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204
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE DÉBORA CRISTINA LONGO ANDRADE UM ESTUDO DO MAL-ENTENDIDO EM INTERAÇÕES NA REDE SOCIAL DIGITAL TWITTER São Paulo 2021
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

DÉBORA CRISTINA LONGO ANDRADE

UM ESTUDO DO MAL-ENTENDIDO EM INTERAÇÕES NA REDE

SOCIAL DIGITAL TWITTER

São Paulo

2021

DÉBORA CRISTINA LONGO ANDRADE

UM ESTUDO DO MAL-ENTENDIDO EM INTERAÇÕES NA REDE

SOCIAL DIGITAL TWITTER

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Letras da Universidade

Presbiteriana Mackenzie, como requisito

parcial à obtenção do título de Doutora em

Letras.

Orientador: Prof. Dr. José Gaston Hilgert

São Paulo

2021

Folha de Identificação da Agência de Financiamento

Dedicar significa oferecer algo, com carinho, a

alguém. É como prestar uma homenagem... Assim,

dedico esta tese aos seus leitores. Para mim, não

há sentido em fazer diferente, uma vez que a

escrevo para ser lida e compreendida por todos

aqueles que são apaixonados, assim como eu,

pelas nuances da linguagem em uso no ambiente

da “rede”. Então, caso seja capturado(a) pelas

tramas desse trabalho, é a você que o estou

oferecendo.

AGRADECIMENTOS

À Divina Providência, pela minha vida e ainda por me abençoar do início ao fim desta

trajetória.

Ao meu esposo Roberto e ao meu filho Leonardo, pelo muito que são na vida que

compartilhamos.

Aos meus pais, Valentim e Luzia, por me apoiarem e vibrarem constantemente com as

minhas conquistas.

Aos meus irmãos, sobrinhos e familiares que, sempre ou em algum momento, me

desejaram êxito neste percurso.

Ao Prof. Dr. José Gaston Hilgert, pela acolhida generosa do meu projeto e pelo aceite

em orientar este trabalho, pelas indicações de leitura precisas e até mesmo desafiadoras (em

alemão!) que me deram a clareza e o direcionamento necessários para a realização dessa

pesquisa. Muito obrigada pela parceria e, principalmente, por compartilhar seus conhecimentos,

em uma agradável convivência. Agradeço ainda por sua compreensibilidade nos momentos

adversos que atravessei e, sobretudo, pela confiança em mim depositada durante o

desenvolvimento da tese.

À Prof.ª Dr.ª Diana Luz Pessoa de Barros, pela leitura atenta desta investigação e por

suas relevantes considerações durante o Exame de Qualificação. Muito obrigada por enriquecer

esse trabalho com contribuições valiosas. Minha gratidão à Prof.ª Dr.ª Vanda Maria da Silva

Elias, por também oferecer uma interlocução sábia, significativa e acolhedora, colaborando para

o refinamento dessa tese. Agradeço-lhe, de maneira especial, pela amizade cultivada desde o

Mestrado em Língua Portuguesa e, principalmente, por me encorajar a prestar o processo

seletivo do PPGL-UPM e concretizar, enfim, o sonho de me tornar doutora (tenho fé!).

Aos Professores Membros da Banca Examinadora de Defesa, pela solicitude com que

aceitaram o convite para compô-la. Sinto-me honrada e profundamente grata pela presença.

À Coordenadora, Prof.ª Dr.ª Regina Helena Pires de Brito, e a todo o corpo docente do

PPGL, por serem tão competentes e generosos. Agradeço, em especial, à Prof.ª Dr.ª Maria

Helena de Moura Neves, o partilhar do conhecimento, as recomendações e conselhos,

ministrados durante a disciplina Seminário de Teses, que me levaram a refletir sobre questões

importantes deste trabalho.

Ao Pedro A. Zambon, secretário do PPGL, pela presteza no atendimento aos meus

questionamentos.

Aos colegas de curso, pela troca amiga e produtiva. Em especial, à querida amiga Juliana

Pádua, com a qual compartilhei boa parte deste percurso e que, inclusive, se tornou mais leve

quando dividido com ela.

Ao Instituto Presbiteriano Mackenzie, pela concessão da bolsa de estudos, que me

proporcionou a oportunidade e o privilégio de realizar este trabalho.

Às amigas irmãs, Valéria Cardozo e Fátima Andrade, por serem tão presentes nos

momentos em que precisei da ajuda e do olhar do outro. Obrigada também pelo encorajamento

durante esta jornada.

A todos aqueles que, direta ou indiretamente, incentivaram-me nesta empreitada.

E, por fim, um afetuoso agradecimento aos professores e alunos que fizeram parte da

minha história. Vocês foram essenciais para eu chegar até aqui.

Fonte: Twitter (conta da autora). Acesso em: 26 out. 2021.

RESUMO

Considerando-se que os problemas de compreensão são inerentes às trocas comunicativas, seja

no âmbito das conversações face a face seja nas interações que ocorrem em redes sociais

digitais, propusemo-nos, neste estudo, a investigar particularmente o fenômeno do mal-

entendido em um corpus constituído de mensagens publicadas e veiculadas na rede social

digital Twitter. Pretendemos, portanto, examinar o mecanismo de organização das sequências

discursivas em que ocorre o mal-entendido; especificar suas causas; como também descrever

os processos interacionais que procuram resolvê-lo. Para a análise, selecionamos doze

segmentos conversacionais, constituídos por tuítes – pequenas mensagens de até duzentos e

oitenta caracteres – postados por perfis de diferentes esferas de atividade humana, os quais

interagem espontaneamente no Twitter. Os tuítes são analisados com base em estudos

realizados nos campos da Análise da Conversação e Linguística Interacional. Obtidos por meio

de procedimentos metodológicos centrados numa abordagem qualitativa, verificamos que os

segmentos analisados expõem o mesmo padrão estrutural que se revela nas conversações face

a face, isto é, o fenômeno do mal-entendido manifesta-se predominantemente no intervalo entre

o turno de origem e o turno de reparo do problema. Quanto às causas que o desencadeiam,

observamos que elas são de diversas naturezas envolvendo, em especial, aspectos semânticos-

lexicais. Constatamos, ainda, que os parceiros comunicativos tendem a adotar procedimentos

de reformulação, como repetições e paráfrases, na tentativa de esclarecer os mal-entendidos e,

eventualmente, alcançar a (inter)compreensão em suas práticas discursivas no contexto digital.

Palavras-chave: conversação; tuítes; mal-entendido; (inter)compreensão.

ABSTRACT

Considering that comprehension problems are inherent to communicative exchanges, whether

in face-to-face conversations or in interactions that occur in digital social networks, we

proposed, in this study, to investigate particularly the phenomenon of misunderstanding in a

corpus consisting of messages published and disseminated in the digital social network Twitter.

We intend, therefore, to examine the mechanism of organization of discursive sequences in

which misunderstanding occurs; to specify its causes; as well as to describe the interactional

processes that seek to resolve it. For the analysis, we selected twelve conversational segments,

consisting of tweets - short messages of up to two hundred and eighty characters - posted by

profiles from different spheres of human activity, which interact spontaneously on Twitter. The

tweets are analyzed based on studies conducted in the fields of Conversation Analysis and

Interaction Linguistics. Obtained through methodological procedures focused on a qualitative

approach, we found that the analyzed segments expose the same structural pattern that is

revealed in face-to-face conversations, that is, the phenomenon of misunderstanding manifests

itself predominantly in the interval between the shift of origin and the shift of repair of the

problem. As for the causes that trigger it, we observed that they are of various natures involving,

in particular, semantic-lexical aspects. We also found that communicative partners tend to adopt

reformulation procedures, such as repetitions and paraphrases, in an attempt to clarify the

misunderstandings and eventually achieve (inter)understanding in their discursive practices in

the digital context.

Keywords: conversation; tweets; misunderstanding; (inter)understanding.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Proposta do Twitter.......................................................................................... 27

Figura 2 Primeiros rascunhos do Twitter........................................................................ 29

Figura 3 Logotipo do Twitter.......................................................................................... 31

Figura 4 Tuíte simples.................................................................................................... 32

Figura 5 Tuíte com inserção de link............................................................................... 33

Figura 6 Perfil de usuário................................................................................................ 36

Figura 7 Timeline de usuário.......................................................................................... 39

Figura 8 Comando do retuíte ......................................................................................... 40

Figura 9 Tuíte retuitado ................................................................................................. 41

Figura 10 Hashtag no Twitter.......................................................................................... 42

Figura 11 Hashtag no Facebook ..................................................................................... 43

Figura 12 Thread............................................................................................................. 44

Figura 13 Tuíte (aspecto composicional) ....................................................................... 46

Figura 14 Tuíte I (aspecto estilístico) ............................................................................. 48

Figura 15 Tuíte II (aspecto estilístico) ................................................................................... 49

Figura 16 Tuíte III (aspecto estilístico) .......................................................................... 50

Figura 17 Tuíte (aspecto temático) ................................................................................ 51

Figura 18 Tuíte (captura de tela/print screen) ............................................................... 55

Figura 19 Conversa como processo colaborativo.......................................................... 84

Figura 20 Tuíte (adjacência) .......................................................................................... 140

Figura 21 Representação dos principais emoticons....................................................... 147

Figura 22 Exemplos de emoticons (ou smyles) .............................................................. 147

Figura 23 Meio e concepção: contínuo entre oralidade e escrita.................................... 154

Figura 24 Oralidade e escrita: meio de produção e concepção discursiva...................... 155

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Ciclo de negociação do mal-entendido...............................................................96

Quadro 2 Relação entre estratégias de manipulação e (des)cortesia verbal......................124

Quadro 3 Correlação entre elementos constituintes da CFF e e-conversação.................150

Quadro 4 Texto na rede (concepções)..............................................................................160

Quadro 5 Níveis e fatores desencadeadores do ME........................................................170

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABRALIN Associação Brasileira de Linguística

AC Análise da Conversação

ACE Análise da Conversa Etnometodológica

CASA Cadernos de Semiótica Aplicada

CEM Comunicação eletronicamente mediada

CFF Conversação face a face

CINT Conversação na internet

CMC Comunicação mediada pelo computador

CMD Comunicação mediada digitalmente

CNR Conversação na rede

COVID Coronavirus disease (Doença causada pelo vírus SARS-CoV-2,

popularmente conhecido como coronavírus)

DID Diálogo entre informante e documentador

DM Direct message (Mensagem direta, no modo privado)

E-book Livro eletrônico ou digital

E-conversação Conversação eletrônica ou digital

E-mail Correio eletrônico ou digital

E-texto Texto eletrônico ou digital

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

EUA Estados Unidos da América

FFA Face Flattering Act (Ato Valorizador da Face)

FTA Face Threatening Act (Ato de Ameaça à Face)

GAT Gesprächsanalytisches Transkriptionssystem (Sistema de Transcrição

Analítica da Conversação)

GIF Graphic Interchange Format (Formato de intercâmbio gráfico)

LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgênero

LI Linguística Interacional

ME Mal-entendido

ME-L Mal-entendido, em sentido lato

ME-S Mal-entendido, em sentido estrito

MLA Modern Language Association (Associação de Linguagem Moderna)

NURC Norma Linguística Urbana Culta

RT Retuíte

SMS Short Message Service (Serviço de mensagem curta: “torpedo”)

TBT Throwback Thursday (Quinta-feira para relembrar)

WEB Sistema que permite ao usuário acessar uma infinidade de conteúdos por

meio da internet

WEBSITE Conjunto de páginas da rede (hipertextos) acessíveis geralmente pelo

protocolo HTTP (base para comunicação de dados na internet)

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ............................................................................................. 18

CAPÍTULO 1

TWITTER: NAVEGANDO PELA REDE E COLETANDO OS DADOS ....................... 26

1.1 Twitter: ambiente da conversação ...................................................................................... 26

1.2 Criação da rede social digital Twitter ................................................................................. 28

1.3 Funcionalidades do Twitter ................................................................................................ 34

1.3.1 Perfil do participante ....................................................................................................... 34

1.3.2 Timeline ........................................................................................................................... 37

1.3.3 Retuíte (RT) ..................................................................................................................... 39

1.3.4 Hashtag (#) ...................................................................................................................... 41

1.3.5 Thread .............................................................................................................................. 43

1.4 Tuíte: aspectos prototípicos em focalização ....................................................................... 45

1.5 O corpus de pesquisa e sua constituição ............................................................................ 52

CAPÍTULO 2

CONVERSAÇÃO FACE A FACE: DEFININDO CONCEITOS E FUNÇÕES ............. 57

2.1 Contributos para o estudo da conversação ......................................................................... 57

2.2 Da Etnometodologia aos princípios da Análise da Conversação (AC) .............................. 59

2.3 Reflexão sobre a pesquisa em Análise da Conversação ..................................................... 61

2.4 Constituição da organização estrutural da Conversação Face a Face ................................ 65

2.4.1 A organização da tomada de turnos ................................................................................. 65

2.4.2 A organização das sequências ......................................................................................... 67

2.4.3 Os pares adjacentes .......................................................................................................... 68

2.4.4 A organização do sistema de reparo ................................................................................ 70

2.4.5 O sistema de reparo em terceira posição ......................................................................... 73

2.5 A contribuição da Linguística Interacional (LI) ................................................................. 75

CAPÍTULO 3

MAL-ENTENDIDO: ENTENDENDO O FENÔMENO NA CONVERSAÇÃO ............. 80

3.1 Sobre a compreensão .......................................................................................................... 80

3.2 Sobre os problemas de compreensão .................................................................................. 92

3.3 Sobre os mal-entendidos ..................................................................................................... 94

3.3.1 Origem do mal-entendido .............................................................................................. 102

3.3.2 Atividades de reformulação ........................................................................................... 105

3.4 Sobre a cortesia verbal ...................................................................................................... 114

3.4.1 Relação entre o mal-entendido e o trabalho de face (face work)................................... 114

CAPÍTULO 4

CONVERSAÇÃO NA REDE: RESSIGNIFICANDO CONCEITOS E FUNÇÕES ..... 126

4.1 A conversação face a face e seus desdobramentos na internet ......................................... 126

4.2 A comunicação mediada pelo computador: breves conceitos .......................................... 128

4.3 O ambiente conversacional: redes sociais na internet ...................................................... 130

4.3.1 A organização da conversação na rede: turnos e pares ................................................. 134

4.3.2 A e-conversação: entre marcas e texto .......................................................................... 141

4.3.3 O texto na rede: contínuo fala-escrita ............................................................................ 151

CAPÍTULO 5

MAL-ENTENDIDO EM TUÍTES: ANALISANDO OS DADOS .................................... 162

5.1 Procedimentos metodológicos .......................................................................................... 162

5.2 Análise e interpretação dos dados .................................................................................... 163

5.2.1 Análise quanto à organização da sequência conversacional em que ocorre o mal-entendido

................................................................................................................................................ 164

5.2.2 Análise quanto às causas do mal-entendido .................................................................. 170

5.2.3 Análise quanto aos processos linguístico-discursivos que esclarecem o mal-entendido

................................................................................................................................................ 180

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 188

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 193

18

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A conversação face a face é o gênero mais básico da interação humana, constituída na

troca verbal espontânea e ligada à esfera do discurso cotidiano (BAKHTIN, 2011[1953]).

Constitui-se em uma prática social e remete-nos à ideia de estarmos reunidos com outras

pessoas, num mesmo local, em um determinado tempo, trocando ideias acerca de um assunto

específico. Ao mesmo tempo, consiste em um evento organizado estruturalmente e

constantemente negociado pelos participantes, na tentativa de alcançar um objetivo comum: a

compreensão.

No entanto, a partir da década de 1990, com o advento das tecnologias de informação e

comunicação e posteriormente com a sua acessibilidade (smartphones, tablets, notebooks,

computadores etc.), o diálogo cotidiano (bate-papo, conversa informal, entre outros) passa a ser

materializado, de modo abrangente, no espaço virtual, permitindo a conexão entre as pessoas e

possibilitando, inclusive, a troca de mensagens instantâneas, sem obstáculos, tampouco

diferenças geográficas e temporais.

Nessa direção, nosso foco de atenção recai principalmente sobre o ambiente das redes

sociais digitais de comunicação que, cada vez mais populares, tornam-se, de acordo com

Recuero (2012, p. 16), “espaços conversacionais”, isto é, “espaços onde a interação adquire

contornos semelhantes àqueles da conversação, buscando estabelecer e/ou manter laços

sociais”. São, a princípio, lugares virtuais em que as conversações são compartilhadas num

tempo muito rápido e de modo amplo, liberando os indivíduos das limitações de espaço e

tempo, tornando a comunicação mais flexível. Elas vêm sendo usadas como uma plataforma

online para o compartilhamento de informações, opiniões, experiências e perspectivas, em

mensagens que utilizam, de modo geral, o texto escrito. Entre as mais conhecidas estão o

Facebook, WhatsApp e o Twitter.

No que concerne à conversação no contexto digital, Crystal (2004) preconiza que ela

surge a partir dos princípios que regem a conversação oral, uma vez que os usuários, enquanto

interagem, recorrem aos seus conhecimentos linguísticos provenientes de experiências

adquiridas como falantes nas variadas situações de interação face a face, como também se

utilizam de diversos recursos disponíveis no teclado do computador para produzir suas

19

mensagens na rede, as quais normalmente exigem dinamicidade, bem como permitem a

autonomia e espontaneidade para a expressão do pensamento.

Ademais, os sinais não verbais, prototípicos da conversação face a face, como gestos,

jogo dos olhares, atitudes e posturas transformam-se em signos criados por meio da combinação

de caracteres do teclado, os chamados emoticons. “São explorações criativas e engenhosas dos

recursos das novas tecnologias” (MARCUSCHI, 2005, p. 65).

É possível constatar ainda que a conversação nas redes sociais adquire contornos

semelhantes à dinâmica organizacional da interação face a face, no que diz respeito ao sistema

de gerenciamento dos turnos, em que os participantes reagem às contribuições uns dos outros.

Para Condon e Čech (2010), tal estratégia parece ser complexa, no entanto é flexível o suficiente

para se adaptar a uma variedade infinita de contextos, inclusive, ao meio digital. Recuero (2012)

chama a nossa atenção para o fato de que há uma organização intrínseca de turnos e pares, que

provém do próprio sistema eletrônico, quanto a padrões de envio e recebimento das mensagens.

