tados (que aparecem tambem nos Elementos de Euclides, em

especial no livro XIII) com a inten~ao de analisar a sua luz os

corpos elementares: ele reduziu 0 fogo a figura do tetraedro

(ou piriimide de base triangular), 0 ar a do octaedro, a agua a do icosaedro (poliedro de vinte !ados) e a terra a do cubo.

Com essas figuras geometricas, que sao estaveis e tem

rela~oes fixas entre si, Platao tentou mostrar como uns cor­

pos elementares geram os outros (0 ar, segundo Platiio, e

produzido a partir do fogo e a agua a partir do ar pela gera­

~ao, respectivamente, de um octaedro por dois tetraedros e

de um icosaedro por dois octaedros e meio), os objetos

materiais sendo gerados pela mistura dos corpos elementares

(podendo, portanto, ser reduzidos a misturas de formas

geometricas). As constru~oes geometricas de Platao nao

estao isentas de erro, mas isso nao nos deve deter, pois 0

principal e que a revolu~ao estava feita: a verdade de uma

coisa na~ sao as qualidades sensiveis que ela nos apresenta

(por exemplo: e amarela, fundivel, pesada), mas a forma

geometrica que ela esconde, que so podemos descobrir

atraves da razao e do pensamento. Essa forma e eterna, por

maiores que sejam as muta~oes por que passam seus corres­

pondentes corpos materiais.

Platao 41

A redu~ao dos elementos primordiais a formas geo­

metricas pode parecer muito arriscada, mas a tese de ler a

natureza segundo os caracteres matematicos tem um apelo

inegavel. Tanto que a Ciencia Moderna esti justamente fun­

dada na ideia de ler a natureza em seus caracteres matemati­

cos. Na propria escola de Platao, essa tese encontrou um

sucesso que a consolidou fortemente. Na Antigiiidade, a

Astronomia era a ciencia por excelencia, e uma de suas

grandes dificuldades era explicar 0 movirnento irregular dos

planetas diante da constancia da rota~ao das estrelas. Lem­

bremo-nos de que, do ponto de vista de urn observador

irnovel na Terra, as estrelas descrevem movirnentos circu­

lares. Hoje sabemos que quem esta girando nao sao as estre­

las, mas a propria Terra; porem, para urn observador irnovel

na Terra, os planetas seguem orbitas estranhissirnas, pois

parecem ora avan<;ar, ora retroceder; em suma, seus movi­

mentos nao parecem seguir nenhurn padrao. Em grego, aliis,

planeta quer dizer errante: ora vai em uma dire~ao, ora em

outra. No entanto, para Platao, os planetas tinham de ter um

movirnento ordenado, pois os considerava divinos, e 0 divi­

no e ordenado. Ele propos a sua escola encontrar os movi­

mentos que explicariam 0 carater aparentemente irregular

dos planetas atraves de formas regulares. 0 matematico

Eudoxo concebeu entao um sistema de esferas concentricas

de movirnento circular uniforme que permitia, por suas

42 Platao e Aristoteles

conexoes, descrever os movimentos de cada planeta. Esse

sistema foi aperfei~oado pelo astronomo Calipos (colega de

Eudoxo e de Aristoteles), que acrescentou novas esferas, e

esta na base do que resultou, com Ptolomeu (100-170 d.C),

no sofisticado sistema geocentrico (isto e, com a Terra imo­

vel no centro do universo) que perdurou ate 0 sec. XVI.

Copernico, Kepler e GaWeu fmalmente 0 refutaram, substi­

tuindo-o pelo heliocentrismo, mas mantiveram a tese central

que 0 embasava, a saber, que, por tras da maior diversidade e

aparente desordem, hi leis matematicas que impoem a

ordem. 1sso tornou-se um lema para 0 platonismo: salvar os

fenomenos, isto e, tomar 0 maior numero possivel de dados

empfricos, muitas ve?,es discrepantes, a fun de encontrar a

expressao matematica que os organiza de modo infallve!'

A Matematica tem, assim, urn pape! importante no sis­

tema platonico, pois com ela passamos do domfnio sensivel,

dos objetos materiais, ao campo do inteligive!, aos objetos de

pensamento. Somente estes ultimos tem a estabilidade que

todo conhecimento cientffico requer. No en tanto, a

Matematica ainda nao e estagio Ultimo do conhecimento. Em

A Republica, Pia tao nos di?' que a Geometria e as Ciencias

Matematicas em geral apreendem uma parte da essencia das

coisas, mas somente a ciencia suprema, que ele denomina

Dialetica, conhece a intefra essencia de cada coisa. Com­

parada com a Dialetica, a Matematica seria como a visao que

Platao

temos nos sonhos, enquanto a ciencia suprema seria a visao

verdadeira. Nao se trata de desprezar a Matematica (ao con­

trario, Pia tao sempre teve em alto valor 0 seu papel), mas de

ressaltar a altissima posic;:ao da Dialetica, ciencia por excelen­

cia, diante da qual mesmo a Matematica se iguala ao sonho.

A razao disso e que, segundo Platio, embora a Matematica

penetre ja na essencia inteligivel das coisas, e!a procede por

hipoteses que assume, mas nao demonstra; a Dialetica, por

sua vez, ultrapassa as hipoteses na medida em que as funda­

menta em urn principio supremo nao hipatetico. Cam a

Dialetica, nao ha restas, tuda fica esclarecida, inclusive 0

principia mesma de ande se parte.

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43

44 Plat.'io e Arist6teles

o que ve aquele que possui a ciencia dialetica? Ele ve,

segundo Platao, a essencia de cada coisa. 0 dialetico tem

uma visao completa da realidade. Como pode ver a essencia

de cada coisa? Vendo a essencia de toda coisa. Para Platao, 0

que realmente existe e 0 que reconhecemos pelo pensamento,

nao 0 que percebemos com os sentidos. Esta mesa que to co

aqui nao e a mesma que vejo Ja; uma e outra sofrem 0 des­

gaste causado pelo tempo, ambas possuem imperfei~oes,

esta e de madeira, aquela e de metal; 0 que e propriamente a

mesa nao e ora uma coisa, ora outra, tampouco e de um

modo em um dado momento e de outro em outro momen­

to. Para Platao, isso significa que 0 que existe realmente nao

sao os casos particulares, materiais e sensiveis de mesa (em

nosso exemplo), mas 0 que ele chamou de Ideia - em nosso

caso, Ideia de mesa. A Ideia de mesa e perfeita, eternamente

mesa, e e a causa, segundo Pia tao, do ser mesa das mesas

concretas que usamos. Esta mesa aqui, de madeira, e mesa

na medida em que participa da Ideia de mesa; ela e mesa, mas

em um grau menor, pois 0 que e real, verdadeira ou pura­

mente mesa e unicamente a !deia de mesa.

A doutrina das Ideias

Platao esd. concluindo a reviravolta que come~ou

com a sua concep~ao do objeto matematico: embora acre-

Plat.'io

ditemos por intui~ao que 0 que realmente existe e esta mesa

aqui e aquela outra ali, ele pretende mostrar que as mesas

concretas sao casos fugidios e secundarios de mesa, que'e

pr6pria e primeiramente a mesa inteligivel, 0 que ele

chamou de Ideia de mesa. A reviravolta esta feita: 0 que e

realmente esta no dominic da razao; os sentidos nos dao

meramente aparencias, que nos poem a pensar, mas que nao

constituem realmente 0 mundo. Platao ilustra com freqiien­

cia sua doutrina das Ideias com artefatos, como a mesa e a

cama. No en tanto, isso pode ser enganador, pois

poderiamos pensar que quisesse dizer que a ldeia da mesa e

a concep~ao que dela temos e com base na qual fabricamos

as diferentes mesas espalhadas pelo mundo. Isso seria um

erro, pois, para Pia tao, as Ideias nao sao conceitos ou enti­

dades mentais, mas sim modelos natutais, dos quais partici­

pam os objetos concretos e que entao apreendemos pela

razao: 0 mundo e como e, para Platao, porque os objetos

materiais participam das Ideias, e temos tais e tais con­

cep~oes e no~oes mentais porque 0 mundo e assim. Como

para todo grego, tambem para Platao e porque 0 mundo e assim que 0 pens amos deste modo, e nao 0 contrario. E bem verdade que Platao nunca explicou claramente como

se da essa participa~ao, mas via nela seguramente uma

rela~ao causal (a Ideia e causa dos objetos concretos) e uma

fun~ao hierarquica (a Ideia e 0 que e primeiramente, e 0

45

46 Platao e Aristoteles

modelo que os objetos concretos imitam imperfeitamente).

Nao podemos perceber ou sentir as Ideias, podemos

somente concebe-Ias ou compreende-Ias; elas nao existem

no mundo sensivel, mas residem alhures, la onde 0 pensa­

mento as apreende.

Entramos assim no cora~ao da fllosofia de Platao, a

sua doutrina das Ideias, que e ao mesmo tempo seu ponto

mais controverso. Como veremos, Arist6teles recusara. sem

hesita~ao tal doutrina, mas PIa tao cre que ela e 0 unico modo

de salvar a razao, pois, sem ela, nao haveria objeto estavel de

conhecimento; por conseguinte, tampouco objeto de racio­

cinio ou discurso verdadeiro.

Para Platao, dada uma multiplicidade de objetos referi­

dos por urn mesmo termo de modo inequivoco, ha uma e

apenas uma Jdiia, que e 0 modele do qual esses objetos sao

as copias. Obviamente, nao ha uma Ideia para qualquer

termo geral de nos sa linguagem (nao ha, por exemplo, Ideia

de barbaro ou de grego, mas somente de homem), mas a todo

termo geral que designa uma das junturas ou articula~6es do

mundo corresponde uma Ideia que concentra em si 0 ser em

questao, enquanto os objetos materiais existem a titulo mera­

mente de copias ou imita~6es. Os particulares, assim, nao

somente estao canticlos nos universals, como tambem sao

concebidos como causados pelos universais, derivados deles

e hierarquizados por eles.

Platao

De modo similar, as Ideias tambem tern uma hierar­

quia. A Ideia de homem, por exemplo (que Platao tambem

chama de o-homem-proprio ou homem-em-si), esta contida na

Ideia de animal e, por conseguinte, e dependente dela (se 0

animal for aniquiIado, 0 homem e aniquiIado; mas se 0

homem for destruido, nem por isso 0 animal e destruido);

do mesmo modo, a Ideia de animal depende da de ser vivo

e esta subordinada a ela, e assim por diante. A Ideia mais

geral, aquela que abarca todas as outras, e a Ideia de Ser, que,

em Platao, identifica-se it Idi'ia de Bem: elas concentram a

realidade no seu modo eminente, em seu maximo grau, pois

tudo 0 mais faz apelo it Ideia de S er e it de Bem. Ao unificar

ser e bern, PIa tao colocou no apice da realidade uma Ideia

que designa ao mesmo tempo 0 que e e 0 que deve ser, 0 fato

e a norma.

o dialetico e aquele que, tendo abandonado 0 mundo

das sensa~6es, nao se lirnitou it compreensao inteligivel das

coisas que a Matematica oferece, mas chegou it visao da Ideia

suprema, a Ideia de Bem. 0 que ve ele do alto do seu saber?

Como a Ideia suprema concentra a realidade e 0 valor d~

modo eminente, ao contempla-la 0 dialetico contempla toda

a realidade. Do alto da pirimide do S er e do Bem, contempla-se

a planicie inteira da realidade. Quem conhecer a Ideia m:ixima

conhece tudo, pois tudo esti concentrado nela, tudo depende

dela, tudo deriva dela. Como, porem, pode 0 dialetico chegar

47

48 Platao e Arist6teles

a urna zona de ar tao rarefeito, como pode ele abandonar as

hip6teses matematicas e apreender fmalmente 0 principio

supremo nao hipotetico? A esta altura, poderiamos temer

que Pia tao ou nao tivesse mais resposta, ou fizesse apelo a

experiencia mistica e ao inefivel, visto ter-se ja distanciado

tanto do senso comurn com a sua teoria das Ideias. Ele,

porem, tern urna resposta precisa e clara. Para removermos

as hip6teses e chegarmos ao principio nao hipotetico, aquele

que concentra a totalidade do ser e e isento de qualquer resto

ou obscuridade, devemos corrigit nossas defmi~iies com­

parando-as urnas as outras, tornando-as perfeitamente com­

pativeis entre si e, desse modo, oferecendo uma explica~ao

unificada do real.

Este e 0 grande lance de Plarao: urna vez obtidas as

hip6teses matematicas a partir da apreensao intelectual do

que nos e dado por meio da percep~ao, a ascensao ao princi­

pio Ultimo do ser se fad nao mais por apelo a uma experien­

cia, seja ela sensivel ou mistica, mas pelo ato da razao de

tornar coerentes as nossas hip6teses e teses mediante 0 exa­

me rigoroso de suas compatibilidades com vistas a uma teo­

ria unificada do real. Uma vez instalados no dominio do

inteligivel (pela formula~ao matematica da essencia das coisas

materiais), basta acomodarmo-nos confortavelmente nele

para chegar a visao do todo mediante 0 uso rigoroso da ra­

zao. A coerencia interna do pensamento garante a descoberta

Platao

da verdade Ultima aquele que conseguir subtrair-se as paixiies

e sensa~iies do mundo empirico, se for paciente e inteligente

o suficiente para perseguir ate 0 fun 0 fio da razao.

49

A resposta de Platao e, novamente, sedutora: nada de

experiencia mistica, nenhurn irracional a fundamentar a

razao, apenas 0 pr6prio pensamento que vasculha seus mean­

dros para esclarecer a si mesmo. Ainda hoje temos forte

apego a esse procedimento, pois consideramos que toda teo­

ria cientifica tern de ser internamente coerente, 0 que obte­

mos pelo seu polimento interno, pela compara~ao e con­

fronta~ao incansavel de suas hip6teses entre si. Para alguns,

a verdade de urna teoria provem e limita-se a sua coerencia

interna. No entanto, 0 que marca a resposta de Platao e seu

carater radical: nao s6 chegamos a ldeia suprema pelo trabal­

ho interno da razao consigo mesma, como 0 fazemos dando

as costas a experiencia e ao mundo sensivel. No sistema de

Platao, essa radicalidade e inevitavel porque 0 que existe real­

mente, para ele, nao sao os objetos materiais, mas os mode­

los inteligiveis que as coisas concretas imitam imperfeita­

mente. Platao dividiu a realidade em dois mundos: de urn

lado, hi 0 mundo concreto, percebido pelos sentidos, cons­

tantemente gerado e destruido, irregular, repleto de exce~iies

e falhas, que, como Plarao diz no Timeu, nunca e real mente; de

outro, esra 0 mundo das Ideias, uniformemente existente,

sempre 0 mesmo, apreendido somente pelo pensamento,

50 Platao e Arist6teles

causa do ser do mundo sensivel. Nesse esquema, nao faz sen­

tido, uma vez al~ado ao dominio das Ideias, querer voltar ao

mundo irregular e falho das coisas concretas. Platiio estabe­

lece urn fosso entre urn mundo e outro; 0 problema todo

consiste, para ele, ern sair do mundo enganoso das sensa<;oes

e entrar no reino tranqiiilo e recompensador das Ideias, nao

em transitar continuamente de urn mundo para outro.

A alegoria da caverna de Platao

Em urna de suas mais famosas compara~oes, Pia tao

ilustrou essa passagem com a alegoria da caverna: aquele que

acredita somente no que vI', e sente e como urn homem acor­

rentado no fundo de urna caverna que assiste ao espetaculo

Platao

das sombras de objetos que !he sao projetadas em seus

muros. Sem ver de onde vern essa proje~ao e tomando as

sombras peias proprias coisas, nao suspeita que os objetos, os

verdadeiros, se encontrarn fora cia caverna. Se, porem, (00-

seguir livrar-se de seus grilhoes, veri entao que nao passavam

de sombras, e tentari, com grande esfor~o, galgar as entra­

nhas da caverna para sair deia; Ii fora, cegado pela luminosi­

dade que desconhecia inteiramente, teri primeiro de acostu­

mar-se com ela para enfun urn dia mirar de frente 0 Sol, fon­

te de toda luz. 0 Sol simboliza a Ideia suprema; a saida da

caverna designa 0 abandono do mundo das sensa~oes em

proveito unicamente do pensamento; os grilhoes, nossa

obstina,ao com 0 mundo da experiencia.

