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Autora: Profa. Maria Aparecida de Almeida

Date post: 07-Feb-2023
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Autora: Profa. Maria Aparecida de Almeida Colaboradoras: Profa. Amarilis Tudela Nanias Profa. Glaucia Aquino Profa. Angélica Carlini Antropologia e Cultura Brasileira
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Autora: Profa. Maria Aparecida de AlmeidaColaboradoras: Profa. Amarilis Tudela Nanias

Profa. Glaucia Aquino Profa. Angélica Carlini

Antropologia eCultura Brasileira

Professora conteudista: Maria Aparecida de Almeida

Olá, aluno! Bem-vindo à disciplina de Antropologia e cultura brasileira. Eu sou a professora Maria Aparecida de Almeida e elaborei o conteúdo deste livro texto. Sou brasileira, nascida na cidade de Ivaiporã, Paraná, em 14 de maio de 1968. Sou formada em Ciências sociais (Antropologia, Ciências políticas, Sociologia), bacharelado e licenciatura, pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, de 1991 a 1994. Entre 1994 e 1996 realizei cursos na Universidade de Campinas, como aluna especial do mestrado, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. A partir de 1996, comecei a lecionar História, Geografia, Sociologia e Pesquisa de mercado, nos cursos técnicos de 2º grau do Colégio Politécnico Bento Quirino, em Campinas, e, também, nesse momento realizei o curso de especialização em Marketing e negócios. Em 2000, fui convidada a ministrar aulas na Universidade Paulista, campus Sorocaba, trabalhando as disciplinas de Estatística, Pesquisa de mercado e opinião, Sociologia da comunicação, Métodos e técnicas de pesquisa, Metodologia do trabalho acadêmico, Filosofia geral, Filosofia da ciência, Homem e sociedade e Ciências sociais. Entre 2007 e 2008, sentindo a necessidade de aperfeiçoar meus estudos e voltando à Pontifícia Universidade Católica para realizar meu mestrado em Educação, analisei o programa PROUNI, uma política pública implantada no primeiro governo de Lula. Atualmente, realizo um curso de especialização em Ensino a distância, na Universidade Paulista.

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A447a Almeida, Maria Aparecida de

Antropologia e cultura brasileira / Maria Aparecida de Almeida. - São Paulo: Editora Sol, 2011.

148 p., il.

Notas: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-043/11, ISSN 1517-9230.

1. Antropologia. 2. Cultura brasileira. 3. Sociedade brasileira I. Título

CDU 572.1/.4

Prof. Dr. João Carlos Di GenioReitor

Prof. Fábio Romeu de CarvalhoVice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças

Profa. Melânia Dalla TorreVice-Reitora de Unidades Universitárias

Prof. Dr. Yugo OkidaVice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa

Profa. Dra. Marília Ancona-LopezVice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy

Prof. Marcelo Souza

Profa. Melissa Larrabure

Material Didático – EaD

Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão: Alessandro de Paula

SumárioAntropologia e Cultura Brasileira

APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7INTRODUÇÃO .........................................................................................................................................................11

Unidade I

1 VISÃO GERAL SOBRE A ANTROPOLOGIA ............................................................................................... 152 OS ANTROPÓLOGOS NO GABINETE ......................................................................................................... 22

2.1 O evolucionismo social ...................................................................................................................... 222.2 O positivismo .......................................................................................................................................... 252.3 Determinismo biológico e determinismo geográfico ............................................................ 27

3 OS ANTROPÓLOGOS VÃO PARA O CAMPO ........................................................................................... 313.1 O funcionalismo .................................................................................................................................... 313.2 O culturalismo norte-americano ................................................................................................... 353.3 O estruturalismo ................................................................................................................................... 373.4 A Antropologia interpretativa ......................................................................................................... 40

4 A CRÍTICA DOS PARADIGMAS TEÓRICOS .............................................................................................. 414.1 A Antropologia pós-moderna ou crítica ..................................................................................... 41

Unidade II

5 A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA .......................................................................................... 495.1 Histórico da formação da sociedade brasileira ........................................................................ 49

6 UMA ANTROPOLOGIA DO BRASIL: OS PILARES .................................................................................. 586.1 A perspectiva de Gilberto Freyre em Casa-grande e senzala ............................................. 586.2 A perspectiva de Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil ...................................71

6.2.1 Pedagogia moderna e as virtudes antifamiliares ...................................................................... 736.2.2 A identidade do homem cordial ....................................................................................................... 79

6.3 A perspectiva de Darcy Ribeiro em O povo brasileiro ............................................................ 836.3.1 A formação da organização social do Brasil ................................................................................ 846.3.2 Conformação urbana e cultural ....................................................................................................... 876.3.3 Deterioração urbana .............................................................................................................................. 936.3.4 Classe, cor e preconceito ..................................................................................................................... 966.3.5 Raça e cor ................................................................................................................................................103

7 A CULTURA É POPULAR OU ERUDITA? .................................................................................................1077.1 Cultura popular e cultura erudita ...............................................................................................1087.2 Cultura popular ou folclore? ......................................................................................................... 112

8 INDÚSTRIA CULTURAL ................................................................................................................................. 115

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APRESENTAÇÃO

Este livro texto pretende apresentar a você, aluno de Serviço social, um pouco do conhecimento da Antropologia. Buscando inseri-lo no mundo da universidade, da ciência, assim sendo, no mundo científico.

No final da apostila consta a referência, você indo até lá, conseguirá todos os dados da obra.

Por falar em textos e leituras, acredito que seja apropriado apresentar uma estória, anedota muito bem contada por Santos (2005, p. 11-12):

Um dia um homem acordou e verificou que precisava fazer uns concertos em casa, mas não tinha martelo. Resolveu, então, que pediria um martelo emprestado ao vizinho, mas logo pensou: “E se ele não me emprestar o martelo? Pode estar de mau humor, ou quem sabe estará utilizando o martelo, quem sabe não quer ser incomodado e pode ficar chateado comigo...”. E foi assim durante a manhã. O homem andava de um lado para o outro, coçava a cabeça, queixava-se para a esposa a falta que fazia um martelo e falava de sua certeza da má vontade do vizinho. A mulher ouvia, ouvia e comentava vez por outra: “– Você já experimentou ir até lá e pedir o martelo emprestado?”. O homem não ouvia a esposa. Continuava remoendo-se, chateando-se antecipadamente com o vizinho que, pensava ele, não lhe emprestaria a ferramenta. Perto da hora do almoço, já cansado e ansioso (na verdade, bastante irritado), o homem levantou-se, saiu de casa, caminhou apressado e, de punhos cerrados em direção à porta do vizinho, tocou insistentemente a campainha. Quando o vizinho abriu a porta, o homem foi logo falando aos berros: “– Olhe aqui, você pensa que é o dono do mundo, não é? Acha que estou precisando do seu martelo? Acha? Pois eu não estou nem aí, pode ficar com ele, seu egoísta!”. Virou-se e voltou para sua casa, deixando o vizinho com boca de espanto, paralisado pelo susto. Moral da estória: nem fez os consertos que precisava fazer, nem ficou sabendo se o vizinho emprestaria o martelo! Além de tudo ficou estressado e perdeu toda a manhã por conta do tal martelo.

Conforme Santos (2005), o mesmo acontece com os alunos universitários quando precisam ler um texto, ou escrever um. É como na história do martelo. O problema não está no martelo (texto), mas nas cabeças, por causa da nossa história de vida, dos nossos hábitos, pela deficiência recebida ao passarmos pelos níveis de ensino anteriores. Assim, passamos a brigar com o autor (o vizinho), sem nem mesmo tê-lo ouvido.

Os textos são ferramentas que usamos para dizer ou para ouvir sobre determinados temas produzidos e você terá que utilizar essa ferramenta também, ora como aluno, ora como profissional do Serviço social, ora como cientista, um pesquisador.

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Observação

Uma dica para leitura: para você ler e escrever textos, na universidade, são necessárias certas normas, assim vou utilizar uma que se chama autor/data, isto é, cada vez que eu usar uma obra de algum autor, você verá o sobrenome-nome e o ano, além disso, se eu copiar o pensamento do mesmo, além do sobrenome-nome e ano, aparecerá também a página da obra. Exemplo: Laplantine (1991, p. 50).

Por que aprender Antropologia?

Você está realizando um curso universitário para se tornar um assistente social. Logo, terá que ler muitos textos e escrevê-los também, já que esses fazem parte das ferramentas utilizadas no curso. Assim, para aprender Antropologia, você precisa ler.

Saiba mais

Por que o assistente social precisa aprender Antropologia?

Leia e reflita sobre o artigo “Quando o pobre é o ‘outro’”, de Andréa Moraes Alves e Myriam Moraes Lins de Barros, disponível na internet no seguinte endereço: www.abant.org.br/file?id=43.

O objetivo de você aprender Antropologia está colocado no foco da sua profissão.

Veja!

O Serviço social é uma profissão que lida com a sociedade, analisando e buscando diminuir as desigualdades sociais. Em seu trabalho de assistente social, você terá como objetivo garantir que os direitos e a assistência atendam à população necessitada, a partir das políticas sociais.

O assistente social elabora seu trabalho a partir de pesquisas e análises sobre a realidade social, na criação, realização e avaliação de serviços, programas e políticas sociais que atendam e defendam a extensão dos direitos humanos e da justiça social.

Campos de trabalho de um assistente social:

• Serviços sociais oferecidos pelo governo.

• Hospitais.

• Escolas.

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• Administração municipal, estadual e federal.

• Conselhos de direito.

• Movimentos sociais.

Observação

A sociedade é o seu foco de trabalho. Especialmente os seres humanos que precisam de ajuda.

A Antropologia é a ciência que irá ajudá-lo, como assistente social, a entender os seres humanos.

Nós somos diferentes, para começo de conversa, dos outros animais.

Observação

O que nos leva a ser diferentes dos outros animais? Você vai responder que somos racionais, mas a Antropologia vai dizer outra coisa. Veja!

Seria muito pouco dizer que é a cultura. Primeiro, faz-se necessário saber o que é a cultura como objeto da Antropologia. E, para que você saiba o que é a cultura, como esse conceito foi se constituindo através da história, faz-se necessário saber o que é a ciência chamada Antropologia e como esta se constituiu.

A sociedade do modo de produção capitalista é formada pela estrutura de classes sociais. Estas classes se relacionam a partir do momento da produção. Isto é, no momento em que o dono da empresa, chamado de capitalista, contrata o trabalhador, que a partir de agora chamaremos de proletário. O conjunto de proletários, isto é, trabalhadores, vai formar o proletariado.

É justamente no momento da relação social entre as classes que o assistente social vai atuar, pois “o serviço social aponta para uma visão das relações sociais orientada pela perspectiva da exploração e da alienação” (ALVES & BARROS, 2007, p. 2). Isto é, a nossa sociedade é marcada pela desigualdade entre os seres humanos. Desta forma, sua profissão vai levá-lo a refletir sobre essa desigualdade e as contradições existentes, buscando criar estratégias políticas para enfrentar os efeitos da exploração.

O assistente social, segundo Alves e Barros (2007), analisa a questão do poder em nossa sociedade, sendo esse seu campo de trabalho a questão da desigualdade. É justamente nesse ponto que entra a Antropologia, para ajudá-lo a entender a noção de diferença e, a partir desta, a categoria de raça. A distinção de raça está presente na história da Antropologia desde o período colonial. As relações de trabalho na sociedade capitalista, segundo a Antropologia,

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ultrapassaram o processo de obtenção de riqueza a partir da exploração do trabalhador, utilizando como elemento fundamental as outras relações sociais e culturais.

Em nosso país, a raça sempre acompanhou a questão do trabalho, tornando-se um adjetivo do trabalhador. Assim, existe o trabalhador índio, negro, italiano, imigrante. Denotando diferenciações entre eles e chegando ao ponto dos seres humanos serem classificados em quanto superior e inferior segundo suas características biológicas, geográficas, econômicas, culturais e sociais.