Diante do exposto, somos levados a caracterizar, a princípio, as mensagens produzidas

e veiculadas na rede1, estabelecidas via conversação, como texto conceptualmente falado,

apesar de sua configuração no meio gráfico. Buscamos, nos estudiosos alemães Koch e

Öesterreicher (2007 [1990]) e, posteriormente, em Marcuschi (2010), a base teórica para definir

esses critérios. Nessa linha de condução, trazemos também à consideração a ideia de “texto

‘falado’ por escrito” (HILGERT, 2000, p. 17) ou, em outros termos, de “escrita falada” ou

“oralizada” (RECUERO, 2012, p. 45). Ainda, valendo-nos de investigações teórico-práticas,

voltadas para a relação fala-escrita, particularmente, no que concerne às interações que ocorrem

na rede, incorporamos também a noção – proposta em estudos realizados por Barros (2000,

2015, p. 21) – de texto que se define pela “complexidade”, ou seja, texto que “ora é mais fala,

embora sem deixar de ser também escrita, ora é principalmente escrita, mesmo mantendo

atributos da fala”. Essa imbricação fala-escrita nos permite atestar a especificidade desse objeto

sob o ponto de vista linguístico e organizacional.

Até aqui, tratamos da organização e formas de textualização da conversação no meio

eletrônico. A partir deste ponto, é oportuno discorrer acerca das práticas comunicativas numa

perspectiva interacionista, ou seja, considerar que as pessoas, ao interagirem, tanto face a face

quanto virtualmente, elas o fazem com a intenção de serem compreendidas. Isso envolve

1 Neste trabalho, “rede” é utilizado como sinônimo de “internet”, isto é, sistema de comunicação criado a partir da

rede mundial de computadores.

20

coordenar não apenas o “conteúdo” de suas proposições, como também o “processo” (CLARK

e BRENNAN, 1991, p. 128). Significa dizer que os participantes em suas interações não apenas

produzem um enunciado, mas monitoram continuamente seus interlocutores, a fim de garantir

que suas mensagens sejam ouvidas ou lidas e compreendidas. O processo de produção dos

sentidos não é, portanto, uma ação decodificadora, e sim um incessante trabalho colaborativo

dos interlocutores em busca da compreensão mútua.

Entretanto, o desdobramento da ação comunicativa está sujeito a toda ordem de

turbulências interpretativas (SCHEGLOFF, JEFFERSON e SACKS, 1977; FIEHLER, 2002),

uma vez que o simples fato de a interação ocorrer entre pessoas diferentes já os coloca diante

da constante possibilidade de se depararem com problemas de compreensão, mais

especificamente, mal-entendidos.

Nesse sentido, Dascal (2006, p. 314, grifo do autor) declara que:

[...] o empenho em se comunicar, assim como qualquer outro esforço humano de

similar complexidade, pode, de inúmeras maneiras, fracassar ou tomar um mau

caminho. O mal-entendido é um desses caminhos.

Tomando por base essa perspectiva, importa mencionar que não estamos inclinados,

nesta pesquisa, a encarar o mal-entendido por esse prisma, ou seja, a olhá-lo como um “mau

caminho”, mas como um fenômeno intrínseco ao ato comunicativo, já que bases diferentes de

conhecimento se encontram no processo dialógico. E os interlocutores, ao reconhecerem uma

divergência interpretativa, podem “naturalmente” esclarecê-la no desdobramento

conversacional, observando a necessidade de construir interacionalmente a compreensão.

Concordamos com Berthoud (2016, p. 4) quando argumenta que:

Longe de ser visto como um simples fracasso do discurso, o mal-entendido nos leva

ao âmago da atividade linguística, impondo-se como um fenômeno privilegiado pelos

linguistas, em busca do discurso no fazer, em busca do discurso na ação, em busca do

discurso na interação.2

Nessa direção, Weigand (1999, p. 769-70), uma das principais estudiosas do fenômeno,

identifica o mal-entendido como uma “forma de entendimento parcial ou totalmente divergente

do que o enunciador tencionou comunicar e que poderá ser corrigida normalmente no

desenvolvimento do jogo de ação dialógica”. Sendo assim, o parceiro comunicativo, ao se dar

2 Tradução da autora para o trecho original: “Loin d’être vu comme un simple raté du discours, le malentendu nous

conduit aujourd’hui au cœur de l’activité langagière, s’imposant comme phé-nomène privilégié pour des linguistes

en quête de discours en train de sefaire, en quête de parole en action, en quête de parole en interaction.”

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conta de que seu enunciado foi interpretado equivocadamente por seu interlocutor, pode

recorrer às práticas de reparo (por exemplo, paráfrases), na tentativa de delimitar de modo mais

preciso o que foi dito ou escrito e, caso tenham disposição e interesse, de chegar, na medida

exigida, à intercompreensão.

A autora (Ibid., p. 769) ainda permite caracterizar um tipo particular de mal-entendido

como standard case, cuja estrutura padrão é representada esquematicamente a seguir:

i. 1ª posição (turno 1): o falante [A] formula seu enunciado.

ii. 2ª posição (turno 2): o ouvinte [B] apresenta um entendimento em relação ao enunciado

anterior, o qual considera coerente do seu ponto de vista.

iii. 3ª posição (turno 3): o falante [A] denuncia o mal-entendido, ao afirmar que a resposta

de [B] não está de acordo com que ele [A] tencionou comunicar e, em seguida,

reformula o turno fonte do problema, dando-lhe uma contextualização mais precisa, a

fim de que o equívoco de compreensão seja resolvido e a sequência interacional possa

prosseguir.

Hilgert (2005, p. 141) endossa a opinião de Weigand (1999) quanto ao “standard case”,

no entanto considera também como uma das formas de mal-entendido a seguinte ocorrência:

(i) o falante [A] formula seu enunciado; (ii) o ouvinte [B] apresenta uma hipótese de

compreensão, isto é, uma interpretação manifestada sob condições de incerteza, a ser ou não

confirmada pelo interlocutor; (iii) o falante [A] não aceita o enunciado de [B] submetido à sua

consideração, aspecto que evidencia a ocorrência de um mal-entendido.

Na verdade, para o autor (2005, p. 141), “mal-entendido é toda e qualquer forma de

compreensão total ou parcialmente desviante, manifesta por um interlocutor, em relação à

expectativa de compreensão do outro”. E, uma vez identificado esse desvio interpretativo, os

interlocutores têm a chance de interromper o fluxo temático, procedendo à uma iniciação de

reparo, ou melhor, desencadeando uma sequência especificamente destinada a resolver o

problema, no desdobramento interacional.

Ademais, espera-se que, na denúncia do mal-entendido, o falante tome precauções,

procure cumprir o que lhe compete: que seja minimamente cortês, já que a sinalização do

equívoco interpretativo constitui um risco para seu interlocutor, que pode se sentir humilhado,

ofendido e/ou criticado; daí a necessidade da utilização de estratégias compensatórias como as

atenuações e manifestações de cortesia, a fim de preservar a imagem do outro. Entretanto, em

interações na rede, as coordenadas espaço-temporais assumem outra dimensão e exercem forte

22

influência, permitindo que os parceiros comunicativos não se preocupem com a manutenção de

suas “faces” e se valham também de atitudes descorteses, o que normalmente não acontece nas

interações do texto falado.

Enfim, são questões complexas e intrigantes como essas que nos levam à investigação

do nosso objeto de estudo: o mal-entendido. A nosso ver, representa um fenômeno intrínseco

às interações e, portanto, cabe-nos tratá-lo cientificamente, de modo que não haja apenas uma

descrição deste, mas ferramentas de análise e explicações epistemologicamente coerentes

acerca desse segmento particularmente controverso nas conversações, tanto em situações

comunicativas orais quanto em interações digitais dialógicas.

Nessa linha de condução, pretendemos, então, detectar a ocorrência do mal-entendido

no interior da dinâmica organizacional das conversações produzidas e veiculadas no ambiente

digital, bem como descrever os processos interacionais que procuram resolvê-lo. A orientação

geral vai no sentido de explicitar a interface que os mal-entendidos mantêm com o processo de

construção interativa da compreensão, tendo por base os pressupostos teóricos da Análise da

Conversação e da Linguística Interacional, num contexto específico de comunicação, a saber,

a rede social digital Twitter.

Para tanto, estabelecemos os seguintes objetivos específicos: (i) a princípio, verificar se

há apropriação de características organizacionais prototípicas da conversação face a face em

conversações na rede social; (ii) explicitar as noções de compreensão e de problemas de

compreensão, à luz das quais o conceito de mal-entendido se esclarece; (iii) observar e

descrever o mecanismo de organização das sequências discursivas em que ocorre o mal-

entendido; (iv) especificar suas causas, procurando constituir uma classificação que vai

necessariamente para as relações entre níveis de ocorrência do fenômeno e aspectos que o

desencadeiam, no corpus de análise; (v) afinal, verificar de quais estratégias de reparo –

mormente as de natureza linguística – valem-se os participantes na denúncia e possível solução

do problema.

Como vimos, os objetivos específicos apontados constituem um percurso, por meio do

qual se chega à hipótese geral que norteia esta investigação, isto é, a de que os trabalhos

desenvolvidos pelos analistas da conversação – na perspectiva interacionista da língua – que

têm como objeto de estudo a conversação natural, ou, em sentido mais amplo, as interações

face a face, do ponto de vista de sua realização linguística, fornecem-nos o aporte teórico

necessário para a investigação e análise do mal-entendido – fenômeno inerente à interação

verbal – em conversações no meio digital, em particular, na rede social Twitter.

23

As demais hipóteses, que se arrolam a seguir, estão relacionadas aos objetivos

específicos apresentados: (i) a primeira hipótese é a de que o sistema de reparo em terceira

posição3 seja predominante no corpus a ser investigado; (ii) a segunda hipótese formulada é a

de que aspectos semântico-lexicais sejam os mais produtivos em equívocos de compreensão;

(iii) a terceira hipótese é a de que os usuários da rede, no ciclo de negociação do mal-entendido,

tendem a utilizar reformulações parafrásticas para solucioná-lo. Nossa investigação será

orientada no sentido de validar ou não as suposições apresentadas.

O corpus deste trabalho é composto por segmentos conversacionais constituídos por

tuítes,4 ocorridos entre sujeitos-usuários de diversas esferas de atuação, os quais interagem,

espontaneamente, por escrito, na rede social digital Twitter, entre os anos de 2018 e 2021.

Convém mencionarmos que as interações nesse ambiente de conversação normalmente

envolvem muitos participantes. Realizamos, então, um recorte criterioso no material

selecionado, com o intuito de analisarmos interações diádicas e/ou curtas, pois quando a troca

comunicativa ocorre entre poucos parceiros, os mal-entendidos, segundo Dannerer (2004), são

passíveis de serem identificados e analisados.

Fica assentado que a metodologia adotada no desenvolvimento deste trabalho comporta

duas grandes etapas: (i) uma primeira, de levantamento bibliográfico, que constrói o aporte

teórico que fundamenta o objeto de investigação desta tese; (ii) uma segunda, de análise, que

possibilita confrontar a perspectiva teórica previamente levantada com as realizações atestadas

do fenômeno, no corpus selecionado.

Apresentado o âmbito geral de nossa pesquisa, o contexto em que ela se insere, os

objetivos geral e específicos, as hipóteses que norteiam este trabalho e os procedimentos

metodológicos adotados, passamos à apresentação da estrutura geral desta tese, por meio da

descrição dos objetivos principais de cada capítulo que a compõe.

No primeiro capítulo – Twitter: navegando pela rede e coletando os dados – tratamos

do corpus da pesquisa, sua origem e contexto de produção. A princípio, descrevemos o Twitter,

ambiente virtual que possibilita a conversação entre os usuários da rede. A seguir, discorremos

3 A organização do sistema de reparo em terceira posição corresponde ao tratamento padrão que os mal-entendidos

recebem, na maioria das vezes, em interações face a face: no segundo turno, o problema é detectado e, no turno

seguinte (em terceira posição), procede-se à estratégia de reparo, conforme já apresentado em Schegloff (1987,

1992). Acreditamos que esse quadro seja também predominante no corpus de análise. 4 Tuítes = constituem-se geralmente de pequenas publicações de até 280 caracteres na rede social Twitter.

24

acerca da constituição dos tuítes. Finalmente, apresentamos os procedimentos utilizados para a

seleção do corpus de análise.

No segundo capítulo – Conversação face a face: definindo conceitos e funções –

indicamos a concepção de linguagem que permeia o nosso trabalho e, em seguida, o referencial

teórico que embasa a pesquisa, destacando estudos advindos da Análise da Conversação (AC)

e da Linguística Interacional (LI), como nucleares nessa fundamentação. Nesse sentido, as

contribuições de Sacks, Schegloff e Jefferson (1974); Marcuschi (1991); Kerbrat-Orecchionni

(2006); Selting & Couper-Kuhlen (2001) e Mondada (2008) foram de considerável importância

para pensarmos acerca da organização estrutural da conversação face a face e das ações

realizadas linguisticamente pelos participantes, a fim de garantir o bom andamento do processo

interacional.

No capítulo 3 – Mal-entendido: entendendo o fenômeno na conversação – tratamos

do tema central desta tese – o mal-entendido. Para tanto, vamos definir, em primeiro lugar,

alguns princípios teóricos, nomeadamente, a noção de compreensão e de problemas de

compreensão, à luz das quais o conceito de mal-entendido se esclarece. A partir dessa

fundamentação, passamos a discutir os fatores que o caracterizam, bem como os procedimentos

interacionais que concorrem para solucioná-lo, tendo como aporte teórico as pesquisas

realizadas principalmente por Clark (1992, 1996, 1996a); Bazzanella e Damiano (1999);

Weigand (1999); Fiehler (2002); Depperman (2008) e Hilgert (2003, 2005, 2008). Neste

capítulo, há ainda uma seção própria, na qual procuramos examinar como o mal-entendido se

relaciona com a teoria da cortesia verbal, na perspectiva do face work, visto que o uso de

estratégias que visam à negociação das faces assume importância considerável no tratamento

do mal-entendido e, por conseguinte, na construção da compreensão em uma atividade

conversacional.

No capítulo 4 – Conversação na rede: ressignificando conceitos e funções –

apresentamos as principais características da conversação na internet, especificamente, na rede

social digital Twitter, verificando sua capacidade de simular, sob muitos aspectos, elementos

da conversação face a face. Para tanto, são abordados alguns conceitos trazidos pelos principais

estudiosos da Comunicação Mediada pelo Computador (CMC), a partir da perspectiva dos

estudos da fala-em-interação. Dentre eles, estão Herring (1996, 1999, 2010); Crystal (2004,

2005) e Recuero (2009, 2012).

O capítulo 5 – Mal-entendido em tuítes: analisando os dados – dedicamos

especificamente à análise e interpretação dos dados coletados, dando ênfase à descrição das

25

causas que desencadeiam o mal-entendido, como também das atividades realizadas

interacionalmente pelos sujeitos-usuários para resolver o problema e, eventualmente, chegar ao

processo de intercompreensão.

Nas considerações finais, apresentamos as observações significativas que, no decorrer

de cada capítulo, foram sendo delineadas, como também algumas reflexões acerca do

desenvolvimento das análises.

Por fim, é oportuno dizer que este trabalho se justifica, na medida em que auxilia a

ampliação do estudo do mal-entendido, visto que uma parcela significativa das pesquisas

desenvolvidas pelos estudiosos do fenômeno concentra-se na investigação de textos orais,

principalmente, da conversa natural (do diálogo, em sentido estrito), de maneira que favorece

a análise das estruturas linguísticas específicas da fala.

Neste estudo, nossas análises limitar-se-ão a segmentos conversacionais compostos por

tuítes. Desse modo, esperamos que essa pesquisa se constitua em mais um referencial que possa

a vir explicar o fenômeno, levando-se em conta propriedades específicas do texto produzido e

veiculado na internet, especificamente, na rede social digital Twitter, tendo em vista a sua

inegável influência nas práticas discursivas da sociedade contemporânea.

26

CAPÍTULO 1

TWITTER: NAVEGANDO PELA REDE E COLETANDO OS

DADOS

“O Twitter é como o seu bar favorito funcionando dia e

noite: a hora que você aparecer encontrará alguns

frequentadores habituais e mais outras pessoas

relacionadas a eles. Você poderá ficar para um dedo de

prosa durante um intervalo no trabalho ou passar horas

interagindo e trocando ideias.”

(@jasper; @ferla; @moriael; @abilaamorim)

Neste capítulo, faremos, a princípio, uma breve apresentação do Twitter, ambiente

virtual que possibilita a conversação entre os usuários da rede. Em seguida, trataremos da

constituição dos tuítes – pequenas mensagens, de até duzentos e oitenta caracteres – publicados

por perfis de diferentes esferas de atividade humana, os quais interagem espontaneamente na

rede social digital Twitter. Por fim, elucidaremos os procedimentos de coleta e análise dos

dados.

1.1 Twitter: ambiente da conversação

De modo geral, o Twitter é um site de rede social em que os usuários podem construir

perfis e publicar mensagens instantâneas. É popularmente conhecido como um serviço de

microblogging5, visto que permite a produção de pequenos textos, de até no máximo 280

caracteres, a partir da pergunta “O que está acontecendo?”.

Em sua página oficial na internet, o Twitter se apresenta como uma ferramenta de

comunicação, que conecta seus usuários em “conversas saudáveis”. Nas palavras de Santaella

Excerto extraído da publicação online: Tudo o que você precisa saber sobre o twitter (você já aprendeu em uma

mesa de bar): um guia prático para pessoas e organizações, de Juliano Spyer (@jasper); Luiz Alberto Ferla

(@ferla); Moriael Paiva (@moriael); Fabiola Amorim (@bilaamorim). Disponível em:

<https://ensinodelinguascomtic.files.wordpress.com/2010/03/livro_tudo_o_que_voce_precisa_saber_sobre_twitt

er.pdf>. Acesso em 17 jun. 2020. 5 Microblogging: possui uma estrutura semelhante aos blogs (diário pessoal na ordem cronológica com anotações

em tempos regulares que permanecem acessíveis na rede), porém com mensagens curtas e possibilidade de

comentários. O Twitter foi o pioneiro em disponibilizar essa facilidade aos usuários. Atualmente, é um dos mais

famosos serviços do gênero. Disponível em: <https://www.tecmundo.com.br/web/805-microblogging-saiba-tudo-

sobre-eles.htm>. Acesso em: 06 abr. 2020.