A alegoria da caverna poe em cena 0 esfor~o trigico da

ascensao que 0 homem deve fazer para chegar a ciencia. 0

motivo disso e que, a disrancia que existe entre a Ideia e 0

objeto material (urn e 0 modelo; 0 outro, a copia), corres­

ponde urn fosso entre 0 conhecimento e a opiniao. A opiniao

pode ser verdadeira, mas pode tambem ser falsa; ela e mura­

vel, presa ficil da persuasao, produto de nossas sensa~oes; 0

conhecimento, ao contd.rio, e por essencia verdadeiro e nao

se deixa persuadir, pois e objeto de convic~ao. Nao hi conhe­

cimento falso; se e falso, entao nao era conhecimento. A

Ciencia, para Platao, responde aos altos criterios de ser sem­

pre verdadeira, objeto de convic~ao e resultado do pensa-

51

52 Plat.lo e Arist6teles

mento que examina com rigor a si mesmo, abandonando

para sempre 0 mundo cambiante, irregular e falho de nossas

sensa~oes e experiencias.

As assembleias eram a base da democracia ateniense

PIa tao e 0 mundo dos homens

Ao subordinar 0 conhecimento matemitico a Dia­

letica, Platiio concebeu uma ordem do saber altamente hie­

rarquizada. No topo esti a Dialetica, visao do todo a partir

da Ideia suprema, pois dela todas as demais derivam; abaixo,

."

Plat.lo 53

as ciencias matemiticas, que se al~am ao inteligivel, mas

operam ainda com hipoteses; por fun, estao os objetos mate­

riais e as opinioes que a eles correspondem. Essa hierarquil

do saber reflete os graus do ser: no topo, 0 que e sumamente,

o perfeito; Ii embaixo, 0 que mescla ser e nao ser, 0 que e

imperfeito; entre eles, 0 objeto matemitico, inicio da ascen­

sao ao inteligiveL Essa hierarquia e acompanhada, por sua

vez, de uma perspectiva antropologica: todos temos opinioes,

mas, segundo Platiio, a Ciencia e para poucos. Ele refor~a

assim, ao termino de seu percurso intelectual, a visao pes­

simista que tinha dos homens, que 0 decepcionaram tanto,

sobretudo no episodio da condena~ao de Socrates. Platiio

havia abandonado a carreira dos cargos publicos para

dedicar-se aos estudos, mas pensa agora, com base em suas

doutrinas, poder voltar ao mundo da politica. Hi, para

Platao, uma ciencia politica, segura e infalivel; e com base

nessa ciencia que 0 governante decide a respeito do bern de

seus subordinados, estejam eles de acordo ou nao,' assim

como 0 medico prescreve ao doente 0 exato remedio que 0

curari, queira ele beber ou nao tal po<;ao. Quem possui tal

ciencia nao deve, como propunha a Atenas democritica,

deliberar e discutir publicamente a respeito das decisoes a

tomar, mas deduzir 0 que deve ser feito a partir das premis­

sas de seu saber. E, como 0 medico altera sua prescri~ao sem

ficar limitado pelo que determinara antes, mas unicamente

54 Platlo e Aristoteles

recorrendo ao seu saber, assim tambem quem possui a cien­

cia politica pode ditar regras sem ser freado por leis prece­

dentes. Platao pensa agora ter encontrado uma razao para

seu pendor autorirario: como e 0 filosofo aquele que sabe,

aquele que detem a arte de governar por meio da ciencia

politica, os reis devem ser filosofos e os filosofos devem ser

reis, cabendo aos subordinados somente obedecer e, desse

modo, chegar ao maximo de felicidade que cabe a cada urn.

Em uma passagem do Po/itico, Plarao ridiculariza 0 pro­

cedimento democritico de decidir comparando-o novamente

a Medicina: assim como e pouco sensato querer que uma

assembleia de sapateiros, padeiros, agricultores, pescadores e

artesaos de todos os tipos decida por delibera~ao a respeito

de que remedio devo tomar, ja que nenhum deles conhece a

arte medica, assim tambem devo confiar, no tocante ao go­

verno de minha cidade, nao nas assembleias populares, mas

naqueles que possuem a ciencia politica. Nessa mesma pas­

sagem, ele deixa escapar a origem de sua ferida: nao sur­

preende, diz ele, que nossa assembleia de sapateiros e

artesaos de todos os tipos condene alguem que queira corri­

gir os costumes baseando-se em urn saber para alem deles e

das leis escritas, acusando-o de "corruptor de jovens". Essa

foi justamente uma das acusa~6es contra Socrates, no proces­

so que 0 condenou a morte. A experiencia pessoal de PIa tao

emerge por tras de sua doutrina.

Platao 55

o pendor autoritario de Plarao tambem foi refor~ado

pelo fato de, na Atenas democritica, proliferarem os sofistas,

que declaravam poder tarnar urn argumento fraco em forte e vice-versa, nao por disporem de urn saber, mas simplesmente

por serem suficientemente habeis em persuadir 0 publico em

uma dire~ao ou outra, segundo 0 que Fosse mais vantajoso.

Representante por excelencia dessa tendencia, Protagoras

(484-414 a.c.) declarou que 0 homem e a medida de tadas as

coisas. Plarao combateu com tadas as suas fon;as esse subje­

tivismo radical, em particular no tocante as conseqiiencias

moralS; em seu lugar, defendeu urn saber objetivo, guiado

pelas proprias coisas c isento de manchas e interesses hu­

manos, inclusive para a arte de governar. 0 proprio conhe­

cimento foi vista por Plarao nao como algo que criamos ou

que de algum modo constituimos, mas como urn reconheci­

mento das Ideias que estao desde sempre em nos e que,

como tais, nao dependem de nos. N esse arn de preservar a

todo custo e da forma mais forte a objetividade do saber e do

mundo, PIa tao nao deixou de recorrer, ele tambem, a retori-

ca e aos mitos, tao comuns em sua epoca. Grandes causas

requerem por vezes defesas excepcionais: PIa tao fez apelo a

cren~as populares e aos mitos para transmitir parte de suas

teses ao grande publico. 0 resultado e 0 que temos: dialogos

brilhantes, teses decisivas, batalhas memoraveis, posi~6es

politicas e doses variadas de mitos e cren~as. Cada leitar deve

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56 Platao e Arist6teles

fazer sua pr6pria interpreta~ao, pois a receita desapareceu

com Platiio.

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A eslalua de Alena no Partenon

1

Platao

o legado de Platao

Nao hi como ler Platao e nao ficar impressionado, e mesmo entusiasmado, com sua tese segundo a qual 0 mundo

esta escrito em caracteres eternos, imutaveis, 0 que ele

chamou de Ideias. Para al~ar-se ao mundo das Ideias e pre·

ciso inicialmente abandonar 0 que as sensa~6es nos

fornecem, e que nos parece ser 0 mals real, em proveito de

sua expressao matematica, que e 0 primeiro nivel inteligivel

no qual a razao enfim pode exprimir-se. Uma vez ill, no

mundo inteligivel, para sempre la: basta agora comparar,

burilar, buscar a maxima coerencia para enfim conhecer 0

que e propriamente real. 0 mundo das sensa~6es, que nos

parecia inicialmente real, nao s6 e preterido pelo mundo das

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A educa9ao grega previa a utiliza9ao da Malemalica, da Musica, da poesia e alividade fisicas

57

58 Platao e Aristoteles

Ideias como, por contraste com 0 mundo da razao, perde sua

substancia e se torna mera aparencia.

Com base nessas teses, Pia tao desenvolveu uma sofisti­

cada Cosmologia, uma Fisica de cunho fortemente ma­

tematico, uma Quimica igualmente influenciada pela analise

matematica do mundo. Tambem esteve largamente preocu­

pado com os fatos humanos; muitos dos seus dialogos sao

reflexoes sobre a Etica e a Politica, sobre a natureza da vir­

tude, a estrutura da lei e a arte de bem governar. 0 fascinio

desse esfor~o intelectual e inegavel. Porem, tal fascinio e tem­

perado por um igualmente inegavel distanciamento da expe­

riencia e do senso comurn. Seu legado e, assim, duplo. De um

lado, a aventura da Ciencia teve nele um momento extra­

ordinaria, que a marcou, alias, por varios seculos. A razao

tem nele seu primeiro e infatigavel elogio. Por outro lado,

Pia tao foi longe demais, exigindo de si e de seus discipulos .

um certo desprezo do mundo da experiencia que terminou

por impedir urn maior desenvolvimento da Ciencia.

A aventura intelectual que e a Ciencia e impensavel

sem Platao. Fil6sofos e cientistas modernos encontraram nele

a inspira~ao decisiva, a for~a do pensamento. Ainda hoje 0

fascinio de Platao perdura: pensar 0 mundo e, em um senti­

do relevante, refazer 0 caminho de Platao.

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A Vida de Arist6teles

Arist6teles

Arist6teles nasceu em 384 a.C em Estagira, pequena

cidade onde e hoje 0 norte da Grecia. A regiao foi coloniza­

da pelos gregos de Calcis, da ilha de Eubeia; esteve, por certo

60 Platao e Arist6teles

periodo, sob controle de Atenas, mas passou ao dominio de

Esparta em fun<;ao da guerra civil. No inicio do sec. IV a.C,

uma tentativa de independencia foi sufocada pelos espar­

tanos; quando Arist6teles nasceu, a regiao ja tinha caido sob

a influencia da Macedonia, cujo poder crescia rapidamente.

Geograficamente e por razoes de familia, Arist6teles

tera sua vida ligada aos grandes eventos que transformaram

drasticamente 0 mundo grego em seu seculo. Seu pai, de nome

Nicomaco, era medico da corte macedonia; as rela<;oes com 0

poder e a corte seriio uma constante na vida de Aristoteles. Em

343 a.C, 0 rei Felipe II atribuiu a Arist6teles 0 cargo de pre­

ceptor de seu fllho Alexandre, entiio com treze anos.

Alexandre 0 Grande, 0 rei conquistador, teve como mentor

Arist6teles, um dos maiores filosofos gregos! Nao sabemos 0

quanto Arist6teles influenciou Alexandre; de sua parte, porem,

esse encontro nao parece te-lo marcado muito: Arist6teles, em

seus escritos, nao fala nunca em Alexandre e, em sua filosofia

politica, sempre considerou a cidade grega como a unidade

politica por excelencia, em forte contraste com os grandes

imperios, como 0 que bus cava criar Alexandre. De qualquer

modo, em 340 a.C, ou no mais tardar em 335 a.C, quando,

ap6s a morte de Felipe, Alexandre sobe ao trono, Arist6teles

abandona a corte e volta a Atenas. Ele quer a ciencia e a cul­

tura, nao 0 poder e a gl6ria; para isso, sabe que deve deixar a

corte e it para Atenas, 0 centro cultural da epoca.

Arist6teles

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Batalha naval em Salam ina

Mesmo assim, Arist6teles foi visto pelos gregos de sua

epoca como um representante do poder macedonio, e nao

dos menores, em fun<;iio de suas rela<;oes com a corte

macedonia, em particular com Alexandre, ligando para sem­

pre seu destino pessoal as turbulencias politicas de seu

tempo. Quando, em 323 a.C, difunde-se a noticia da morte

prematura de Alexandre, os gregos voltam a reclamar inde­

pendencia e Arist6teles refugia-se em Crucis, temendo

represilias. La, no ano seguinte, em 322 a.c., numa pro­

priedade pertencente a .sua familia materna, sem ter podido

voltar a Atenas, Arist6teles morre, com pouco mais de

sessenta anos, longe de sua escola e de seus discipulos. Foi­

nos transmitido seu testamento, de tom humano e tocante,

mas nele tambem a politica de seu seculo faz sua inevitavel

apari<;ao: 0 executor do testamento e ninguem menos que

61

62 Platao e Arist6teles

Antipatro, que sufocou a rebeliao grega apos a morte de

Alexandre, ordenou a execu~ao de Hiperides (389-322 a.c.,

brilhante orador ateniense, discipulo de Isocrates) e

perseguiu Demostenes (384-322 a.c., 0 maior de todos os

oradores gregos), for~ando-o ao suiddio.

Mais importante do que suas re!a~6es com Felipe e

Alexandre, porem, foi 0 seu encontro com Platao. Aristote!es

talvez nao tenha nascido no lugar certo, mas foi para 0 lugar

certo, no momento certo. Aos dezessete anos, em 367 a.c.,

chegou a Atenas e entrou para a Academia de Platao; Ii per­

maneceu por vinte anos, ate 347 a.c., ana da morte do

mestre. 0 grande ftlosofo Platao teve, portanto, entre seus

disdpulos, Aristote!es. A re!a~ao entre estes dois gigantes do

pensamento, de estilos e tendencias bern diferentes, e urn

tema fascinante. Pia tao, ftlosofo literirio; Aristote!es, argu­

mentador de rara precisao. Platao, idealista; Aristote!es, inves­

rigador da natureza. 0 destino dos dois esd para sempre li­

gada: nao e possive! compreender Aristoteles sem Platao,

tampouco e possive! pensar Platao sem refletir sobre as cnri­

cas que Aristote!es !he fez. A escola de Platao foi urn centro

aberto de pesquisa e discus sao; e muito provive! que urna

grande amizade os tenha unido, ou, pe!o menos, urn forte

reconhecimento inte!ectual, a despeito de suas diferen~as.

Em urn de seus escritos, a Etica Nicomaquiia, Aristote!es, ao

iniciar a cnrica da no~ao platonica de Bern, escreve que urn

Arist6teles

ftlosofo deve sempre preferir a verdade, mesmo quando a

tese que combate foi proposta por amigos. Assim nasceu 0

refrao: "Platao amigo, porem mais amiga a verdade".

Em uma das biografias anrigas que nos foram transmi­

ridas, consta que Aristote!es estudava tanto que foi apelidado,

ji nos tempos da Academia, de 0 fedor. Aristoteles lia, e muito,

pois em todas as suas obras demonstra urn grande conheci­

mento dos pensadores que 0 precederam; foi ele tambem,

segundo alguns testemunhos, quem por primeiro consrituiu

urna biblioteca, e com base em suas praricas foi criada a

famosa Biblioteca de Alexandria. Tudo isso talvez fa~a parte

da lenda que logo cresceu a seu respeito, mas deve conter

alguma verdade, ou, pe!o men os, e muito verossimil. Ao

mesma tempo em que devorava livros, devia exercitar suas

habilidades de observador da natureza: seus estudos de

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Nos simposios eram tratados temas e quest6es filos6ficas

63

64 Plauo e Arist6teles

Biologia revelam urn pesquisador atento, capaz de perceber 0

que e comurn no meio da maior diversidade.

Quando Platao morre, em 347 a.c., Arist6teles aban­

dona Atenas. Para alguns, foi por despeito, pelo fato de

Espeusipo (410-339 a.c.), sobrinho e disdpulo de Platao, ter

sido nomeado seu sucessor na Academia; para outros, 0 que

me parece mais provavel, e a morte de Platao que 0 faz partir,

ja que 0 motivo de sua vinda a Atenas nao existia mais.

Arist6teles embarca inicialmente para Assos, na costa asiatica,

onde se casa; depois, vai para Mitilene, na ilha de Lesbos, de

onde e originano seu principal discipulo, Teofrasto. Em 343

a.c., Arist6teles e chamado por Felipe para ser preceptor de

Alexandre; terminada essa fun<;ao, Arist6teles volta a Atenas,

em 335 a.c. La, aos cinqiienta anos, pesquisador seguro, fil6-

sofo maduro, abre sua escola, 0 Liceu, assim denominada por

ter sido estabelecida nas cercanias de urn templo dedicado a.