Assim, conforme eu explicar como a Antropologia surgiu, você poderá compreender como a sociedade contemporânea (atual) foi sendo criada; poderá entender melhor nossa condição de seres humanos; refletir a partir da Antropologia para analisar os efeitos da globalização, bem como compreender a diversidade da sociedade e da cultura brasileira, que é não contexto no qual exercerá sua profissão.

Lembrete

Estes estudos que você agora inicia irão ajudá-lo a ter um olhar antropológico sobre o outro, compreendendo que ele é diferente de você e permitindo que possa entender o porquê dessas diferenças. E esta compreensão é essencial, pois o outro é, justamente, a pessoa que você vai assistir em sua vida profissional.

Para que possa compreender melhor do que trataremos, apresento-lhe o Plano de Ensino:

I – Ementa

A cultura enquanto objeto de estudo da Antropologia. As noções antropológicas de cultura e as representações simbólicas. O relativismo cultural, etnocentrismo e diversidade cultural. As diferentes formas de produção cultural. A análise da formação cultural brasileira. A formação da sociedade capitalista no Brasil e a cultura, a mundialização da cultura no Brasil. A diversidade cultural e a identidade cultural no Brasil.

II – Objetivos gerais

1. Oferecer linguagem e metodologia específica no que diz respeito à relação entre Antropologia e Cultura.

2. Analisar criticamente a formação econômica, política e cultural brasileira, ressaltando suas bases culturais.

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III – Objetivos específicos

1. Capacitar o aluno para identificar os referenciais étnicos.

2. Compreender a relação cultural brasileira contemporânea com a questão da identidade cultural, sob os efeitos da mundialização da cultura no Brasil.

3. Oferecer linguagem e metodologia específica da sustentabilidade cultural.

Vamos caminhando!

INTRODUÇÃO

Em um primeiro momento, você pode encontrar-se perguntando: “O que é essa tal Antropologia?”.

Pois bem, seria simples dizer que Antropologia é o estudo do homem (antropos = homem; logia = estudo), mas só isso não basta, já que se pode estudar o homem de várias formas. Assim, ela é um estudo sobre as diversas culturas que são elaboradas pelo homem.

Por enquanto, basta compreender que a Antropologia é uma ciência, isto é, “um conjunto de teorias (nem sempre concordantes) e diferentes métodos1 e técnicas2 de pesquisa que buscam explicar, compreender ou interpretar as mais diversas práticas dos homens e mulheres em sociedade.” (SANTOS, 2005, p. 19).

Muitas destas teorias realizam pesquisa de campo, e os antropólogos acabam por conviver com grupos locais e aprende seus modos de vida, costumes, hábitos, crenças etc. buscando relacionar essas dimensões sociais com o objetivo de compreender essa cultura, sua maneira de pensar, sentir e agir.

A Antropologia é um conhecimento que começa a ser discutido no século XVIII, mas que se torna ciência apenas no século XIX.

No início, é chamada apenas de Antropologia e, posteriormente, ganha também a composição de “social” ou “cultural”. Mas não existe apenas essa área do conhecimento e, para que seja possível compreender melhor o homem e as várias dimensões do ser humano em sociedade, fui buscar Laplantine (1991), que diz que há cinco áreas principais da antropologia, e que as mesmas não são possíveis de serem dominadas por um único pesquisador. Porém, é preciso saber que essas áreas possuem relações estreitas entre si. Observe o quadro a seguir:

1 Significado de Método: s.m. Maneira de dizer, de fazer, de ensinar uma coisa, segundo certos princípios e em determinada ordem... Dicionário online de português. Disponível em: http://www.dicio.com.br/metodo/. Acesso em 25 mar. 2011. Nota inserida.

2 Significado de Técnica: s.f. Conjunto de métodos e processos de uma arte ou de uma profissão: técnica cirúrgica. P. ext. Maneira (hábil) de agir, método. Dicionário online de português. Disponível em: http://www.dicio.com.br/tecnica/. Acesso em 25 mar. 2011. Nota inserida.

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Quadro 1 – As principais áreas da antropologia.

Áreas da Antropologia Características

Antropologia biológica(conhecida também como

Antropologia física)

Refere-se ao estudo das variações biológicas do homem em determinado espaço e tempo. Busca analisar as relações entre a herança genética e o meio (geográfico, ecológico, social). Assim, o antropólogo biologista considera os fatores culturais como os que influenciam no crescimento e na maturação do indivíduo. Por exemplo, “por que o desenvolvimento psicomotor da criança africana é mais adiantado do que o da criança europeia?” (ibid., p. 17). Essa área da ciência antropológica, além de estudar as formas de crânios, medir esqueletos, tamanho, peso, cor da pele, comparar anatomia das etnias e dos sexos, a partir dos anos 1950, tem atenção especial pela genética das populações, podendo, com suas investigações, distinguir o que é inato3 e o que é adquirido, bem como a interação entre os mesmos.

Antropologia pré-históricaEstuda o homem a partir dos vestígios materiais enterrados, é a parte que se liga à Arqueologia, busca reconstruir as sociedades desaparecidas, isto é, suas técnicas, organizações sociais, produções culturais e artísticas.

Antropologia linguística

A linguagem é a forma utilizada pelos indivíduos de uma sociedade de se expressarem e demonstrarem seus valores e seus pensamentos. A partir do estudo da língua, é possível compreender como os sujeitos pensam e o que sentem sobre o que vivem; como divulgam seu contexto social (a literatura escrita e oral); e, por fim, como eles interpretam o seu saber.

Antropologia psicológicaÉ a área que estuda os processos e o funcionamento do psiquismo humano. Isto é, a partir dos comportamentos, conscientes e inconscientes, das pessoas, é possível apreender a totalidade dos comportamentos sociais.

Antropologia social e cultural (ou Etnologia)

Essa tem como abrangência tudo que diz respeito a uma sociedade: “seus modos de produção econômica, suas técnicas, sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, seus sistemas de conhecimento, suas crenças religiosas, sua língua, sua psicologia, suas criações artísticas”. (ibid., p. 19).

Fonte: Laplantine, 1991.

Lembrete

A área que será abordada aqui é a Antropologia social ou cultural. Assim, perceba que não é possível dominar todas as cinco áreas da Antropologia, mas temos que ter claro, como pesquisadores, que as mesmas têm uma estreita relação entre si. Desta forma, sempre que for utilizado o termo Antropologia, de maneira geral, iremos nos referir à Antropologia social e cultural (ou Etnologia), sem esquecer que esta é apenas uma das áreas da Antropologia.

Agora que você tem claro que iremos trabalhar com a Antropologia social ou cultural (ou Etnologia) veja quais os conteúdos a serem trabalhados:

3 Significado de Inato: adj. Que nasce conosco: pendores inatos. Congênito. Ideias inatas, ideias que, segundo certos filósofos, não provêm da experiência, mas estão em nosso espírito desde que nascemos. Dicionário online de português. Disponível em: http://www.dicio.com.br/inato/. Acesso em 23 mar. 2011.

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• Na primeira unidade, teremos uma visão geral sobre a Antropologia: os primórdios da Antropologia e as escolas antropológicas; seus avanços e a atualidade. A cultura como objeto de estudo antropológico: tanto da perspectiva etnocêntrica como relativista; a formação da identidade étnica, as fronteiras e a formação de estereótipos.

• Na segunda unidade, aprenderemos sobre a cultura brasileira: a sua formação, além da formação das diversas categorias culturais.

Lembrete

Não fique assim, sentindo-se perdido. Tenha calma, pois se você ainda não detém o significado de tudo o que foi colocado acima, tenha certeza de que, ao final dessa disciplina, você saberá.

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ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA

Unidade I1 VISÃO GERAL SOBRE A ANTROPOLOGIA

Nessa unidade falaremos sobre o surgimento da Antropologia, as escolas antropológicas, mostrando seus avanços e atualidade, bem como entenderemos a cultura como objeto de estudo da Antropologia, tanto na perspectiva etnocêntrica como na relativista.

A Antropologia não consiste simplesmente em levantar sistematicamente os aspectos da cultura de uma sociedade. Esta ciência se preocupa em apresentar como esses aspectos estão relacionados entre si, demonstrando a especificidade, a particularidade desta sociedade, isto é, a sua totalidade, o que nem sempre é colocado no papel. São coisas como os menores gestos, as trocas simbólicas e os menores comportamentos e atitudes de um grupo, de um povo.

Trata-se de uma ciência que estuda a composição das sociedades, isto é, a formação de todas as culturas que compõem a humanidade em sua diversidade histórica e geográfica. Assim sendo, como ciência, a Antropologia ocupa-se da análise das diferenças culturais. Como pode ser percebido na explanação elaborada por François Laplantine (1991, p. 22-23), no seu livro Aprender Antropologia:

Aquilo que, de fato, caracteriza a unidade do homem, de que a antropologia, (...) faz tanta questão, é sua aptidão praticamente infinita para inventar modos de vida e formas de organização social extremamente diversos. E, a meu ver, apenas a nossa disciplina permite notar, com maior proximidade possível, que essas formas de comportamento e de vida em sociedade que tomávamos todos espontaneamente por inatas (nossas maneiras de andar, dormir, nos encontrar, nos emocionar, comemorar os eventos de nossa existência...) são, na realidade, o produto de escolhas culturais. Ou seja, aquilo que os seres humanos têm em comum é sua capacidade para se diferenciar uns dos outros, para elaborar costumes, línguas, modos de conhecimento, instituições, jogos profundamente diversos: pois se há algo natural nessa espécie particular que é a espécie humana, é sua aptidão à variação cultural.

Lembrete

Esse respeito apresentado acima pela diversidade nem sempre existiu historicamente.

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Unidade I

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No período do Renascimento, com a exploração de locais até então desconhecidos, como o Novo Mundo, a América, a grande questão que se colocou a partir do confronto visual com a alteridade1, com os que eram diferentes dos europeus, foi justamente se os seres encontrados pertenciam à humanidade.

As diferenças culturais das sociedades nem sempre apareceram como um fato. Na maioria das vezes, eram vistas como aberrações, necessitando de justificativa.

Laplantine (1991) nos lembra de que, na antiguidade grega, os homens de cultura diferente eram chamados de bárbaros, já que não faziam parte da helenidade (da sociedade deles). No Renascimento (séculos XVII e XVIII), os homens que não eram pertencentes à cultura europeia eram chamados de selvagens, os seres da floresta, apresentando-se como oposição à humanidade. Porém, no século XIX, o termo que será utilizado é o primitivo, que, no século XX, será substituído pelo subdesenvolvido, muito utilizado ainda hoje.

O mesmo autor (1991, p. 37-38) afirma que, no período do Renascimento, o critério que atribuía o estatuto de humano era o religioso, isto é: “O selvagem tem uma alma?”.

Essa forma de agir, de expulsar da cultura, isto é, para a natureza aquele que não participa da nossa humanidade é, segundo Lévi-Strauss, o que mais caracteriza os verdadeiros “selvagens.” (apud LAPLANTINE, 1991, p. 40).

Assim, a partir do século XIV, os europeus vão utilizar critérios para conceder aos índios o estatuto de humanos. Além do critério religioso, isto é, que consistia no questionamento sobre “se o índio tinha alma” – e naquele momento a resposta foi negativa –, os mesmos foram colocados como “sem religião” e ainda como “diabos”. Além deste, ainda utilizaram os seguintes critérios para a figura do mau selvagem (LAPLANTINE, 1991, p. 41):

a aparência física: eles estão nus ou “vestidos de peles de animais”; os comportamentos alimentares: eles “comem carne crua”, e é todo o imaginário do canibalismo que irá aqui se elaborar; a inteligência tal como pode ser apreendida a partir da linguagem: eles falam “uma língua ininteligível”.

Desta forma, por não acreditarem em Deus, não têm alma, não falam a linguagem dos europeus, tendo uma aparência diferente da deles e apresentavam-se alimentando como animais, serão chamados de selvagem. Serão vistos como os demais animais e não como seres humano, já que eram seres “sem moral, sem religião, sem lei, sem escrita, sem Estado, sem consciência, sem razão, sem objetivo, sem arte, sem passado, sem futuro”. (LAPLANTINE, 1991, p. 41).