27

e Lemos (2010, p. 66), esse ambiente conversacional serve como “[...] um espaço colaborativo

no qual questões, que surgem a partir de interesses dos mais microscópicos aos mais

macroscópicos, podem ser livremente debatidas e respondidas”, o que pode ser comprovado

por meio da proposta inserida em uma das páginas da plataforma:

Figura 1 – Proposta do Twitter

Fonte: Twitter.6

Com 186 milhões de participantes ativos por mês,7 todo usuário do Twitter é um

enunciador potencial de conteúdo e suas publicações são passíveis de serem comentadas por

qualquer “tuiteiro” em um dado momento. Ademais, essa rede torna-se muito atraente aos

usuários, por oferecer um grande número de recursos e possibilidades de interação.

A nosso ver, o Twitter se apresenta como um importante espaço virtual de comunicação,

porque possibilita conhecer as opiniões e tomada de posições de seus participantes. Nessa

direção, Mischaud (2007, p. 38, tradução nossa) argumenta que, “[...] na sua pura função, o

Twitter contempla um desejo humano inato de conversar e ser ouvido.”8

É oportuno dizer que, embora existam inúmeras plataformas digitais para se realizar

uma investigação como esta, a escolha dessa rede social, em detrimento de tantas outras

disponíveis na web9, consiste, sobretudo, na sua popularidade e abrangência de público, pois

conforma, em uma plataforma online de relacionamento, sujeitos de diferentes regiões do

mundo, de diversas faixas etárias e de todas as classes econômicas, com interesses diversos.

6 Disponível em: <https://about.twitter.com/en/our-priorities/healthy-conversations>. Acesso em 24 set. 2021. 7Twitter tem aumento recorde em número de usuários no 2º trimestre de 2020. Disponível em:

<https://tecnoblog.net/354247/twitter-tem-aumento-recorde-em-numero-de-usuarios/>. Acesso em 22 abr. 2021. 8 Tradução da autora para o trecho original: “[...] in its pure function, Twitter addresses an innate human desire to

converse and to be heard.” 9 Web consiste em um “sistema que permite ao usuário acessar uma infinidade de conteúdos por meio da internet.”

Disponível em: <https://www.significados.com.br/web/>. Acesso em 12 set. 2021.

28

Ademais, Recuero e Zago (2009, p. 87), em trabalho intitulado Em busca das “redes

que importam”: redes sociais e capital social no Twitter, mencionam que um dos principais

valores do Twitter está relacionado ao seu uso para a conversação. “Essas conversações estão

diretamente ligadas a valores relacionais, com ‘a criação e o aprofundamento de laços sociais’”.

Inclusive, elas “podem auxiliar a gerar empatia, intimidade e suporte social para os atores

envolvidos.”

Enfim, para se obter uma visão geral das propriedades que caracterizam o Twitter, nosso

próximo passo é tecer algumas considerações acerca dessa rede, enfocando dois aspectos: sua

concepção e principais funcionalidades.

1.2 Criação da rede social digital Twitter

O conceito da rede social Twitter foi desenvolvido por uma pequena empresa de serviço

comercial de podcasts10, a startup Odeo, Inc. (localizada em South Park, São Francisco, Estados

Unidos da América) que, na primeira década do século XXI, enfrentava uma grave crise

econômica, devido à concorrência de grandes companhias de serviços e produtos tecnológicos,

como a Apple e o Google.

Na tentativa de superar tal concorrência, um seleto grupo de programadores da Odeo

Inc. trabalhou numa espécie de “maratona de programação” (hackathon), a fim de desenvolver

um projeto, que pudesse dominar o mercado tecnológico. Tais profissionais formariam duplas

e trabalhariam por duas semanas para criar o que desejassem. Foi, então, que o programador

Jack Dorsey apresentou ao parceiro Biz Stone um programa de celular que oferecia um recurso

chamado status, por meio do qual os amigos daquele poderiam dizer o motivo de não poder

responder às mensagens uns dos outros, por exemplo: “estou em uma reunião”.

Jack disse que gostava de saber como os amigos estavam se sentindo ou o que estavam

fazendo só de olhar para essas mensagens de status. Ele me perguntou se deveríamos

construir algo parecido, um jeito de postar uma mensagem de status e ver as

mensagens de status de nossos amigos (STONE, 2014, p. 59).

10Podcast consiste em um arquivo digital de áudio, que é transmitido por meio da internet, cujo conteúdo pode ser

variado, normalmente com o propósito de transmitir informações. Disponível em:

<https://www.significados.com.br/podcast/>. Acesso em 06 abr. 2020.

29

A partir daí, surgiu a ideia de criar um serviço, no qual alguém pudesse trocar

atualizações simples de status por SMS11. Para Jack Dorsey, o software poderia captar e refletir

o comportamento humano. Para Biz Stone, permitiria a comunicação entre as pessoas.

A seguir, uma página de rascunho do projeto de Dorsey:

Figura 2 – Primeiros rascunhos do Twitter

Fonte: Página do site TecMundo.12

Nesta figura, é possível verificar que os programadores queriam propor um serviço no

qual as pessoas se conectassem por telefone usando apenas o texto escrito. A ideia era tornar

tudo tão simples que bastava digitar uma pequena mensagem e enviá-la. O segundo passo era

11 SMS (Short Message Service) é um serviço de mensagens curtas (até 160 caracteres), conhecidas popularmente

como mensagens de texto ou torpedos, disponível em telefones celulares digitais. Disponível em:

<https://pt.wikipedia.org/wiki/Servi%C3%A7o_de_mensagens_curtas>. Acesso em 05 abr. 2020. 12 Disponível em: <https://www.tecmundo.com.br/rede-social/3667-a-historia-do-twitter.htm>. Acesso em: 05

abr. 2020.

30

dar um nome ao projeto, isto é, uma designação que proporcionasse a sensação de “rapidez” e

“urgência” (Ibid., p. 62).

Stone (2014) menciona que os programadores passaram a sugerir nomes como “jitter”

(agitação), “flitter” (fragmento), “twitter” (pio) ou “skitter” (escorregão). O nome escolhido por

ele foi Twitter, em razão de lembrar o trinado suave dos pássaros, como também significar uma

conversa rápida ou trivial em inglês. Noah Glass – um dos cofundadores da rede – sugeriu

“jitter” ou “jitterburg” (pessoa agitada), pois queria ter as crianças como público-alvo. Contudo

Biz Stone não desejava mirar o público infantil. Assim, mantiveram o nome Twitter para o

projeto, lançado em 2006.

Outra decisão tomada pelos programadores foi determinar o número de caracteres para

as publicações. O limite padrão internacional para as mensagens de texto era de 160 caracteres.

Decidiram, então, limitar as mensagens até no máximo 140 caracteres, sendo que os 20 restantes

ficariam para um espaço, uma vírgula e o nome do usuário. De acordo com Stone (2014), tal

limite inspiraria a criatividade dos usuários na produção das mensagens, além de facilitar a

leitura e o acompanhamento das postagens. Vejamos o que ele diz a respeito disso:

Cento e quarenta não é um número mágico, mas impor um limite uniu as pessoas. Era

um desafio. Você está escrevendo a história da sua vida. Edite durante o processo. Em

140 caracteres, o que vale a pena dizer? Como podemos nos expressar uns para os

outros neste espaço? Quanto pode ser dito e quanto é possível deixar no ar? [...] O que

vale a pena dizer? (STONE, 2014, p. 81).

O programador (2014, p. 159) explica, ainda, que “tweets” foi o nome dado pelos

próprios usuários para essas curtas publicações e “tweetar” para o ato de postá-las na rede.

Inclusive, o logotipo escolhido para o Twitter foi um pássaro azul, desenvolvido justamente

para representar a comunicação por meio de tuítes, ou seja, “pios”.

A figura, a seguir, ilustra o logotipo desenvolvido para o Twitter:

31

Figura 3 – Logotipo do Twitter

Fonte: Twitter.13

Neste ponto, é interessante acrescentar que o momento de efetivação do Twitter no

mercado tecnológico corresponde à eleição de 2008 – quando o democrata americano Barack

Obama foi eleito o primeiro presidente negro dos Estados Unidos da América (EUA) – abrindo

caminho para um novo uso da tecnologia, no que diz respeito à transmissão de mensagens

(STONE, 2014).

Nessa ocasião, o programador (2014, p. 136-7) mandou o seguinte e-mail para a sua

equipe:

Pessoal,

Os pássaros quando voam têm a incrível capacidade de se mover como se fossem um,

pois a junção de feedback imediato e as regras simples criam algo graciosamente

fluido e que parece até coreografado. Na primavera de 2007, pudemos enxergar de

relance as pessoas utilizando uma força parecida com essa para criar uma nova forma

de comunicação. A South by Sothwest de 2007 nos apresentou a incrível relevância

do Twitter durante um evento coletivo. Agora o mundo está assistindo a um dos

maiores eventos da história dos EUA se desenrolar diante de nós. O Twitter está em

posição de atuar neste processo eleitoral como nada visto: 37 integrantes do congresso

estão tweetando, os dois candidatos têm contas ativas, milhões de cidadãos estão

reagindo às questões de campanha em tempo real e ativistas políticos estão

organizando protestos, tudo isso usando o Twitter. Todos se movendo como um só.14

Outro momento marcante para a equipe de programadores da rede foi a aterrisagem de

um avião da companhia US Airways, no Rio Hudson, em 2009. “Quando um avião pousa bem

13 Disponível em: <https://logodownload.org/wp-content/uploads/2014/09/twitter-logo-1.png>. Acesso em 05 abr.

2020. 14 Devido à sua popularidade e flexibilidade de uso, o Twitter ganhou, em 2007, o Web Award na categoria blog,

no South by Southwest Conference, realizado em Austin, no Texas.

32

na sua frente, é um tweet. É o ápice do tweet. Você não manda isso por e-mail para um amigo,

você tweeta” (STONE, 2014, p. 141).

Ainda, é oportuno dizer que, até o ano de 2009, a pergunta a ser respondida no Twitter

era “O que você está fazendo?”, uma vez que as interações previam apenas atualizações de

status entre amigos e familiares. Em decorrência da publicação desses eventos históricos na

plataforma, a pergunta passou a ser “O que está acontecendo?”, levando o Twitter a funcionar

também como um espaço de notícias, pontos de vista, informações e compartilhamento de

ideias.

Um ponto importante a ser destacado é que, como toda e qualquer rede social, o Twitter

passa por atualizações. Em 2017, os programadores estenderam o limite de 140 para 280

caracteres, com o intuito de levar as pessoas à melhor compreensão dos tuítes. No entanto, os

usuários da rede, nos idiomas japonês, coreano e chinês, continuaram a manter o máximo de

140 caracteres como padrão em suas publicações, já que a falta de espaço nunca foi um

problema para eles, devido à forma de escrita.15

Observemos, a seguir, a ilustração de um tuíte, produzido e veiculado por um sujeito-

usuário que atua no campo de atividade artística e publicitária:

Figura 4 – Tuíte simples

Fonte: Twitter.16

Como vimos, esse tuíte apresenta um breve comentário por meio do texto escrito. Cabe

enfatizar que, nos tuítes, além da mensagem de até 280 caracteres, os usuários também podem

postar fotos, inserir links, vídeos, GIFs (Graphic Interchange Format – pequenas animações

ou imagens em cores compactadas em um só arquivo) – como também promover enquetes.

Vejamos a inserção de um desses dispositivos na figura que segue:

15 In: Cossetti, M. C. Twitter aumenta oficialmente o limite de 140 caracteres para 280. Novembro 07, 2017.

Disponível em: <https://www.techtudo.com.br/noticias/2017/11/twitter-aumenta-oficialmente-o-limite-de-140-

caracteres-para-280.ghtml>. Acesso em: 06 abr. 2020. 16 Disponível em: <https://twitter.com/username>. Acesso em 06 abr. 2020.

33

Figura 5 – Tuíte com inserção de link

Fonte: Twitter.17

Na figura 5, notamos que o tuíte traz um comentário acerca de cassação da liminar, que

permitia a apreensão de livros (com temática LGBT18) na Bienal do Rio de Janeiro. A fim de

que os leitores pudessem ficar cientes do assunto, o sujeito-usuário também insere, em sua

mensagem, o link do Jornal G1 (online), que, ao ser clicado, direciona os leitores ao conteúdo

integral da notícia.

Ainda, é oportuno dizer que a inserção de links ganha importância na produção dos

tuítes, uma vez que o limite de 280 caracteres impossibilita, por exemplo, a divulgação

completa de uma reportagem. No Twitter, caso o usuário (leitor) se interesse pelo assunto, ao

clicar no link, ele será redirecionado para a página de publicação da notícia (website, ou melhor,

site eletrônico) e poderá ter acesso à toda informação.

Como vimos, o Twitter permite a publicação de conteúdo, seja na forma de imagens e

vídeos, seja na de links que possibilitam o acesso a sites externos ao ambiente, extrapolando,

assim, a inclusão do simples texto linear. Entretanto, diferentemente de outras redes como

Instagram e Youtube, em que há uma grande quantidade de publicações em vídeos e imagens,

17 Disponível em: <https://twitter.com/username>. Acesso em 12 set. 2021. 18 LGBT (ou LGBTTT) é a sigla de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros, que

consistem em diferentes tipos de orientações sexuais. Disponível em: <https://www.significados.com.br/lgbt/>.

Acesso em: 20 set. 2021.

link

Texto

produzido

pelo usuário

34

consideramos que a produção do famoso e pequeno texto (tuíte) de até duzentos e oitenta

caracteres continue a ser a principal característica da rede social digital Twitter.

1.3 Funcionalidades do Twitter

Santaella e Lemos (2010) explicam que, dentre todas as plataformas sociais de uso

generalizado e globalizado, o Twitter é aquela que permite a multiplicação mais acelerada de

nodos de conexão vinculados a temáticas específicas. Isso ocorre devido ao fato de que existem

possibilidades de inter-relacionamento entre usuários da rede, por meio de algumas de suas

principais funcionalidades: busca de um perfil (@usuário), RT (retuíte) e hashtag (#).

A seguir, teceremos algumas considerações acerca dessas funcionalidades, bem como

da timeline.

1.3.1 Perfil do participante

Define-se uma rede social pelos atores e suas conexões. Os atores são as pessoas

conectadas à rede. No Twitter, a presença do “eu” se dá por meio da construção do perfil do

participante, uma vez que “é preciso ser ‘visto’ para existir no ciberespaço”19 (RECUERO,

2009, p. 27, grifo da autora).

Nessa “construção virtual do eu” (ou simplesmente “perfil”), o Twitter permite a

publicação de uma foto, como também oferece a possibilidade de adicionar uma breve

biografia, isto é, uma descrição pessoal curta, que serve para caracterizar a identidade do

usuário na rede (idade, profissão, gostos, entre outros aspectos). Tais informações são

importantes para gerar empatia, bem como proporcionar pistas para a interação social.

Inclusive, é por conta desses dados pessoais que os atores na rede social podem ser

identificados e compreendidos como indivíduos que agem por meio de seus perfis. “Como

apenas é possível utilizar o sistema com um login e senha que automaticamente vinculam um

ator a seu perfil, toda e qualquer interação é sempre vinculada a alguém” (RECUERO, 2009, p.

19 Segundo Lévy (1999), o ciberespaço corresponde a um espaço virtual, constituído pelo fluxo de informação e

comunicação, provenientes de fontes digitais ou destinadas à digitalização. No dizer de Recuero (2012, p. 40) é

também “um espaço construído e negociado pela participação dos atores através da conversação.”

35

28). No entanto, alguns usuários optam por criar perfis ficcionais para utilizá-los nas interações

em que não desejam ser reconhecidos pelos demais. Nesse sentido, cabe registrar que a falsa

identidade online com intenção de enganar outras pessoas é proibida pelas normas do Twitter20.

Com base nessa perspectiva, Bays (1998) argumenta que, com a popularidade e

evolução das comunicações mediadas pelo computador (CMCs), o anonimato tem desaparecido

e a forte relação entre o eu e a face/outro (fato que ocorre nas interações presenciais) tem

também se apresentado nas interações em rede, uma vez que, para a autora, há um fascínio por

estar envolvido em uma conversa online. Por exemplo, ao verem os rostos de seus

interlocutores, os participantes, que estão geofisicamente distantes, sentem-se engajados e

atraídos para interagir nesse ambiente conversacional.

Em suma, entendemos que o perfil, no Twitter, estabelece a presença do indivíduo e,

portanto, facilita a troca comunicativa. É por meio dele que o usuário cria uma presença não-

física, levando os interlocutores a acreditar que as mensagens estão sendo trocadas com alguém,

que está à frente do computador, em algum lugar. Em outros termos, o perfil atua como um

marcador que individualiza esse “eu”, indicando a copresença do participante no momento da

interação.

Vejamos, então, como se caracteriza o perfil de usuário. É pertinente acrescentar que a

figura, a seguir, diz respeito à captura de imagem (print screen) da página do perfil da autora

desta pesquisa, no Twitter:

20 Disponível em: <https://help.twitter.com/pt/glossary>. Acesso em 18 abr. 2020.

36

Figura 6 – Perfil de usuário

Fonte: conta da autora no Twitter.21

Em nosso perfil, podemos reconhecer que, na coluna lateral da esquerda, aparece a

imagem (foto), seguido do nome de exibição (Débora Andrade). Abaixo, temos o sinal @

acrescido do nome de usuário na rede (conhecido como username: @deboracla1969). Em

seguida, há a descrição da principal atividade exercida, a data de ingresso na rede, o número de

pessoas que seguimos e o número de seguidores que possuímos até o momento de acesso ao

perfil. Ainda, é possível inserir uma foto de capa, também chamada de banner.

No Twitter, alguns perfis são qualificados como figuras públicas (artistas, políticos,

jornalistas, celebridades, instituições, entre outros). Esses perfis recebem um selo azul de

verificação (ver Figura 7), que oferece ao participante o direito de ter sua credibilidade atestada

dentro da rede. Para tanto, o usuário (pessoa ou empresa) de uma conta verificada22 precisa

atender a alguns pré-requisitos, tais como: possuir número de telefone e um endereço de e-mail

válidos; apresentar uma breve descrição em até 160 caracteres; personalizar o perfil com foto;

21 Disponível em: <https://twitter.com/deboracla1969>. Acesso em: 02 fev. 2021. 22 A conta verificada recebe, do Twitter, um ícone azul, com o intuito de indicar que o produtor dos tuítes é uma

fonte legítima. Como tais contas pertencem a figuras públicas, são consideradas, pela rede, possíveis vítimas de

falsa identidade (construção de perfis falsos ou fakes). Disponível em: <https://help.twitter.com/pt/glossary>.