Apolo Licios (exterminador de lobos). Ali leciona ate 323

a.c.; ali desenvolve urn dos pensamentos mais marcantes de

toda a hist6ria intelectual do Ocidente. Vanos discipulos

conrinuaram sua obra, e sua escola, por vezes chamada de

peripatetica (por causa das carninhadas ao lange das quais,

parece, Arist6teles costumava dar seus cursos), foi a grande

referencia nos estudos por cerca de dois mil anos. A Ciencia

nao nasceu com Arist6teles, mas gra<;as a ele encontrou urn

tipo de argurnenta<;ao e urn formato de escola de ensino e

Arist6teles

pesquisa que !he deram urn estilo pr6prio e !he possibilitaram

sobreviver a periodos mais ou menos longos de obscuran­

tismo e intolerancia.

A Fisica de Aristoteles

Os passos inaugurais da filosofia de Arist6teles foram

dados dentro da escola de Pia tao, mas nao parecem ter sido

dados na dire<;ao do platonismo; ao contrario, Arist6teles dis­

tanciou-se fortemente de Platao ja em seu periodo de for­

ma<;ao. Como virnos, a Matematica ocupou urn lugar privile­

giado em Pia tao; ora, Arist6teles operou urna radical desma­

tematizafao da Filosofia. A natureza certamente contem urna

escritura em caracteres matematicos, mas, ao decifni-la, nos

ainda nao sabemos, segundo Arist6te1es, 0 que realmente

constitui 0 mundo. 0 fisico pode e deve servit-se da Mate­

matica; porem, ele nao e flsico por fazer Matematica, mas por

identificar as unidades basicas do mundo. A Matematica e 0

instrurnento cientifico utilizado para examinar 0 mundo do

ponto de vista de sua quantidade, mas ela nao e capaz de nos

dar por si s6 a natureza do mundo. Ao conhecer as proprie­

dades da esfera, sei que urn objeto esferico respondera a elas,

mas ainda nao sei se esse objeto e urna bola de brincar ou

urna bala de canhao, se e leve ou pes ada, de muito ou de

pouco valor, se se Iiquefaz ou nao. 0 enorme apre<;o em que

"

65

66 PlatJo e Arist6teles

a Matemitica era tida por Platao e rebaixado, em Arist6teles,

a urna perspectiva limitada, a da quantidade. Alguns comen­

tad ores modernos vitam nisso urn defeito da Fisica aristo­

telica, que teria ignorado 0 aporte da Matemitica a determi­

na~ao de seus objetos. Talvez isso seja verdadeiro para a

Fisica que foi feita ap6s Arist6teles e que tenha mesmo

reivindicado urna estirpe aristotelica; no entanto, no que diz

respeito aos trabalhos do pr6prio Arist6teles, a restri~ao que

prop6s ao papel da Matemitica na explica~ao cientifica

parece correta e nunca foi pensada por ele como inviabi­

lizando sua aplica~ao no dominio da Fisica.

"

Observa,iio da natureza

Arist6teles 67

Arist6teles foi um notivel investigador da natureza.

Suas observa~oes dizem respeito aos mais diferentes

dominios: a natureza dos astros, as 6rbitas celestes, os mrus

divers os tipos de animais, 0 desenvolvimento do embriao, as

mudan~as quimicas, os primeiros elementos e suas modifi­

ca~oes fisicas, os metais, os ventos, enfun: 0 campo inteiro da

narureza. Arist6teles se propos a esrudar 0 mundo. Como,

porem, faze-lo? E preciso ter urna certa ideia de metodo para

realizar do vasta investiga~ao. Um procedimento sensato, de

que ele se valeu bastante, foi iniciar os esrudos fazendo um

balan~o das tradi~oes e das descobertas passadas. Com isso,

ele obtinha de inicio urna dire~ao de pesquisa; ao mesmo

tempo, venda onde estavam os pontos controversos, ele

podia detectar os impasses te6ricos e as dificuldades que

deviam ser solucionados antes de ir adiante. Em todas as dis­

ciplinas que esrudou, foi sempre esse seu metodo de abor­

dagem; em urna unica, a L6gica, Arist6teles come~ou do

nada, mas ele explica que assim procedeu porque nada havia

de estabelecido nesse dominio antes de ele pr6prio ter

come~ado suas inves tiga~oes.

Em alguns cas os, como no campo da Etica e da

Politica, as opinioes e os valores morais declarados pelos

agentes como que constiruem 0 campo inteiro da investi­

ga~ao, e Arist6teles organizou seus esrudos, nesses casos, em

um minucioso exame das opinioes nao de qualquer urn, mas

68 Platao e Arist6teles

das pessoas sensatas e, em geral, dos homens considerados

como moralmente dignos de elogio ou politicamente rele­

vantes. Em outros, porem, urn tal metodo pode ter urna

fun~ao heuristica importante, mas nao pode funcionar como

base das investiga<;oes. Referimos-nos, e claro, is ciencias

te6ricas, nas quais se investiga nao como devemos agir, mas

como sao as coisas; ainda que nossas opinioes possam servir

de ponto de partida para as investiga<;oes, as observa<;oes

feitas e os experimentos realizados constituem a materia pro­

priamente a ser examinada. No caso da Fisica, e preciso sem­

pre uma confronta<;ao com 0 que a experiencia nos fornece,

e 0 que deve ser explicado em primeiro lugar sao os dados

empiricos que os investigadores descobrem ou que a tradi<;ao

legou. Assim, enquanto Platao, como virnos, da as costas ao

mundo da experiencia, preocupando-se somente com a coe­

rencia interna das razoes, Arist6teles, guiado pelas razoes e

opinioes, abre os olhos para 0 mundo, busca evidencias para

suas teses, refuta opinioes com base em dados empiricos;

enflm, vasculha 0 mundo em busca de seus segredos. N a

Fisica, a opiniao e as teses dos que 0 precederam the servem

de baliza ou indica<;ao do rumo a tomar, mas 0 decisivo e

sempre a natureza me sma, que se faz presente mediante a

observa<;ao empirica e 0 apelo a casos concretos.

Na Antigiiidade, entendia-se por Fisica tudo 0 que diz

respeito i natureza, englobando, alem da Fisica propria-

Arist6teles

mente dita, 0 que hoje atribuiroos a Quimica, it Biologia, a Geologia e a outras disciplinas que examinam algum aspec­

to da natureza. Arist6teles deflniu 0 objeto fisico como tud6

aquilo que tern em si mesmo 0 principio do movirnento.

Essa deflni<;ao parece retirar do dominio da Fisica urn born

numero de objetos: afmal, como algo inanimado, urna pedra,

por exemplo, po de conter em si 0 principio do movirnento?

Nao e, porem, esta a opindo de Arist6te1es. Para ele, todos

os objetos naturais, animados ou inanimados, tern em si 0

principio do movimento (a pedra, como veremos adiante,

dirige-se para baixo, seu lugar natural). Assim, ao defmir 0

objeto fisico como 0 que e dotado de urn principio interno

de movirnento, Arist6teles nao esta excluindo da Fisica os

objetos inanimados, pois eles tern, no aristotelismo, urn prin­

cipio interno que os faz ir aos seus respectivos lugares natu­

rais. Para entender isso, e preciso ver quais sao suas teses

principais no dominio da materia.

Os quatro elementos

Para Arist6teles, tudo 0 que e composto de materia, na

Terra, se reciuz, em Ultima instancia, quanto a seus elemen­

tos materiais, a uma composi<;ao de quatro elementos basicos.

Esses quatro elementos sao a agua, 0 ar, a terra e a fogo. 0 cor­

po humano, uma folha de arvore, uma pedra de rio, 0 sangue

69

70

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Platao e Arist6teles

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Quatro elementos

que corre nas veias, rudo 0 que e material e urn compos to,

em diferentes graus de complexidade, dos quatro elementos

ou de alguns dentre eles. Eles sao os elementos primordiais,

os tijolos do mundo, digamos assim. Arist6teles nao esta

inovando a esse respeito, pois era corrente em sua epoca

sustentar que esses eram os elementos a partir dos quais

rudo 0 mais era produzido, segundo diferentes modos de

composi~ao.

Os quatro elementos sao a materia na sua forma mini­

mamente qualificada, a materia na sua forma mais simples.

Nao hi em Arist6teles urna materia pura, sem nenhurna

qualidade; ela e sempre ja qualificada: os quatro elementos

Arist6teles 71

sao justamente a materia em sua mais simples qualifica~ao.

Eles sao a materia primeita qualificada segundo dois pares de

opostos: frio e quente, de urn !ado; seco e Umido, de outro. A .

agua e a materia Umida e fria; 0 ar, a materia Umida e quente;

o fogo, a materia seca e quente; a terra, a materia seca e fria.

Variando as qualidades, passa-se de urna substancia a outra:

por exemplo, 0 ar, que e Umido e quente (0 vapor, por exem­

plo, e urn tipo de ar para os antigos, e ele e Umido e quente),

se for alterado de quente para frio, passa a ser agua, pois a

agua e a materia Umida e fria. 1sso corresponde a urna per­

cep~ao partilhada por muitos: com efeito, 0 ar con dens ado

cria as nuvens, que entao fazem cair a chuva, que e agua.

Desse modo, Arist6teles pensava poder explicar as trans for­

ma~6es materiais que ocorrem entre as coisas: em Ultima

instancia, elas sao reduzidas as modifica~6es que ocorrem

entre os elementos primordiais (agua, ar, terra e fogo), que

constiruem, segundo rela~6es complexas, a materia de rudo 0

que existe.

A doutrina dos quatro elementos e suas trans for­

ma~6es serviu de fundamento para 0 esrudo, entre outras

coisas, dos metais, isto e, da Quimica aristotelica. A analise de

Arist6teles esta baseada na ideia de que a varia~ao dos tipos

de elementos envolvidos e de sua quantidade explica a diver­

sidade de metais e rochas que encontramos. Conjugada a sua

versao matematica, apresentada no Timeu de Platao, a ideia

72 Platao e Arist6teles

teve forte apelo na Idade Media, servindo de base para a

Alquimia, Se tudo e, em Ultima instancia, composto dos qua­

tro elementos, se eu souber qual e a composi~ao do ouro

(digamos: tanto de agua, tanto de terra, tanto de ar e urn

pouco de fogo) e se souber decompor os outros metais (por,

exemplo, 0 chumbo ou 0 cobre) nesses mesmos elementos

primordiais, dos quais eles tambem sao compostos, entiio, a

partir deles, posso recombinar os quatro elementos basicos

segundo urna certa formula, a do ouro, produzindo-o a par­

tir dos outros metais, Aqui esta, sucintamente, 0 sonho da

Alquimia medieval; ela tem suas raizes na Quimica grega

anriga, que se fundamenta na tese dos quatro elementos

materiais primordiais que estiio na base de tudo 0 mais que

existe materialmente.

No tocante aos movimentos e deslocamentos que

observamos entre as coisas, Aristoteles adotou a tese do

movimento natural. Todo deslocamento ocorre ou em circulo,

ou em linha reta ou em urna combina~ao deles. Movimentos

circular e retilineo sao, portanto, os movimentos basicos,

pois todos os demais resultam de urna combinayao entre eles.

Desenhando urn circulo, vemos que os segmentos que ligam

a extremidade ao centro sao retilineos. Tomando esses seg­

mentos e imaginando um deslocamento ao longo deles, os

deslocamentos da extremidade ao centro vao para baixo, na

nomenclatura de Aristoteles, enquanto os do centro a

Arist6teles

extremidade van para cima. Para ele, 0 fogo naturalmente se

move para cima, isto e, vai do centro para a extremidade,

enquanto a terra se move naturalmente para baixo, isto e;

desloca-se da extremidade ao centro. 0 fogo sempre sobe,

pois esta naturalmente localizado na parte superior do ceu,

na abobada celeste; a terra, porem, tem seu lugar natural no

centro, e e por essa razao que os objetos caem: eles se

dirigem ao seu lugar natural, que e embaixo. Para Aristoteles,

uma pedra cai porque ela tem uma tendencia natural que a

leva para baixo, seu lugar natural. Obviamente, urn obstaculo

pode impedi-la de atingir 0 chao, retendo-a, por exemplo,

nurna prateleira, mas, se nada a impedir, ela cai porque se

move para seu lugar natural.

o movimento natural

o movimento natural para cima tambem e realizado

pelo elemento que for mais leve; em compensayao, 0 que for

mais pesado tera 0 movimento natural para baixo. 0 ar e

mais leve do que a agua; assim, 0 ar tem um movimento simi­

lar ao do fogo, enquanto a agua, que e mais pesada, tem urn

movimento semelhante ao da terra. Dessa forma, os elementos

primordiais estao organizados em camadas esfericas do

seguinte modo: no centro esta a terra; a sua volta, esta a agua;

o ar esta acima da terra e da agua e, enfun, acima do ar, esta

"

73

74 Platao e Arist6teles

o Ultimo elemento atmosferico, 0 fogo. Esta ordem nao e

rigida, pois partes da terra (os nossos continentes) emergem

por entre a agua, assirn como 0 fogo ocorre tambem na terra

e 0 ar transita por todos. A despeito des sa flexibilidade, algo

e fl.lw, a saber: 0 fogo e 0 ar sobem naturalmente, enquanto

a terra e a agua caem naturalmente.

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A pratica esportiva era tarn bern urna das bases da educal'ao grega

Com a tese do movimento natural, Aristoteles preten­

dia explicar uma suposta constata~ao (de fato, urn errol. Ele

acreditava que, quanto mais leve fosse urn objeto, mais ra­

pido ele subiria, e, inversamente, quanto mais pesado, mais

Arist6teles

rapido cairia. Para Aristoteles, se deixassemos cair de urna

mesma altura duas bolas de mesmo tamanho, urna, porem,

mais pesada do que a outra (por exemplo, urna de churnbo Ii

outra de madeira), a mais pesada cairia mais rapidamente do

que a mais leve. Como sabemos hoje, porem, urn objeto mais

pes ado nao cai mais rapidamente do que urn mais leve; a

resistencia do ar e que provoca a eventual diferen~a de veloci­

dade na queda dos objetos. Aristoteles estava inteiramente

enganado a esse respeito. Por sua influencia, contudo, acredi­

tou-se por muitos seculos que 0 mais pesado caia mais rapi­

damente do que 0 mais leve; foi preciso a genialidade de urn

GaWeu para nos convencer do contrario.

Aristoteles tambem pensava que urn objeto caia mais

rapido ao aproximar-se do centro, do mesmo modo que 0

que era leve subia tanto mais rapido quanto mais proximo

estivesse da extremidade. Ele estava certo em parte, pois os

objetos, em queda livre, possuem uma acelera~ao que os faz

aumentar a velocidade em fun~ao da distincia percorrida. No

entanto, Aristoteles nao possula a boa explicas;ao para este

fenomeno. Segundo sua tese do movimento natural, como os

objetos se moviam por si mesmos, mediante urna tendencia

interna, eram tao mais rapidos quanto mais pesados, assirn

como a proximidade da meta aurnentava sua velocidade.

Como sabemos hoje, porem, 0 aurnento da velocidade na

queda, a acelera~ao, ocorre nao porque 0 objeto e movido

75

76 Plarao e Arist6teles

por urn impeto proprio, mas em fun~ao da lei de atra~ao da

materia, que Aristoteles desconhecia inteiramente.

Aristoteles, contudo, tinha uma razao muito forte para

adotar a tese do movimenlO natural. 0 movimenlO e, para

Aristoteles, eterno. Como nao conhecia 0 principio de iner­

cia, 0 que chamamos hoje de "a lei de conserva~ao do movi­

mento", para ele ou algo se movimenta por si mesmo ou e

movido por uma outra coisa. No primeiro caso, quando a

coisa se move por si mesma, 0 movimento e dito natural; no

segundo, 0 movimento e dito fon;ado, pois nao e a propria

coisa que se move, mas ela e movida por uma outra. Ora,

para garantir a eternidade do movimento, Aristoteles pensa­

va que tinha de adotar a tese do movimento natural, pois, se

o movimento fosse for~ado, nada asseguraria que 0 que

move urn outro objeto ira sempre move-lo, de modo que 0

movimento nao seria necessariarnente eterno. A tese cia

eternidade do movimento levou-o a adotar a tese do movi­

mento natural.