Na segunda metade do século XIX, na Europa, a Antropologia, como também a Sociologia (socio = sociedade; logia= estudo. Ou seja, o estudo da sociedade) começam a dar seus primeiros passos. As duas começam em um mesmo contexto histórico e em uma mesma região, devido às várias mudanças sociais, econômicas e políticas trazidas pela Revolução Industrial. Ou seja, pelas transformações que esta trouxe e que deu origem ao modo de produção capitalista, mais conhecido por sociedade capitalista.

1 Significado de Alteridade: s.f. Qualidade do que é outro (por opos. a identidade)”. Dicionário online de português. Disponível em: http://www.dicio.com.br/alteridade/. Acesso em 23 mar. 2011.

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ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA

O modo de produção capitalista não se manteve apenas na Inglaterra e no continente europeu. No século XIX, houve a expansão colonialista, que estava em curso desde o mercantilismo do século XV (quando o Brasil foi colonizado).

Figura 1 – Caravela

Essa nova expansão das colônias, do século XIX, é chamada de neocolonialismo (novo colonialismo) ou imperialismo, já que é o momento em que a Inglaterra, a França, a Alemanha, a Bélgica, a Itália e os Estados Unidos, grandes potências industriais, vão formar grandes impérios econômicos, conquistando e influenciando novos continentes. Dirigiram-se para os continentes da África, da Ásia, da América e da Oceania, dominando e explorando esses povos.

Lembrete

É nesse momento histórico que surge a Antropologia, no processo de expansão do modo de produção capitalista, a partir do neocolonialismo e do imperialismo dessas poderosas nações sobre os povos que viviam em lugares longínquos.

Os Estados Unidos, no século XIX também está se industrializado, já é capitalista, porém sua expansão territorial não se dava para fora, mas internamente, já que “ela fazia um movimento do leste para o oeste, provocando o contato dos colonos com diferentes sociedades indígenas nativas”. (SANTOS, 2005, p. 21)

Lembre-se dos filmes onde os soldados norte-americanos protegiam os colonos brancos que desbravavam o território americano com suas carroças e avançavam adentrando o território dos peles-vermelhas. Para sua melhor compreensão, coloquei algumas fotos relembrando esse fato histórico.

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Figura 2 – Índios sioux norte-americanos

Figura 3 – Fazenda em Old Fields, West Virginia

É partir destes aspectos econômicos e políticos que serão refletidas as noções e teorias da Antropologia que estava surgindo. Assim a ciência resultante deste contexto é chamada de “antropologia de gabinete”, já que os antropólogos ficavam em suas salas elaborando as teorias a partir dos relatos dos viajantes, comerciantes, religiosos, militares, exploradores, administradores da colônia etc. Assim, sua produção estava centrada nas descrições dos locais e dos povos que as habitavam, mostrando o quanto esses eram diferentes dos europeus. Veja o quadro a seguir:

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ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA

Quadro 2 – A antropologia produzida entre séculos XIV – XIX.

A formação de uma literatura “etnográfica” sobre a diversidade cultural

Período Séculos XVI-XIX.

Características Relatos de viagens (cartas, diários, relatórios etc.) feitos por missionários, viajantes, comerciantes, exploradores, militares, administradores coloniais etc.

Temas e conceitos Descrições das terras (fauna, flora, topografia) e dos povos “descobertos” (hábitos e crenças).Primeiros relatos sobre a alteridade.

Alguns representantes e obras de referência

• Pero Vaz de Caminha (“Carta do descobrimento do Brasil” – séc. XVI).

• Hans Staden (“Duas viagens ao Brasil” – séc. XVI).

• Jean de Léry (“Viagem à terra do Brasil” – séc. XVI).

• Jean-Baptiste Debret (“Viagem pitoresca e histórica ao Brasil” – séc. XIX).

Fonte: Vagner Gonçalves da Silva. Disponível em: www.fflch.usp.br/da/vagner/antropo.html. Acesso em: 22 mar. 2010.

Na busca de interpretar as diferenças entre os grupos humanos, a cultura exerce papel fundamental para o olhar antropológico, já que esta passa a ser compreendida como prática significante que distingue o homem da natureza, o homem do animal, além de ser responsável pelas diversas formas de visões de mundo. A cultura é apreendida por meio das experiências que os seres humanos realizam como membros da sociedade.

O conceito antropológico de cultura é assim construído pelas questões da unidade biológica e a grande diversidade cultural da espécie humana. Essa temática – compreender a diversidade de modos de comportamento existentes entre os diferentes povos – é, ainda hoje, o grande desafio para a Antropologia.

Para os cientistas do passado, era comum buscar explicações sobre as diferenças de comportamento entre os homens, usando como referência as variações dos ambientes físicos.

Com o decorrer do tempo, esses estudiosos chegaram à conclusão que as diferenças de comportamento entre os homens não poderiam ser explicadas a partir das diversidades geográficas ou biológicas, visto que o comportamento dos indivíduos depende muito mais de um aprendizado que se adquire durante o convívio social. Este processo foi chamado de “endoculturação”, ou seja, um menino e uma menina agem diferentemente não em função de seus hormônios, mas por causa de uma educação diferenciada que recebem em sua sociedade. (LARAIA, 2004).

Por essa concepção, o homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquirida pelas numerosas gerações que o antecederam.

De acordo com Laraia (2004), a primeira definição de cultura que foi formulada do ponto de vista antropológico pertence a Edward Tylor, em seu livro Primitive Culture (1871). Tylor demonstrou que a cultura pode ser o objeto de um estudo sistemático, isto é, cientifico, pois se trata de um fenômeno natural que possui causas e regularidades, permitindo um estudo objetivo e uma análise capaz de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e a evolução da sociedade.

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Porém, você deve estar se perguntando agora: “Mas o que cultura tem a ver com evolução?”. Pois é, no século XIX, as ciências naturais, principalmente a Biologia, tinham grande influência no meio científico europeu, particularmente as teorias evolucionistas de Jean-Baptiste Lamarck e de Charles Darwin.

A primeira teoria da evolução, elaborada por Lamarck, dizia que os animais mudavam devido à pressão do ambiente e que essas mudanças eram passadas para os filhos. Mesmo tendo sido descartada, essa teoria foi revolucionária para aquele momento.

Para Darwin, a ideia de transmissão hereditária não era verdadeira. Em sua teoria, todos os seres vivos vieram de ancestrais, a partir de um longo e contínuo processo de variações. Nesse processo, há variações nas espécies e, a partir da seleção natural, muitos seres são eliminados. Os que melhor se adaptam, em termos biológicos, irão viver em determinado ambiente, continuando a existir e transmitindo suas características às novas gerações.

Para que você perceba a diferença entre as teorias, veja o exemplo das girafas: segundo Lamarck, as girafas têm pescoço comprido porque forçavam continuamente o pescoço para cima, para comer as folhas no alto das árvores. Esse ato de esticar o pescoço, por muito tempo e por todos os seres de uma mesma raça, levou ao alongamento do pescoço das girafas. Para Darwin, existiam girafas com vários tamanhos de pescoço e, conforme o alimento na parte inferior das arvores ia acabando, somente as de pescoço longo continuaram a existir, já que conseguiram alcançar as folhas no topo das árvores.

Figura 4 – O evolucionista Charles Darwin

Darwin é o teórico mais conhecido quando se fala em evolução das espécies. Porém, tanto em uma teoria como na outra, a ideia central é a de que os seres vivos evoluem dos “mais simples” para os “mais complexos”, como pode ser visto na explicação de Guerriero (2004, p. 12-13):

... Hoje sabemos que os primeiros animais viveram nas águas dos oceanos há 700 milhões de anos. Depois de 300 milhões, alguns tornaram-se

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anfíbios e depois conquistaram as terras. Por volta de 200 milhões de anos atrás, surgiram entre os vertebrados os animais de sangue quente que alimentavam seus filhotes a partir de glândulas mamárias. A extinção dos dinossauros (há aproximadamente 65 milhões de anos) permitiu a rápida evolução dos mamíferos. De animais diminutos e ameaçados por seus predadores, passaram a dominar os territórios. Dentre os mamíferos surgiram, há 70 milhões de anos, os primatas, também chamados de prossímios. Estes desenvolveram habilidades de saltar entre as árvores, possuindo para isso uma visão aguçada e tridimensional, com os olhos próximos e na fronte. Os primatas logo evoluíram. Algumas características então existentes entre os prossímios seriam determinantes posteriormente. Suas mãos e pés permitiam-lhes agarrar as árvores por onde pulavam. Desenvolveram, para isso, unhas e dedos polegares em posições opostas aos demais, e habilidade para permanecerem eretos por alguns instantes para procurarem a presença de inimigos. Os primatas primitivos são os ancestrais de uma ampla ordem de animais que vai dos lêmures aos grandes antropoides, passando pelos micos e macacos. A separação entre os primatas e os antropoides ocorreu há 35 milhões de anos. Nesse período, as placas tectônicas se separaram por completo, fazendo com que a evolução dos primatas no novo e velho continentes fosse completamente distinta.

Saiba mais

Assista ao filme

Criação. Direção: Jon Amiel. Inglaterra, 2009. Duração: 108 min.

A história de vida de Charles Darwin e o contexto no qual elabora o seu livro A origem das espécies.

Documentário

Xingu. Direção: Washington Novaes. Brasil, 1985. Duração: 120 min.

Leia

CASTRO, Celso (org.). Evolucionismo cultural: textos de Morgan, Taylor e Frazer. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

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2 OS ANTROPÓLOGOS NO GABINETE

2.1 O evolucionismo social

O evolucionismo foi revolucionário para sua época, porque representou outra explicação sobre a origem do homem frente às explicações religiosas utilizadas até então, as teorias da criação chamadas de Criacionismo, que diz que o homem surge de Deus.

Figura 5 – Adán y Eva, de Vecellio di Gregorio Tiziano, 1628-1629

A Antropologia vai utilizar a teoria do evolucionismo para analisar as sociedades e as culturas, criando assim a linha do Evolucionismo social ou Darwinismo social.

Figura 6 – Processo evolutivo do homem

O evolucionismo social ou darwinismo social vai considerar que as sociedades evoluem assim como as espécies. Desta forma, vão considerar não civilizadas as sociedades que não vivem em um modelo industrial como o nosso.

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O antropólogo norte-americano Henry Lewis Morgan (1818-1881) construiu uma escala para o desenvolvimento da humanidade com três estágios: “selvageria, barbárie e civilização”. (SANTOS, 2005, p. 23). Na Inglaterra, o escocês James Frazer (1854-1941) cria uma escala da evolução do pensamento com três fases: magia, religião e ciência. Tanto em um como no outro, a escala vai do mais simples para o mais complexo.

Assim, inicialmente o conceito de cultura esteve vinculado à ideia de evolução e progresso. Edward Tylor, em 1871, define cultura como sendo o comportamento que o homem aprende em sociedade. Deste modo, cultura é “um conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e as outras capacidades ou os hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade”. (LARAIA, 2004, p. 25).

A principal característica da teoria evolucionista foi considerar as sociedades primitivas como sociedades em estágio inferior ao desenvolvimento alcançado pelas sociedades ditas civilizadas. Para os defensores desta teoria, as condições materiais e culturais das sociedades humanas passariam, necessariamente, das etapas primitivas à civilização.

Nesse sentido, o evolucionismo, que surge com a ciência antropológica no século XIX, conduz à concepção etnocêntrica do mundo, isto é, parte-se da ideia de que as diferenças entre grupos e sociedades possuem uma escala evolutiva, considerando o mundo europeu como modelo único de sociedade. Santos (2005) explica que a sociedade europeia se considerava “civilizada” e “complexa” por ter conseguido a industrialização, a ciência, a tecnologia etc. No entanto, as demais culturas – as das colônias – eram as “primitivas” e “atrasadas”, por não possuir tecnologia como eles.