Acesso em 18 abr. 2020.

Capa do

perfil ou

banner

Imagem/foto

do usuário

Breve descrição

do usuário

Data de ingresso no Twitter

Número de seguidores e seguidos

username

Nome de exibição

37

informar a data de aniversário (para pessoas físicas); possuir uma página própria na web; manter

o perfil com tuítes abertos. Ademais, é interessante que esses usuários criem um perfil cativante

e que tuitem com frequência, atraindo, cada vez mais, um número maior de seguidores.

Neste ponto, importa mencionar que algumas das informações fornecidas na construção

do perfil de determinado usuário são sempre públicas, como biografia, localização, site e foto.

No que diz respeito a outras informações pessoais, por exemplo, data de nascimento, o Twitter

fornece a opção de selecionar quem pode acessá-la. Vejamos, a seguir, as configurações de

visibilidade disponíveis na rede: (i) pública: a data de nascimento do usuário poderá vista por

qualquer pessoa, no mundo todo, instantaneamente; (ii) seguidores: somente as pessoas que

seguem determinado usuário poderão ver tal informação; (iii) seguidos: somente as pessoas que

o usuário segue poderão acessar essa informação inscrita no perfil deste; (iv) seguidores e

seguidos: somente as pessoas que o usuário segue ou que são seguidas por ele terão acesso à

sua data de nascimento; (v) apenas o usuário: somente ele poderá ter conhecimento disso.23

Por fim, gostaríamos de deixar sinalizado o fato de que, por padrão, o Twitter é público

e os tuítes, quando publicados, são imediatamente visíveis e pesquisáveis por qualquer pessoa

em todo o mundo.24 Contudo, a comunicação pode ocorrer também no modo privado. Para

tanto, basta que o usuário acesse as configurações de privacidade de sua conta e ative a opção

“proteção de tuítes”, a fim de que eles se tornem visíveis somente para os perfis que o seguem.

1.3.2 Timeline

A timeline – também chamada de página inicial – exibe um fluxo de tuítes publicados

pelo usuário, como também das contas que o participante optou por seguir no Twitter, em ordem

cronológica de publicação. Nela, é possível responder, retuitar ou “curtir” um tuíte, como

também visualizar mensagens, selecionadas pela rede, tomando por base as contas com as quais

o usuário mais interage.

Nessa página, o Twitter ainda adiciona conteúdo considerado popular ou relevante, a

fim de que o usuário possa se atualizar quanto aos temas e tópicos mais discutidos em dado

intervalo de tempo e em determinado lugar. Por exemplo, alguns usuários preferem se atualizar

23 Disponível em: <https://help.twitter.com/pt/safety-and-security/birthday-visibility-settings>. Acesso em 12 set.

2021. 24 Disponível em: <https://twitter.com/pt/privacy>. Acesso em 12 set. 2021.

38

quanto aos assuntos mais populares no Brasil, enquanto outros preferem escolher qualquer

região do mundo, a fim de acompanhar as tendências globais.

Ademais, a plataforma sugere, em Talvez você curta, alguns perfis para serem seguidos.

De acordo com os desenvolvedores da plataforma, o objetivo é mostrar, na timeline, perfis

confiáveis e seguros, de interesse do usuário que, inclusive, possam contribuir para o

desdobramento de uma conversa significativa25.

É também na timeline que aparece a pergunta inicial do sistema: “O que está

acontecendo?” Essa questão, de acordo com Teixeira (2011, p. 121), leva os tuiteiros a

extrapolar a “mera capacidade de publicação de trivialidades de suas vidas cotidianas” e a

utilizar o Twitter como “uma poderosa e inigualável ferramenta para disseminação, obtenção

de informações, interação e colaboração”. Tudo isso no mesmo espaço e com o dinamismo de

280 caracteres.

A figura que segue ilustra a timeline da autora desta pesquisa:

25 Disponível em: <https://help.twitter.com/pt/using-twitter/twitter-timeline>. Acesso em: 12 abr. 2020.

39

Figura 7 – Timeline de usuário

Fonte: Twitter.26

É oportuno dizer que não é praxe entrarmos diretamente na timeline de uma pessoa para

ver o que ela escreve. Basta escolher segui-la e todas as postagens dela aparecerão na página

inicial de seu seguidor, ou seja, ao seguir alguém, o usuário passa a acompanhar os tuítes

publicados por esse perfil.

1.3.3 Retuíte (RT)

Uma das singularidades do Twitter em relação a outros sites de rede social é possibilitar

a troca de informações entre seus usuários, por meio do ato de repassar conteúdo, isto é, de

26 Disponível em: <https://twitter.com/home>. Acesso em 13 set. 2021.

Assuntos do

momento

Sugestão de

perfis a serem

seguidos

Pergunta mote da

página inicial

Conta que recebe o selo azul

de verificação

Fluxo de

tuítes das

contas

seguidas

40

retuitar (RT). Inclusive, a primeira motivação para se retuitar é retransmitir uma informação

que o usuário considera relevante para o seu grupo de seguidores, com ou sem comentário

pessoal. É importante ressaltar que, ao retuitar uma mensagem, o usuário dá o devido crédito

ao autor original.

Mediante tais considerações, Stone (2014, p. 162-3) enfatiza que, no início, os usuários

editavam o conteúdo do tuíte original e acrescentavam o “RT” para indicar que era um retuíte.

Por essa razão, os programadores decidiram desenvolver um comando, de maneira a impedir

essa edição. “Além disso, por ser um botão, deixaria o ato mais fácil do que o deselegante copiar

e colar”. Então, transformaram o retuíte em ação de um só clique, com o intuito de facilitar o

controle, trazer à tona os assuntos mais populares e, principalmente, de preservar a integridade

do usuário que publicou o tuíte original.

As palavras de Paveau (2021, p. 378) vêm corroborar essa informação:

O retuíte tornou-se [...] uma forma editorialmente otimizada, pois a partir de então

uma janela específica se abre para o comentário eventual do retransmissor, sendo o

conteúdo retuitado totalmente preservado em sua janela original; os limites entre

discurso citante e discurso citado são, portanto, assumidos e garantidos pelo programa

de computador, e não pelo locutor on-line.

Observemos, na figura 8, o comando que promove o RT:

Figura 8 – Comando do retuíte

Fonte: Twitter.27

Vejamos, ainda, a ilustração de uma publicação retuitada pela autora desta pesquisa:

27 Disponível em: <https://twitter.com/username>. Acesso em 17 jun. 2020.

Comando de retuíte. No caso, esta

publicação foi retuitada 19 vezes.

41

Figura 9 – Tuíte retuitado

Fonte: Twitter.28

Como vimos, a Figura 9 indica que a postagem foi retuitada 10 vezes, isto é, difundida

na rede por outros usuários, os quais reconhecem que nela há um conteúdo relevante que merece

a audiência dos demais. Para Santaella e Lemos (2010), a função de retuitar está atrelada,

principalmente, à conservação e distribuição do tuíte original, como também ao envio da foto

de quem o publicou, preservando e ressaltando, assim, a autoria do tuíte. Além de que, quanto

maior o alcance da postagem dentro da rede social, maior a visibilidade do autor e, por

conseguinte, maior o número de seguidores alcançados.

Por último, enfatizamos que, de acordo com Boyd, Golder e Lotan (2010), os retuítes

produzem uma infraestrutura conversacional valiosa. Na opinião dos autores, se os participantes

comentam ativamente ou simplesmente curtem o RT, estão, de alguma maneira, participando

de uma conversa. Ao repassarem o conteúdo de um tuíte para um público mais amplo, estão

engajando diversos usuários em uma interação. Inclusive, os tipos de conversa que surgem no

Twitter por meio do ato de retuitar são tão diversos quanto as convenções em que residem.

Algumas conversas são pequenas e locais, enquanto outras levam a uma enorme discussão e a

uma multiplicidade de contextos de conversação ao mesmo tempo.

1.3.4 Hashtag (#)

28 Disponível em: <https://twitter.com/username>. Acesso em 17 jun. 2020.

A informação de que se trata de um

retuíte.

Número de vezes que o tuíte

foi retuítado.

Foto do

perfil

42

A hashtag é uma palavra-chave ou frase imediatamente precedida do símbolo #

(cerquilha). É utilizada para identificar determinados temas ou ideias e, por conseguinte,

aumentar o alcance de tal conteúdo nas redes sociais. Inclusive, Moura (2017) argumenta que

os tuítes com hashtags têm duas vezes mais engajamento do que aqueles que não possuem.

Diante disso, é natural que o usuário use esse indexador (#) tanto para classificar algum

tópico quanto para facilitar a busca e exibição dele no Twitter. Por exemplo, o tuiteiro, ao buscar

a #FiqueemCasa (ideia que incentiva a quarentena durante a pandemia do coronavírus em todo

o mundo), será direcionado para uma página com tuítes que compartilham a mesma hashtag,

podendo, então, participar da discussão do tema ou divulgar informações sobre o assunto.

A figura, a seguir, ilustra um tuíte, como resultado de busca na rede, que utiliza a

hashtag #linguistweets, palavra-chave que corresponde à primeira Conferência Internacional

de Linguística no Twitter, organizada pela Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN):

Figura 10 – Hashtag no Twitter

Fonte: Twitter.29

Neste ponto, é interessante comentar que as hashtags foram incorporadas ao Twitter,

em julho de 2009, com o intuito de agrupar usuários que participavam de eventos ou que se

interessavam por temas específicos. Segundo Stone (2014), parecia uma boa forma de reunir

pessoas para discutir determinado assunto.

Ainda, importa dizer que o Twitter foi pioneiro ao criar essa tecnologia, ou seja, a de

indiciar palavras precedidas de #, no entanto a hashtag se tornou tão popular que pode ser

encontrada em outras redes de relacionamento, como Instagram ou Facebook. Para Stone

(2014, p. 161), “as hashtags ficaram tão comuns que passaram a ser usadas ironicamente, em

contextos que nada têm a ver com o Twitter ou com criar um link para um determinado

assunto.”

29 Disponível em: < https://twitter.com/username/status/1335539406611111936 >. Acesso em 02 fev. 2021.

Hashtag

43

A figura 11 ilustra o uso da #Escorpião e #ficaadica em uma publicação, extraída do

Facebook:

Figura 11 – Hashtag no Facebook

Fonte: Facebook.30

Notamos que, no Facebook, a hashtag aparece principalmente como forma de se

condensar sentimentos ou frases. Outro exemplo muito popular ocorre no Instagram (rede

social online de compartilhamento de fotos e vídeos entre seus usuários) e diz respeito ao uso

da #ThrowbackThursday (ou #tbt), traduzida como “quinta-feira para relembrar”. Essa

hashtag serve para marcar fotos antigas, normalmente, postadas às quintas-feiras.

Em suma, quando a combinação (#) antes da palavra-chave, frase ou expressão é

utilizada na rede social Twitter, transforma-se em um hiperlink que, ao ser clicado, redireciona

o usuário a postagens relacionadas ao mesmo tema. Convém enfatizar que, nessa rede, tal

funcionalidade é bastante explorada, de modo que as interações se ampliam e se intensificam,

uma vez que o Twitter organiza, em diversas páginas (principais, mais recentes, perfis, fotos e

vídeos), os tuítes publicados ao redor de determinada hashtag.

Ainda, de acordo com Santaella e Lemos (2010), o uso dessa funcionalidade tornou-se

um hábito entre os tuiteiros, em razão de detectar lideranças e tendências, engajar os membros

de uma comunidade ao redor de uma ideia, como também aferir o entendimento coletivo do

grupo sobre determinado conceito.

1.3.5 Thread

30 Disponível em:<https://www.facebook.com/search/top/?q=%23ficaadica&epa=SEARCH_BOX>. Acesso em

13 abr. 2020.

Hashtags

44

Em virtude do limite de 280 caracteres por postagem, o Twitter desenvolveu uma nova

forma de publicar mensagens na timeline, a qual permite tuitar em sequência, a partir do fio

que a materializa na tela. Tal função é denominada thread (fio). Vejamos a ilustração que segue:

Figura 12 – Thread

Fonte: conta da autora no Twitter. Acesso em: 20 set. 2021.

Fio que

materializa a

thread

45

Na figura 12, a função thread foi utilizada pela autora desta tese na primeira Conferência

Internacional de Linguística no Twitter, organizada pela ABRALIN, cuja regra do evento

consistia em montar a apresentação do trabalho (resumo) em uma sequência de, no máximo,

seis tuítes. Para tanto, produzimos o primeiro tuíte, em seguida, teclamos em um botão (+) para

adicionar os tuítes restantes. Assim, que todos os tuítes foram produzidos, acionamos o

comando “tuitar tudo”. É oportuno dizer que, na timeline, os tuítes aparecem separadamente,

mas podem ser visualizados em uma janela única, ao clicar o recurso “Mostrar esta sequência”.

Como vimos, essa ferramenta, a mais atual da plataforma, organiza a informação,

ligando-a por um traço vertical de tuíte a tuíte, e facilita a interação do público. Inclusive, os

seguidores podem retuitar apenas o primeiro tuíte da sequência e, ao clicar nele, os usuários

poderão ver todo conteúdo produzido. Convém comentar ainda que, de acordo com Paveau

(2021, p. 378), desde que essa função foi desenvolvida na plataforma, é possível encontrar

“anúncios de threads que se inscrevem em formas linguageiras fixas, como ‘segue o fio’ ou,

mais explicitamente, ‘[assunto x]: a thread’, ou icônicas, como inserir setas.”

Enfim, discorremos até aqui acerca da rede social digital Twitter e de suas

funcionalidades. A partir deste ponto, é relevante tecer, ainda que brevemente, algumas

considerações sobre o “tuíte”, o qual nos possibilitou, nesta pesquisa, a investigação do mal-

entendido.

1.4 Tuíte: aspectos prototípicos em focalização

Esta seção tem por objetivo discorrer acerca de aspectos “relativamente” comuns na

constituição dos tuítes. Para esse propósito, sem a pretensão de discutir a natureza genérica do

tuíte, revisitaremos Bakhtin (2011 [1953]) e suas ideias e tomaremos por base três critérios

teóricos – aspecto composicional, estilo e tema – tão somente por reconhecer que esse

procedimento, seja por alinhamento teórico seja por viabilidade metodológica, apresenta-se, a

nosso ver, como o mais adequado.

Nesse direcionamento, destacamos, no que concerne ao aspecto composicional dos

tuítes, os seguintes traços em sua configuração:

i. Foto do perfil.

ii. Nome de exibição.

46

iii. Nome do usuário precedido pelo sinal @ (username).

iv. Data e/ou horário da publicação do tuíte em relação ao momento presente (1h – leia-se

1 hora atrás).

v. Texto inscrito em espaço específico: o texto em geral é curto, pois não ultrapassa o

limite máximo de duzentos e oitenta caracteres, com a possibilidade de inserção de

elementos multimidiáticos (imagens, fotos, vídeos, GIFs), de links ou indicação de

posturas com os conhecidos emoticons, ao lado de uma espécie de netiqueta, que traz

descontração e informalidade, tendo em vista a volatilidade do meio e a rapidez da

interação. Cabe mencionar também que não é possível editá-lo após a publicação.

Ainda, a nosso ver, pode ser caracterizado como turno (tópico abordado na seção 4.3.1

deste trabalho), quando olhado nas relações que se estabelecem no contexto da interação

em andamento.

vi. Comandos principais: indicados por ícones abaixo do texto. São eles: (i) responder; (ii)

retuitar; (iii) curtir; (iv) enviar DM (direct message), isto é, mensagem privada (no caso,

só quem envia e recebe tem acesso a essas mensagens), salvar o tuíte e/ou copiar link

para o tuíte (isto é, para compartilhar a publicação por SMS ou e-mail); e, por último,

(iv) exibir estatística, por meio das Impressões (número de vezes que as pessoas viram

o tuíte) e Engajamento (número de vezes que as pessoas interagiram com o tuíte).

vii. Ícone representado por três pontinhos, com as seguintes operações: excluir o tuíte, fixá-

lo no perfil do usuário, adicionar ou removê-lo da lista, selecionar quem pode respondê-

lo, incorporar o tuíte, por exemplo, em um site, blog ou declaração de imprensa.

Vejamos a figura que segue:

Figura 13 – Tuíte (aspecto composicional)

Fonte: conta da autora no Twitter. Acesso em: 18 jun. 2021.

É possível verificar que o tuíte apresenta um padrão formal, facilmente reconhecível

pelos usuários da rede. Contudo, é pertinente esclarecer que uma das especificidades do tuíte e

do próprio Twitter é a volatilidade, tanto que, em 2020, a plataforma liberou mais um recurso

Nome de exibição

e de usuário

Texto

Data

Cinco comandos

Foto do

perfil

Ícone:

operações

47

(ainda em fase de teste no Brasil, disponível apenas para aparelhos celulares do tipo iPhone),

que permite adicionar mensagens de áudio, de até 140 segundos, aos tuítes. O tuíte de voz ainda

pode vir acompanhado de texto. O processo é bem simples de ser realizado e muito parecido

com a ferramenta disponibilizada no WhatsApp. Entretanto, parece-nos que tal funcionalidade,

até o momento, não ganhou muitos adeptos, pois, diferentemente do WhatsApp, em que o foco

da interação social está nos contatos (família, amigos, colegas de profissão, entre outros) e, de

modo geral, em mensagens de cunho pessoal; no Twitter, o foco está no conteúdo do que é

postado e na visibilidade alcançada por ele, visto que a pergunta mote da página inicial é: “O

que está acontecendo?”, culminando numa oferta de informações acerca de temas específicos.

A título de curiosidade, cabe mencionar ainda que o Twitter está realizando, em 2021,

outros testes relacionados a um novo recurso, denominado Spaces, que permite aos usuários

criar salas de bate-papo, em áudio, ao vivo. As conversas podem ser abertas ou controladas, de

acordo com o desejo do moderador. Segundo o site Tecmundo31, parece que o recurso é bem

limitado, visto que permite apenas seis interações. No quesito segurança, o Twitter Spaces deve

oferecer ferramentas para o moderador realizar denúncias, bloquear ou excluir usuários de uma

conversa, caso o comportamento seja inadequado na plataforma. Outro detalhe importante é

que as mensagens só podem ser observadas enquanto a sala estiver aberta; uma vez que o

moderador encerrar a sala, todo o conteúdo publicado ficará indisponível. Ademais, as

conversas no Twitter Spaces vão contar com algumas opções de emoticons. Diante dessas

inovações, a pergunta que se faz presente é a seguinte: Será que os usuários vão se apropriar

definitivamente dessas novas funcionalidades? Não sabemos. Apenas, pressupomos que o

fascínio dos tuiteiros ainda recaia sobre o famoso texto limitado a 280 caracteres.