Por sua vez, a tese do movimento natural esta associa­

da a uma outra, a saber, a tese da posi~ao central do planeta

Terra no universo (ou geocentrismo, como e tecnicamente

designada). Ao adotar a tese do movimento natural, para

explicar a eternidade do movimento, Aristoteles adotou tam­

bern 0 geocentrismo. Hoje, sabemos que e a Terra que gira

em torno do Sol, mas Aristoteles pensava que 0 Sol e os Ou-

Arist6teles 77

tros corpos celestes giravam em lorno da Terra, que estaria

no centro do universo. Como, porem, explicar a posi<;ao cen­

tral da Terra? Por que a Terra nao cairia ou se deslocaria para'

a esquerda ou para a direita? Sua tese do lugar natural forne­

cia uma explica~ao. Assim como 0 que e pesado fica no cen­

tro, pois este e 0 seu lugar natural, assim tambem a Terra, em

rela<;ao ao universo, esta no centro, pois este e 0 seu lugar

natural. Em resurno, a posi<;ao central da Terra e assegurada

pela tese do lugar natural das coisas, e 0 lugar natural e uma

suposi<;ao necessaria da tese do movimento natural, por sua

vez necessaria para sustentar a eternidade do movimento.

o universo aristotelico e fmito e eterno, nao tendo sido

criado em nenhum momento, tampouco correndo 0 risco de

destruir-se no futuro. 0 universo, segundo Arisloteles, existe

des de sempre e nunca deixara de existir. Este e 0 sentido de

sua tese da eternidade do movimento: hayed sempre univer­

so, e nele sempre algumas coisas estarao em repouso e outras

em movimento. No centro do universo encontra-se a Terra,

esferica e imovel, os outros corpos celestes girando em torno

dela em movimentos circulares. 0 universo e pleno, pois,

para Aristoteles, nao existe 0 vazio. Seu argumento contra 0

vazio e antes metafisico do que fisico: como 0 vazio nao e

nada, se ele existisse, isso equivaleria, para Aristoteles, a ad­

mitir que 0 nada ou 0 nao-ser existe, 0 que e uma contradi~ao

logica (se nao e, entao nao existe). Para ele, 0 universo todo

78 Platlo e Arist6teles

esta preenchido de materia, de modo que, para que algo se

desloque, e preciso que outra coisa seja por sua vez retirada

de seu lugar, a qual por sua vez toma 0 lugar de urna outra e

assim por diante, 0 movimento se transmitindo de urn ponto

a outro mediante 0 interdeslocamento dos objetos. Tudo isso

ocorre, obviamente, de modo ordenado, de sorte que 0 uni­

verso e urn cosmos, que, em grego, designa justamente essa

ordena~ao.

Os corpos celestes e 0 quinto elemento

Qual, porem, a natureza dos corpos celestes? Para

Aristoteles, nao e possive! explicar a natureza dos astros

recorrendo aos quatro elementos basicos. Como vimos, a

agua, a terra, 0 ar e 0 fogo transformam-se uns nos outros, 0

que constatamos pelas altera~oes que os corp os naturais

sofrem (urn animal, por exemplo, nasce, cresce e morre).

Ora, as estrelas e os planetas, segundo Aristoteles, nao

surgem, nem crescem nem desaparecem; a unica mudan~a

que sofrem e 0 deslocamento no espa~o segundo 0 mais per­

feito dos movimentos, 0 movimento circular uniforme. Ora,

o fogo e 0 ar tern 0 movimento para cima, enquanto a terra

e a agua tern 0 movimento para baixo. Ambos os movimen­

tos sao retilineos, enquanto os corpos celestes tern urn movi­

mento circular. Para explicar a natureza dos corpos celestes e

Arist6teles

seu movimento circular, Aristoteles postulou entao urn novo

elemento, 0 iter, 0 quinto elemento, inteiramente distinto dos

outros quatro. 0 eter e urn elemento que nao existe na Terra,

mas somente na regiao da Lua para cima (a chamada regiao

supralunar, em oposi~ao a Terra, que se encontra na regiao

sublunar). Ele tern propriedades notaveis: nao se altera nunca

e esta sempre em movimento circular uniforme. Ele consti­

tui a quinta camada materia~ que envolve as quatro outras

camadas que constituem nosso mundo e nos sa atmosfera (as

camadas de terra, agua, ar e fogo). Como as estrelas e os

planetas sao compostos unicamente de eter, isso explica por

que, segundo Aristoteles, os corp os celestes giram em torno

da Terra em orbitas circulares uniformes, sem sofrer nenhum

outro tipo de altera~ao.

Aristoteles orgulhava-se de sua tese do quinto elemen­

to, pois pensava que esse era 0 modo mais sensato para

explicar a natureza dos corpos celestes e suas propriedades.

Nao so os planetas, a Lua, 0 Sol e as estrelas sao compostos

de eter, mas tambem 0 espa~o entre eles 0 e, urna vez que,

para Aristoteles, 0 vazio nao existe. Assim como nao existe

eter na Terta, tambem nenhuma substiincia da Terra pode ir

alem da atmosfera, de modo que nao hi nenhurna passagem

material entre 0 que esta na Terra e 0 que esta acima da Lua,

na regiao dita supralunar. As duas regioes permanecem iso­

ladas urna da outra. No entanto, 0 movimento das estrelas

79

80 Platao e Arist6teles

condiciona de certo modo 0 movirnento das esta~oes e dos

ventos no mundo sublunar. Para Aristoteles, 0 movirnento

circular que 0 eter imprime aos planetas provoca, na regiao

superior de nossa atmosfera, ocupada pelo fogo, urn movi­

mento similar, 0 que ocasiona por sua vez urn movirnento de

mesmo tipo no ar; embora 0 fogo e 0 ar movirnentem-se nat­

uralmente em linha reta para cima, 0 movirnento circular das

estrelas faz com que a massa de fogo e a massa de ar sigam 0

seu movirnento, adquirindo assim um movirnento circular.

Este movirnento circular na atmosfera explica 0 fenomeno

dos ventos e das mudan<;as de esta~ao aqui na Terra.

Para explicar os movirnentos das estrelas e dos plane­

tas, Aristoteles recorreu aos astronomos de sua epoca, em

especial a Calipos, e adotou a tese segundo a qual havia 47 ou

55 esferas celestes. As estrelas e os planetas moviam-se cola­

dos a essas esferas, cuja conjun~ao de movimentos explicava,

a seus oihos, os movirnentos de todos os corpos celestes.

Como virnos, a tese das esferas celestes foi proposta

primeiramente por Eudoxo, a partir de urn problema formu­

lado por Platao; Calipos aurnentou seu numero e sofisticou 0

sistema. Aristoteles adotou esta soluc;ao e baseou-se nos

astronomos de sua epoca para explicar 0 movirnento dos

corpos celestes. Mais ainda, procurou solidificar tal expli­

cac;ao com sua tese do lugar narural e do eter como 0 quinto

elemento, proprio das estrelas. 0 sistema geocentrico, com

Arist6teles 81

suas esferas celestes, encontrara sua maior expressao no

Almagesto de Ptolomeu (100-170 d.C.), 0 mais importante

tratado de astronomia ate 0 sec. XVI; a contribui~ao de'

Aristoteles foi importante para a consolidac;ao de tal sistema

no que tange a explica~ao nao do numero das es feras, mas de

sua natureza e da dos corp os celestes.

Certa vez, porem, em 468 ou 467 a.c., caiu um meteo­

rito proximo a um rio de nome Aigospotamos. A noticia

espaihou-se rapidamente e criou-se na regiao um "turismo

cientifico" considerivel, muitas pessoas querendo ver 0 obje­

to que tinha caido do ceu. Obviamente, 0 meteorito tinha

urna composic;ao semeihante it dos metais da Terra, e isso

colocava um problema serio para Aristoteles: se os corpos

celestes eram compostos de iter, que nunca era encontrado

na Terra, como entao explicar a composic;ao material do me­

teorito, em rudo similar it dos metais? Do mesmo modo, 0

fenomeno das estrelas cadentes ihe era desfavorivel, pois

mostrava que havia urn intercambio material entre 0 que esti

acima da Lua e a Terra. Aristoteles, porem, considerou que

esses fenomenos ocorriam, na verdade, no interior do mun­

do sublunar, isto e, eram eventos meramente atmosfericos e

nao cosmicos. Para entender sua explicac;ao desses feno­

menos, e preciso supor que a massa de ar que envolve a Terra

seja composta de dois tipos de exalac;ao gerada pelo aqueci­

mento causado pelo Sol. A primeira exala~ao seria vaporosa,

82 PI.tao e Aristoteles

formando as nuvens; a segunda, porem, seria antes seca e

quente, semelhante ao fogo, e por is so mesmo sobe bem alto,

ate 0 limite com a Ultima camada atmosferica, composta jus­

tamente de fogo. Este segundo tipo de exalaqao seria, porem,

urna materia que queima facilmente. Quando penetra na

camada de fogo, tal exalaqao queima, e e isso que provoca,

segundo Aristoteles, 0 que chamamos de estrelas cadentes,

meteoritos e mesmo cometas. A exalaqao, queimando em

contato com 0 fogo, sofre pres sao e e expelida para baixo: eis

a explicaqao para as estrelas cadentes. Pode ocorrer que este

ar seco e quente, ao subir da Terra, carregue alguns elemen­

tos solidos: esta a explicaqao para meteoros e meteoritos,

como aquele que caiu no Aigospotamos. Nao era de sur­

preender que fosse como nossos metais, POlS, para

Aristoteles, meteoros e meteoritos sao OS metais e pedras

que, primeiro levados para cima, caem depois, inevitavel­

mente. Como, porem, explicar OS cometas? Para Aristoteles,

os cometas sao tambem fenomenos atmosfericos, no fundo

de mesma natureza que meteoritos e estrelas cadentes.

Quando aquele ar de tipo seco e quente penetra na camada

superior do fogo, pode ocorrer que ele forme urn bolsao e,

ao inves de ser expelido por pressao para baixo (como ocorre

com as estrelas cadentes e com as meteoros e meteoritos),

ele e deslocado ao longo da camada de fogo pelo movimento

rotatorio imprimido nessa camada pelo movimento das es-

Aristoteles 83

trelas. Eis urn cometa: um bolsao de ar seco e quente, que

queima por ser altamente igneo e estar em contato com 0

fogo, deslocando-se ao longo de nossa Ultima camada atmos"

ferica, a qual possui um movimento rotatorio imprimido

pelas estrelas. Por esta razao, segundo ele, temos a impressao,

mas somente a impressao, de que cometas sao estrelas que se

deslocam no espaqo. Para Aristoteles, cometas sao feno­

menos atmosfericos; ele os defIne como "estrelas cadentes

que tem em si principio e fIm", isto e, que queimam em urn

dado lugar, deslocando-se horizontalmente e nao vertical­

mente, como as estrelas cadentes. Isso corroboraria sua teo­

ria de um cosmos dividido em duas partes, 0 mundo sublu­

nar (0 nosso) eo supralunar (a Lua e 0 que esta acima dela).

Estrelas cadentes, meteoros e cometas pertencem ao nosso

mundo, 0 mundo sublunar; e somente urna impressao nossa

que sejam provenientes do resto do universo.

Os seres vivos

A Astronomia ocupa um lugar importante nos estudos

cientifIcos de Aristoteles, mas nao e a unica disciplina da

Fisica a qual se dedicou. Uma parte consideravel dos estudos

realizados por Aristoteles sobre a natureza diz respeito aos

seres vivos: os tratados de Biologia totalizam urn terqo do que

nos restou de suas obras. Conta-se mesmo que Alexandre

84 Platao e Aristoteles

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Aristoteles realiza uma observagao mais sistematica da natureza

enviava a Aristoteles animais exoticos que encontrava em

suas expedi~oes de conquista; a historia talvez seja pura

lenda, mas atesta 0 grande interesse que Aristoteles tinha pela

Zoologia. Ele estudou em detalhes a vida, 0 habitat e 0 modo

de reprodu~ao de crustaceos; investigou com esmero animais

como 0 polvo; analisou com minucia a reprodu~ao de certos

peixes, para dar somente uma ideia da extensao de seus estu­

dos. N ada parece ter escapado it sua curiosidade: hienas,

leoes, galos, diferentes tipos de passaros, os mais divers os ani­

mais foram examinados e seu comportamento minuciosa-

Arist6teles

mente registrado. Aristoteles nao raro seguia 0 que contavam

pescadores e viajantes, 0 que da por vezes urn ar fabuloso ao

que relata, mas, sempre que podia, examinava ele proprio ~s animais e verificava os relatos difundidos com a ajuda dos

exemplares que tinha it disposi~ao .

Em especial, Aristoteles procedeu a estudos anatomi­

cos e dissec~oes. Diz-se freqiientemente que os gregos te­

riam feito experimentos, mas nenhuma experimenta~ao, no

sentido de nao terem elaborado um procedimento de por it

prova as teorias mediante experiencias expressamente con­

cebidas para testa-las. Isso tem sua verdade, mas convem

lembrar que 0 que denominamos hoje Ciencia apenas come­

~ava, e os dados disponiveis constituiam ja uma massa im­

pression ante de evidencias desordenadas, que era preciso

primeiro organizar para somente depois passar a verificar. Os

gregos nao desenvolveram a experimen ta~ao talvez porque

nao estivessem no estagio de necessitar drasticamente dela,

como hoje e 0 caso; os experimentos mais simples consti­

tmam ja urn en or me campo de estudo. Mesmo assim, ha

sinais bern claros, em Aristoteles, de uma pesquisa organi­

zada em busca de evidencias. Para examinar a evolu~ao dos

embrioes, Aristoteles analisou diariamente ovos de dife­

rentes animais, obtendo como resultado urn relato bastante

acurado de seus desenvolvimentos embrionarios.

85

86 Platao e Arist6teles

Tambem no caso humano, a Embriologia de Aris­

tateles e bastante sofisticada e evidencia uma busca inces­

sante de dados, ainda que, obviamente, com recurs os me­

nores e limita~oes muito maiores. Aristateles identificou a

funs:ao cardiaca como urna das primeiras a se formarem no

embriao. Sobretudo, ele formulou corretamente a tese da

genese embrionaria. Ele igualmente analisou uma serie de

orgaos, naG somente no hornem, mas tambem nos outros

seres, tendo percebido como 0 bras:o de urn homem, a

nadadeira de urn peixe e a asa de urn passaro realizam

funs:oes analogas e demons tram semelhans:as de estrutura.

Dais foram, porem, seus rnruores entraves no exame do

corpo hurnano e, em geral, do animal: ele nao tinha a nos:ao

de nervo, tampouco conhecia a circulas:ao sangUinea. Isso 0

tolheu enormemente em suas observas:oes.

No entanto, haja vista a nova compreensao por parte

de Arist6teles do pr6prio ato de investigar, baseado agora na

pesquisa de carater empirico, ele valorizou muito 0 dominio

da Biologia, em especial 0 da Zoologia, pois, embora seus

objetos fossem considerados de menor valor do que os da

Astronomia, n6s temos urn acesso a eles que nos e negado

no caso dos astros. Minhocas e polvos talvez nao se com­

parem a Marte ou Venus, mas podernos toea-los, examina­

los, po-los a prova, compara-Ios com outros animais, fazer

avans:ar nosso conhecimento dos detalhes do mundo e, desse

Arist6teles

modo, preencher os espas:os vazios da teoria geral da subs­

tancia. Quanto mais evidencias se acurnularem, tanto mais se

podera supor e extrapolar, imaginando mesmo novas

solu~oes para problemas de Astronomia que estejam ainda

fora do alcance da observas:ao. Em urna passagem de cunho

literario, que se encontra no ptimeiro livro do tratado Das

partes dos animais, Arist6teles menciona a hist6ria segundo a

qual viajantes, quando encontraram Heraclito aquecendo-se

perto do fogao, hesitaram em entrar na sua casa; Heraclito

convidou-os a entrar, lembrando que na cozinha tambem

havia deuses. Moral da hist6ria, segundo Arist6teles: os

astros sao rnais nobres, porem estao muito lange; dedique­

rno-nos igualmente ao estudo dos animais, que estao ao nos­

so alcance, pois aqui tambem a natureza revela sua beleza -

aqui tambem ha deuses.