As ideias e posturas consideradas etnocêntricas podem ser identificadas em afirmações do tipo “povos e grupos sem cultura”. O pior é que, no senso comum, na sociedade em geral, esse tipo de ideia é bastante usual, mesmo no século XXI.

Para que você possa entender melhor o que é ser etnocêntrico, leia o autor Everardo Rocha (2006, p. 10-11):

Ao receber a missão de ir pregar junto aos selvagens um pastor se preparou durante dias para vir ao Brasil e iniciar no Xingu seu trabalho de evangelização e catequese. Muito generoso, comprou, para os selvagens, contas, espelhos, pentes, etc.; modesto, comprou para si próprio apenas um moderníssimo relógio digital capaz de acender luzes, alarmes, fazer contas, marcar segundo, cronometrar e até dizer a hora sempre absolutamente certa, infalível. Ao chegar, venceu as burocracias inevitáveis e, após alguns meses, encontrava-se em meio às sociedades tribais do Xingu distribuindo seus presentes e sua doutrinação. Tempos depois, fez-se amigo de um índio muito jovem que o acompanhava a todos os lugares de sua pregação e mostrava-se admirado de muitas

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coisas, especialmente, do barulhento, colorido e estranho objeto que o pastor trazia no pulso e consultava frequentemente. Um dia, por fim, vencido por insistentes pedidos, o pastor perdeu seu relógio, dando-o meio sem jeito e a contragosto, ao jovem índio.

A surpresa maior estava, porém, por vir. Dias depois, o índio chamou-o apressadamente para mostra-lhe, muito feliz, seu trabalho. Apontando seguidamente o galho superior de uma árvore altíssima nas cercanias da aldeia, o índio fez o pastor divisar, não sem dificuldade, um belo ornamento de penas e contas multicolores tendo no centro o relógio. O índio queria que o pastor compartilhasse a alegria da beleza transmitida por aquele novo e interessante objeto. Quase indistinguível em meio às penas e contas e, ainda por cima, pendurado a vários metros de altura, o relógio, agora mínimo e sem nenhuma função, contemplava o sorriso inevitavelmente amarelo no rosto do pastor. Fora-se o relógio.

Passados mais alguns meses o pastor também se foi de volta para casa. Sua tarefa seguinte era entregar aos superiores seus relatórios e, naquela manhã, dar uma última revisada na comunicação que iria fazer em seguida aos seus colegas em congresso sobre evangelização. Seu tema: “A catequese e os selvagens”. Levantou-se, deu uma olhada no relógio novo, quinze para as dez. Era hora de ir. Como que buscando uma inspiração de última hora examinou detalhadamente as paredes do seu escritório. Nelas, arcos, flechas, tacapes, bordunas, cocares, e até uma flauta formavam uma bela decoração. Rústica e sóbria ao mesmo tempo, trazia-lhe estranhas lembranças. Com o pé na porta ainda pensou e sorriu para si mesmo. Engraçado o que aquele índio foi fazer com o meu relógio.

Esta estória mostra alguns dos pontos essenciais sobre o etnocentrismo.

Em primeiro lugar, leva-nos a perceber que, neste choque cultural, os personagens de diferentes culturas fizeram o mesmo: utilizaram o objeto da outra cultura como ornamento, sendo que esses objetos em suas culturas tinham funções técnicas. Para o pastor, o uso do relógio pelo índio causou tanto espanto quanto o que causaria ao jovem índio conhecer o uso que o pastor deu a seu arco e flecha.

O etnocentrismo está justamente nesse julgamento do valor da cultura do “outro” nos termos da cultura do grupo do “eu”.

Em segundo lugar, o choque cultural aqui na estória foi cordial. Mas, na maioria das vezes, o etnocentrismo leva à ação violenta, como o etnocídio (por exemplo, uma matança de índios). Como bem coloca Rocha (2006, p. 13) o exemplo abaixo:

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... Um famoso cientista do início do século, Hermann von Ihering, diretor do Museu Paulista, justificava o extermínio dos índios Caingangue por serem um empecilho ao desenvolvimento e à colonização das regiões do sertão que eles habitavam.

Pode-se perceber, através da história, que a relação entre a chamada “civilização ocidental” e as sociedades tribais foi de extermínio. A antropologia do século XIX terá como característica o “povo primitivo”, veja o quadro abaixo:

Quadro 3 – O evolucionismo social do século XIX.

Escola/paradigma Evolucionismo social

Período Século XIX.

Características Sistematização do conhecimento acumulado sobre os “povos primitivos”.Predomínio do trabalho de gabinete.

Temas e conceitos Unidade psíquica do homem.Evolução das sociedades das mais “primitivas” para as mais “civilizadas”.Busca das origens (perspectiva diacrônica).Estudos de parentesco/religião/organização social.Substituição do conceito de raça pelo de cultura.

Alguns representantes e obras de referência

Maine (“Ancient Law” – 1861).Herbert Spencer (“Princípios de Biologia” – 1864).Edward Tylor (“A cultura primitiva” – 1871).Henry L. Morgan (“A sociedade antiga” – 1877).James Frazer (“O ramo de ouro” – 1890).

Fonte: Vagner Gonçalves da Silva. Disponível em: www.fflch.usp.br/da/vagner/antropo.html. Acesso em: 22 mar. 2010.

Henry L. Morgan destacou-se como um importante evolucionista do século XIX, influenciando muitos pensadores. Entre eles, seu aluno Franz Boas.

Franz Boas, no entanto, transforma-se em um dos maiores críticos do evolucionismo, afirmando que as sociedades e os grupos possuem uma história particular, diversa, e é essa diversidade que constitui a riqueza da vida social humana.

2.2 O positivismo

O positivismo é a primeira linha de pesquisa da Sociologia. Porém, nós o trazemos aqui porque o pensamento produzido por essa linha irá influenciar muito a produção antropológica.

O positivismo também surge com grande influência das ciências naturais. Isso porque, no século XIX, as ciências humanas (Antropologia, Sociologia) estavam surgindo e ainda não tinham seu método de pesquisa próprio. Por isso, vão utilizar os métodos utilizados pelas ciências naturais (como Biologia, Física e Química). Além disso, neste século a ciência buscava explicações racionais para livrar-se das explicações religiosas e de seu poder sobre a humanidade.

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O primeiro pensador desta linha foi o filósofo francês Auguste Comte (1798-1857), que vai criar a palavra Sociologia, a ciência da sociedade, que se baseava nos métodos de observação das ciências naturais. Para Comte, “as explicações que os homens davam para os fenômenos em geral (naturais ou sociais) haviam passado por três fases diferentes” (SANTOS, 2005, p. 24). A primeira foi chamada de teológica ou fictícia. Nesta fase, o homem explica que a causa dos fenômenos é divina ou de ação sobrenatural; na segunda, metafísica ou abstrata, as explicações deixam de ser calcadas no divino e passam a ser filosóficas; e a terceira fase é chamada de científica ou positiva, na qual se buscam as explicações a partir da utilização de métodos científicos para explicar as leis que regem o social e o natural.

Com o passar do tempo, sociólogos e antropólogos notaram que não era possível analisar homens e mulheres, isto é, a sociedade e a sua cultura, da mesma forma que a Biologia ou a Matemática analisa os seus objetos.

Podemos perceber, segundo Santos (2005), que há semelhanças entre os modelos de estágios criados por Comte, Morgan e Frazer quanto ao pensamento de evolução das sociedades.

Quadro 4 – Comparação entre os modelos de Comte, Morgan e Frazer.

Comte – França(1798-1857)

Morgan – EUA(1818-1881)

Frazer - Inglaterra(1854-1941)

Os homens explicam os fenômenos a partir de:

Fase teológica ou fictíciaFase metafísica ou abstrataFase científica ou positiva

Estágios de pensamento:

MagiaReligiãoCiência

Fase de desenvolvimento da sociedade:

SelvageriaBarbárieCivilização

Fonte: Santos.

Atualmente, sabe-se que as explicações sobrenaturais, filosóficas e científicas não se relacionam com o sentido de evolução. Mas, sim, que essas são explicações diferentes que dependem da cultura dessas sociedades para serem ratificadas. Tanto é que, em nossa sociedade, encontramos pessoas que se utilizam de explicações sobrenaturais para os fenômenos sociais, com fundamento religioso.

Além disso, sabe-se também que não há evolução social, de sociedades mais simples para mais complexas, já que, a partir do momento em que os antropólogos começaram a conviver com as sociedades tribais, perceberam que as mesmas tinham suas estruturas, línguas, sistemas simbólicos e que os mesmos não eram menos complexos do que os de outras sociedades.

Além de Comte, no positivismo, teremos também Émile Durkheim, o pensador que criará um método de pesquisa para a Sociologia, dizendo que o pesquisador, ao estudar a sociedade, deve tratá-la como uma coisa assim como a Física trata uma pedra, sem sentimentos e valores, para que seja possível ao pesquisador conseguir a neutralidade cientifica. Durkheim irá dizer, também, que eu não necessito analisar o indivíduo, mas a sociedade, já que a sociedade se sobrepõe ao indivíduo, pois, quando nascemos, a sociedade já estava pronta, com suas regras e normas

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de conduta, com suas instituições. Só se faz necessário compreender como essa sociedade funciona.

Quadro 5 – A produção positivista no século XIX.

Escola/Paradigma Escola Sociológica Francesa

Período Século XIX.

Características Definição dos fenômenos sociais como objetos de investigação socioantropológica.Definição das regras do método sociológico.

Temas e conceitos Representações coletivas.Solidariedade orgânica e mecânica.Formas primitivas de classificação (totemismo) e teoria do conhecimento.Busca pelo fato social total (biológico + psicológico + sociológico).A troca e a reciprocidade como fundamento da vida social (dar, receber, retribuir).

Alguns representantes e obras de referência

Émile Durkheim: “Regras do método sociológico” – 1895; “Algumas formas primitivas de classificação” – c/ Marcel Mauss – 1901; “As formas elementares da vida religiosa” – 1912.Marcel Mauss: “Esboço de uma teoria geral da magia” – c/ Henri Hubert – 1902-1903; “Ensaio sobre a dádiva” – 1923-1924; “Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a noção de eu” – 1938).

Fonte: Vagner Gonçalves da Silva. Disponível em: www.fflch.usp.br/da/vagner/antropo.html. Acesso em: 22 mar. 2010.

Lembrete

A teoria do evolucionismo social e do positivismo, no século XIX, representava o discurso europeu sobre suas colônias, tratando-se de um discurso de poder, no qual o mais forte era o mais avançado, civilizado, científico e o mais fraco era o atrasado, selvagem e místico.

2.3 Determinismo biológico e determinismo geográfico

Os primeiros pesquisadores considerados antropólogos não vão a campo, não vão até esses países longínquos para conhecer a cultura desses povos, eles formulam teorias fundamentando-se “em relatos feitos por leigos: missionários, viajantes, negociantes”. (COSTA, 2005, p. 90).

É justamente neste momento que serão utilizadas as teorias preconceituosas, como a do determinismo biológico e a do determinismo geográfico.

O determinismo biológico (LARAIA, 2004) é a teoria que afirma que o comportamento cultural é resultado da genética e da hereditariedade dos indivíduos. Assim sendo, consideravam que os grupos humanos eram diferentes uns dos outros devido a traços psicologicamente inatos, como a inteligência ou temperamento.

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Essa forma de pensar, de hierarquizar as sociedades utilizando, para isso, a raça e o nível de desenvolvimento alcançado pelo grupo fica mais claro quando falamos das populações negras (ou afrodescendentes) que, nos Estados Unidos, eram consideradas, até pouco tempo, portadoras de uma cultura inferior. Além deste exemplo, podemos lembrar Hitler, na Alemanha, que fundamentou o extermínio de outras populações por acreditar que o povo alemão era superior aos outros.

Saiba mais

Assista ao filme

Arquitetura da destruição. Direção: Peter Cohen. Suécia, 1992. Duração: 121 min.