Quanto ao aspecto estilístico, podemos identificar certos traços que são incorporados às

produções enunciativas no Twitter, estabelecidos pela relação entre seguidores e seguidos e

pela conversação mantida entre esses usuários. São elas: (i) hashtag: uma espécie de indexador

para determinada palavra ou expressão (por exemplo, #Butanvac, nome dado ao primeiro

imunizante contra a Covid-1932, fabricado integralmente no Brasil), tal como mencionado na

seção 1.3.4 deste capítulo; (ii) menção: constitui-se em um marcador de estilo (@mentions, em

português, @nomedousuário) comum nos tuítes, com o intuito de direcionar mensagens

31 Disponível em: <https://www.tecmundo.com.br/internet/211366-twitter-spaces.htm>. Acesso em: 30 set. 2021. 32 Covid = doença infecciosa causada pelo vírus SARS-CoV-2 (“novo coronavírus”). Disponível em:

<https://www.who.int/news-room/q-a-detail/coronavirus-disease-covid-19-how-is-it-transmitted>. Acesso em 20

set. 2021.

48

públicas a um usuário específico (por exemplo, @jairbolsonaro), possibilitando até uma breve

interação verbal entre os participantes.

A seguir, vejamos a presença desses elementos em dois tuítes:

Figura 14 – Tuíte I (aspecto estilístico)

Fonte: Twitter.33

Ainda, com relação ao estilo, há a questão da (in)formalidade dos enunciados que, a

nosso ver, está condicionada à esfera de comunicação em que o usuário se insere; o tipo de

relação existente entre ele e o(s) seu(s) interlocutor(es); e à forma como o usuário percebe o

destinatário da mensagem.

Bakhtin (2009 [1929], p. 118) já afirmava que “a situação e os participantes mais

imediatos determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciação”. Portanto, enunciados

pertencentes à perfis da esfera do cotidiano tendem a apresentar um grau de informalidade

superior àqueles pertencentes a outros campos de atuação humana.

Observemos, a seguir, a interação entre um usuário que atua no campo político e seu

seguidor, participante da esfera cotidiana:

33 Disponível em: <https://twitter.com/username>. Acesso em 28 mar. 2021.

O usuário fez uso de três

menções neste tuíte

Uso da hashtag

49

Figura 15 – Tuíte II (aspecto estilístico)

Fonte: Twitter.34

Notamos que, no primeiro tuíte, o usuário da rede utiliza uma linguagem formal,

característica do uso da língua na modalidade escrita, realizada por um sujeito inserido no

campo de atuação política, no entanto, ele não deixa de utilizar em sua publicação, frases em

caixa alta, isto é, em maiúsculas, como “O BRASIL NÃO PODE PARAR!” e “VAI TER

ENEM!”, com a intenção de simbolizar uma entonação expressiva, isto é, indicar um grito do

enunciador ou que ele está falando alto (característica prototípica do texto falado).

Já em relação ao segundo e terceiro tuítes, verificamos que o interlocutor expressa seu

contentamento em razão da realização do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) no ano

de 2020 e, em seguida, do fato de seu tuíte ter sido curtido pelo ministro. Para tanto, verificamos

a repetição de letras (infartarrrrrrrr) como forma de simular uma entonação oral e a utilização

de emoticons para substituir a palavra (“coração”), como também para suprir elementos

paralinguísticos, por exemplo, gestos e expressões faciais.

A seguir, mais um exemplo de uso da linguagem em tuíte produzido por um participante

que atua no campo jornalístico:

34 Disponível em: <https://twitter.com/username>. Acesso em: 18 abr. 2020.

50

Figura 16 – Tuíte III (aspecto estilístico)

Fonte: Twitter.35

Podemos observar, nesse tuíte, a menção que o jornalista faz ao cientista Miguel

Nicolelis e ao canal de notícias Globo News, por meio do recurso @mentions. Notamos um

processo de escrita formal, uma vez que o usuário está inserido numa esfera de comunicação

que exige essa modalidade (por exemplo, quando comenta a pauta de sua entrevista: cenário da

Covid-19 no Brasil e nos EUA), entretanto ele se utiliza dos emoticons (figuras de cabeça para

baixo), com a intenção de promover certa descontração, ao dizer que ambos abordaram ainda

aspectos mais leves do que a pandemia, isto é, relacionados ao futebol (“E, ainda, em um

momento de descontração, falamos do título Mundial do Palmeiras em 1951”). Tal prática, a

nosso ver, permite uma aproximação maior do jornalista com seus seguidores.

No que diz respeito ao aspecto temático, observamos que uma variedade de temas se

confirmam em nossa página inicial (timeline). Ademais, a limitação de 280 caracteres

permitidos por tuíte chama a nossa atenção pela diversidade de formas que as publicações

assumem na rede, especialmente, em razão do perfil de quem as produz. Nesse sentido,

constatamos que o tuíte pode se configurar em mais de uma tipologia textual, condicionando-

se à ordem do narrar, argumentar, expor, descrever ou injungir. E a partir do propósito

comunicativo do usuário, alguns padrões discursivos (contos, piadas, receitas, anúncios,

notícias “linkadas”, entre outros), ainda, são mobilizados e incorporados na composição dos

tuítes. É oportuno dizer que esses “arranjos textuais” são acolhidos e validados no interior da

rede, adotados normalmente como fórmulas e reutilizados pelos demais usuários na produção

de seus tuítes.

Vejamos, a seguir, a Figura 17 que ilustra um tuíte produzido por um sujeito-usuário

inserido na esfera política:

35 Disponível em: <https://twitter.com/search?q=username&src=typed_query>. Acesso em 18 abr. 2020.

51

Figura 17 – Tuíte (aspecto temático)

Fonte: Twitter.36

Na figura 17, observamos que o usuário procura disseminar, ainda que brevemente, a

informação de que a maioria do povo brasileiro é contrária à demissão de Luiz Henrique

Mandetta (Ministro da Saúde, na época da publicação do tuíte) e, a seguir, questiona se os

interlocutores concordam com o resultado da pesquisa. Ainda, insere o link, que permite o

acesso ao site da revista Exame (online), caso o interlocutor queira se aprofundar no assunto.

A nosso ver, apesar desse tuíte ser composto por um “enunciado acrescido de um link

jornalístico”, para os atores sociais, no plano cognitivo, isso continua sendo um tuíte e não uma

notícia.

Diante do exposto, notamos que a rede apresenta um ambiente consideravelmente

heterogêneo em relação ao conteúdo temático. Desse modo, pressupomos que o tuíte se

constitua não pelo propósito específico dos mais variados tipos/gêneros textuais, e sim pelo

propósito geral da enunciação que é o ato de “tuitar”. É oportuno dizer que a confirmação ou

não dessa suposição é especialmente singular, uma vez que suscita diversos questionamentos e

perspectivas de estudo, dependendo, portanto, de um vasto exercício de pesquisa e análise que

proporcione uma visão panorâmica do comportamento dos tuítes na rede.

36 Disponível em: <https://twitter.com/username>. Acesso em 16 abr. 2020.

52

Nessa direção, gostaríamos de deixar sinalizado que a rede social Twitter funciona, para

nós, como suporte37do tuíte, já que o torna acessível para fins comunicativos. E, tomando por

base os aspectos levantados acerca do tuíte, verificamos que, embora o conteúdo temático

varie bastante, a construção composicional e o estilo baseiam-se numa certa regularidade de

práticas e, por isso, somos levados a caracterizá-lo como “gênero emergente” no contexto das

tecnologias digitais. Mais uma vez, enfatizamos que não nos aprofundaremos nessa questão,

porque o tema é amplo e foge ao escopo deste trabalho. Apenas, consideramos pertinente

esclarecer nossa posição a respeito do assunto.

Até então, foi propósito deste capítulo descrever o Twitter, ambiente virtual que

possibilita a conversação entre seus usuários, bem como tratar dos principais aspectos que

configuram os tuítes na rede. De agora em diante, buscaremos evidenciar o corpus e a

metodologia empregada à sua constituição para, sequencialmente, analisar, com base no

referencial teórico e na observação empírica, o fenômeno do mal-entendido.

1.5 O corpus de pesquisa e sua constituição

Como vimos, o lócus da presente investigação é a internet, mais especificamente, o

Twitter. A escolha dessa rede social se justifica, no sentido de que o Twitter funciona para nós

como um espaço privilegiado para (re)pensar questões teóricas e práticas, principalmente, no

que tange às possibilidades comunicacionais que esse ambiente conversacional evidencia.

Inclusive, Santaella e Lemos (2010, p. 79) afirmam que a “conversação e a discussão de ideias

em tempo real” são os principais diferenciais no uso dessa plataforma.

É oportuno enfatizar que, antes de iniciarmos a explanação acerca dos procedimentos

de análise adotados nesta pesquisa, gostaríamos de esclarecer como se deu a nossa entrada no

ambiente pesquisado. A nossa inscrição no Twitter ocorre em abril de 2018, quando criamos o

perfil de usuária na rede. No entanto, a nossa imersão, imprescindível para a execução da

pesquisa, acontece a partir do ingresso no Programa de Pós-Graduação em Letras da

Universidade Presbiteriana Mackenzie (nível Doutorado) e se estende até a conclusão deste

trabalho, isto é, entre agosto de 2018 e outubro de 2021 respectivamente. No decorrer desse

período, participamos da plataforma in loco, no intuito de conhecer o espaço virtual no qual se

37 Marcuschi (2008, p. 174-5) define suporte como: “[...] um lócus físico ou virtual com formato específico que

serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto.”

53

situa esta pesquisa e entender as principais funcionalidades da rede. Ainda, mediante

observação participativa, buscamos uma melhor compreensão das práticas comunicativas

realizadas, pelos usuários, por meio dos tuítes.38 Essa etapa foi importante para a adequação

dos métodos de pesquisa aos objetivos propostos neste trabalho e, consequentemente, no

processo de coleta dos dados.

Quanto ao período de coleta dos textos que compõem o corpus desta pesquisa, optamos

por trabalhar com amostras selecionadas num intervalo de tempo de, aproximadamente, dois

anos. Importa mencionar que os dados foram coletados manualmente, dada a nossa prévia

familiaridade com o Twitter, bem como a simplicidade de funcionamento e manuseio dessa

plataforma. Alcançamos, assim, um acervo de 40 segmentos conversacionais produzidos e

veiculados na rede, compilando um corpus que nos parece bastante representativo, uma vez que

cobre um total de 258 tuítes. Acrescentamos que, ao longo dos Capítulos 3 e 4, foi realizada

ainda a análise de 17 excertos, pertencentes também ao nosso corpus de pesquisa. Tal

procedimento foi possível uma vez que está baseado nos objetivos e metodologia deste trabalho.

A nosso ver, um aspecto importante na abordagem de um corpus de pesquisa é produzir

recortes decisivos para análise. Nessa direção, três critérios foram utilizados para o primeiro

recorte: (i) os tuítes terem sido escritos em português; (ii) os tuítes terem sido publicados por

usuários, cujos perfis fossem públicos;39 (iii) os tuítes não possuírem mídias ou recursos

semióticos (GIFs ou vídeos, por exemplo) que engendrassem movimento e som, o que nos

levou a trabalhar com amostras predominantemente escritas; (iv) os tuítes estarem inseridos em

sequências conversacionais.

A partir daí, fizemos o segundo recorte, mapeando 2 a 3 perfis de diferentes esferas

comunicativas, a saber, jornalística, política, religiosa, do cotidiano e artística, os quais

interagem espontaneamente com seus seguidores, tratando os mais variados temas.

Sequencialmente, ao debruçarmo-nos na exploração de nosso objeto de estudo nas interações

selecionadas, verificamos que, além de se configurar em um volume excessivo de dados,

normalmente, elas envolviam muitos participantes e, por isso, nem todos reagiam verbalmente

38 Concordamos com Paveau (2021, p. 36) quando argumenta: “De fato, parece necessário que o pesquisador tanto

seja um usuário de internet e da web, quanto tenha um conhecimento mínimo das interfaces técnicas e do

funcionamento da máquina.” 39 Os tuítes compartilhados na rede, no modo público, são de livre acesso a qualquer pessoa na internet, tendo o

usuário abdicado de controlar sua propagação a partir do momento que os difunde dessa maneira, podendo,

inclusive, ser utilizados para fins acadêmicos, como os desta pesquisa. Do ponto de vista ético, optamos por

ocultar, neste trabalho, informações como foto, nome de exibição e nome de usuário na rede, para fins de

preservação da identidade dos sujeitos-usuários.

54

às contribuições uns dos outros. Desse modo, não tínhamos a possibilidade de reconhecer se o

tuíte fora compreendido ou não. Ratificamos, assim, a opinião de Dannerer (2004), quando

argumenta que o linguista, ao analisar interações poliádicas40, terá provavelmente pouca chance

de detectar a ocorrência de mal-entendidos. Dentro dessa perspectiva, operamos um terceiro

recorte, concentrando-nos em detectar o mal-entendido apenas em interações diádicas41 e/ou

curtas, pois, segundo a autora (2004), quando a troca comunicativa ocorre entre um pequeno

número de participantes, o fenômeno é passível de ser identificado e, por conseguinte,

analisado. Feito mais esse recorte, chegamos efetivamente ao corpus de análise.

O armazenamento dos dados ocorreu da seguinte maneira: a partir de nossa timeline,

verificamos as sequências conversacionais que preenchiam os critérios de seleção assumidos

para este corpus e, ao acionarmos um comando disponível nos tuítes (ver Figura 18), tais

postagens eram salvas em um espaço (Itens salvos), disponível em nossa página inicial. Após

esse tratamento preliminar, as publicações salvas, foram copiadas, pelo emprego do recurso de

captura de tela (print screen), disponível no teclado do computador, e adicionadas ao OneDrive

– um serviço de armazenamento de arquivos na nuvem da Microsoft.42

Passemos, agora, à explanação de como o material coletado é apresentado neste

trabalho:

i. Para a ilustração de recursos, características e funcionalidade dos tuítes, optamos pela

recuperação da imagem (captura de tela) salva na nuvem, salvaguardando a identidade

do participante (isto é, foto do perfil, nome de exibição e nome de usuário).

ii. Para a análise de segmentos conversacionais, utilizamos, por uma “questão de

legibilidade”, o modelo de citação de tuítes proposto pela Modern Language

Association (MLA), que contém informações na seguinte ordem: Último nome,

primeiro nome (nome de usuário). “Tuíte por completo”. Data, horário. Tuíte. Convém

ressaltar que o nome dos participantes foi substituído pelo termo Usuário, seguido por

letras maiúsculas, em ordem alfabética (Usuário A, Usuário B etc.), a fim de

40 Crystal (2004) denomina a interação que envolve muitos participantes como “interação multipartidária”

(multiparty interaction). Herring (1999) a define como “multiparticipativa” (multiparticipant interaction).

Sugerimos, neste trabalho, o termo interação poliádica. 41 Diádica: “que é relativo a um grupo de duas pessoas (ex.: ajustamento diádico, interação diádica)”. Dicionário

Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2020. Disponível em: <https://dicionario.priberam.org/di%C3%A1dica>.

Acesso em 17 jun. 2020. 42 Informações adicionais estão disponíveis em: <https://www.techtudo.com.br/tudo-sobre/onedrive.html>.

Acesso em 16 set. 2021.

55

resguardar-lhes as identidades. Informamos que a ausência dos dados pessoais não

constitui obstáculo para o desenvolvimento de nossas análises.

Consideremos os exemplos, a seguir, em caráter de ilustração:

Figura 18 – Tuíte (captura de tela/print screen)

Fonte: Twitter.43

A citação dos três tuítes ilustrados na Figura 18 corresponde ao seguinte padrão proposto

pela MLA:

Excerto 1

Usuário A: “Parabéns, Débora, ficou bem esclarecedora a sua sequência de tuítes :)”. 05/12/2020,

7h06. Tuíte.

Usuário B: “Obrigada! <3

Feliz em fazer parte deste evento e saber que vc está participando também!!!”.

05/12/2020, 7h09. Tuíte.

Usuário C: “Tamo junto! <3”. 05/12/2020, 7h14. Tuíte.

Fonte: Twitter: @deboracla.

Neste ponto, é oportuno esclarecer que nossas análises estão naturalmente limitadas a

uma pequena amostra de um fenômeno muito mais amplo. Não há, portanto, nenhuma pretensão

por resultados definitivos. Inclusive, esse caráter provisório de pesquisas voltados às ciências

humanas foi, ao contrário do que se possa imaginar, nossa maior motivação durante a

43 Disponível em: <https://twitter.com/deboracla1969/status/1335162716219125761>. Acesso em: 22 abr. 2021.

Comando

para salvar

o tuíte

56

elaboração desta tese. Quando nos propusemos a discutir a ocorrência do mal-entendido em

tuítes, tivemos, simultaneamente, que assumir a responsabilidade e o risco inerente de

trabalharmos com elementos essencialmente mutáveis, complexos e dinâmicos, sobre os quais

estaremos sempre fadados a rascunhar sem jamais chegarmos perto de apreendê-los ou finalizá-

los. Inclusive, em decorrência do efervescente processo de atualização da plataforma, dados

novos foram surgindo e nos levaram a substituir os antigos a todo momento.

Feitas essas considerações e, enfim, com o corpus de pesquisa selecionado, empregamos

para a organização da análise – fundamentada na confluência das perspectivas teóricas da

Análise da Conversação e da Linguística Interacional – uma subdivisão em torno de três

categorias centrais: (i) o mecanismo de organização das sequências discursivas em que ocorre

o mal-entendido; (ii) causas que desencadeiam o fenômeno no desdobramento interacional; (iii)

procedimentos linguístico-discursivos, explicitamente interacionais, por meio dos quais os

interlocutores procuram esclarecer o problema, na tentativa de alcançar a intercompreensão.