Saber e explicaS'ao causal

Talvez mesmo muito mais desafiante do que a massa

impressionante de dados a organizar fosse a necessidade de

decidir como organiza-Ios. Para ter urna resposta a isso, era

preciso saber, em suas linhas gerais, 0 que era isto que se esta­

va procurando fazer, a saber, Ciencia. Arist6teles demonstrou

aqui sua genialidade imp~r. Em ptimeiro lugar, era preciso

determinar 0 que e urn born argumento. Arist6teles dividiu

87

88 Platio e Arist6teles

essa questao em duas: 0 que e urn argumento valido e 0 que

e urn argumento cientificarnente valido.

Para a primeira pergunta, deu como resposta sua teo­

ria silogistica, 0 primeiro estudo da L6gica e das inferencias

formais. Arist6teles passou a examinar quais casos de in­

ferencia eram validos, pois nem tudo se segue de tudo. Ele

criou assim sua silogistica, que ate muito recentemente era

a base dos estudos em L6gica. 0 silogismo e urn argumen­

to no qual, certas premissas estando postas, delas resulta

necessariamente uma conclusao. Por exemplo, 0 silogismo

por excelencia para Arist6teles e 0 do tipo: todo A e B; todo

B e C; portanto, todo A e c. Que todo A seja C e urn resul­

tado necessario das premissas; se elas forem verdadeiras, a

conclusao nao pode ser falsa. No entanto, ha formas

somente aparentemente validas, mas de fato invalidas de

inferencia. Por exemplo: de todo homem i animal e nenhuma

pedra e homem nao se pode concluir que nenhuma pedra e ani­

mal. E verdade que nenhuma pedra e animal, mas isso nao

se segue das premissas avan~adas. A validez e uma pro­

priedade do argumento; a verdade caracteriza as proposi~6es

tomadas independentemente. Urn argumento valido pode

ter premissas falsas, assim como urn argumento invalido

po de ter premissas verdadeiras. E preciso fazer, portanto, 0

inventario das inferencias validas; isso foi realizado pela

primeira vez por Arist6teles no seu tratado chamado

Arist6teles

Primeiros analitieos, que e urn extraordinario trabalho tecnico

de l6gica formal.

Arist6teles tinha por ambi~ao explorar, desse modo:

todas as formas validas de inferencia; urn recurso extrema­

mente uti! que utilizou foi substituir os termos por letras,

obtendo assim urna maxima generaliza~ao. No parigrafo

precedente, escrevi, por exemplo, todo A e B, onde A figura

pelo sujeito e B pelo predicado de proposi~6es tao distintas

como todo cao morde e todo ponto e inextenso. Esse recurso, alta­

mente eficaz, parece hoje banal, mas foi preciso genialidade

para cria-Io. 0 resultado dos estudos de Arist6teles e impres­

sionante, e por muitos seculos foi considerado acabado;

somente muito recentemente, no final do sec. XIX, a L6gica

saiu do diapasao aristote!ico e pas sou a abarcar outras formas

de inferencia que a silogistica aristotelica ignorava.

Urn argumento cientifico segue a estrutura inferencial

valida, mas tern tam bern premiss as verdadeiras. Ora, sendo

valida e construido com premissas verdadeiras, a conclusao

nao pode ser falsa. Porem, como se assegurar da cientifici­

dade do argumento? Para responder a esse problema,

Arist6teles novarnente dividiu a questao em duas partes. Em

primeiro lugar, e preciso saber 0 que e a explica~ao cientifi­

ca. Explicar cientificamente algo, para Arist6teles, consiste

em dar a causa do objeto. Urn silogismo cientifico tern pre­

missas adequadas it coisa na medida em que elas revelarn a

89

90 Plat30 e Arist6teles

sua conexao de causalidade. Isso leva a urna teoria geral das

causas. Em segundo lugar, urn silogismo cientifico precisa de

garantias sobre a verdade de suas premissas. Isso leva, por

sua vez, a urna investiga<;ao sobre a natureza da verdade.

Para Aristoteles, 0 silogismo cientifico tem de estar

amoldado a causalidade das coisas, pois deve exprimir em

proposi<;oes 0 movimento causal que se da no mundo

mesmo. 0 silogismo cientifico deve, portanto, transcrever na

linguagem da inferencia a ordem causal do mundo. Mas que

causas hi? Aqui tambem Aristoteles tem algo a dizer. Os ftlo­

sofos que 0 precederam cosrumavam explicar 0 mundo

recorrenclo a uma 56 causa: nas mais das vezes, apontando a causa material (a materia com que algo e feito), eventual­

mente aludindo a urna causa final. Para Aristoteles, porem,

explicar por causas implica reconhecer tipos diferentes de

causas. Ele ilustra seu ponto com 0 exemplo de urna estatua.

A causa materia! da estatua e, digamos, este marmore do qual

ela foi feita. 0 marmore, porem, nao explica como ela foi

feita; ela foi feita com um buril; 0 buril vale como causa eft­

ciente, aquela com a qual se produziu 0 objeto. Por sua vez, a

causa eficiente nao explica por que a estatua foi feita: foi, por

exemplo, porque 0 escultor tinha a inten<;ao de embelezar

uma pra<;a. Ora, esta e uma nova causa, a causa final, 0 obje­

tivo que levou a sua cria<;:ao. Finalmente, ha urn quarto tipo

de causa: a estatua de marmore feita com buril para

Arist6teles

embelezar a pra<;a e um busto de Socrates, tem uma certa

aparencia com base na qual a reconhecemos como tal estatua

e nao outra: e 0 que Aristoteles chama de causa forma! da esta­

tua, aquilo que faz com que seja de tal tipo e nao outra coisa.

Explicar algo e dar sua causa, mas ha varias causas que

podem ser dadas. Por vezes, as causas [mal, formal e eficiente

concentram-se nurn mesmo elemento, opondo-se em bloco a materia; outras vezes, a causa mais importante a ser ressalta­

da e a [mal ou a formal, ou mesmo meramente a material.

A causalidade relata um tipo de conexao que tambem

pode variar. Os corpos celestes sao, para Aristoteles, eternos;

eles nao sao nem agem diferentemente, mas sao sempre do

mesmo modo. Suas leis sao do tipo: A Ii sempre B. Em nosso

mundo, porem, 0 registro nao e 0 mesmo, pois Aristoteles

admite uma certa indetermina<;ao na natureza, de sorte que

as coisas tendem a ocorrer nas mats das vezes em urn sentido,

podendo, contudo, ocorrer no sentido contrario, ainda que

raramente. Nas mais das vezes, os cabelos do homem

embranquecem, mas isso na~ e infalivel (0 homem pode, por

exemplo, falecer antes). 0 registro dos eventos naturais e

propriamente 0 de urna regularidade, nao 0 de urna absoluta

necessidade; embora freqiientemente ocorram de urn jeito e

nao de outro, e sempre possivel 0 contrario. Ve-se assim por

que os astros eram os objetos mais nobres: sua necessidade

nao e entravada, eles agem sempre do mesmo modo. Em

91

92 Platao e Arist6teles

nosso mundo, porem, nao se pode eliminar a possibilidade

do acaso, e devemos contentar-fiOS, no discurso cientifico,

em descobrir regularidades e freqiiencias sem querer exigir

urna estrita necessidade ou absoluta falta de exce<;6es. A

Ciencia tern por objeto 0 necessario, mas a causalidade que

vigora em nosso mundo e permdvel ao acaso e it falha, de

modo que 0 registro cientifico deve limitar-se it descric;ao de

regularidades, sem pretender alcanc;ar a precisao do que e

absolutamente necessario.

o silogismo cientifico, como virnos, leva a uma inves­

tigac;ao sobre a natureza da verdade, pois precisa da garantia

da verdade de suas premissas. Mais urna vez, Arist6teles ela­

bora urna sofisticada analise a respeito do tema. Se 0 mundo

e tal como 0 diz a proposic;ao, entao ela e verdadeira; se ele e

outro do que ela 0 relata ser, entao a proposic;ao e falsa. 0

realismo grego alcanC;a com Arist6teles sua expressao maior.

As proposic;6es sao verdadeiras ou falsas, mas e 0 mundo que

as torna verdadeiras ou falsas. Nao .hi tampouco urn outro

valor alem da verdade ou falsidade. Seja no registro da abso­

luta necessidade (como ocorre, segundo Arist6teles, na

Astronomia), seja no de regularidade (como e, para ele, 0

mundo natural), algo e falso ou verdadeiro, nao havendo urn

terceiro caso.

Proposic;oes sao compostas de termos; como chega­

mos a eles, para entao montar as combinac;oes que resultam

Arist6teles

em proposiC;oes? Para Arist6teles, todos os, animais tern uma

faculdade graC;as it qual discriminam os objetos. Trata-se da

sensac;ao; os animais mais simples tern somente 0 tato, 6s

mais complexos tern os cinco sentidos (visao, audic;ao, olfato,

paladar e tato). A sensaC;ao e uma faculdade natural; com

base nela, os animais interagem com 0 meio. Pela sensac;ao,

nos e dada a forma sensivel dos objetos; por exemplo, a cor

nos e dada pela visao, 0 cheiro pelo olfato e assim por diante.

A forma sensivd dos objetos nos e fornecida mediante urna

alterac;ao causada em nossa faculdade sensitiva pelo objeto

sensivel. N a verdade, 0 objeto nao altera diretamente nos so

6rgao, mas 0 meio no qual se encontra (por exemplo, 0 obje­

to de audic;ao altera 0 ar, que altera conseqiientemente nos­

sos ouvidos). As sensac;oes podem ser complexas: Arist6teles

inclui entre as formas sensiveis 0 que ele chama de sensiveis

comuns, a saber: 0 formato, 0 movimento, 0 repouso, a

grandeza e 0 mimero. No estrito campo da percepc;ao, pode­

se discriminar algo redondo, ao longe, parado ou em movi­

men to; pode ser algo bern complexo, mas sua complexidade

nao se formula ainda de modo proposicional.

o homem, porem, tern urna outra faculdade, a razao,

que opera a parrir dos dados da sensac;ao; pda razao, 0

homem reconhece por conceitos 0 que a imaginac;ao repro­

duz a partir do que foi dado na sensac;ao e, com base nos

conceitos, de emite juizos sobre 0 mundo. 0 conhecimento

93

94 Platao e Arist6teles

humane e, portanto, iudicativo e guiado por conceitos,

diferindo por inteiro da capacidade animal de discriniina~ao,

que e unicamente sensitiva. Duas opera~oes bisicas, de

naturezas distintas, sao aqui pressupostas: uma e a sensa~ao,

faculdade natural que pertence tambem aos outros animais; a

outra e a razao, faculdade exclusiva dos homens, atraves da qual

representamos 0 mundo por conceitos. Nao nos seria possivel

pensar 0 mundo sem a sensa~ao, mas so a sensa~ao nao basta

para reconhece-Io sob forma conceitual. A exata natureza da

razao em Aristoteles e assunto de muita controversia, pois os

capitulos que lhe dedica sao pouco claros. No entanto, pode-se

afirmar sem hesita~ao que 0 pensamento humane supoe previ­

amente a sensas:ao, de cuios dados apreende a essencia ou

forma das coisas, ainda que nao seia claro em Aristoteles como

exatamente ocorre essa apreensao racional.

Pela atividade da razao (ou intelecto, termo que

Aristoteles tambem usa), nos apreendemos conceitualmente

os obietos e, tambem por meio dela, obtemos formulas que

exprimem sua essen cia, ou, em outros termos, as defmis:oes

dos obietos. Essas defmis:oes podem funcionar como pre­

missas de nossas demonstras:oes, estando assim na base de

todo conhecimento eientifico. E importante salientar que,

embora seia apresentado como demonstrative, 0 conheci­

mento cientifico tem sua origem em premiss as Ultimas que

nao sao elas proprias obieto de demonstras:ao. Se 0 fossem,

Aristoteles

iriamos ao infmito, pois precisariamos de outras premissas

para obte-Ias como conclusoes, e destas outras premissas ain­

da outras premiss as, e assim ao infmito. Ou bem, entao, hi'

um dado nao cientifico, mistico ou algo semelhante, de onde

parte a demonstras:ao, ou bem as premissas de toda demons­

tras:ao sao obtidas igualmente pela razao, mas por uma outra

operas:ao que nao a demonstras:ao. A saida de Aristoteles

consiste em adotar esta Ultima possibilidade: 0 intelecto

apreende os termos e as defmis:oes por uma opera~ao

racional, a de apreensao formal, que ainda nao e demons­

tras:ao, mas iustamente fomeee as demonstras:oes as premis­

sas de onde partem. Obtidas as premissas primeiras, entao a

Cieneia pode proceder demonstrativamente segundo as for­

mas v:ilidas de inferencia.

A Teleologia em Arist6teles

Assinalou-se acima que Aristoteles eoneebeu a relas:ao

causal de quatro modes: causa material,formal, eftciente ou final.

Explicar algo e fomeeer, em um silogismo demonstrativo, a

causa do obieto, segundo 0 registro que lhe e adequado (de

estrita necessidade ou de regularidade). Em seus tratados de

Flsiea, a eausa fmal passou a ter um papel preponderante,

pois Aristoteles pensou a propria natureza como imbuida de

uma fmalidade intema. Isso esti ligado tambem a sua

95

96 Platao e Arist6teles

metafisica. A essencia de algo sao aquelas propriedades sem

as quais isto nao seria de tal tipo, mas outta coisa, e essas pro­

priedades sao buscadas com base nas fun~6es que 0 objeto

em questao realiza. Se 0 cavalo tern por fun~ao correr e por­

tar seu cavaleiro, entiio isso faz parte de sua essencia, e ele

devera ter certos 6rgilos com 0 fun de realizar tais opera~6es.

N 0~6es como dever ser e jim penettam assim 0 dominio da

explica~ao cientifica.

A Teleologia, ou explica~ao por fins, e particularmente

visivel na Biologia aristotelica. Pertence aos patos essencial­

mente a fun~ao de nadar. Por que eles tern os pes membra­

nosos? Porque tern como fun nadar. 0 fun explica 0 meio.

Em uma passagem premonit6ria, que se encontta no ttatado

Das partes dos animais, Arist6teles critica Anaxagoras (498-428

a.c.), pois este afumava que 0 homem era 0 animal mais

inteligente porque tinha maos. A explica~ao e inversa, rettuca

Arist6teles: n6s temos maos porque somos os mais in­

teligentes. E porque somos racionais que a natureza nos deu

as maas, nao nos tornamos racionais porque usamos as

maos. 0 fun e dado antes e determina 0 meio. Por que temos

olhos? Para olbar; nao e porque temos olhos que vemos, mas

porque a visao faz parte de nos so jim e que temos olbos. A

explicac;ao deve fazer apelo aos fins para somente entao

compreender os meios. No entanto, Anaxagoras estava certo;

Arist6teles, errado. A Biologia levou, porem, muito tempo

Arist6teles 97

para desfazer-se desse tipo de explica~ao; somente com

Darwin e sua douttina da sele~ao natural passamos a com­

preender melbor a rela~ao entte a fun~ao e a esttutura do

6rgao que a realiza. N ao se pode tudo de uma s6 vez;

Arist6teles realizou estudos altamente sofisticados em

Biologia, mas os fez sempre em urna chave teleol6gica, que

foi, em parte justamente por sua causa, tao dificil depois de

ser extirpada.