Documentário sobre a trajetória de Hitler e a sua relação com a arte.

Podemos notar o determinismo biológico na citação utilizada por Eduardo Galeano (2010) para demonstrar o pensamento dos europeus sobre os negros do Haiti:

O Haiti fora a pérola da coroa, a colônia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com mão de obra escrava. No Espírito das leis, Montesquieu havia explicado sem papas na língua: “O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua produção. Os referidos escravos são negros desde os pés até à cabeça e têm o nariz tão achatado que é quase impossível deles ter pena. Torna-se impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, e sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente negro”.

Observação

Você deve sempre refletir sobre os conteúdos que lhe são apresentados. Deve perguntar-se, por exemplo: “O comportamento cultural do ser humano é dado pelas suas características biológicas? Como a cor da pele? O sexo?”

Para os europeus, naquele momento, sim. Desta forma, o outro era colocado como o selvagem e o europeu como o civilizado. Pensando assim, os outros povos eram inferiores e, por isso, deviam ser colonizados para que aprendessem a ser civilizados.

Como não fosse o bastante a utilização da teoria preconceituosa do determinismo biológico, há também a do determinismo geográfico, isto é, teoria que afirma que as diferenças do ambiente físico determinam a diversidade cultural (LARAIA, 2004).

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Como pode ser notado pela citação utilizada por Laplantine (1991, p. 43) da obra de Cornelius de Pauw, publicado em 1774, que falava sobre a influência negativa da natureza e do clima úmido sobre os índios da América do Norte:

Deve existir, na organização dos americanos, uma causa qualquer que embrutece sua sensibilidade e seu espírito. A qualidade do clima, a grosseria de seus humores, o vício radical do sangue, a constituição de seu temperamento excessivamente fleumático podem ter diminuído o tom e o saracoteio dos nervos desses homens embrutecidos. (...) temperamento tão úmido quanto o ar e a terra onde vegetam.

Assim, essas ideias apresentadas no século XVIII são retomadas e expressas por Hegel em 1830, em sua Introdução à Filosofia da História, demonstrando seu horror frente aos que vivem em estado de natureza, pois esses povos jamais ascenderão à “história” (LAPLANTINE, 1991). Desta forma, a América do Sul é tratada como tão estúpida como a do Norte. A Ásia, da mesma forma. Porém, é a África que, para este filósofo, possui os seres de forma mais inferior entre todos que se apresentam nessa infra-humanidade. Hegel chega ao ponto de considerá-los como “coisas”, sendo impossível transformá-los, a partir da colonização, em seres humanos.

Tendo sua origem no período da expansão do mundo colonial, período em que o mundo europeu se confronta com outros povos e culturas, nas américas, na Ásia e na África, esta ciência surge para compreender as diversas formas do ser, do sentir e do pensar humano.

Desta forma, não só a figura do mau selvagem será elaborada pelo pensamento do europeu, como também a do bom selvagem será formulada sistematicamente no século XVIII. Porém, a ideia já se fazia presente desde os primeiros viajantes à América, como por exemplo, a descrição de Cristóvão Colombo que, ao aportar no Caribe, descreve: “Eles são muito mansos e ignorantes do que é o mal, eles não sabem se matar uns aos outros (...) Eu não penso que haja no mundo homens melhores, como também não há terra melhor.” (apud LAPLANTINE, 1991, p. 47).

Esse bom selvagem vai ser compartilhado não apenas pelos navegadores como também pelos filósofos, pelos literatos e pela arte, nas apresentações teatrais parisienses. Como no exemplo citado por Laplantine (1991), sobre o espetáculo O arlequim selvagem, no qual um personagem declama no palco em Paris, em 1721, que os homens eram loucos, por buscarem ter coisas, dinheiro, no lugar de simplesmente viver em natureza e desfrutar de tudo como os selvagens. A figura do bom selvagem leva a mensagem de que a sociedade deles é o paraíso e a do europeu, a do ocidente, que é a civilizada, o inferno da sociedade tecnológica.

Ora a repulsa, ora o fascínio, sendo que a alteridade não tem relação com a realidade. Na verdade, este imaginário vai ser utilizado como pretexto para a exploração colonial do século XVI e XVII (econômica, militar, política, religiosa, cultural e social).

Assim, é nessa época que se tem a origem do conhecimento sobre o homem, mas não o de um saber antropológico. Esse momento poderia ser chamado de “saber pré-antropológico”, pois ainda não se tratava de um saber científico.

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Segundo Laplantine (1991), é somente no século XVIII que se começa o projeto de criar uma ciência do homem, mas ainda não é a Antropologia que entendemos hoje. Esse projeto busca a construção de conceitos, como o do próprio conceito de homem como objeto do conhecimento (se tornando um objeto a ser observado) pelo próprio homem (o observador); um saber que deixa de ser reflexivo e passa a ser de observação (ver a realidade concreta do homem, sua organização, relação de produção, linguagem, instituições, comportamentos), um conhecer empírico2; sendo a diferença entre os povos o foco central de estudo; e um método para observar e analisar, o método indutivo, isto é, os povos começam a ser analisados como sistemas “naturais”, necessitando ser estudados empiricamente, a partir da observação de fatos, com o intuito de buscar as leis gerais, isto é, as regras naturais que organizam todas as sociedades.

Essas teorias do determinismo biológico e geográfico são negadas historicamente no século XX, como bem mostra Laraia (2004):

Em 1950, quando o mundo se refazia da catástrofe e do terror do racismo nazista, antropólogos físicos e culturais, geneticistas, biólogos e outros especialistas, reunidos em Paris sob os auspícios da UNESCO, redigiram uma declaração da qual extraímos dois parágrafos:

a) Os dados científicos de que dispomos atualmente não confirmam a teoria segundo a qual as diferenças genéticas hereditárias constituiriam um fator de importância primordial entre as causas das diferenças que se manifestam entre as culturas e as obras das civilizações dos diversos povos ou grupos étnicos. Eles nos informam, pelo contrário, que essas diferenças se explicam, antes de tudo, pela história cultural de cada grupo. Os fatores que tiveram um papel preponderante na evolução do homem são a sua faculdade de aprender e a sua plasticidade. Esta dupla aptidão é o apanágio de todos os seres humanos. Ela constitui, de fato, uma das características específicas do Homo Sapiens.

b) No estado atual de nossos conhecimentos, não foi ainda provada a validade da tese segundo a qual os grupos humanos diferem uns dos outros pelos traços psicologicamente inatos, quer se trate de inteligência ou temperamento. As pesquisas científicas revelam que o nível das aptidões mentais é quase o mesmo em todos os grupos étnicos.

A partir da necessidade de compreender o outro (aquele que era diferente do mundo europeu) como parte integrante de um contexto em que o universo da cultura ocidental se impõe à cultura do outro, implicando em violência e visões distorcidas desses povos e de suas culturas.

2 Significado de Empírico: adj. Que se apoia exclusivamente na experiência e na observação. Dicionário online de português. Disponível em: http://www.dicio.com.br/empírico/. Acesso em 23 mar. 2011.

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Observação

O que você pensa sobre os tópicos até agora abordados? Será que existe uma cultura melhor do que a outra? Por exemplo, a minha cultura é melhor do que a sua?

Ao procurar identificar de forma precisa o não europeu, o antropólogo do século XIX tinha por base uma falsa imagem da cultura europeia, compreendida como uma sociedade homogênea e integrada. Não compreendia que havia tantas diferenças e conflitos entre pessoas de nações diferentes.

Por isso, a Antropologia foi sempre considerada a ciência da alteridade, isto é, a ciência que busca investigar o outro, aquele que é essencialmente diferente de mim. Assim, para Santos (2005, p. 22), os primeiros antropólogos vão sofrer forte influência das correntes de pensamento, como o positivismo, o evolucionismo, e os determinismos geográficos e biológicos sobre as ideias que elaboraram sobre as culturas dos povos distantes e também pela ausência dos estudiosos em campo, já que sua análise era feita por meio de relatos e não de sua presença in loco (no próprio local), em que estava pesquisando a cultura estudada.

Lembrete

A teoria do determinismo biológico é falsa, porque a nossa genética não determina o nosso comportamento em sociedade.

Assim como o determinismo geográfico também é falso, já que as características do ambiente geográfico não determinam a minha forma de me comportar em sociedade.

Pois é sabido que apreendemos o nosso comportamento cultural através do processo de endoculturação, isto e aprendemos com o nosso grupo a cultura de nossa sociedade.

3 OS ANTROPÓLOGOS VÃO PARA O CAMPO

3.1 O funcionalismo

Bronislaw Malinowski foi o antropólogo que trouxe a grande mudança para a Antropologia.

Esse polonês que vivia na Inglaterra inicia uma nova Antropologia, que também é chamada de etnografia – mapeamento de etnias (SANTOS, 2005). A mudança que realizou foi quanto à forma de se fazer a pesquisa, já que esse pesquisador parou de utilizar informações indiretas, aquelas colhidas por viajantes, colonizadores e missionários, e começou a realizar pesquisa de campo, ir até as tribos e conviver com os mesmos para, a partir daí, elaborar suas teorias.

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Saiba mais

Assista ao filme

Dança com Lobos. Direção: Kevin Costner. EUA, 1990. Duração: 180 min.

Observe o modo como o personagem de Kevin Costner vai lentamente aprendendo a cultura sioux.

Essa mudança na postura do antropólogo leva-o a compreender a complexibilidade das sociedades que antes eram chamadas de primitivas, bárbaras e atrasadas, como Malinowski (apud SANTOS, 2005, p. 38) demonstra:

A ideia geral que se faz é que os nativos vivem no seio da natureza, fazendo mais ou menos aquilo que podem e querem, mas presos a crenças e apreensões irregulares e fantasmagóricas. A ciência moderna, porém, nos mostra que as sociedades nativas têm uma organização bem definida, são governadas por leis, autoridades e ordem em suas relações públicas e particulares, e que estão, além de tudo, sob o controle de laços extremamente complexas de raça e parentesco. (...) As suas crenças e costumes são coerentes, e o conhecimento que os nativos têm do mundo exterior lhes é suficiente para guiá-los em suas diversas atividades e empreendimentos. Suas produções artísticas são cheias de sentido e beleza.

A teoria funcionalista surgiu no século XX como sucessora do evolucionismo, respondendo, em parte, às críticas que surgiam em relação ao eurocentrismo e ao etnocentrismo. De acordo com a concepção funcionalista, cada sociedade deve ser estudada como um organismo constituído por partes interdependentes e complementares, cuja função é satisfazer as necessidades essenciais dos seus integrantes (COSTA, 2005).

O grande idealizador do funcionalismo foi Malinowski, que organizou e sintetizou uma visão integrada e totalizante do modo de vida de um povo não europeu.

Em sua pesquisa, desenvolveu o método da observação participante entre os nativos das Ilhas Trobriand, próximas à Nova Guiné, onde reconstituiu os principais aspectos da vida trobriandesa, desde as grandes cerimônias até aspectos da vida cotidiana.

Veja como Malinowski realiza essa observação participante:

... nesse tipo de pesquisa, recomenda-se ao etnógrafo que de vez em quando deixe de lado sua máquina fotográfica, lápis e caderno e participe pessoalmente

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do que está acontecendo. Ele pode tomar parte nos jogos dos nativos, acompanhá-los em suas visitas e passeios, ou sentar-se com eles, ouvindo e participando das conversas. (MALINOWSKI apud SANTOS, 2005, p. 39).

A concepção de Malinowski consiste em demonstrar como se faz uma organização de trabalho de campo, analisando uma determinada cultura. Mostra que o olhar etnocêntrico não deve ser utilizado, pois para ele as diferenças existem em todas as sociedades e povos: pois, se para nós eles são diferentes, para eles os diferentes somos nós. Se determinada sociedade aparece ao pesquisador como desordenada ou desintegrada, isso se deve apenas ao seu desconhecimento em relação a ela, o que pode ser superado após um processo de investigação, a chamada observação participante.