Sublinhamos ainda que não é nosso propósito apresentar, de maneira pormenorizada o

corpus, mas, grosso modo, trazer, no quinto capítulo desta tese, as percepções extraídas em

nossas análises, por meio de alguns exemplos ilustrativos, visto que nosso objetivo não é operar

com uma análise quantitativa dos dados, e sim qualitativa. De acordo com Neves (1996, p. 2),

tal método traz como “contribuição ao trabalho de pesquisa uma mistura de procedimentos de

cunho racional e intuitivo capazes de contribuir para a melhor compreensão dos fenômenos.”

Por fim, reconhecemos que não é possível travar um percurso analítico apartado de uma

discussão teórica. Cabe-nos, então, apresentar os pressupostos teóricos que embasarão esta

pesquisa e, por conseguinte, sustentarão nossas análises. Entretanto, não é nossa pretensão,

tampouco seria dentro dos limites deste trabalho, explorar minuciosamente a teoria.

Pretendemos, na verdade, discutir aspectos essenciais que fundamentarão nossas reflexões no

decorrer desta tese. Será esse o foco dos capítulos subsequentes.

57

CAPÍTULO 2

CONVERSAÇÃO FACE A FACE : DEFININDO CONCEITOS

E FUNÇÕES

“Queira eu ou não, estou preso num circuito de

troca.”

(ROLAND BARTHES)

Neste capítulo, trataremos brevemente da concepção de linguagem, que norteia este

trabalho e, posteriormente, indicaremos o referencial teórico que fundamenta esta pesquisa,

destacando os estudos advindos da Análise da Conversação e da Linguística Interacional, para

investigar o mal-entendido, tema central desta tese.

2.1 Contributos para o estudo da conversação

Nesta seção, apresentaremos a concepção de linguagem que permeia o nosso trabalho

de pesquisa. Para tanto, adotaremos uma postura diante da língua proposta pelas colaborações

teóricas advindas do círculo bakhtiniano44, visto que têm se mostrado ricas no desenvolvimento

de várias noções e ainda encontra eco em diversos segmentos de estudos, como a Análise da

Conversação e Linguística Interacional.

Assim, com a possibilidade de olhar a teoria bakhtiniana e nela encontrar respostas

possíveis para o procurado, buscamos, nesta breve reflexão, trazer as principais características

sobre a concepção de linguagem proposta por Bakhtin, a partir de um eixo básico: o dialogismo.

Em primeiro lugar, a compreensão do princípio dialógico da linguagem exclui qualquer

possibilidade de abordagem individualista, pois se instaura na língua como um processo

interacional, realizado na enunciação. Para Bakhtin (2009 [1929]), o fenômeno linguístico

fundamenta-se num caráter dialógico, pois é determinado tanto pelo fato de que parte de alguém

Tradução da autora para o excerto original: “Que je le veuille ou non, je suis pris dans un circuit d'échange”

(BARTHES apud KERBRAT_ORECCHIONI, 1986, p. 7). 44 O Círculo de Bakhtin é formado por um grupo de estudiosos, cujos principais integrantes são Mikhail Bakhtin,

o líder, V. N. Volochinov e P. N. Medvedev, que tinham interesses filosóficos comuns e se reuniam para debater

suas ideias, principalmente entre 1920 e 1930, na Rússia, período de grande produção intelectual do grupo

(CLARK & HOLQUIST, 1998 [1984]).

58

(eu) em direção a outro alguém (tu). A enunciação constitui justamente o produto da interação

entre falante e ouvinte e serve de expressão de um em relação ao outro e, em última análise, em

relação à coletividade.

Disso decorre que a verdadeira essência da língua para Bakhtin não é constituída por

um sistema abstrato e estável de formas linguísticas, nem pela enunciação monológica fechada

totalmente desvinculada de um contexto, nem pelo ato de criação individual, mas pela

interação verbal, um fenômeno social que se realiza por meio da enunciação ou das

enunciações e só pode ser explicado em relação à situação concreta de produção.

Ainda, para o teórico (2011), os enunciados são definidos pela alternância dos sujeitos,

ou seja, o falante termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro. Tal alternância é

evidente na forma mais simples e clássica da comunicação discursiva, o diálogo real, em que

se alternam as enunciações dos interlocutores. Outra peculiaridade diz respeito a uma ativa

compreensão responsiva, cuja forma se estabelece por meio de uma resposta/réplica ao

enunciado do outro.

Nessa direção, Bakhtin nos permite entender que a linguagem é constituída na e pela

interação entre os parceiros comunicativos e necessariamente é essa interação que determina a

compreensão do texto45. Em outros termos, a construção de sentidos sempre se dá de forma

dialógica, de modo que qualquer enunciado é intrinsecamente uma resposta a enunciados

anteriores e, uma vez concretizado, abre-se à resposta de enunciados futuros, num processo

contínuo de significação e ressignificação.

Contudo, no entendimento do Círculo, a linguagem não se instaura apenas em termos

de alteridade e de responsividade, mas também reflete as condições discursivas, ou seja, para

Bakhtin (2011), o emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos)

concretos e únicos, organizados pelos gêneros do discurso e proferidos pelos integrantes dos

diversos campos de atividade humana.

Em suma, gênero do discurso é compreendido, na perspectiva teórica bakhtiniana, como

“tipos relativamente estáveis de enunciados”, pois refletem as condições específicas e as

finalidades de cada esfera de atividade humana não só pelo conteúdo (temático) e estilo da

45 Dentro dessa perspectiva, Koch (2009, p. 33, grifo da autora) argumenta que o texto “passa a ser considerado o

próprio lugar da interação e os interlocutores, sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e são

construídos.”

59

linguagem, mas, acima de tudo, por sua construção composicional (BAKHTIN, 2011, p.262,

grifo do autor).

É importante assinalar, contudo, que a concepção de gênero de Bakhtin não é estática,

como poderia parecer à primeira vista. Pelo contrário, como qualquer outro produto

social, ele reconhece que os gêneros estão sujeitos a mudanças, decorrentes não só das

transformações sociais, como devidas ao surgimento de novos procedimentos de

organização e acabamento da arquitetura verbal, em função de novas práticas sociais

que os determinam (ver, por exemplo, os gêneros da mídia eletrônica) (KOCH, 2009,

p. 161).

Enfim, consideramos que os estudos bakhtinianos contribuem para esta pesquisa, no que

diz respeito à compreensão dos mecanismos de uso da língua nas práticas sociais, apreendidos

na observação e análise de material linguístico produzido em situações concretas de interação,

por exemplo, réplicas do diálogo cotidiano, marcado por intensa alternância de turnos,

semelhantemente, ao que se desenrola no Twitter. Importa mencionar ainda que, no caso desta

pesquisa, o trabalho de investigação opera com conversações autênticas, constituídas por tuítes,

com características – temáticas, composicionais e estilísticas – que lhe são próprias.

Tomando em consideração os fundamentos brevemente expostos, tornam-se claros, para

nós, os pontos de contato entre estes e as questões circunscritas na pesquisa em Análise da

Conversação, sob a perspectiva interacionista da língua46, as quais serão apresentadas na seção

a seguir, a fim de embasar este trabalho e, em especial, para compreender o objeto de estudo

desta investigação.

2.2 Da Etnometodologia aos princípios da Análise da Conversação (AC)

O presente estudo está inserido na perspectiva teórico-metodológica da Análise da

Conversa Etnometodológica (ACE), que advém de uma corrente dissidente da Sociologia da

Comunicação e da Antropologia cultural americana, a chamada Etnometodologia. O trabalho

precursor dessa abordagem é o de Harold Garfinkel, Studies in Ethnomethodology, publicado

em 1967. Nesta obra, o autor (1967, p. 1), respondendo à pergunta “O que é Etnometodologia?”

afirma que a recomendação central desse estudo é a de que “[...] as atividades pelas quais os

46 Cabe enfatizar que a abordagem interacionista confirma e reforça a ideia de que, na comunicação real, a

linguagem é constituída na e pela interação e no interior de uma sequência de enunciados que não são encadeados

ao acaso (KERBRAT-ORECCHIONI, 2005).

60

membros produzem e gerenciam situações de afazeres cotidianos organizados são idênticas aos

procedimentos empregados por eles para tornar essas situações ‘relatáveis’”47.

Nessa direção, Silva (2005, p. 37) assevera:

A Etnometodologia de Garfinkel tinha em vista a análise de realidade social a partir

do comportamento social e propunha estudar os procedimentos que os membros de

uma sociedade utilizam para interpretar as ações cotidianas que constituem a

realidade. Nas situações cotidianas, manifestam-se os comportamentos dos indivíduos

de uma comunidade. Na interação, os indivíduos dispõem de técnicas e mecanismos

de produção regulamentados por regras gerais e pertencentes a uma ordem comum.

Como vimos, a Etnometodologia, do ponto de vista de seu objeto de estudo, investiga

as atividades práticas realizadas pelas pessoas no dia a dia, as quais são concebidas como

processos, ou seja, diz respeito à forma estruturada, ordenada e metódica de como os indivíduos

de uma sociedade realizam seus afazeres (FÁVERO et al., 2010). Em outros termos, reconhece-

se a conversa como uma forma básica de organização social, entendida como uma atividade

prática e cotidiana, facilmente relatável e explicável em relação a outras formas.

Ainda, quanto aos objetivos da Etnometodologia, Hilgert (1989, p. 80) sintetiza que essa

ciência:

investiga as atividades práticas cotidianas dos indivíduos de uma sociedade. Essas

atividades são concebidas como processos, o que implica a sua realização estruturada,

ordenada e metódica. Do ponto de vista metodológico, a investigação é de caráter

empírico, isto é, da análise minuciosa dos fatos concretos se revelarão os

procedimentos adotados na construção da realidade social. A instituição social,

portanto, não é mais vista isolada dos seus autores (ou atores), como se fosse um

conjunto de normas impostas a eles e passível de ser descrita, simplesmente, à luz de

matriz de categorias preestabelecidas.

É, portanto, na tradição da Etnometodologia de Garfinkel que nasceram e se formaram

as orientações da corrente que recebe o nome de Análise da Conversa Etnometodológica – a

ACE48, em que a conversa torna-se objeto de investigação sistemática.

O sociólogo americano Harvey Sacks49 foi o primeiro a vislumbrar todas as

possibilidades analíticas das conversações (a partir da investigação de trechos das gravações de

47 Tradução da autora para o trecho original: “[...] the activities whereby members produce and manage settings of

organized everyday affairsare identical with members' procedures for making those settings ‘account-able.’” 48 De acordo com Silva (2005), em virtude da relação existente entre a Etnometodologia como método e a particular

aplicação que fazem Sacks e seus seguidores da análise da interação verbal humana, tornou-se habitual denominar

a ACE de Análise da Conversação. Doravante, referir-nos-emos à ACE por AC (Análise da Conversação). 49 Pomerantz e Fehr (2000 apud Silva, 2005) relatam que Sacks chegou a conhecer Garfinkel em 1959 durante um

ano sabático deste último em Harvard. O sociólogo americano encontrou pontos de convergência entre seus

estudos e os de Garfinkel e passou a manter contatos com ele. De certo modo, assim nasceram os estudos da AC

de linha etnometodológica.

61

pessoas que ligavam para o Centro de Prevenção ao Suicídio de Los Angeles) e descreveu,

juntamente com Garfinkel, os métodos que as pessoas comuns utilizavam para realizar ações

no mundo por meio da fala-em-interação. Convém mencionar que seu interesse era sociológico

e não linguístico, o que pode ser comprovado por meio das palavras do autor (SACKS, 1992,

p. 25-6):

Comecei a trabalhar com conversas documentadas em gravador. Tais materiais tinham

uma única virtude, a de que eu poderia reproduzi-las. Eu poderia transcrevê-las e

estudá-las extensivamente. Os materiais gravados constituíam um registro

“suficientemente bom” da situação comunicativa. Não foi por grande interesse em

Linguagem ou por alguma formulação teórica que comecei com conversas

documentadas em gravador, mas simplesmente porque eu poderia manipulá-las e

poderia estudá-las repetidas vezes, e também, consequentemente, porque outros

poderiam apreciar o que eu havia estudado e fazerem o que lhes permitisse sua

capacidade se, por exemplo, pretendessem discordar de mim.50

Sua morte prematura, em novembro de 1975, provocou a interrupção de seus estudos,

mas a transcrição de suas aulas proferidas entre 1964 e 1974 na Universidade da Califórnia

foram compiladas, no início dos anos 1990, na obra Lectures in Conversation, organizada em

dois volumes por Gail Jefferson, com texto introdutório de Emanuel Schegloff (GÜLICH e

MONDADA, 2008). Na verdade, foi principalmente pelo empenho de Jefferson e Schegloff

que as propostas de Harvey Sacks foram perpetuadas.

2.3 Reflexão sobre a pesquisa em Análise da Conversação

Em 1974, Sacks, Schegloff e Jefferson publicaram na revista Language um trabalho

denominado A simplest systematics for the organization of turn-taking for conversation, em

que propuseram uma descrição dos mecanismos de organização da conversação e das relações

intersubjetivas51 que nela se estabelecem, a partir da gestão de turnos, sua principal

característica.

50 Tradução da autora para o trecho original: “I started to work with tape-recorded conversations. Such materials

had a single virtue, that I could replay them. I could transcribe them somewhat and study them extendely – however

long it might take. The taped-recorded materials constitued a “good enough” record of what happened. It was not

from large interest in Language or from some theorical formulation of what should be studied that I started with

tape-recorded conversations, but simply because I could get my hands on it and I could study it again in again,

and also, consequentially, because others could look at what I had studied and make of itwhat they could if, for

example, they wanted to be able to disagree me.” 51 Sem prejuízo da ideia de que o eu se constitui no outro, intersubjetividade tem a ver aqui com o fato de os

participantes estarem ambos em um mesmo plano de entendimento quanto ao que estão fazendo em conjunto no

aqui e agora interacional. Caso certas ações não prescindam de referentes comuns, os participantes têm, então, a

62

Com base na pesquisa realizada com o uso de gravações em áudio de conversações de

ocorrência natural, os estudiosos (1974) observaram que a conversação não era um sistema

caótico, desordenado, mas sim organizado sequencialmente, de natureza regulada e passível de

descrição e análise. Disso decorre um estudo fundamental sobre o sistema de tomada e

distribuição de turnos como um recurso metodológico central para a investigação, isto é, um

recurso fornecido pelo caráter absolutamente interacional da conversação, visto que “descreve

a ordenação de regras observadas na organização da fala-em-interação sob o ponto de vista da

alocação das oportunidades de falar” (FREITAS; MACHADO, 2008, p. 59).

Tal estudo preconiza que o participante da fala-em-interação, ao produzir a sua

elocução, precisa fazê-lo de tal modo que revele o seu entendimento do que foi dito em turno

anterior e sempre tem a chance de suspender o andamento da conversação para proceder a

ajustes quanto ao entendimento do outro, procedendo à iniciação de reparo sobre alguma fonte

de problema na sua própria fala ou na fala de seu interlocutor (GARCEZ, 2008). Desse modo,

o analista da conversação busca evidências de como os participantes se orientam em relação às

produções uns dos outros, inclusive no que possa estar ausente quando seria esperado. Dito de

outro modo, “[...] nesse processo são os próprios interlocutores que fornecem ao analista as

evidências das atividades por ele desenvolvidas” (MARCUSCHI, 1991, p. 8).

Nessa perspectiva, um aspecto determinante da postura analítica em AC é não

sustentar afirmações calcadas em ilações relativas ao que os participantes têm em mente e que

não são expostas aos interlocutores. É sempre necessário articular as análises a partir do que

eles efetivamente dizem e fazem por meio de suas elocuções e outros sinais observáveis e

demonstráveis na sua conduta, que se submeta a alguma forma de descrição ou transcrição. De

modo análogo, não se faz recurso ao fato de que o participante seja isso ou aquilo em termos

de pertencimento a certas categorias identitárias, a menos que se possa demonstrar que os

participantes estão sustentando essa identidade conjuntamente, no aqui e agora interacional

(GARCEZ, 2008).

Outro aspecto a ser destacado, sob a perspectiva da AC, é a análise de interações

naturalísticas. Assim, exemplos inventados e convenientes, técnicas experimentalistas e/ou

metáforas de ação teatral para explicar comportamentos humanos, são rejeitados. Inclusive, a

palavra “naturalística” indica que os dados não são experimentais ou gerados a partir de um

roteiro prévio, mas que foram coletados em situações de ocorrência natural e da maneira como

possibilidade de criar ocasiões e recurso para o entendimento, por exemplo, por meio do acionamento da

organização de reparo (SCHEGLOFF, 1992).

63

elas aconteceriam, sem a intervenção dos pesquisadores. Nesse sentido, Loder (2008, p. 127)

pontua que “a busca é, na verdade, por encontros que ocorrem naturalmente, sem serem

motivados pelo pesquisador, e o ideal é tornar a tarefa de observação minimamente invasiva”.

Atkinson e Heritage (1984) reforçam essa concepção, ao esclarecer que, no trabalho

com dados naturalísticos, há a preocupação, por parte do analista, com a não manipulação,

seleção ou reconstrução dos dados baseados em noções pré-concebidas daquilo que é provável

ou importante. Nas palavras dos autores (1984, p. 1):

O objetivo central da conversa é a descrição e a explicação das competências que os

falantes comuns utilizam e de que se valem para participar de uma interação inteligível

e socialmente organizada. Basicamente, o objetivo é descrever os procedimentos

pelos quais os participantes produzem seu próprio comportamento e entendimento, e

lidam com o comportamento dos outros. Uma concepção básica é a de Garfinkel

(1967: 1), de que essas atividades - produzir comportamento, entendimento e lidar

com isso - são realizadas como produtos de um conjunto de procedimentos comuns.52

Como vimos, a AC procede com base em material empírico, reproduzindo conversações

reais e, portanto, considera detalhes não somente verbais, mas prosódicos, paralinguísticos,

entre outros. É por essa razão que as interações situadas, de ocorrência natural, a serem

analisadas necessariamente são gravadas em áudio e/ou em vídeo, para que as pesquisas não se

centrem apenas no que foi dito, mas primordialmente detenham-se no como as coisas foram

ditas.

A transcrição dos dados obedece, assim, a uma série de convenções que sinalizam os

diferentes aspectos que permeiam uma conversação (ou trecho de conversa) em determinada

hora e local. Dentre alguns aspectos frequentemente marcados nas transcrições estão: pausas;

falas simultâneas; sobreposição de vozes; dúvidas e suposições; truncamentos; entonação

contínua, ascendente ou descendente; palavras proferidas de forma incompleta; silabação;

repetições; entre outras que se mostrarem relevantes.