Convem assinalar que, tambem em outtos dominios,

Arist6teles forneceu respostas erradas, e a influencia, por

seculos, de seus escritos e de sua douttina dificultou a

descoberta da verdade. Segundo Empedocles (482-423 a.c.),

a luz se desloca no espac;o; Arist6teles considerou isso

impossivel, pois todos vemos quando algo se desloca, por

mais rapido que seja, e ninguem jamais viu a luz movimen­

tar-se do Oriente ao Ocidente. Assim, sustentou que a luz

ocorre instantaneamente, desde que haja uma certa fonte

(por exemplo, 0 fogo ou 0 Sol). Empedocles estava certo;

Arist6teles, errado. Em seus estudos de Meteorologia, Aris­

t6teles explica que 0 ttovao ocorre quando 0 ar seco se choca

com 0 ar Umido condensado nas nuvens; quando expelido

pelas nuvens, ele produz urn fogo fino, que e 0 relampago.

Dessa forma, 0 relampago seria produzido depois do

imp acto, portanto apds 0 ttovao, mas parece ser 0 contt:irio

porque vemos antes 0 ar expelido sob forma de fmo fogo do

98 Plat;;o e Aristoteles

que escutamos 0 rilido do impacto. Segundo Empedocles, ao

contrario, alguns raios de sol ficam presos nas nuvens e for­

mam assim os reJampagos; segundo Anaxagoras, ha urna

parte de fogo nas nuvens. 0 relampago ocorre primeiro,

depois vern 0 trovao, que e 0 barulho do fogo passando

atraves das nuvens. Para ambos, a ordem aparente e a ordem

mesma das coisas e 0 relampago precede 0 trovao; para

Arist6teles, a ordem e inversa, pois 0 trovao precede 0

reliimpago. Como e preciso, segundo Arist6teles, amoldar 0

silogismo it ordem causal das coisas, e 0 impacto que causa 0

reliimpago e nao este 0 rilido. Novamente, Arist6teles estava

errado; Anaxagoras e Empedocles estavam mais perto da

verdade.

Ninguem tern 0 talisma contra 0 erro, tampouco

Arist6teles. Seus erros, porem, nao provem de falta de

aten~ao ou menosprezo aos dados empiricos, mas da neces­

sidade que sentia de dar uma explica~ao coerente do mundo.

Nao bastava explicar localmente urn fenomeno, era preciso,

segundo ele, liga-lo a uma rede de explica~oes que cobria a

totalidade dos casos conhecidos. Esse e urn procedimento

louvavel, que acarretou, porem, certos desvios e explica~oes

erradas. Alem disso, Arist6teles viveu no momenta em que

a Ciencia apenas come~ava; ele nao tinha ainda como dispor

dos conhecimentos que hoje temos graqs ao acumulo dos

estudos das gera~oes que nos precederam. Mesmo assim, ele

Aristoteles

demonstrou urna infatigavel busca da verdade e do esclare­

cimento de suas condi~oes, uma extraordinaria inteligencia e

sutileza no ate de argumentar e dar evidencias, e por isso ele

tern uma posi~ao impar na hist6ria da atividade intelectual

que e a Ciencia, esta atividade de justificar por razoes as nos­

sas teses. Ela e urn empreendimento humano e, nessa medi­

da, e passivel de erros, retrocessos e falsos caminhos. Por

isso mesmo, para Arist6teles, ninguem fara a Ciencia sozi­

nho; temos de por a descoberta da verdade na perspectiva

de urn esfor~o coletivo em dire~ao ao esclarecimento e a demonstra~ao.

o primeiro motor e 0 Deus de Arist6teles

Para Aristoteles, 0 rnovimento, assim como 0 universa,

e eterno. \Temos, porem, que as coisas estao ora em movi­

mento, ora em repouso; como nos assegurar da eternidade

do movimento e afastar a possibilidade de urn tempo em

que tudo esteja em repouso? 0 eter, 0 quinto elemento, esta

sempre em movimento circular uniforme, 0 que faz com

que as estrelas se movam sempre desta forma; mas como

evitar que ocorra uma colisao ou uma desordem entre as

diferentes esferas celestes que regem 0 movimento dos corpos

celestes? Como nito dispoe da no~ao de inercia, Arist6teles

cre que, para sustentar a eternidade do movimento em sua

99

100 Platao e Arist6teles

ordem c6smica, 0 {mico modo consiste em postular a existencia

de urna subsdncia imaterial, puta forma, desligada de toda

materia ou corpo, que funcionaria como 0 motor im6vel de

tudo 0 mais e que serviria assim de garantia Ultima da ordem

do universo. 0 universo inteiro, com seus movimentos,

estaria como que suspenso a essa subsdncia im6vel. Vma tal

subsdncia, segundo Arist6teles, tern urna natureza total­

mente distinta da das subsdncias sensiveis: nao tern materia

ou corpo, nao sofre nenhurna corrup~ao ou desgaste do

tempo, nao e forma imanente ao individuo; ao conmirio,

constitui 0 pr6prio individuo.

o motor im6vel e 0 Deus de Arist6teles, a causa

primeira. Ele nao serve para explicar por que ha mundo e

nao antes nada (0 mundo e dado desde sempre), mas para

garantir a ordem eterna do movimento. Como substancia de

natureza especial, ele e 0 que ha de mais nobre, e a ciencia

que 0 estuda, a Teologia, figura conseqiientemente como a

fllosofia primeira, por ser de maior dignidade do que a

Fisica, dita fllosofia segunda. 0 Deus de Arist6teles, por sua

pr6pria nobreza, tern de ter vida, pois 0 ser vivo e mais

nobre que 0 inanimado; e, da vida, 0 que e mais nobre e 0

pensamento. Assim, ele pensa, e pensa 0 tempo todo, mas s6

pensa sobre si, pois tudo 0 mais the seria indigno, vis to the ser

inferior. 0 Deus de Arist6teles permanece fechado sobre si,

enquanto 0 universo corre it sua volta; e urn Deus longinquo,

1

Arist6teles

que nao intervem, que nao demonstra nenhuma inquietude

com 0 resto do universo. Arist6teles ilustrou sua rela~ao

com 0 mundo mediante 0 exemplo do amante que tudo faz

para seu amado, enquanto este the permanece totalmente

indiferente: Deus e alheio ao mundo, mas este se move

incessantemente a seu redor. 0 Deus de Arist6teles e dis­

tante e gelido, mas e hip6tese necessaria para explicar a or­

dem eterna do movimento.

Assim, as ciencias te6ricas, aquelas que investigam 0

que existe, tern seu ponto culminante na Teologia, a ciencia

que estuda urn ser em especial, 0 motor im6vel, ao qual tudo

o mais esta suspenso. Nao s6 0 mundo e explicado, no

dominio da Fisica, de urn ponto de vista teleol6gico, como 0

conhecimento te6rico culmina em urna Teologia. Arist6teles

estava novamente errado, e sabemos hoje como foi dificil

desbaratar-se nao somente da Teleologia, mas sobretudo da

Teologia. No entanto, Arist6teles da it Ciencia uma con­

tribui~ao impressionante, e isso mesmo em seus erros. Com

efeito, ele nao postula gratuitamente a existencia de uma

subsdncia imaterial, tampouco busca seu Deus em urna

experiencia mistica da existencia. Ao contrario, seu Deus

provem de urna razao que pensava imperiosa: como nao via

outro modo de explicar a ordem eterna do movimento a nao

ser recorrendo a urna substancia de natureza distinta, ele

coroou a explica~ao do mundo com urna tese teol6gica.

101

102 Platao e Arist6teles

Se tal substancia existir (isto e, se for necessario pos­

tula-Ia), entio a Teologia e a ciencia teorica primeira. Porem,

como 0 proprio Aristote!es explicitamente admite, se nao for

preciso posrular a existencia de urn Deus para explicar a

ordem eterna do movimento, entao a Fisica sera a fllosofia

primeira e a Teologia nao tera mais lugar enrre as ciencias

teoricas. Como sabemos, a Ciencia Moderna mosrrou que

Deus e uma hipotese desnecessaria (esta e a celebre frase de

Laplace sobre a ardem do universo); Aristote!es nao pensava

assim, mas, se tivesse conhecido as raz6es modernas, rnuito

provavelmente teria concordado com e!as e feito da Fisica a

expressao culminante do saber do mundo.

Como, porem, certificar-se de que e possive! estender

a existencia para alem do campo da experiencia e das subs­

tancias sensiveis, postulando justamente uma substancia nao

sensive~ que nao pode ser percebida pe!os sentidos, mas

somente compreendida pe!a razao? Para tanto, Aristote!es

nao pode proceder por argumentos teologicos, pois estes

determinam a narureza de tal substancia suposta sua existencia,

sem poder provar que de fato existe. Tudo 0 que pode ser

feito e demonsrrar, por urn certo tipo de argumenta~ao, que

tal substiincia e compativel com 0 modo de ser dos objetos

que constiruem 0 campo indiscutive! do que existe e

preenche 0 mundo, os objetos sensiveis. Esse tipo especial de

argumenta~ao e 0 que Aristote!es chamou de Ciencia das

1

Arist6teles

primeiras causas e principios, que foi mais tarde denominada

Metajisica. Cabe a esta disciplina reve!ar os rra~os gerais de

rudo 0 que e, nao na medida em que isto aqui e tal coisa

determinada, por exemplo: is to aqui e urn homem, aquilo ali

e uma mesa, mas na medida em que e simplesmente, na

medida em que satisfaz as condi~6es mais gerais da existencia.

A metafisica de Aristoteles serve assim de base a urn

complexo de ciencias ao desve!ar os rra~os que pertencem a

rudo 0 que e. Por exemplo, se algo e, entao segue 0 principio

de nao conrradi~ao (nao pode ser e nao ser ao mesmo tempo

e sob 0 mesmo aspecto). Ela nao toma 0 lugar das ourras

ciencias, mas investiga a cientificidade de cada ramo do saber.

Enrre essas ciencias enconrra-se a Teologia, pois a Metafisica

mosrra que, embora 0 objeto sensive! seja 0 que ha de mais

familiar para nos, e admissivel a existencia de um ourro tipo

de subs tin cia, nao sensivel. A Metafisica nao demonsrra tal

existencia, simplesmente a torna viavel. Como Aristoteles

pensa que somente mediante a existencia de um motor imo­

vel, de narureza distinta da do objeto sensivel, e possive! sus­

tentar a ordem eterna do movimento, seu sistema de ciencias

culmina com a Teologia, visto que a Metafisica admite a com­

patibilidade de urna tal substancia com as condi~6es gerais de

existencia das substancias sensiveis. A Teologia esti no topo

do saber porque a razao assim 0 exige, segundo Aristote!es,

mas ele proprio observa que, se nao for mais preciso postular

104 Platao e Aristoteles

a existencia de urna substancia de natureza distinta da dos

objetos sensiveis pata garantir a ordem etema do movimento,

enta~ a Teologia deve perder seu lugar em proveito da Fisica.

Etica e Politica

Arist6teles realizou importantes estudos tambem

sobre outros dominios, como a Poetica, a Ret6rica, a Etica e

a Politica. Para conduir, limit~-me a assinalar alguns pontos

a respeito dos dois Ultimos temas. Por causa dos servi~os it

corte de Felipe II e Alexandre da Macedonia, Arist6teles foi

sempre considerado pelos atenienses como um representante

do poder macedonia; no entanto, em seus escritos de Etica e

Politica, foi um grande defensor da institui~ao politica grega

por excelencia, a democracia ateniense. Em seus estudos de

Etica, ele procurou mostrar como, no dominio das a~oes e

decisoes, a razao tem seu lugar a ftm de moderar e dirigir as

emo~oes. Esta razao, porem, para ele, nao e a razao demons­

trativa, mas urna razao deliberativa. 0 ate de deliberar ou

pesar razoes rivais, cuja expressao politica e a assembleia ate­

niense, foi vis to por Arist6teles nao como um substituto

menor de urn saber ausente, mas como a legitima atividade

racional de descoberta da verdade na a~ao. 0 prudente e,

para Arist6teles, aquele que sabe 0 que deve ser feito, 0

homem virtuoso propriamente dito; ele e defmido por

! ....

Aristoteles

Arist6teles justamente como aquele que delibera bem. Saber,

no campo da a~ao, equivale a saber deliberar.

Arist6teles estudou, assim, a natureza da delibera~a6 e

do seu objeto, a a~ao hurnana, de modo a compreender em

que sentido 0 ate de pesar razoes rivais e 0 modo pr6prio de

justiftcar nossas a~oes. A ciencia te6rica e demonstrativa, e

conhecer 0 mundo e ser capaz de demonstrar as causas; a

Etica e a Politica, porem, sao deliberativas. Delibera<;oes sao

atividades racionais de descoberta da verdade no campo

pratico, tendo a estrutura tipica de urn ato de dar razoes e jus­

tiftcar cren<;as, mas nao se reduzem a demonstra~oes. N e­

nhurn saber demonstrativo ou tecnica substituira, aos olhos

de Arist6teles, a delibera<;ao como a atividade racional por

excelencia de decisao pritica.

A Etica e a Politica de Arist6teles representam uma

tentativa de dar expressao ftlos6ftca II pritica politica ate­

niense de decidir mediante assembleias publicas. Arist6teles

reflete, desse modo, sobre 0 que constitui 0 :imago de urna

de nossas aspirac;6es mais caras, a democracia, invenc;ao

politica ateniense fundada na delibera~ao e na discussao

publica das decisoes a tomar. Suas rela~oes palacianas nunca

o desviaram do intento de pensar em profundidade 0 que

fundamenta a democracia: a verdade pritica como oriunda

do procedimento racional de deliberar sobre nossas a~oes.

Entretanto, os eventos politicos se precipitavam. Felipe

II e depois Alexandre estendiam suas conquistas para alem

lOS I

106 PI.tao e Arist6teles

1

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Aristoteles fo; preceptor de Alexandre

do Mediterraneo; 0 mundo grego estava em seu ocaso. A

independencia das cidades gregas desaparecia por causa do

grande imperio macedonio. Quando Alexandre morreu, em

323 a.C, Arist6teles fugiu de Atenas, temendo represaJias, e

teve de suspender 0 enorme programa de invesrigac;ao cien­

tifica que dirigia em sua escola, 0 Liceu. Urn ana depois, mor­

reu no exilio. Seus seguidores, entre os quais se sobressai

Teofrasto, continuaram sua obra e manriveram vivo seu pro-

1

Arist6teles

jeto, mas ninguem mais conseguiu sequer iguala-lo em suas

realizac;6es. Ainda hoje, quando nos debruc;amos sobre seus

escritos, nao podemos deixar de ter urn senrlmento de

grande admiraC;ao pela pessoa e pela obra realizada.

107

Conclusao

Platao e Arist6teles estao no centro de urn movimento

que se iniciou por volta do sec. VI antes de nossa era. Esse

movimento caracteriza-se por urna atitude intelectual parti­

cular: no lugar de aceitar mitos e relatos sobre a origem e a

ordem do mundo, sobre 0 sentido e 0 destino da existencia

hurnana, passou-se a perguntar qual era 0 principio do

mundo, 0 que 0 constituia, 0 que era bern viver e, como

resposta, exigiu-se nao urn novo relato ou uma outra reve­

la~ao, mas cren~as justificadas por razoes e apoiadas em

evidencias empiricas. Assim nasceu a aventura intelectual

hurnana que hoje chamamos de Ciencia. Atraves de suas mais

variadas disciplinas, a Ciencia demarca-se de tudo 0 mais pela

atitude de exigir provas do que e dito, de requerer justificati­

vas racionais para a ado~ao de certas cren~as, de procurar

incansavelmente evidencias empiricas para 0 que afirma.

Muito sucintamente, a Ciencia pode ser vista como urna ati­

tude de continua suspeita em rela~ao a todo discurso e argu­

mento, buscando sempre razoes ou evidencias para adota-lo

ou rejeita-lo.

E dificil explicar exatamente como ela surgiu; 0 mais

provavel e que havia condi~oes favoraveis ao seu apareci­

menta e, por urn feliz concurso de circunstancias, nascerarn

Conclusao

homens capazes de dar urna expressao densa e instigante a

essa nova atitude. 0 fato e que se alastrou rapidamente e, da

costa da Asia Menor, onde surgiu, pas sou ao centro da

Grecia, onde encontrou, em Atenas, seu primeiro grande

ambiente. La, Pia tao e Arist6teles nao somente continuaram

a estudar e a investigar a natureza para descobrir seus mis­

terios, mas sobretudo procuraram refletir, justificar por

razoes e apelar a evidencias.