A observação participante é o método de pesquisa que revolucionou os estudos antropológicos. No lugar de análise de relatos, o pesquisador passa a ir conhecer os povos, penetrar em sua cultura, desvendar seus significados, guiados por essas informações. “Para que uma observação seja participativa, é essencial que essa integração do investigador seja aceita e reconhecida pelos demais integrantes do grupo ou comunidade”. (COSTA, 2005, p. 177).

Além da revolução que realizou no trabalho de campo, Malinowski trouxe novos elementos para contrapor ao evolucionismo social e ao etnocentrismo.

Saiba mais

Para conhecer uma análise mais aprofundada sobre o etnocentrismo, leia:

ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 2006.

Radcliffe-Brown é outro funcionalista (COSTA, 2005) que se destacou como defensor desta teoria e dos estudos das sociedades não europeias. Assim como Malinowski, considerava essas sociedades como totalidades integradas de instituições que têm a função de satisfazer necessidades básicas de alimento, segurança, entre outros.

Para Radcliffe-Brown, os evolucionistas não faziam Antropologia, pois se preocupavam apenas com a história como a via explicativa do presente cultural.

Assim, propunha uma abordagem funcional. O funcionalismo parte para elaborar uma análise sem se preocupar com a história, parte para o estudo da sociedade do “outro” sem se preocupar com o passado desta sociedade, pois essas sociedades nem sempre buscavam valorizar o tempo como nós fazemos, de forma linear, histórico, feito de acontecimentos sucessivos para pensar sua própria existência.

Segundo Rocha (1996), quando Radcliffe-Brown rompe a Antropologia da História, fornece uma nova forma para entender a sociedade do “outro” como ela é realmente. Assim, passa a ver o “funcionamento”

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de uma sociedade e, para tal, o pensador buscou o rigor teórico e conceitual para analisar a sociedade do outro. Isto é, o conceito de processo, estrutura e função.

Em primeiro lugar, para analisar a realidade concreta a ser estudada, a Antropologia observa, descreve, compara e classifica essa sociedade. É um fluxo permanente, um processo. Desta mesma forma, segundo Rocha (1996), é preciso ver na sociedade do outro o “processo social”, isto é, como as relações sociais estão encadeadas.

Em segundo lugar, para Rocha (1996), dentro do “processo social”, percebemos formas regulares, isto é, ações que se repetem na vida cotidiana – por exemplo, como estão compostas as famílias. Isso demonstra a “estrutura social”. Dentro dessa estrutura familiar, há relações e ações do processo social que se repetem, formam redes complexas de relações sociais onde todos estão envolvidos.

Em terceiro lugar, vem a “função” que complementa esse esquema teórico. Já que é a ligação entre “processo” e “estrutura”.

Radcliffe-Brown é chamado de funcionalista porque estabelece uma comparação entre a Antropologia e as ciências naturais, utilizando termos das ciências naturais e, por analogia, aplicando-os ao estudo da sociedade humana. Segundo Rocha (1996), uma analogia nos serve para explicar o conceito de “função” e sua relação com “processo” e “estrutura”.

Comparava o sistema social ao corpo humano. Este, como um organismo complexo que é, tem a vida como um fluxo permanente que habita este corpo. A vida caracteriza um constante processo, o processo vital, de permanência obrigatória para a manutenção do organismo. Este organismo, por sua vez, possui uma estrutura composta de ossos, tecidos, fluidos, etc. A função estabelece a correlação entre o processo vital e a estrutura orgânica. Assim, o coração, por exemplo, desempenha a função de bombear o sangue através do corpo. Se parar de executá-la, termina o processo vital e a estrutura orgânica, enquanto estrutura viva também desaparece.

Na sociedade, algumas instituições desempenham uma “função” crucial na manutenção do “processo” e da “estrutura”. Se estas funções forem suprimidas aquela sociedade se transformará numa outra diferente, onde outras instituições terão, por seu turno, outras “funções” cruciais. A sociedade não morreria, no mesmo sentido em que o corpo morre suprimida a função do coração, mas, atacada numa função básica, se descaracterizaria ao ponto de se transformar profundamente. (ROCHA, 1996, p. 63-64).

Percebe-se que o antropólogo, para fazer esse tipo de análise, tem que viajar, isto é, morar, experimentar a vida junto ao povo e à cultura que está estudando.

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Os estudos funcionalistas permitiram que sociedades não europeias passassem a ser compreendidas dentro de suas especificidades. As sociedades tribais africanas, australianas e asiáticas passaram a ser entendidas a partir de sua função social.

As críticas ao funcionalismo, a partir dos anos 1960, apontavam para a ineficácia dos modelos de mudanças sociais, suas contradições estruturais e conflitos. Outras críticas apontavam para a descrição das instituições sociais apenas a partir de seus efeitos, omitindo, portanto, as causas que levariam a esses efeitos.

Os funcionalistas, ao utilizarem conceitos como aculturação e choque cultural, deixavam de revelar as desigualdades que existem nesse contato, principalmente quando resultam de uma política colonialista. Além disso, são responsáveis pelo que ficou conhecido como relativismo cultural, ou seja, postura de tolerância e respeito em relação aos costumes e traços culturais diferentes (SANTOS, 2005).

Veja no quadro abaixo as características do funcionalismo.

Quadro 6 – O funcionalismo do século XX até os anos 1920.

Escola/Paradigma Funcionalismo

Período Século XX – anos 1920.

Características Modelo de Etnografia clássica (monografia).Ênfase no trabalho de campo (observação participante).Sistematização do conhecimento acumulado sobre uma cultura.

Temas e conceitos Cultura como totalidade.Interesse pelas instituições e suas funções para a manutenção da totalidade cultural.Ênfase na sincronia x diacronia.

Alguns representantes e obras de referência

Bronislaw Malinowski (“Argonautas do Pacífico Ocidental” – 1922).Radcliffe Brown (“Estrutura e função na sociedade primitiva” – 1952; e “Sistemas políticos africanos de parentesco e casamento”, org. c/ Daryll Forde – 1950).Evans-Pritchard (“Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande” – 1937; “Os Nuer” – 1940).Raymond Firth (“Nós, os Tikopia” – 1936; “Elementos de organização social” – 1951).Max Glukman (“Ordem e rebelião na África tribal” – 1963).Victor Turner (“Ruptura e continuidade em uma sociedade africana” – 1957; “O processo ritual” – 1969).Edmund Leach (“Sistemas políticos da Alta Birmânia” – 1954).

Fonte: Vagner Gonçalves da Silva. Disponível em: www.fflch.usp.br/da/vagner/antropo.html. Acesso em: 22 mar. 2010.

3.2 O culturalismo norte-americano

Franz Boas é um dos primeiros antropólogos a perceber a necessidade de se estudar um povo em suas particularidades, isto é, cada grupo tem suas condições históricas, climáticas, linguísticas etc. e tudo isso determina que cada cultura é específica, por isso a pluralidade de culturas diferentes (ROCHA, 2006). E, assim como Malinowski, realizará estudos junto ao grupo pesquisado, resultando estes estudos também em uma Antropologia relativista.

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Mas o que é �”relativista”, �”relativismo”? O que é relativizar?

Para relativizar, é necessário deixar de lado todos os meus valores e procurar conhecer o outro, da maneira como ele expressa e experimenta sua vida. Eu não posso falar de como o outro se comporta, pensa e sente. É necessário saber como o outro pensa e sente o seu mundo por meio de seus valores e de seu conhecimento. Não podemos explicar o outro pelo nosso mundo, nossos valores e nossos conhecimentos.

A primeira atitude para relativizar é abandonar as certezas etnocêntricas e começar a duvidar e questionar, de forma que, partindo destes questionamentos, encontrar novos sentidos para compreender o outro.

Segundo Rocha (1996), o relativismo aceita a diferença cultural e este é um pensamento revolucionário. No entanto, será mais complicado entender as culturas, os povos, já que agora não se tem mais um tipo de explicação, uma só cultura, mas diversas, o que contraria o pensamento evolucionista.

Boas não organizou e nem apresentou uma teoria da cultura. O conceito de cultura não fica claro, pois sua preocupação consistia mais em levantar hipóteses do que sistematizá-las. Pesquisou várias áreas como: antropologia física, linguística, folclore, geografia, migrações e organização social. O que há de importante em suas pesquisas, é que Boas percebeu que a cultura humana não é uma apenas, mas diversas, que existiam várias e que elas estão relacionadas pelo ambiente, pela língua ou pelo comportamento dos indivíduos que criaram estas culturas.

Rocha (1996) considera que Boas estudou a história concreta de cada cultura, inversamente ao evolucionismo, que pensava em uma única história geral, já que todas as sociedades passariam por estágios de evolução – os ocidentais estavam no ápice da civilização e as outras culturas eram as menos evoluídas, assim os “primitivos” um dia chegariam a ser os “civilizados”, depois de realizarem os mesmos estágios. Desta forma, Boas tira da categoria de história o seu “H” maiúsculo (a condição de universal), tão importante para os evolucionistas. Já que o “outro” também podia contar a sua própria história.

O pensamento de Boas vai embasar uma geração de antropólogos, como Gilberto Freyre, na Antropologia brasileira. Além deste, Franz Boas teve três grupos de alunos que acabaram por desenvolver algumas de suas ideias: um grupo que relacionou a personalidade e a cultura; outro que analisou as relações entre a linguagem e a cultura; e o terceiro grupo, que trabalhou a relação entre os ambientes geográfico, ecológico e físico com a cultura. São visões relativistas da cultura, pois, se compararmos ao evolucionismo, suas análises privilegiam elementos do próprio grupo que produz a forma pela qual compreendem sua cultura.

Esses grupos são importantes porque eles escaparam do etnocentrismo e partiram para uma análise relativista.

A Antropologia foi se desenvolvendo e, com o tempo, foi deixando de lado o campo da evidência empírica e se aprofundando na área de organização psíquica e emocional dos agentes sociais. Assim, surge, no início do século XX, a chamada Antropologia cultural, que substituiu a visão de que as diferenças

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biológicas determinariam as diferenças culturais. Ao fazer críticas à ideia da evolução cultural, os estudiosos passaram a defender que cada sociedade teria sua história e seu valor particular. Nesse sentido, a cultura e a história, e não mais a “raça”, seriam a causa das diferenças entre as populações (ROCHA, 2006).

Destacam-se alguns antropólogos culturalistas, como Franz Boas, Margareth Mead e Ruth Benedict, que acreditavam que a sociedade humana tem como características componentes inatos e componentes aprendidos e transmitidos.

A cultura, como o componente aprendido e transmitido, contribui para reprimir comportamentos, embora os instintos continuem a existir nos indivíduos.

Radcliffe-Brown, segundo Rocha (1996), vai criticar essa forma de análise, dizendo que os mesmos se tornaram reducionistas, ao quererem analisar a cultura apenas por um aspecto, seja pela personalidade, pela linguagem ou pelo ambiente.

Quadro 7 – Características do culturalismo norte-americano no século XX, anos 1930.

Escola/Paradigma Culturalismo Norte-Americano

Período Séc. XX, anos 1930.

Características Método comparativo.Busca de leis no desenvolvimento das culturas.Relação entre cultura e personalidade.

Temas e conceitos Ênfase na construção e identificação de padrões culturais (patterns of culture) ou estilos de cultura (“ethos”).

Alguns representantes e obras de referência

Franz Boas (“Os objetivos da etnologia” – 1888; “Raça, língua e cultura” – 1940).Margaret Mead (“Sexo e temperamento em três sociedades primitivas” – 1935).Ruth Benedict (“Padrões de cultura” – 1934; “O crisântemo e a espada” – 1946).

Fonte: Vagner Gonçalves da Silva. Disponível em: www.fflch.usp.br/da/vagner/antropo.html. Acesso em: 22 mar. 2010.