No sentido de atender aos interesses analíticos da AC, surgiu, então, o chamado sistema

Jefferson de transcrição53, inicialmente desenvolvido pela analista da conversa Gail Jefferson

na ordenação dos primeiros materiais de análise de Sacks e Schegloff e atualmente empregado

por analistas da conversação em todo o mundo. Tal modelo foi ganhando corpo à medida que

52 Tradução da autora para o trecho original: “The central goal of conversation analytic research is the description

and explication of the competences that ordinary speakers use and rely oin in participating in intelligible, socially

organized interactions. At its most basic, this objective is one of describing the procedures by which

conversationalists produce their own behavior and understand and deal with the behavior of others. A basic

assumption throughout s Garfinkel´s (1967:1) proposal that these activities – producing conduct and understanding

and dealing with it – are accomplished as the accountable products of common sets of procedures.” 53 A esse respeito, ver Sacks, Schegloff e Jefferson (1974, p. 731-734), Jefferson (1983) e Jefferson (1996).

64

a própria AC foi se estruturando. Por essa razão, encontram-se pesquisas na área que

apresentam algumas variações atendendo a propósitos teóricos específicos.

Ademais, há um sistema de transcrição, desenvolvido por estudiosos alemães e

utilizado para pesquisas nos campos da Análise da Conversação e Linguística Interacional,

denominado GAT – Gesprächsanalytisches Transkriptionssystem (sistema de transcrição para

análise da conversação) – o qual utiliza princípios do sistema Jefferson de transcrição, contudo

propõe algumas convenções mais compatíveis para análises linguísticas e fonéticas da língua

falada, principalmente para a representação da prosódia na fala-em-interação.

É oportuno dizer que a primeira versão do GAT (SELTING et al., 1998) foi

desenvolvida em 1988. Alguns anos depois, devido ao avanço de pesquisas no campo da

prosódia e multimodalidade, à propagação da Linguística Interacional e ao surgimento de novas

possibilidades computacionais de gravação e armazenamento de dados, tornou-se aconselhável

a adaptação desse sistema de transcrição. Assim, em 2009, surge uma versão revisada (GAT

2), que introduziu pequenas modificações em falhas que se tornaram evidentes no uso diário do

GAT original.

Cabe salientar que o GAT 2 é acessível para pesquisadores principiantes em transcrição

e compreendido facilmente pela comunidade dos falantes de português. Ademais, o tutorial em

alemão do GAT 2 está disponível online, bem como o software FOLKER para editar

transcrições em alemão, inglês e francês.54

Nessa linha de condução, importa mencionar ainda que um sistema de transcrição

largamente adotado nos estudos sobre o texto falado no Brasil foi desenvolvido pelo Projeto da

Norma Linguística Urbana Culta (NURC), programa de pesquisa que ocorreu por volta dos

anos 1970 em cinco capitais brasileiras – Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e

Recife – e que resultou em vários estudos sobre a conversação. Contudo, tendo por foco de

interesse nesta pesquisa a conversação em contexto digital, faz-se necessário apontar aqui que

a transcrição das interações não será realizada de acordo com essas convenções, visto que elas

ocorrem em ambiente virtual, as quais empregam registros e especificidades próprias da

conversação na rede, assunto que será abordado no Capítulo 4 desta pesquisa.

54 As convenções do GAT 2 encontram-se disponíveis no artigo: Um sistema para transcrever a fala-em-

interação: GAT 2, o qual apresenta a tradução portuguesa da versão revisada do GAT. Disponível em:<

https://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2016/12/GAT_Completa_Final_11_2016-2.pdf>. Acesso em 19 fev.

2021.

65

Diante dessa breve apresentação acerca das principais características da pesquisa em

AC, passaremos, a seguir, a destacar as principais características da organização estrutural das

conversações face a face.

2.4 Constituição da organização estrutural da Conversação Face a Face

Tomando como base a análise quantitativa de um grande corpus, constituído por

conversações espontâneas, Sacks, Schegloff e Jefferson, em trabalhos publicados entre as

décadas de 1970 a 1990, observaram a conduta ordenada da conversa e descreveram fenômenos

multifacetados e recorrentes na organização da fala-em-interação. Dentre eles, destacam-se: a

sistemática de tomada de turnos, a sequencialidade, os pares adjacentes e a organização do

reparo.

2.4.1 A organização da tomada de turnos

O princípio de alternância é seguramente uma característica evidente da conversação,

isto é, uma operação de revezamento em que os participantes se alternam nos papéis de falante

e ouvinte. Isso ocorre por meio dos turnos, cuja estrutura pode corresponder a sentenças,

orações, palavras isoladas, locuções frasais ou mesmo recursos prosódicos (SCHEGLOFF,

1992). De acordo com Marcuschi (1991, p. 19), a tomada de turno pode ser vista, então, “como

um mecanismo-chave para a organização estrutural da conversação”.

Observemos essa sistemática da tomada de turnos no segmento interacional a seguir:

Excerto 2

L1 tem saído ultimamente ... de carro?

L2 ((risos)) tenho mas você diz sair ... fora ... sair

normalmente para a escola essas coisas?

L1 pegar a cidade ( )

L2 tenho se bem que eu acho que eu conheço pouco a cidade né?... por exemplo se eu for

comparar com...

Fonte: Projeto Nurc/SP, Inquérito 343, linhas 2-5.55

55 Tipo de inquérito: Diálogo entre dois informantes: L1=homem (26 anos); L2=mulher (25 anos). Tema: A cidade,

o comércio. Disponível em:< https://drive.google.com/file/d/12f9TzpEdNHdvr-K6mG1-AdedyUBL0NcD/view>.

Acesso em: 02 mai. 2020.

66

Como vimos, o fragmento evidencia o sistema de troca de turnos, que assegura a vez de

falar de cada participante, ou seja, quando [L1] termina seu turno, passa a palavra a [L2], que a

assume, exibindo o entendimento que teve em relação ao turno anteriormente produzido. Desse

modo, a tomada de turnos aloca, como ponto de partida, um turno por falante e toda transição

ocorre de forma coordenada.

De modo sucinto, dentre as principais características observadas por Sacks, Schegloff e

Jefferson (2003 [1974]) no sistema de tomada de turnos na conversa destacam-se:

i. A troca de falante se repete ou, pelo menos, ocorre. Ou seja, uma interação se

constitui pela alternância na vez de falar entre os participantes.

ii. Na maioria dos casos, fala um de cada vez, pois o sistema aloca um turno único

para cada falante. De acordo com Marcuschi (1991), as violações a essa regra são

frequentes e bem toleradas.

iii. Ocorrências de mais de um falante por vez (ocorrência de fala simultânea) são

frequentes, mas breves.

iv. A vasta maioria das transições (de um turno para o próximo) sem intervalos são

comuns.

v. A ordem dos turnos não é fixa, mas variável, ou melhor, na conversa cotidiana,

a ordem dos falantes é administrada localmente, na medida em que a conversa avança.

vi. A extensão dos turnos não é fixa, mas variável, restringindo-se a uma palavra ou

prolongando-se até uma cadeia de sentenças complexas.

vii. A extensão da conversa não é pré-determinada no sistema de tomada de turnos.

Tal aspecto é negociado pelos interlocutores no desenrolar da interação.

viii. O conteúdo dos turnos não é previamente especificado. O sistema opera qualquer

conversa independentemente do assunto.

ix. A distribuição dos turnos não é previamente especificada.

x. O número de participantes é variável, uma vez que existem mecanismos para a

entrada de novos participantes e saída dos participantes atuais.

xi. A fala pode ser contínua, com um mínimo de intervalo e de sobreposição, ou

descontínua, quando ocorre a ausência de fala, isto é, um lapso (silêncio).

xii. Os participantes lançam mão de técnicas de alocação de turnos. Isso significa

que um falante corrente pode selecionar um falante seguinte (como quando ele dirige

uma pergunta à outra parte) ou as partes podem se autosselecionar para começar a falar.

67

xiii. Diversas unidades são empregadas na construção dos turnos: palavra, sintagma,

sentença etc.

xiii. Mecanismos de reparo existem para lidar com erros e violações no sistema de

tomada de turnos.

Referindo-se ao trabalho dos analistas da conversação (1974), é oportuno dizer que as

observações foram baseadas em análises de diálogos corriqueiros e que não são, em absoluto,

regras de caráter prescritivo, mas justamente buscava-se descrever os mecanismos utilizados

pelos interlocutores na organização de suas interações. Marcuschi (1991, p. 18, grifo do autor)

afirma ainda que “este conjunto de propriedades transforma a tomada de turno numa operação

básica da conversação, e o turno passa a ser um dos componentes centrais do modelo”, deixando

claro que a fala-em-interação é socialmente organizada, constituída por ações administradas

interacionalmente pelos diferentes participantes da conversa.

2.4.2 A organização das sequências

Outra noção que está na base dos pressupostos desenvolvidos em AC diz respeito à

sequencialidade, cujo conceito está relacionado às ações constituídas pelo uso da linguagem

em interação social, organizadas em sequências de elocuções produzidas por diferentes

participantes (LODER et al., 2008), ou seja, quando uma pessoa fala, ela não o faz de modo

desordenado, mas sempre levando em conta o que o outro disse anteriormente.

Analisemos um segmento, que se dá na extensão de três turnos em uma conversação:

Excerto 3

L1 passei ali em frente …:: Faculdade de Direito...então

estava lembrando... que eu ia muito lá quando tinha sete

nove onze...(com) a titia sabe?... e:: está muito pior a

cidade... está ... o aspecto dos prédios assim é bem

mais sujo... tudo acinzentado né?

L2 uhn:: poluição né?

L1 ruas mais ou menos sujas... ali perto da Praça da Sé da

Praça da Sé tudo esburacado por causa do metrô né?...

achei horrível... feio feio feio... e toda segunda … á noite

eu passo ali do lado da faculdade certo?

Fonte: Projeto Nurc/SP, Inquérito 343, linhas 20-28.

68

Notamos nesse fragmento a interação entre [L1] e [L2]. Na primeira elocução, [L1]

comenta sobre o aspecto da cidade de São Paulo, que se encontra suja e acinzentada. Ao tomar

a palavra, [L2] sinaliza o entendimento de que o turno de fala do seu interlocutor possivelmente

acabou, estando aberta a possibilidade dele [L2] proferir: “uhn:: poluição né?”. Tal elocução

indica sua relação sequencial com a proposição anteriormente produzida por [L1] que, em

seguida, toma legitimamente a palavra e complementa seu turno, ao comentar sobre o aspecto

desagradável à vista (“feio feio feio...”) das ruas da cidade.

Podemos dizer que a sequencialidade tem, portanto, em seu cerne três elementos: (i)

elocuções produzidas sucessivamente; (ii) alternância ordenada na vez de tomar a palavra e,

principalmente; (iii) elocuções demonstravelmente inter-relacionadas, isto é, na observação do

excerto 3, é possível notar como os interlocutores sinalizam para si próprios a natureza

sequencial de suas interações, na medida em que a fala de um participante cria expectativa sobre

a ação que será, em seguida, produzida por seu interlocutor.

Schegloff (1968) pôde observar ainda que muitas dessas ações representam uma

coocorrência obrigatória, como no caso dos cumprimentos. Ou seja, quando alguém o

cumprimenta com um “Bom dia!”, a resposta a essa elocução seria: “Bom dia!”, tornando-se

inadequado introduzir algo diferente, por exemplo, “Por nada”, entre um turno e outro. Esse

tipo de relação sequencial é denominado adjacência. Isso implica que a convites seguem-se

aceitações ou rejeições, a perguntas seguem-se respostas, a cumprimentos seguem-se

cumprimentos em retorno, entre outros.

2.4.3 Os pares adjacentes

Sacks (1992, p. 522) denominou “organização de par adjacente” (adjacency pair

organization) a duas elocuções (por essa razão, par), posicionadas uma em seguida da outra

(daí, adjacente), produzidas por falantes diferentes. Marcuschi (1991) pontua que essas

características são de natureza estrutural e controlam o encadeamento de ações.

Vejamos o excerto abaixo, o qual ilustra tais características:

69

Excerto 4

Doc. agora já deu o tempo

L2 acabou?

Doc. acabou...

L2 nossa... ((risos))

Fonte: Projeto Nurc/SP, Inquérito 343, linhas 1755-58.

Na observação do excerto 4, evidenciamos duas características importantes do par

adjacente: (i) há um ordenamento entre as elocuções que o formam, isto é, “ há uma coisa que

vem em primeiro lugar e outra que vem em segundo lugar [...], isso é óbvio para perguntas e

respostas”56; (ii) podemos notar que o par adjacente se compõe de uma primeira parte – que

coloca o ponto relevante para a transição do turno, seleciona o falante e determina sua ação (ou

seja, a pergunta “acabou?”) – e de uma segunda parte do par, que é esperada (neste caso, a

resposta “acabou...”).

As palavras de Sacks (2011, p. 96) vêm garantir a pertinência de nossas observações:

A sequência básica é uma sequência de duas unidades; os dois turnos em que as partes

da sequência ocorrem estão localizados adjacentemente um ao outro; e, para todos

eles, você pode discriminar o que chamaremos de ‘primeiras partes do par’ de

‘segundas partes do par’, de modo que as partes são relativamente ordenadas [...]. E

uma característica adicional que pode ser extraída entre primeiras e segundas partes

do par é que elas são “conectadas por tipo”, observação pela qual eu quero dizer

apenas algo tão simples quanto isto (embora seja suficiente para muita coisa): se uma

das partes realiza, por exemplo, uma primeira parte do par de algum tipo, tal como um

cumprimento, uma pergunta, uma oferta, um pedido, um elogio, uma reclamação, e

coisas desse tipo, então a parte que realizará uma segunda parte do par para aquela

primeira parte do par seleciona-a a partir dos tipos de alternativas que se encaixam

nesse tipo.

Com base nessa perspectiva, Marcuschi (1991, p. 35) aponta os seguintes exemplos de

pares adjacentes: (i) pergunta-resposta; (ii) ordem-execução; (iii) convite-aceitação/recusa; (iv)

cumprimento-cumprimento; (v) xingamento-defesa/revide; (vi) acusação-defesa/justificativa;

(vii) pedido de desculpa-perdão.

Vejamos mais um exemplo bastante comum de par adjacente ilustrado no segmento

abaixo:

56 Tradução da autora para o trecho original: “there is something that goes first and something that goes second

[...] that’s obvious for questions and answers” (SACKS, 1992, p. 521).

70

Excerto 5

A: oi Vera

B: oi Ana

Fonte: Marcuschi (1991, p. 35).

No excerto 5, podemos observar uma ação do falante [A] (cumprimento: “oi”), que

requer um tipo específico de resposta, como a dada pelo interlocutor [B] (“oi”). Dificilmente

haveria, por exemplo, a presença de um sinal indicativo de atendimento ao telefone (“Alô!”).

Observamos, então, que há uma relação entre as duas elocuções tal que “[...] dada uma primeira

parte do par, não se segue uma segunda parte do par qualquer, mas dada uma primeira parte,

apenas algumas segundas partes são admissíveis e produzidas” (SACKS, 1992, p. 521).57

Nas palavras de Marcuschi (1991, p. 36, grifo do autor):

Sob o aspecto semântico-pragmático (Dittman, 1979, p. 10), os pares podem ser

tomados como indícios da existência de compreensão ou pelo menos de uma

compreensão existente, na medida em que a segunda parte do par só pode ser

produzida se a primeira parte foi, de alguma forma, entendida.

Essa relação sequencial entre pares adjacentes está sintetizada na noção de relevância

condicional, isto é, a relação sequencial de que uma resposta adequada – a segunda parte do

par – é requerida pela ação que a deflagrou e orientada para ela. Quando isso não ocorre é visto

como oficialmente ausente, ou seja, a relevância condicional criada pela primeira elocução não

foi atendida, de modo que sua ausência é notada (SCHEGLOFF, 1968).

2.4.4 A organização do sistema de reparo

Como vimos, na seção 2.4.1 deste trabalho, Sacks, Schegloff e Jefferson, em artigo

publicado em 1974 na revista Language, focalizaram sua investigação no funcionamento básico

das trocas de turno na conversa cotidiana, apontando o “reparo” como um mecanismo existente

57 Tradução da autora para o trecho original: “Which is to say that given a first pair part, not anything that could

be a second pair part goes, but given some first, only some seconds are admissable and are done.”

71

para lidar com erros e violações, que se operam na organização e distribuição dos turnos de

fala.58

Já, em estudo posterior, Schegloff, Jefferson e Sacks (1977) examinaram mais

detidamente a organização do sistema de reparo, apresentando-o como um conjunto de

práticas destinadas a resolver problemas de produção, escuta e entendimento, apontados

pelos participantes ao longo da interação, ou seja, é provável que, durante a conversação, um

participante possa não ouvir bem o que seu parceiro comunicativo acabou de dizer (problema

de escuta), ou possa se enganar ao dizer alguma palavra (problema de produção) ou ainda não

interpretar adequadamente aquilo que o outro disse (problema de entendimento); todos esses

problemas podem dificultar o andamento da interação, ou melhor, pôr em risco a

intersubjetividade da fala-em-interação, levando os interlocutores a suspender o curso de suas

ações para tentar resolvê-los.

Além disso, os autores (1977, p. 362), quando sistematizaram suas observações sobre a

organização de reparo, descreveram que essa prática é primordialmente constituída de duas

partes: a “iniciação” (initiation) e o “resultado” (outcome), sendo que a iniciação (apontar o

problema) ocorre dentro de um espaço sequencialmente restrito de oportunidades próximas à

fonte do problema e, uma vez realizada, o resultado (tentativa de resolver o problema) pode

ocorrer no turno problemático ou em turnos imediatamente seguintes.

Consideremos o exemplo a seguir em caráter de ilustração:

Excerto 6

L1 isso é bem de cidade grande né?

[

L2 oi?

L1 cidade que não dá para ter planejamento ela está

crescendo desordenadamente

Fonte: Projeto Nurc/SP, Inquérito 343, linhas 72-75.

No fragmento 6, podemos notar que, após a pergunta de [L1] “isso é bem de cidade

grande né?”, segue uma ação de reparo, iniciada por [L2], ao proferir “oi?”, elocução que não

especifica onde está a fonte do problema na fala de [L1], mas apenas indica genericamente que

há algum problema a ser reparado no primeiro turno produzido por este. Como vimos, os

58 Barros (2001, p. 139) caracteriza tal mecanismo como “reparação” – correção de uma infração conversacional.

Os atos de reparação não serão abordados neste trabalho, tendo em vista que nossas análises se baseiam em

segmentos conversacionais predominantemente escritos, produzidos e veiculados na rede social Twitter.