Avaliar, assim, 0 papel desses dois ftl6sofos na hist6ria

desta nova atitude e duplo desafio. De urn lado, estao en­

volvidos com teses cientificas, com hip6teses a testar e a

refutar. Fizeram avan~os nesse dominio, mas tambem come­

teram erros, e nao poucas vezes escolheram 0 caminho errado.

Por outro lado, mais do que qualquer urn em sua epoca, e

certamente nao menos do que qualquer outro em toda a

hist6ria do Ocidente, eles refletiram sobre a natureza mesma

des sa nova atitude intelectual. Quaisquer que sejam os erros

cientificos e os deslizes que tenham cometido, 0 fato e que

sua contribui~ao a este segundo aspecto foi decisiva, pois nao

basta propor hip6teses e p6r-se a pensar, e preciso saber 0

que e propriamente pensar bern; e preciso ter urna ideia clara

do que significa justificar urna cren~a com base em razoes e

com apoio em evidencias empiricas; e preciso, ainda, reco­

nhecer seu significado para as nossas vidas, seu valor para

nossa existencia.

109 ~

110 PlaLlo e Arist6teles

Com Platao e Arist6teles, a Ciencia, essa nova atitude

intelectual, ganhou carta de alforria: ela foi civilizada, pensa­

da, refletida. Pode-se viver sem ciencia, pode-se ado tar

cren~as sem querer justifid.-Ias racionalmente, pode-se

desprezar as evidencias empiricas. No entanto, depois de

Platao e Arist6teles, nenhum homem honesto pode ignorar

que uma outra atitude intelectual foi experimentada, a de

adotar crenc;:as com base em razoes e evidencias e questionar

tudo 0 mais a fun de descobrir seu sentido Ultimo. E, penso,

todo homem, ap6s conhecer a obra de Platao e Arist6teles,

nao fica insensivel a esta extraordinaria aventura humana que

e a busca da verdade.

Bibliogratia

A bibliografia a respeito de Platao e de Arist6teles e

muito extensa; menciono a seguir certas obras que certa­

mente ajudarao 0 leitor a aprofundar seus conhecimentos

sobre esses dois grandes ftl6sofos gregos antigos.

Platao

Ha varias edi~6~s dos dialogos de Pia tao; atualmente,

esta em curso de reedi~ao a tradur;:ao completa de seus dialo­

gos por Carlos Alberto Nunes. As edi~6es sao muito bern

cuidadas; ja estao disponiveis os seguintes titulos:

Platao. &ptiblica. UFPa, 2000.

Plarao. Teeteto, Cratilo. UFPa, 200l.

Platao. Banquete, Apologia. UFPa, 200l.

Plarao. Timeu, Critias, Alcibiades Menor, Hipias Menor,

UFPa 200l.

Na cole~ao Os Pensadores, da Abril Cultural, hi um

volume dedicado a Pia tao, que contem os dialogos Banquete,

Fedon, S oftsta e Politico.

Para a &ptiblica, recomendo tambem a edi~ao por­

tuguesa feita por Maria Helena da Rocha Pereira (Funda~ao

Calouste Gulbenkian, 1987, 5' ed.).

Do Menon, ha a recente tradu~ao de Maura Iglesias

(pUC-Loyola, 2001).

112 Platao e Aristoteles

Arist6te1es

Poucas obras de Arist6teles estao traduzidas para 0

portugues (e, das tradu~6es existentes, nem todas foram,

feitas a partir do grego antigo). A cole~ao Os Pensadores, da

Abril Cultural, tem dois volumes para Arist6teles: um con­

tem a Metafisica, a Etica nicomaqueia e a Poetica (esta Ultima na

tradu~ao de Eudoro de Sousa); no outro volume, estiio os

Topicos e os Argumentos sojisticos. Os dois primeiros livros da

Fisica foram traduzidos recentemente por Lucas Angioni

para a cole~ao Textos Diditicos da Unicamp (trata-se do vol.

34, de 1999); dele hi tambem, na mesma cole~ao, a tradu~ao

dos livros IV e VI da Metafisica (vol. 45, 2001) e dos livros VII

- VIII (vol. 42, 2002) e excertos de virios livros no vol. 41,

de 2000, que tem 0 titulo de Ontofogia e predicariio em Aristdteies.

Os Cadernos de Histdria e Filosojia da Cienci.a publicaram a

tradu~ao comentada do livro I do tratado Das partes dos

animais, igualmente por Lucas Angioni (Serie 3, vol. 9,

numero especial, 1999).

Felizmente, hi um extraordinirio estudo em lingua

portuguesa sobre a teoria aristotelica da ciencia, apresentado

inicialmente como tese de doutorado na USP, em 1967, e pu­

blicado somente agora para 0 grande publico:

Porch at Pereira, Oswaldo. Ciencia e Diaietica em

Aristdte!es. Sao Pau1o: Unesp, 2000.

Bibliografia

Uma notivel introdu~ao geral ao pensamento de Aris­

t6teles foi feita em 1923 por sir David Ross e traduzida pos­

teriormente para 0 portugues:

Ross, David. Aristdteies. Lisboa: Dom Quixote, 1987.

Filosofia Grega Classica

Hi virios estudos disponiveis sobre a fllosofia grega

ciissica. Recomendaria 0 seguinte:

Chaui, Marilena. Fzlosojia. Atica, 2000.

Um estudo de f6lego, que contem muita informa~ao,

dos pre-socriticos as escolas da era imperial, mas apresenta

teses controversas, e: Reale, Giovanni. Historia da Fifosojia antiga. (5 vols.

Loyola, 1993-95).

No tocante a Filosofia, nada se iguala a leitura dos

pr6prios fll6sofos; isso e ainda mais verdadeiro no que diz

respeito a Pia tao e a Arist6teles: meu melhor conselho e Ie-los

diretamente e abrir assim 0 diilogo com dois dos mais

fecundos pens adores de toda a hist6ria da humanidade.

11 3

Glossario

acidente - em grego, sumbebekos. Designa toda propriedade

que urn objeto pode ter ou na~ ter, sem por isso deixar de ser

o que e. Por exemplo, 0 muro pode ser branco, mas pode tam­

bern nao ser branco, sem deixar de ser 0 que e; ele e dito, assim,

acidentalmente branco, pois poderia perfeitamente ser de outra

cor. 0 acidente op6e-se it propriedade essencial, aquela que

caracterlza 0 que e propriamente a coisa.

atomo - do grego atomon, literalmente: "0 que na~ pode ser

cortado, dividido". Segundo 0 atomismo antigo, 0 universo e

infinito, sendo constituido de particulas indestrutiveis, os ato­

mos, infmitos em nillnero e em especie, que estao eterna­

mente em movimento atraves do vazio. Urn objeto (por

exemplo: urna mesa) e urn conglomerado momentiineo de

atomos, que entram e saem continuamente, estando 0 objeto

(no caso, a mesa) em continua mutac;:ao; os ~itomos, no entan­

to, nao sofrem nenhurna modifica~ao interna.

barbaro - do grego barbaros. Para os gregos, qualquer habi­

tante de outra regiao que a Grecia. 0 termo talvez tenha sido

cunhado em fun~ao do fato de que, ao ouvir urna lingua

estrangeira, tem-se a impressao de que todos os sons se

Glossario 115

assemeiham, de onde bar-bar-os. 0 termo, por sua vez, ga­

nhou rapidamente 0 sentido pejorativo de incivilizado, cruel.

cidade-estado - em grego, polis, de onde 0 termo politikos,

politico, literalmente: 0 que e relativo it cidade. Os gregos

viviam em unidades pequenas, as cidades, que tinham, para

eles, 0 pape! de urn Estado. Nao havia na Grecia urn linico

governo, ela era composta por uma pluralidade de cidades­

estados, unidades aut6nomas, nas quais se falava grego (em

diferentes dialetos) e por isso, havia urn nitido senrimento de

pertencerem a urn mesmo povo, 0 povo grego. A cidade,

segundo Arist6te!es, visa nao somente a viver, mas sobretudo

a viver bern.

cosmologia - do grego kosmos, bern ordenado, e logos, expli­

ca~ao raciona!. A cosmologia e a explica~ao racional do uni­

verso, do movimento das estre!as e dos planetas. E a ciencia

por exce!encia na Antigilidade. 0 termo kosmos indica que 0

universo e tido como ordenado; a mesma ideia persiste em

larim: mundus designa 0 universo, assim como os objetos fe­

mininos de elegancia (de onde 0 oposto immundus).

demagogia - do grego demos, povo, e agoge, a~ao de con­

duzir, transportar. No regime politico democratico, no qual

todos os cidadaos votam diretamente as proposi~6es, logo

II

il

1 ~ , .1 .'

116 Platao e Arist6teles

surgiu 0 fenomeno das fac<;oes, e oradores habeis passaram

a ter papel importante, pois podiam conduzi-Ias a urna ou

outra posi<;ao nas vota<;oes, conforme seus interesses. Desse

modo, mediante adula<;ao, levavam-nas aonde queriam politi­

camente: este procedimento ficou conhecido como demagogia,

urn tipo de corrup<;ao interna it democracia.

demiurgo - do grego demiourgos, artifice. No Timeu de Platao,

o Demiurgo cria 0 mundo sensivel ao dar forma a materia

informe com base nas Ideias que contempla. Ele cria assim 0

mundo it imagem do eterno, mas nao 0 cria do nada, pois, de

urn lado, as Ideias the servem de modelo e, de outro, a

materia e 0 receptaculo ja existente para suas c6pias. 0

mundo que 0 Demiurgo cria e ele pr6prio eterno, mas imer­

so sempre no movimento que 0 tempo enumera.

democracia - do grego demos, povo, e kratos, for<;a, robustez.

Designa 0 regime politico no qual as decisoes sao tomadas

em assembleias publicas, mediante delibera<;ao e vota<;ao.

Muitas cidades gregas 0 adotaram, mas Atenas foi seu sim­

bolo por excelencia, haja vista it sua importancia politica e

economica. Na Antigiiidade, a democracia era direta e nao

representativa, isto e: todos os cidadaos podiam votar direta­

mente as proposi<;oes que 0 Conselho apresentava as assem­

bleias. No entanto, nem todo habitante era cidadao: os

Gloss'rio

escravos, os estrangeiros e as mulheres nao participavam das

assembleias. N a Constitu2jao de Atenas, Arist6teles descreve

detalhadamente as institui<;oes e os procedimentos politicos

atenienses. Urn detalhe importante a reter e que, na demo­

cracia ateniense, qualquer cidadao podia exercer as fun<;oes

politicas, os cargos sendo preenchidos por sorteio entre eles.

dialetica - do grego dialektike <technf>, arte relativa a con­

versa<;ao, a discus sao. Em geral, designa a habilidade de dis­

cucit, de debater urn tema de modo a obter uma conclusao

aceita por todos os contendores. Para Plarao, a Dialetica

representava 0 ponto supremo da ciencia, aquele com 0

qual, apos as hip6teses matematicas sobre a natureza das

coisas, se alcan<;a enfun 0 saber nao hipotetico do mundo.

o fll6sofo, para Platao, devia necessariamente ser urn

dialetico, e nao e assim urn acaso que tenha escrito seus tex­

tos fllos6ficos sob a forma de dialogos, pois neles ja se

exercita a arte da Dialetica.

essencia - em grego, to Ii esli, to Ii en einai ou ousia. Termo

tipico da fllosofia aristotelica, designa 0 con junto de pro­

priedades que caracteriza urn objeto como tal coisa (por

exemplo, a essencia do homem caracteriza 0 que e precisa­

mente ser homem), em contraste com as propriedades que

podem ocorrer ou nao (os acidentes: por exemplo, urn

117

118 Platlo e Arist6teles

homem pode ser erudito, mas tambem pode nao ser erudito,

sem deixar de ser homem). A essencia tem poder explicativo,

pois, conhecendo a essencia de algo, conhece-se a natureza

do objeto em questao. Ha uma varia~ao terminologica em

Aristoteles (ele tem tres termos para essencia, como anotado

acima), e a essencia termina por confundir-se com a forma

(em grego: eidos), termo que designa igualmente aquilo que

caracteriza 0 ser proprio de um objeto. A essencia de algo

(por exemplo, a essencia de um cavalo) nao e determinada ou

constituida por nos, mas revelada pelos individuos que

povoam 0 mundo, e a nos cabe apreende-la e enuncia-la cor­

retamente em uma defmi~ao.

eter - do grego aithfr. Designa a regiao mais clara do ceu. N a

fisica aristotelica, 0 eter e uma materia imperceptivel que

preencheria todo 0 universo e seria a materia dos corpos

celestes (estrelas e planetas). Dotado de movimento circular

eterno, explicaria assim 0 movimento dos corpos celestes e

sua incorruptibilidade. 0 eter e, para Arist6teles, 0 quinto

elemento, pois, alem dele, ha os quatro elementos materiais

(agua, ar, terra e fogo) que constituem todos os corp os sen­

siveis da Terra.

J

Glossario

etica - do grego fthikl <episteme>, <ciencia> etica. Designa a

disciplina que investiga a natureza e as causas das a~6es hu­

manas, assim como a virtude e 0 bem viver, isto e, a felicidade.

A etica grega esta centrada na no~ao de felicidade, eudaimonia:

parte sempre da tese de que todos os homens buscam a feli­

cidade. 0 estudo das a~6es humanas esta subordinado ao

interesse nao somente de conhecer a natureza do agir

human~, mas sobretudo de saber como nos tornamos bons

agentes, isto e, como nos tornamos agentes marais e virtuo­

sos para, desse modo, viver bem e felizes. 0 homem grego

nao queria simplesmente viver, mas aspirava a viver hem, e cabia

it Etica discutir em que consiste 0 bem viver ou a felicidade.

filosofia - do grego philosophia, amor ao saber. Os gregos

instituiram, a partir do sec. VI a.c., uma atitude intelectual

inovadora: querer conhecer as causas das coisas mediante

explica~6es racionais e evidencias empiricas. Essa atitude

intelectual pas sou a ser designada por um termo novo,

philosophia, que unia ao termo antigo de sophia, sabedoria, a

indica~ao de que era um saber em constru~ao, que ninguem

o possula ao nascer, mas ao qual multos homens dedicavam

a vida para obter, criando escolas de estudo e discussao.

Entre os antigos, Filosofta designava toda disciplina cientifi­

ca; em Arist6teles, por exemplo, a fisica e chamada de

filosofta segunda, enquanto a Teologia e ditafilosofta primeira.

I

119 Ij i

120 Pl.tao e Arist6teles

forma - em grego, eidos. Na fuosofia aristotelica, a forma de­

signa 0 que constitui a essencia de algo, seu ser proprio. Para

ele, no tocante as substancias materiais, toda forma e ima­

nente, nao podendo existir separadamente do individuo.