3.3 O estruturalismo

No início do século XX, Claude Lévi-Strauss desenvolveu o estruturalismo, um novo método de investigação e interpretação antropológico influenciado pelas teorias da Linguística, que parte do princípio de que se faz necessário uma análise da estrutura, isto é, uma elaboração teórica capaz de dar sentido aos dados da realidade. Assim sendo, Lévi-Strauss define cultura como o conjunto de hábitos, atitudes e comportamentos, isto é, maneiras de pensar, sentir e agir de um povo. Veja o exemplo a seguir:

A palavra “pai”, por exemplo, pode pôr em evidência uma série de elementos ligados à estrutura de parentesco, como sexo, idade, poder, atribuições, deveres e relações com outros membros do grupo. Isso porque as palavras não constituem uma nomenclatura qualquer, mas são meios de pensar a realidade e se referem a situações reais que envolvem

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obrigações, comportamentos e sentimentos como respeito, familiaridade, dever, direito, afeição ou hostilidade. A esse conjunto de obrigações e sentimentos, Lévi-Strauss dá o nome de “complexos de atitudes”. (COSTA, 2005, p. 103)

Para os estruturalistas, a diversidade humana não é importante, mas, sim, a similaridade humana de pensamento. Aceitavam a existência de diferentes sociedades, das mais simples ou tradicionais até as mais complexas, mas afirmavam que essa diferença só poderia ser explicada em função de sua própria história e sua relação com o meio natural e social.

Segundo Rocha (1996), mesmo sem querer acabar com o valor da história como instrumento de análise: pergunta de que história estamos falando, da nossa para entender o “outro”? E a história do dia a dia, da nossa produção?

Observação

Então, caro aluno, o que você pensa disso? Você não faz parte da história? Não constrói a história da humanidade?

A forma como o humano entende a sua história, a história da sua sociedade, depende do conceito que ele mesmo tem sobre o que é história, sobre o tempo e o processo que entrelaçam os acontecimentos.

Veja esse exemplo, para entender a diferença de história, fornecido por Laraia (2004), no qual conta a experiência do antropólogo Roberto da Matta, quando esse viveu com os índios Apinayés, com o intuito de estudá-los. Para esses índios, a continuidade do seu mundo não é motivada pelo tempo, como causa e efeito. Para eles há algo que funcionaria como um espelho, existindo dois “espelhos”: um no céu e outro na terra. Assim, primeiro tudo aconteceu no céu, para apenas depois acontecer na terra. É como se houvesse dois momentos fixos. O tempo não é, tal como para nós, cronológico, mas, para um Apinayé, o tempo é sentido, pensado e vivido.

Para nós isso parece extremamente complexo, estranho. Assim, para a Antropologia conseguir relativizar um conceito como este, teve que se desdobrar para compreendê-lo.

É bom lembrar que o “outro”, para a Antropologia, é sempre coletivo: grupo, classe social, uma tribo. E a antropologia busca justamente o significado da sociedade deste “outro”, a sua simbolização.

Veja abaixo como o antropólogo Rafael José dos Santos explica a simbolização:

Em algumas práticas tribais, o “xamã” (ou “feiticeiro”) utiliza um objeto de uma pessoa ausente (o arco de um guerreiro, um adorno corporal

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de uma jovem) para lançar sortilégios que atinjam o dono do objeto. Nesse caso o objeto da pessoa simboliza a pessoa. Esse é um processo que podemos chamar de metonímia, como uma figura de linguagem na qual a parte (o objeto) simboliza o todo (a pessoa). Pensemos agora em algo que nos é bastante familiar: a propaganda. Em um anúncio de automóvel, por exemplo, apresentam-se ao consumidor situações de “felicidade”, “prazer”, “poder”, “status” ou “sedução”. Essas ideias (ou representações coletivas, lembrando os franceses) têm a finalidade de valorizar simbolicamente o produto oferecido. O automóvel torna-se assim o símbolo da situação idealizada. No contexto da montagem do anúncio, o automóvel é uma parte de uma situação. Através do consumo dessa parte, atinge-se de modo mágico o todo (o produto oferecido simboliza a “felicidade”, o “prazer”, o “poder”, o “status” ou a “sedução”). Em outras palavras, na sociedade de consumo a operação mágica de tomar o símbolo pela coisa simbolizada está tão presente quanto nas sociedades tribais. Conclusão: somos todos “tribais”. Isso sem mencionar o fato de que religiões praticadas nos centros urbanos do Brasil, como por exemplo a Umbanda e o Candomblé, utilizam recursos semelhantes para fins literalmente mágicos, o que significa que isso não se restringe a culturas “exóticas” e distantes. (SANTOS, 2005, p. 54).

Um dos grandes antropólogos que vai buscar a simbologia das culturas é o belga Claude Lévi-Strauss, nascido em 1908. Pai da corrente antropológica chamada estruturalismo, este pensador vai buscar a relação entre natureza e cultura a partir do “totemismo”.

Totemismo é uma associação mental entre algo que existe e o significado que damos a ele socialmente, é uma classificação da natureza a partir da cultura. Por exemplo, quando um determinado grupo cria seus rituais em torno de uma pedra, a pedra passa a representar outra coisa para o grupo, tornando-se diferente das outras pedras.

De acordo com Santos (2005), em nossa sociedade o totemismo acontece quando transformamos objetos não humanos em objetos culturais: por exemplo, a geladeira (não humano) simboliza conforto (sentido cultural). Os objetos produzidos e vendidos ganham significados humanos, como a publicidade faz.

Nas sociedades tribais, podemos ver o totemismo nos ritos de passagem. Por exemplo, nas tribos do Xingu, “o menino passa à categoria de guerreiro ou caçador depois de determinados rituais, um deles consistindo em uma prova de coragem ao inserir a mão em uma caixa de abelhas” (SANTOS, 2005, p. 56).

Um ritual de passagem da nossa cultura é a aprovação no vestibular. Pois passaremos por vários rituais e teremos uma nova posição na família e na sociedade.

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Quadro 8 – O estruturalismo produzido no século XX, anos 1940.

Escola/Paradigma Estruturalismo

Período Século XX, anos 1940.

Características Busca das regras estruturantes das culturas presentes na mente humana.Teoria do parentesco/Lógica do mito/Classificação primitiva.Distinção natureza versus cultura.

Temas e conceitos Princípios de organização da mente humana: pares de oposição e códigos binários.Reciprocidade.

Alguns representantes e obras de referência

Claude Lévi-Strauss: “As estruturas elementares do parentesco” – 1949.“Tristes trópicos” – 1955.“Pensamento selvagem” – 1962.“Antropologia estrutural” – 1958.“Antropologia estrutural dois” – 1973.“O cru e o cozido” – 1964.“O homem nu” – 1971.

Fonte: Vagner Gonçalves da Silva. Disponível em: www.fflch.usp.br/da/vagner/antropo.html. Acesso em: 22 mar. 2010.

3.4 A Antropologia interpretativa

Um representante importante na linha da antropologia interpretativa é Clifford Geertz. Segundo Carla Maria Lobato Alves (2010), Geertz sustenta que o conceito de cultura é semiótico, isto é, o homem vive em um emaranhado de significados que ele mesmo criou. Desta forma, a análise do emaranhado deve ser realizada pela ciência Antropologia, isto é, uma ciência interpretativa que busca os significados e não uma ciência experimental, ou seja, que tem como objetivo buscar leis gerais.

Desta forma, Geertz, em suas pesquisas, buscou identificar como as pessoas de determinada cultura se definem, analisando as formas simbólicas pelas quais se expressam (palavras, rituais, costumes, comportamentos etc.).

Por buscar o significado da ação do indivíduo, isto é, a ação simbólica, Clifford Geertz aproxima-se muito de Max Weber, pensador da Sociologia, pois os dois buscam compreender o sentido da ação dos indivíduos e as representações que as pessoas fazem de si e do outro. Desta mesma forma, esses pensadores vão influenciar Sérgio Buarque de Holanda em suas análises sobre o povo brasileiro.

Para Alves (2010), quanto à forma de realizar a pesquisa, o método que Geertz prefere é contrário ao de Malinowski: o antropólogo não precisa morar com o grupo que está estudando, mas deve sim conversar com eles e realizar uma “descrição densa” sobre as particularidades deste grupo, para que se possa levar a interpretação do discurso social, a busca do significado da ação a partir do “ponto de vista dos nativos”.

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Quadro 9 – Antropologia interpretativa do século XX, anos 1960.

Escola/Paradigma Antropologia Interpretativa

Período Século XX, anos 1960.

Características Cultura como hierarquia de significados.Busca da “descrição densa”.Interpretação versus leis.Inspiração hermenêutica.

Temas e conceitos Interpretação antropológica: Leitura da leitura que os “nativos” fazem de sua própria cultura.

Alguns representantes e obras de referência

Clifford Geertz:“A interpretação das culturas” – 1973.“Saber local” – 1983.

Fonte: Vagner Gonçalves da Silva. Disponível em: www.fflch.usp.br/da/vagner/antropo.html. Acesso em: 22 mar. 2010.

4 A CRÍTICA DOS PARADIGMAS TEÓRICOS

4.1 A Antropologia pós-moderna ou crítica

Na década de 1980 surge a Antropologia pós-moderna ou crítica, a qual busca politizar a relação entre o observador e o observado, bem como a crítica dos paradigmas (modelos) teóricos.

A crítica elaborada por essa Antropologia está na forma como os antropólogos aparecem em suas pesquisas, e a sua relação com aqueles que são observados.

A primeira e principal linha dessa forma de análise (JORDÃO, 2004), é a chamada de “Metaetnografia” ou “Meta-antropologia”. Participam desta corrente: James Clifford, George Marcus, Dick Cushman, Marilyn Strathern, Robert Thornton, Michael Fischer entre outros, e mais recentemente, também Clifford Geertz (JORDÃO, 2004, p. 43). O objeto de estudo é a Etnografia, e passa a partir de texto e gênero literário, enfatizar as novas formas de escrita da Etnografia.

A segunda linha, segundo Jordão (2004), é a “Etnografia experimental”, a qual busca alterar a maneira de fazer a observação participante na pesquisa de campo, mudando a relação com o outro. Representada por Vincent Crapanzano, Kevin Dwyer, Paul Rabinow e Dennis Tedlock.

A terceira linha, segundo Jordão (2004), é a mais extrema da Antropologia pós-moderna americana, é a que se preocupa com as questões referentes à crise da ciência em geral. Os pensadores que a representam são: Stephen Tyler e Michael Fischer. Para estes, tudo é possível, tanto no texto como no trabalho de campo, a partir do momento em que há uma ruptura de fato com o pensar e fazer antropológico.

Essa forma de fazer Antropologia vai romper com a forma historicamente elaborada, pois vão criticar o positivismo científico, o reducionismo e, conjuntamente, o empirismo. No lugar, propõe uma postura humanista, percebendo o “caráter provisório e parcial de toda análise cultural” (JORDÃO, 2004, p. 44).

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Quadro 10 – Antropologia Pós-Moderna ou Crítica do século XX – Anos 1980.

Escola/Paradigma Antropologia Pós-Moderna ou Crítica

Período e obra Século XX, anos 1980.

Características Preocupação com os recursos retóricos presentes no modelo textual das etnografias clássicas e contemporâneas.Politização da relação observador-observado na pesquisa antropológica.Crítica dos paradigmas teóricos e da “autoridade etnográfica” do antropólogo.

Temas e Conceitos Cultura como processo polissêmico.Etnografia como representação polifônica da polissemia cultural.Antropologia como experimentação/arte da crítica cultural.

Alguns representantes e obras de referência

James Clifford e Georges Marcus (“Writing Culture: The Poetics and Politics of Ethnography” – 1986).George Marcus e Michael Fischer (“Anthropology as Cultural Critique” – 1986).Richard Price (“First Time” – 1983).Michael Taussig (“Xamanismo, colonialismo e o homem selvagem” – 1987).James Clifford (“The Predicament of Culture” – 1988).

Fonte: Vagner Gonçalves da Silva. Disponível em: www.fflch.usp.br/da/vagner/antropo.html. Acesso em: 22 mar. 2010.