Aristoteles criticou duramente a separayao platonica entre a

Ideia e os sensiveis que dela participam. No entanto, hi

forma separada em Aristoteles, a saber: 0 primeiro motor,

mas ela nao e forma de nenhuma substancia sensivel.

geocentrismo - Na cosmologia antiga, 0 universo era finito

(pelo menos segundo as hipoteses mais influentes); a Terra

encontrava-se im6vel, em seu ponto central, e, em torna dela,

giravam, em movimentos circulares uniformes, os planetas e

as estrelas (dai 0 nome de geocentrismo, pois em grego ge si­

gnifica a Terra). Essa concep<;:ao do universo encontrou no

Almagesto de Ptolomeu sua expressao mais solida, tendo per­

durado ate 0 sec. XVI, quando foi flnalmente suplantada

pelo heliocentrismo.

heliocentrismo - Grayas aos estudos dos astronomos mo­

dernos, entre os quais se destacam Copernico, Kepler e

GaWeu, 0 geocenttismo foi substituido pelo heliocentrismo,

isto e, pela concep<;:ao segundo a qual os planetas giram em

torno do Sol, a Terra nao estando mais no centro do uni­

verso. 0 advento do heliocentrismo coincide com 0 sur­

gimento da Ciencia Moderna e 0 abandono das teses antigas

Glossario

sobre a natureza do mundo e do universo, tendo provocado

um abalo nas convic<;:6es religiosas, que se viam reconfor­

tadas com a suposta posi<;:ao central da Terra.

heuristico - do verbo grego heuriskiJ, descobrir, de onde

tambem vern 0 celebre heureka! de Arquimedes, que signifi­

ca literalmente descobri!, achei! Urn principio heuristico e

urn prlnciplO que serve de guia e auxiliar a descoberta da

verdade.

ideia - do grego idea, que significa a forma ou figura que um

objeto possui. Na mosofia de Platiio, 0 termo adquiriu senti­

do tecnico, designando 0 modelo ou paradigma nao sensivel,

imutivel, eterno e perfeito do qual os objetos sensiveis sao

meras copias, mutiveis e imperfeitos. Para Platao, conhecer

significa reconhecer a partir dos objetos sensiveis as Ideias

inteligiveis que sao a causa do ser dos objetos sensiveis;

percebe-se uma Ideia somente pelo intelecto ou razao, jamais

pelos sentidos. Daqui a famosa teoria platonica das Ideias,

que constitui 0 centro de sua metafisica. Por vezes, ela e dita

teoria platonica das Formas, para evitar mal-en ten didos

provocados pela no<;:ao moderna de ideia.

intelecto - em grego, nous. N a teoria antiga da verdade, 0

conhecimento humane tern de ser analisado a partir de duas

121

122 Platao e Arist6teles

fontes: de urn lado, a sensibilidade; de outro, 0 intelecto. Por

este Ultimo, apreendemos os universais, enquanto, pelo

primeiro, apreendemos os particulares. Somente 0 homem,

entre os animais, possui intelecto, que e considerado sua

parte divina, pois 0 Deus dos fIl.osofos e dotado de intelecto

em grau eminente.

materialismo - designa toda teoria que reduz a realidade

do mundo aos seus elementos materiais. Ha diferentes ver­

soes do materialismo, mas a mais tipica e forte e segura­

mente 0 atomismo, segundo 0 qual todos os objetos nao

sio senio conglomerados de particulas invisiveis e indi­

visiveis, os thomos.

mortismo - do grego monos, solitario, unico. Designa toda

concep~ao que reduz a realidade a urn so principio.

Parmenides foi 0 defensor do mais radical monismo, pois,

para ele, existia uma unica entidade, imovel, eterna, incapaz

de qualquer movimento. Parmenides negou a realidade do

movimento e da multiplicidade; Zenio, seu discipulo, ficou

conhecido por sustentar que toda cren~a na pluralidade e no

movimento levava inevitavelmente a paradoxos.

mudan<;a - em grego, metabole. Entre os antigos, a mudan~a

nio indicava somente deslocamento no espa~o, mas tambem

Glossario

toda e qualquer altera~ao (por exemplo, quando alguem fica

bronzeado, quando urn muro e pintado de amarelo), 0 cresci­

mento e a diminui<;io dos seres, bern como sua gera~io e

corrup<;io. Aristoteles foi 0 fIl.osofo que tentou disciplinar tal

no<;io, mostrando que toda mudan~a implica a identifica~io

de urn substrato que permanece (assim, quando urn objeto

sofre urna altera<;ao, existe algo que permanece ao longo de

toda a mudan~a; por exemplo, quando Socrates fica bronzea­

do no vedo, e 0 mesmo Socrates que passou de nao bron­

zeado a bronzeado).

oligarquia - do grego oligos, pouco, e archf, governo. Designa

o regime politico no qual poucos tern acesso aos cargos e

fun~oes politicos. Muitas cidades gregas adotaram a oligar­

quia como regime. A oligarquia pode ser constituida pela

nobreza que se reveza nos cargos oficiais, sendo chamada

entao de timocracia (de time, honra), ou pelos ricos, designa­

da entio de plutocracia (de ploutos, riqueza).

participa<;ao - em grego, methexis. Este termo adquiriu

cidadania filosofica com Pia tao, designando a rela~ao que os

objetos sensiveis tinham com a Ideia segundo seu sistema

filosofico. Por exemplo, as diversas mesas sensiveis sao mesas

na medida em que participam da Ideia de mesa. A rela<;io de

participa~ao tern urn pape! fundamental no sistema filosofico

123

124 Platao e Arist6teles

plat6nico, mas, como observou Aristoteles, Platao nunca

explicou que relac;ao era exatamente a participac;ao.

politica - do grego, politike <episteme>, <ciencia> politica.

Designa toda investigac;ao que visa a refletir sobre a organi­

zac;ao politica da cidade e 0 bem viver. A Politica, entre os

antigos, e uma ciencia e, como tal, esti ligada it descoberta

da verdade; ela nao e somente uma tecnica para obter um

consenso das vontades dos cidadaos, ela e, ao contririo, a

busca da verdade no campo das ac;6es humanas com vistas

ao bem comum.

prudencia - em grego, phronesis. A prudencia e 0 ideal da

sabedoria pritica antiga; 0 homem prudente e aquele que

conhece os meios adequados e que tem os flns moralmente

bons, a quem nos voltamos quando precis amos nos aconse­

!har sobre assuntos importantes. 0 prudente e 0 homem que

sabe 0 que deve ser feito em func;ao das circunstancias nas

quais OCOrre a ac;ao. A etica aristotelica culmina no elogio da

prudencia como flgura por excelencia da moralidade.

quatro elementos - do grego stoicheia, que designava as

letras que constituem os primeiros componentes das

palavras, de onde a noc;ao geral de elementos, os componentes

bisicos aos quais se reduzem todas as coisas. Os gregos

Glossario

admitiam quatro elementos materiais, com base nos quais

explicavam a constituic;ao de todos os corpos: a igua, 0 ar, a

terra e 0 fogo. Os corp os sensiveis eram vistos como niis­

turas mais ou menos complexas desses ou de parte desses

quatro elementos.

razao - em grego, logos. A razao pertence, entre os animais,

unicamente aos homens; e a capacidade mediante a qual con­

cebemos algo sob forma conceitual e unimos os termos em

proposic;6es. 0 termo grego, logos, e 0 substantivo ligado ao

verbo lego, dizer, 0 que 0 conecta estreitamente it linguagem.

N a celebre defmic;ao do homem como animal raciona/,

"racional'; traduz logikon, que pode igualmente ser entendido

como "capaz de linguagem".

ret6rica - do grego rhetorike <techne>, <arte> retorica.

Designa a arte de obter 0 consentimento do outro mediante

persuasao. Em uma civilizac;ao fortemente dependente de

assembleias e facilmente cIilacerada em facc;6es, a arte de per­

suaclir 0 publico tinha uma importancia preponderante. Nao

se pressupunha que 0 orador demonstrasse a verdade e

obtivesse assim a convicc;ao das pessoas, mas devia persuaclir

o publico mostrando-!he um caminho a seguir. Para isso,

valia-se de diferentes mecanismos e estrategias para obter 0

consentimento dos outros; havia, na Antigiiidade, varios

125

126 Platao e Arist6teles

manuais e escolas nas quais se aprendia a arte de falar ao

grande publico.

sensa<;1io - em grego, aisthesis. A sensa~ao e urna das ope­

ra<;6es do conhecimento humano, aquela pela qual apreen­

demos os particulares. Os antigos reconheciam os classicos

cinco sentidos - visao, audi<;ao, olfato, gosto e tato -, mas

havia tambem a tendencia entre eles de reduzir 0 gosto a um

tipo especial de tatoo Cada sensa<;ao possui um orgao de per­

cep<;ao, que apreende unicamente urn tipo de objeto: por

exemplo, os olhos sao 0 orgao da visao e apreendem somente

seu objeto proprio, a cor, e nao 0 som, ao passo que os ouvi­

dos sao os orgaos proprios da audi<;ao e apreendem somente

as sons e nao a cor.

silogismo - do grego suiiogismos, dlculo e, em geral,

raciocinio. Aristoteles foi 0 primeiro fIlosofo a estudar as

formas validas de argumenta<;ao, 0 que chamou de siiogismo.

Aristoteles defIne 0 silogismo como "0 discurso no qual, cer­

tas coisas estando postas, outra coisa resulta delas necessaria­

mente pelo simples fato de elas estarem dadas". Desse modo

nasceu a logica antiga e 0 estudo das inferencias, que per­

durou ate muito recentemente como a linica logica.

Glossario

sofistas - do grego sophistes, que inicialmente designa todo

homem possuidor de uma arte ou habilidade. Ao lange do

sec. V a.c., surgiu um novo tipo de intelectual, 0 sofIsta, que

professava a arte de discorrer livremente sobre qualquer

assunto, moral ou cientifIco, tendendo, porem, a centrar seus

interesses em temas sociais e politicos. Indo de cidade em

cidade, os sofIstas propunham-se a educar os jovens median­

te certa remunera<;ao. Existiram celebres sofIstas na Antigiii­

dade, como Prodicos de Ceos, Hipias de Elide, Protagoras de

Abdera e Gorgias de Leontini. Diziam-se capazes de tornar

forte qualquer argumento fraco, e alguns adotaram urn rela­

tivismo extremo (protigoras fIcou falilOSO ao afIrmar que 0

homem era a medida de todas as coisas: das que sao, que sao;

das que nao sao, que nao sao). Platao os atacou duramente

em seus dialogos.

substiincia - em grego, ousia. Termo-chave na metafisica

aristotelica, substanci.a designa ou bem 0 individuo, como

Socrates, composto de materia e forma, ou bem a forma ou

essencia de Socrates (nesta Ultima acep<;ao, aparece como

substanci.a de algo, isto e, sua essenci.a, ao passo que, na primeira

acep<;ao, a substancia e 0 proprio individuo). Em fun<;ao

desse duplo sentido, por vezes encontra-se como tradu<;ao de

ousia unicamente 0 termo essenci.a, designando entao tanto a

substanci.a de algo como 0 proprio individuo; nas mais das

127

128 PI.tao e Arist6teles

vezes 0 contexto e suficiente para se ver qual dos sentidos

esti em questao. Na linguagem comurn, ousia designava os

bens e as posses de urna pessoa.

teleologia - do grego telos, flffi, e logos, explicayao raciona!.

Designa 0 tipo de explicayao que apela aos fins para dar as

causas das coisas. A explicayao pelos fins tem urn papel pre­

ponderante nas ayoes (afinal, fazemos atos com vistas a cer­

tos fms), mas foi aplicada, em especial por Aristoteles, ao

inteiro campo da natureza. A Teleologia pensa a realidade

segundo urn designio que !he seria constitutivo.

teologia - do grego theologike <epistfmf>, ciencia que trata da

natureza divina. Em Platao, Teologia e Metafisica parece

coincidirem; em Aristoteles, a Teologia tem por objeto 0

primeiro motor, substiincia nao sensivel, principio ao qual

tudo 0 mais esti suspenso, ao passo que a Metafisica investiga

tudo 0 que e enquanto tal (mesmo assim, Teologia e

Metafisica se recobrem parcialmente em Aristoteles).

tirania - do grego turannos. Designa, na Grecia antiga, um

governante absoluto, nao limitado por leis ou por uma cons­

tituiyao. Cidades podiam fazer apelo a homens que en tao

governavam livremente; outras vezes, eram tomadas de

assalto e dominadas por tiranos. 0 termo nao tem necessa-

Glossario

riamente a carga pejorativa atual; nem todo tirano foi urn

despota cruel: Edipo, por exemplo, a quem foi oferecido 0

governo de Tebas, e tipicamente um tirano, sem por isso' ter

sido crue!'

virtude - em grego, arete. Virtude designa, em grego antigo,

toda capacidade de bem realizar algo. Se a funyao de urn ca­

vale e correr, aquele cavalo que corre bem e dito urn cavalo

virtuoso. N a Filosofia, 0 termo designa as qualidades morais

de um homem grayas as quais ele e causa de sua propria feli­

cidade. Para os antigos, na~ nascemos com virtudes, mas

somente com certas propensoes; as virtudes sao adquiridas

pelo hibito e exercicio. Platao centrou sua atenyao em qua­

tro virtudes, as assim chamadas virtudes cardinais: justiya,

temperanya, coragem e sabedoria pritica (a piedade estava

incluida na justiya); outros ftlosofos, entre os quais encontra­

se Aristoteles, adotaram listas bem mais amplas, incluindo a

magnanimidade, a generosidade, a veracidade e outras mais.

129

Obras de Platao

As obras de Platao esrao divididas em tetralogias, cada

diilogo possuindo urn subtitulo que indica 0 tema. Essa

divisao remonta a Antigiiidade, mas nao e de Platao. A pagi­

na~ao provem da edi~ao de Stephanus, do sec. XVI.

I. Eutifron (da piedade), Apologia de Socrates, Criton (do

dever) e Peion (da alma)

II. CraMo (da corre~ao dos nomes), Teeteto (da Ciencia),

S ojista (do ser) e Polftico (do governo)

III. Parmenides (das Ideias), Pilebo (do prazer), Banquete

(do amor), Pedro (do bela)

IV. Alcibfades maior (da natureza do homem), Alcibfades

menor (da prece), Hiparco (da cupidez), Os amantes (da

Filos06a)

V. Teages (da sabedoria), Carmides (da temperan~a),

Laques (da coragem) e Usis (da amizade)

VI. Eutidemo (da eristica), Protagoras (os s06stas),

Corgias (da ret6rica), Menon (da virtude)

VII. Hipias maior (do belo), Hipias menor (da falsidade),

fon (da I1fada), Menexeno (do epita60)

VIII. Clitdfon (ou exorta~ao), &pdblica (do justo), Timeu

(da natureza), Critias (da Adantida)

Obras de Platao

IX. Minos (da lei), Leis (da legisla~ao), Epinomis (do con­

selho noturno ou 616sofo), Cartas

Obras erroneamente atribuidas a Platao: Difinifoes, Do

justo, Da virtude, DemMoco, Sisifo, Erixias e Axfoco.

131

Obras de Aristoteles

A edi~ao de referencia, cuja pagina~ao e retomada pela

maior parte das tradu~6es, e a de E. Bekker, em 5 volumes,

publicada na Alemanha entre 1831 e 1870. 0 sinal * indica

que hi duvidas quanto it autenticidade; ** indica 0 carater

ap6crifo do escrito.

1. Categorias

2. Da interpreta;ao

3. Primeiros analiticos

4. S egundos analfticos

5. Tripicos

6. Refuta;oes sofisticas

7. Pisica

8. Do ceu

9. Da gera;ao e cOrTUNao

10. Meteorologica

11. Do universo * 12. Da alma

13. Do sentido e dos sensiveis

14. Da memoria e da reminiscencia

15. Do sono e da vigilia

16. Dos sonhos

Obras de Aristoteles J3J

17. Da adivinha;ao no sono

18. Da longevidade e brevidade da vida

19. Da juventude e velhice

20. Da vida e da morte

21. Da respira;ao

22. Do espirito ** 23. Hist6ria dos animais

24. Das partes dos animais

25. Do movimento dos animais

26. Da locomo;ao dos animais

27. Da gera;ao dos animais

28. Das cores ** 29. Do que i audivel ** 30. Fisionomica ** 31. Das plantas ** 32. Hist6rias admiraveis ** 33. Mecanica ** 34. Problemas * 35. Das linhas indivisiveis * 36. Da posi;ao e nomes dos ventos ** 37. Sobre Xen6fanes, Melisso e Gorgias ** 38. Metafisica

39. Etica nicomaqueia

40. Grande Etica * 41. Etica eudemia

134 Plat.lo e Aristoteles

42. Da virtade e dos vicios ** 43. Politiea

44. Tratado de Economia

45. Retdrica

46. Retdrica a Alexandre ** 47. Poitica

48. A Constitairao de Atenas, encontrada em urn papiro

no final do sec. XIX.


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