Agora você tem fundamentos para entender a Antropologia no Brasil. Essa visão geral das teorias, essa explanação, foi para inseri-lo no mundo da Antropologia e demonstrar a você que esta ciência tem várias formas de analisar a cultura, de forma que, você, como pesquisador, possa escolher qual é a melhor teoria para analisar o contexto social em que as pessoas que você terá de assistir a partir de sua profissão estão inseridas.

Resumo

A primeira unidade tratou do que é a Antropologia, a ciência que estuda o homem, sua transformação biológica ou física, cultural e social. Por mais que tenha surgido apenas no século XIX, suas raízes já se faziam presentes desde a “descoberta” e a colonização de outros povos.

Podemos dividir a Antropologia de acordo com os seguintes períodos:

• Século XVI-XIX. “Literatura etnográfica”: Relatos de viagens dos missionários, viajantes, comerciantes, que descreviam a língua, raça, características físicas e sociais dos povos. Teorias sobre “raças”.

• Fins do século XIX. “Evolucionismo social” ou “Darwinismo social”: Define que as sociedades evoluem do estado “primitivo” para o mais “civilizado”, trocando o termo “raça” por “cultura”.

• Também no século XIX, teremos a “Escola sociológica francesa”: Surge o método sociológico de Durkheim e conceitos que buscam explicar as representações coletivas.

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ANTROPOLOGIA E CULTURA BRASILEIRA

• No início do século XX, o estudo da cultura passa a ser chamada de “Antropologia social” na Inglaterra, de “Antropologia cultural” nos EUA e de “Etnologia” na França.

• Década de 1920. “Funcionalismo”: No qual as culturas devem ser compreendidas. Início do trabalho de campo.

• Década de 1930. “Culturalismo norte-americano”: Busca da identificação de padrões culturais.

• Na década de 1940. “Estruturalismo”: Distinção da natureza da cultura a partir do totemismo.

• Na década de 1960. “Antropologia interpretativa”: Busca do significado da ação do indivíduo.

• Fins dos anos 1980. “Antropologia pós-moderna” ou “Antropologia crítica”, que vai remodelar a pesquisa de campo e criticar os modelos teóricos anteriores.

Caso tenha alguma dúvida sobre algum tópico, releia o texto e busque mais informações.

Exercícios

Questão 1 - O Brasil tem na Constituição Federal a sua mais importante lei. Leia os artigos abaixo que regulam a forma como o Estado brasileiro tratará a política cultural e suas diferentes manifestações.

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

§ 1º - O ESTADO PROTEGERÁ AS MANIFESTAÇÕES DAS CULTURAS POPULARES, INDÍGENAS E AFRO-BRASILEIRAS, E DAS DE OUTROS GRUPOS PARTICIPANTES DO PROCESSO CIVILIZATÓRIO NACIONAL.

ART. 216. CONSTITUEM PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO OS BENS DE NATUREZA MATERIAL E IMATERIAL, TOMADOS INDIVIDUALMENTE OU EM CONJUNTO, PORTADORES DE REFERÊNCIA À IDENTIDADE, À AÇÃO, À MEMÓRIA DOS DIFERENTES GRUPOS FORMADORES DA SOCIEDADE BRASILEIRA, NOS QUAIS SE INCLUEM:

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§ 5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

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TÍTULO X

ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS

Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

É possível constatar, a partir da leitura do texto constitucional, que as populações que permaneceram vivendo em áreas de quilombo se tornaram legítimas proprietárias da terra, apesar de não terem desembolsado nenhum valor por isso.

Essa atitude de proteção dos chamados quilombolas é uma atitude discriminatória contra todas as demais pessoas que vivem no território nacional e que são obrigadas a pagar pela propriedade que possuem?

Assinale a alternativa correta:

a) Sim, é discriminatória porque todos são iguais perante a lei, conforme determina a própria Constituição Federal.

b) Não, porque os quilombolas vivem em faixas de terra que não possuem nenhum tipo de interesse comercial.

c) Sim, é discriminatória porque em tese favorece mais aos negros ou afro-descendentes do que aos descendentes de raça branca.

d) Não, porque a proteção dos quilombolas está no contexto da proteção das diferentes manifestações culturais que a Constituição determina, inclusive com o tombamento, que é um ato do poder público para conservação de um local.

e) Sim, é discriminatório porque o problema da moradia é um dos mais agudos problemas sociais que o Brasil enfrenta, tanto na cidade como no campo e a lei mais importante do país não pode tratar de forma diferente as mesmas necessidades sociais.

Resposta correta: Alternativa D.

Análise das alternativas:

a) Alternativa incorreta.

Justificativa: A Constituição Federal determina que todos são iguais perante a lei, mas poderá haver tratamento diferenciado entre os cidadãos sempre que houver uma necessidade de interesse público para isso, como acontece no tratamento privilegiado para idosos, crianças, adolescentes e portadores

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de necessidades especiais. Os moradores de região de quilombo são pessoas que guardam importantes elementos culturais de interesse público, importantes para toda a sociedade, o que explica a preservação deles nas áreas de quilombo e a preservação dessas áreas para que não sejam alvo da exploração econômica que provavelmente as destruiria.

b) Alternativa incorreta.

Justificativa: As áreas de terra ocupadas pelos quilombos possui interesse comercial para os investidores imobiliários. Podem ser utilizadas para produção agrícola ou pecuária, por exemplo. O que justifica a preservação desses locais é sua grande importância histórica e cultural e não a falta de interesse comercial dos grupos econômicos investidores.

c) Alternativa incorreta.

Justificativa: Não há favorecimento de negros ou afrodescendentes na Constituição Federal. Todos são iguais e deverão ser tratados da mesma forma, com os mesmos direitos e deveres perante a sociedade. O que ocorre é que as áreas de quilombos e a população que vive nessas áreas devem ser protegidas de acordo com a política de proteção cultural que a Constituição Federal implantou, o que significa que a proteção ocorre não em benefício da comunidade que vive naquele local, mas de toda a população brasileira que terá seus sítios históricos preservados, podendo se beneficiar de conhecimento e cultura a partir do estudo daqueles locais e das tradições culturais das pessoas que ali residem.

d) Alternativa correta.

Justificativa: A Constituição Federal brasileira determinou que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. Essa política pública de proteção cultural é feita em benefício de toda a sociedade brasileira, independente da descendência de cada brasileiro. Preservar os quilombos por meio de um ato administrativo que impede a exploração econômica que descaracterize o local e ceder aos moradores dos quilombos o instrumento de propriedade daquele espaço territorial é permitir ao conjunto da sociedade brasileira que tenha parte expressiva de sua cultura e de sua história preservadas para serem estudadas e conhecidas por todos. Com isso, o Brasil permite aos brasileiros que conheçam melhor suas raízes, origens, diversidade étnica e cultural e compreendam melhor os elementos que nos constituíram como país e nação.

e) Alternativa incorreta.

Justificativa: O problema da moradia no Brasil é grave e alcança não apenas os moradores das cidades como também os moradores das áreas rurais. Ninguém duvida de que esse é um grave problema social e que os sucessivos governos deverão enfrentar com determinação, para minimizar as consequências sociais que derivam da falta de moradia. Mas a concessão da propriedade das áreas de quilombo para aqueles que comprovarem que já eram moradores ao tempo da promulgação da Constituição Federal não é discriminação, ao contrário, é uma política de solução de outro grave problema: a preservação cultural e histórica para que a população contemporânea e as futuras gerações que nascerem no Brasil

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tenham amplo acesso aos elementos marcantes de sua história e da formação de sua cultura, porque isso é um elemento importante para a consolidação da cidadania e do desenvolvimento político e social de um país.

Questão 2 - Leia o texto abaixo:

CULTURA BRASILEIRA E CULTURAS BRASILEIRAS DO SINGULAR AO PLURAL

Estamos acostumados a falar em cultura brasileira, assim, no singular, como se existisse uma unidade prévia que aglutinasse todas as manifestações materiais e espirituais do povo brasileiro. Mas é claro que uma tal unidade ou uniformidade parece não existir em sociedade moderna alguma e, menos ainda, em uma sociedade de classes. Talvez se possa falar em cultura bororo ou cultura nhambiquaratendo por referente a vida material e simbólica desses grupos antes de sofrerem a invasão e aculturação do branco. Mas depois, e na medida em que há frações do interior do grupo, a cultura tende também a rachar-se, a criar tensões, a perder a sua primitiva fisionomia que, ao menos para nós, parecia homogênea.

A tradição da nossa Antropologia Cultural já fazia uma repartição do Brasil em culturas aplicando-lhes um critério racial: cultura indígena, cultura negra, cultura branca, culturas mestiças.

Uma obra excelente, e ainda hoje útil como informação e método, a Introdução à antropologia brasileira, de Arthur Ramos, terminada em 1943, divide-se em capítulos sistemáticos sobre as culturas não europeias (culturas indígenas, culturas negras, tudo no plural) e culturas europeias (culturas portuguesa, italiana, alemã...), fechando-se pelo exame dos contatos raciais e culturais.

Os critérios podem e devem mudar. Pode-se passar da raça para nação, e da nação para a classe social (cultura do rico, cultura do pobre, cultura burguesa, cultura operária), mas, de qualquer modo, o reconhecimento do plural é essencial.

A proposta de compreensão que se faz aqui tem um alcance analítico inicial; e poderá ter (oxalá tenha) um horizonte dialético final.

Se pelo termo cultura entendemos uma herança de valores e objetos compartilhada por um grupo humano relativamente coeso, poderíamos falar em uma cultura erudita brasileira, centralizada no sistema educacional (e principalmente nas universidades), e uma cultura popular, basicamente iletrada, que corresponde aos mores materiais e simbólicos do homem rústico, sertanejo ou interiorano, e do homem pobre suburbano ainda não de todo assimilado pelas estruturas simbólicas da cidade moderna.

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A essas duas faixas extremas bem marcadas (no limite: Academia e Folclore) poderíamos acrescentar outras duas que o desenvolvimento da sociedade urbano-capitalista foi alargando. A cultura criadora individualizada de escritores, compositores, artistas plásticos, dramaturgos, cineastas, enfim, intelectuais que não vivem dentro da Universidade, e que, agrupados ou não, formariam, para quem olha de fora, um sistema cultural alto, independentemente dos motivos ideológicos particulares que animam este ou aquele escritor, este ou aquele artista. Enfim, a cultura de massas, que, pela sua íntima imbricação com os sistemas de produção e mercado de bens de consumo, acabou sendo chamada pelos intérpretes da Escola de Frankfurt, indústria cultural, cultura de consumo (BOSI, 1992, p. 308-345).

Analise a figura abaixo:

Figura 7 – Prédio pichado na região central de São Paulo

Tendo em vista o texto e a foto acima, assinale a alternativa correta:

a) A cultura brasileira comporta manifestações diversificadas que vão desde a elaboração de textos eruditos e arte visual com utilização de técnicas sofisticadas. Mas a manifestação na forma de pichação não pode ser considerada como cultural, porque contraria a legislação em vigor.

b) A pichação de prédios públicos e particulares é um fenômeno que marca a cena urbana contemporânea brasileira, pelo menos nas grandes cidades. É um exemplo negativo de manifestação cultural e contraria os pressupostos de cultura legítima afirmados no texto de Bosi.

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c) As manifestações culturais são plurais por natureza, porque o homem não constrói uma cultura homogênea, uma vez que as experiências que acumula são diversificadas, assim como são diferentes os grupos que partilham diferentes manifestações culturais. Por isso é que as pichações podem ser consideradas manifestações culturais.

d) As pichações ocorridas nos grandes centros urbanos são apenas manifestações de falta de cultura e de respeito daqueles que as praticam, sem qualquer valor ou legitimidade que mereça torná-la objeto de estudo de uma ciência como a Antropologia.

e) As manifestações culturais podem ser diversificadas, mas, necessariamente, devem obedecer a legislação em vigor. No caso das artes visuais, elas devem se restringir aos espaços autorizados para suas práticas.

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