72

interlocutores, por meio de uma atividade de reparo, procuram resolver uma determinada

elocução considerada problemática no curso da interação.

Reparo é, portanto, entendido aqui como uma ação empreendida por um participante

para apontar alguma fonte de problema, com o intuito de que venha a ser tratada mediante a

utilização de diversos procedimentos. Para tanto, pode haver uma suspensão ou interrupção das

ações até então em curso, que só serão retomadas após ter sido resolvida.

Ademais, há duas principais categorias de reparo: (i) autorreparo, isto é, reparo

iniciado e realizado pelo próprio responsável pelo turno de fala problemático ou (ii) reparo

efetuado pelo outro. Levando-se em conta, ainda, a produção conjunta de iniciação e

resultado do reparo, apresentamos a seguir, em ordem de oportunidade de ocorrência, as

possíveis combinações desses dois movimentos:

(i) reparo iniciado e levado a cabo pelo falante da fonte de problema (o falante

interrompe a construção de seu turno e refaz parte do que disse); (ii) reparo iniciado

pelo falante da fonte de problema e levado a cabo pelo outro (por exemplo, o falante

interrompe a produção de seu turno para procurar o nome de alguém sobre quem está

falando, e o interlocutor produz um item que preenche essa lacuna); (iii) reparo

iniciado pelo outro e levado a cabo pelo falante da fonte de problema (o interlocutor

aponta um problema no turno anterior, e o próprio falante da fonte de problema

resolve o problema no turno seguinte ao da iniciação); (iv) reparo iniciado e levado a

cabo pelo outro (o interlocutor aponta um problema no turno anterior e oferece

resolução para o problema) (LODER, 2008a, p. 113-115).

Em seu artigo seminal, Schegloff, Jefferson e Sacks (1977) constataram que, entre as

quatro trajetórias de reparo apresentadas, há uma preferência pelo reparo levado a cabo pelo

falante da fonte de problema, ou seja, a maioria dos problemas apontados (tanto pelo falante

quanto por seu interlocutor) é resolvida pelo próprio falante que produziu o turno problemático.

Feitas essas considerações, importa mencionar que os estudiosos (1977, p. 362-3), de

início, apresentaram um esclarecimento terminológico importante quanto ao procedimento de

“reparo” (repair), isto é, que ele necessariamente não se iguala à prática da “correção”

(correction), comumente entendida como substituição de um item considerado errado por outro

considerado correto. O reparo se caracteriza sobretudo pela identificação (realizada pelos

interlocutores) de um determinado problema e alguma (tentativa de) resolução dele, mediante

diversas práticas possíveis, entre elas, a correção.59

59 Tendo em consideração nosso objeto de estudo e o contexto no qual o fenômeno do mal-entendido se realiza, é

oportuno dizer que nossas análises recaem basicamente nas práticas de reparo (de orientação retrospectiva), dentre

elas, correções propriamente ditas, repetições e alguns tipos de paráfrases, atividades reformulativas vinculadas

ao processo de construção da compreensão (assunto abordado na seção 3.3.2 deste trabalho).

73

Finalmente, cabe registrar que Schegloff (1987, 1992), dando continuidade ao estudo

da organização do sistema de reparo, descreveu ainda uma prática denominada “reparo em

terceira posição”, a qual merece destaque neste trabalho, visto que constitui um recurso do qual

os participantes de uma conversa lançam mão para resolver o mal-entendido – foco de nossa

investigação.

2.4.5 O sistema de reparo em terceira posição

De acordo com Schegloff (1992, p. 1301-3), o “reparo em terceira posição” (third

position repair) é constituído de uma sequência de ações em três posições: no primeiro turno

(T1), o falante produz a sua elocução. No turno seguinte (T2), o interlocutor produz um

enunciado. Por meio do que é transmitido em (T2), o falante de (T1) percebe que a interpretação

do interlocutor em (T2) é problemática. Assim, no terceiro turno (T3), o falante refaz o seu

turno inicial, a fim de que o problema seja resolvido.

Nas palavras de Loder (2008a, p. 118, grifo da autora):

O reparo em terceira posição se caracteriza pela resolução de um problema de

entendimento do que um dos interlocutores disse/fez com seu turno e, tipicamente, se

apresenta como não foi isso o que eu quis dizer ou eu não disse isso, eu disse aquilo.

O sistema de reparo em terceira posição é ilustrado no fragmento a seguir:

Excerto 7

A: Qual foi o número residencial que o senhor disse =

B: Não. Não é do telefone.

A: Senhor, eu pedi para repetir o número da casa,

[Trinta e oito...

B: zero um.

A: Ok, trinta e oito zero um.

Fonte: Schegloff, (1992, p. 1318 – adaptado).

Podemos observar, nesse segmento conversacional, que o problema de entendimento se

configura da seguinte maneira: em primeira posição, o falante [A] pede que o interlocutor [B]

repita o número da casa onde este reside. No turno seguinte, na posição 2, [B] informa que o

número não é do telefone. O falante [A] evidencia que [B] não interpretou adequadamente o

que foi dito e busca ajustar a quebra da intersubjetividade, iniciando um reparo em terceira

posição, de modo a explicitar o que foi inicialmente solicitado: o número da residência em que

74

[B] mora. O interlocutor, então, reconhece o mal-entendido e produz uma nova resposta (“zero

um”), resposta que corresponde à expectativa de [A].

Como vimos, o sistema de reparo em terceira posição consiste em uma retificação,

em relação ao problema de entendimento revelado no segundo turno, de maneira a produzir um

entendimento mais aceitável (SCHEGLOFF, 1992). Assim, é sequencialmente relevante que

o turno, no qual se realiza o reparo, esteja posicionado após o turno do mal-entendido. O autor

(1992) apresenta ainda alguns procedimentos de reformulação que são utilizados pelo falante

para resolver o enunciado fonte de problema. São eles: repetição (clearer repeat), paráfrase

(resaying of the same thing in different words), especificação (specification), explanação

(explanation), caracterização (characterization), entre outros.

Nessa direção, Hinnenkamp (2008) argumenta que, quanto mais distante estiver uma

tentativa de reparo – seja de algum termo ou de uma sequência mal interpretada – da sua suposta

fonte, menos explícita será sua manifestação e mais difícil a resolução do equívoco. Portanto,

essa ordenação sequencial dos turnos é ainda essencial, no sentido de que haja evidências

empíricas de que estamos realmente diante de um mal-entendido.

Cabe mencionar que Schegloff (1992) ainda considera o envolvimento de quatro turnos

numa operação de reparo. No primeiro turno, está a fonte do problema de compreensão, que

poderá se arrastar até o quarto turno, no qual o reparo se realiza. Inclusive, ao descrever as

operações de reparo em terceira e quarta posições, o autor as aponta como a última fronteira de

ajustamento da intersubjetividade, ou seja, essa afirmação implica o reconhecimento de que os

problemas de compreensão devem ser negociados tão logo ocorram, já que as posições 3 e 4

ainda permitem a negociação dos dados de uma sequência em andamento ou em conclusão.

Como vimos, a Análise da Conversação traz uma importante contribuição ao estudo

do mal-entendido, no que diz respeito, principalmente, à investigação da dinâmica

organizacional das sequências em que o fenômeno ocorre, é sinalizado e, consequentemente,

resolvido.

Sob essa perspectiva, merecem também a nossa atenção as contribuições da Linguística

Interacional, visto que essas duas correntes teóricas mantêm o mesmo material investigativo

(dados empíricos em situações reais, por exemplo, as conversas), como também procedimentos

metodológicos similares, permitindo que “categorias e estruturas linguísticas, por meio das

quais a interação se realiza, sejam efetivamente analisadas, definidas e redefinidas a partir da

75

linguagem em uso nas situações comuns e recorrentes da vida dos falantes de uma língua”

(HILGERT, 2013, p. 75).

2.5 A contribuição da Linguística Interacional (LI)

Diante do exposto, é oportuno dizer que os trabalhos de Sacks, Schegloff e Jefferson

(1974, 1977) sobre a ação humana mediante o uso da linguagem em interação social tiveram

inúmeros desdobramentos, dentro e fora do enfoque etnometodológico da conversação,

reorientando interesses em âmbitos tradicionais da Linguística, que passaram a descrever e

analisar a conversa, ou melhor, as interações faladas, do ponto de vista não só de sua dinâmica

organizacional, mas também do ponto de vista de sua realização linguística, seja no âmbito

restrito das interações face a face, seja no quadro mais amplo das interações institucionais

(HILGERT, 2019).

Assim, as décadas de 1990 e 2000, assistiram à emergência de um novo campo de estudo

denominado Linguística Interacional que, para Kern e Selting (2013, p. 1), constitui-se em

um programa de pesquisa “baseado na premissa de que a linguagem não deve ser analisada em

estruturas linguísticas livres de contexto, mas como um recurso para a realização de ações na

interação.”60

Selting & Couper-Kuhlen, linguistas alemãs, situam a LI na interface entre a AC e a

Linguística, em especial. Nas palavras das autoras (2000, p. 77):

Grande parte das pesquisas atribuídas à “Linguística Interacional” é realizada por

linguistas europeus e americanos, que são fortemente influenciados pelos analistas de

conversas e que visam a estabelecer a perspectiva etnometodológica e a metodologia

analítica da conversa no contexto da Linguística, bem como no contexto de outros

campos de estudo.61

Ainda, Kern e Selting (2013, p. 2-3), ao tratar do método de validação da pesquisa em

LI, afirmam que este é estritamente empírico, baseando-se principalmente nos princípios de

60 Tradução da autora para o trecho original: “Interactional linguistics is grounded on the premise that language

should not be analyzed in terms of context-free linguistic structures but as a resource for the accomplishment of

actions in social interaction.” 61 Tradução da autora para o trecho original: “Ein Großteil der Forschung, die wir als 'interaktionale Linguistik'

bezeichnen, wird von europäischen und amerikanischen Linguisten betrieben, die stark von der

Konversationsanalyse beeinflusst sind, und die es sich zum Ziel gesetzt haben, der ethnomethodologischen

Sichtweise und der konversationsanalytischen Methodologie im Rahmen der Linguistik, aber auch im Rahmen

anderer Disziplinen, zu mehr Bedeutung zu verhelfen.”

76

organização de tomada de turnos e sequências interacionais62. As categorias analíticas são

entendidas como parte integrante do contexto sequencial em que ocorrem e são “justificadas”,

isto é, demonstradas como realmente relevantes para as ações dos participantes. Na visão das

autoras, a análise gramatical, por exemplo, não deve ser guiada por conceitos tradicionais a

priori, como “cláusula” ou “sentença”, mas como resultado de um processo contínuo de

coordenação e interação entre os parceiros comunicativos, subprodutos da construção de suas

práticas e ações em conversação.

Nessa direção, Mondada (2001) reconhece que a contribuição teórica proposta pela LI

implica um olhar particular voltado para o uso dos recursos de linguagem, na intenção de

construir sentido, garantir a intercompreensão e tornar possíveis as atividades interacionais.

Para a estudiosa, esse campo de estudo não se propõe a investigar unidades mínimas definidas

a princípio por suas características estruturais e combináveis segundo regras pré-definidas, mas

a examinar unidades plásticas, dinâmicas, emergentes, constituídas na temporalidade das

sequências interacionais e adequadas à situação comunicativa. Dessa abordagem específica,

surge uma visão particular da linguagem, que se constitui “na” e “por meio da prática

linguística dos falantes” e, portanto, não pode ser definida independentemente desta.

Para a autora (2001, p. 8):

A língua pertence aos falantes - antes que pertença ao linguista; é o "eu" que a

reapropria em cada ato de enunciação, que a reinventa para melhor se adequar à

situação em questão. A codificação e a padronização não são, portanto, os únicos

aspectos que definem a linguagem; são o resultado de práticas sedimentares, a serem

descritas em termos de seus efeitos constitutivos e não devem ser consideradas em

termos de suas evidências constituídas [...].63

Sob essa perspectiva, Kern e Selting (2013) explicam que há basicamente duas

possibilidades de investigação em LI. A primeira é selecionar um tipo de ação/atividade como

ponto de partida e metodicamente reconstruir os mecanismos linguísticos com os quais ela é

realizada. A segunda maneira é selecionar uma estrutura linguística específica como ponto

62 Segundo Kern e Selting (2013, p. 4): “Desde o início dos anos 2000, numerosos estudos empíricos demonstraram

que a construção e a interpretação de práticas e ações de conversação dependem tanto de sua estrutura linguística

quanto de seu posicionamento dentro de uma sequência de ações”. Segue o trecho original: “Since the early 2000s,

numerous empirical studies have demonstrated that the construction and interpretation of conversational practices

and actions depend on their linguistic structure as much as on their positioning within an action sequence.” 63 Tradução da autora para o trecho original: “La langue appartient aux locuteurs - avant qu’au linguiste; c’est le

“je” qui se la réapproprie dans chaque acte d’énonciation, qui la réinvente pour mieux s’ajuster à la situation en

cours. La codification et la standardisation ne sont donc pas les seuls aspects définissant la langue; elles

sont le résultat de pratiques sédimentées, à décrire dans leurs effets constituants et non pas à considérer

dans leur évidence constituée [...].”

77

inicial e investigar metodicamente seu uso e funcionamento para a realização de ações na

interação.

Nas palavras de Selting e Couper-Kuhlen (2000, p. 79):

a pesquisa na Linguística Interacional pode começar de dois pontos de partida

diferentes: ou começa com uma função interativa ou conversacional e examina os

meios linguísticos que são usados para o cumprimento desta tarefa - ou se inicia com

um elemento linguístico e examina o papel que ele desempenha na interação

conversacional. A semelhança de ambas as abordagens reside na descrição das

estruturas da linguagem como recursos para a ‘fala-em-interação’.64

Essa posição encontra reforço na seguinte reflexão de Lindström (2009, p. 98):

(i) a pesquisa pode partir das estruturas linguísticas e explorar sua associação com

funções interacionais ou (ii) pode partir de uma função interacional em particular e

especificar quais formas e estruturas linguísticas contribuem para realizá-la.65

Para o autor (2009), essas duas estratégias fornecem diferentes resultados, mas ambas

são relevantes. A primeira orientação propicia um meticuloso relato do potencial uso de um

elemento da linguagem (por exemplo, um determinado marcador conversacional). A segunda

abordagem fornece uma rica descrição dos recursos linguísticos utilizados para realizar uma

determinada ação (por exemplo, recusar uma oferta).

Nessa direção, Selting & Couper-Kuhlen (2001, p. 3) pontuam que a LI pretende

responder a duas questões:

(i) que recursos linguísticos são utilizados para articular estruturas conversacionais e,

assim, realizar funções interacionais? e (ii) que funções interacionais ou estruturas

conversacionais advêm da utilização de determinadas formas linguísticas?66

Dito de outra forma: o que é interacional em termos da linguagem? E o que é linguístico

em termos interacionais? Em resposta à primeira questão, Selting & Couper-Kuhlen (2001)

afirmam que as estruturas ou formas linguísticas são adaptáveis à diversidade dos contextos de

enunciação, isto é, (re)adequadas de acordo com as exigências da interação em curso. Nesse

64 Tradução da autora para o trecho original: “Die interaktionslinguistische Forschung kann von zwei

verschiedenen Ausgangs-punkten ausgehen: Entweder beginnt sie mit einer interaktionalen oder konversa-

tionellen Aufgabe oder Funktion und untersucht die sprachlichen Mittel, welche als Ressource für die Erfüllung

dieser Aufgabe verwendet werden – oder sie be-ginnt mit einem linguistischen Element oder einer Konstruktion

und untersucht, welche Rolle dieses Phänomen in konversationeller Interaktion spielt. Die Ge-meinsamkeit beider

Ansätze besteht in der Beschreibung von Sprachstrukturen als Ressourcen für ‘Rede-in-der-Interaktion.’” 65 Tradução da autora para o trecho original: “(i) the research can start from a particular linguistic form and explore

its association with interactional function(s) or (ii) it can start from a particular interactional function and then

specify which interactional linguistics form(s) typically realize that function.” 66 Tradução da autora para o trecho original: “(i) what linguist resources are used to articulate particular

conversational structures and fulfil intercational functions? and (ii) what interactional functions or conversational

structure is furthered by particular linguistic forms and way of using them?”

78

sentido, as produções linguísticas devem ser concebidas como algo que surge ou emerge do

uso. Para responder à segunda questão, as autoras levam em conta o componente central das

interações – os turnos de fala, unidades que podem ter a extensão de um item lexical, sintagma,

uma cláusula ou sentença. O conhecimento dessas formas ou estruturas linguísticas permitem

aos participantes uma projeção do tipo de unidade em andamento e, grosso modo, o quanto

faltará para que uma ocorrência desse tipo seja completada.

Como Lerner (1991) advertiu, unidades linguísticas, como sentenças, também podem

ser produzidas em conjunto pelos participantes na conversa: a construção sintática é

‘distribuída’ para os falantes cooperantes. Isso mostra que não devemos considerar as

unidades e categorias linguísticas como produtos da competência de um falante

individual, mas sim como desempenhos verdadeiramente interacionais que emergem

como epifenômenos no desempenho de atos e atividades de fala durante a interação

(SELTING E COUPER-KUHLEN, 2000, p. 81).67

Mondada (2008) argumenta ainda que esse campo de estudo permite questionar

constantemente a relação entre: (i) a utilização de determinados estruturas linguísticas (formas

lexicais, construções sintáticas, entre outras) e multimodais68 (por exemplo, certas formas

verbais em associação com fenômenos gestuais ou visuais); (ii) a organização sequencial na

realização de determinada atividade e (iii) as ações realizadas pelos participantes no aqui e

agora interacional.

Para tanto, exige-se do linguista a adoção de determinadas estratégias, tais como: (i)

concentrar-se na estrutura e, em seguida, explorar o mecanismo sequencial, a fim de caracterizar

como se dão as ações dos participantes; (ii) focar em sequências específicas (por exemplo, as

numerosas trajetórias de reparo e, por exemplo, sua contribuição para o estudo de um aspecto

gramatical); (iii) tomar como ponto de partida uma ação ou a estruturação de uma atividade, a

fim de analisar os tipos de recursos mobilizados para realizá-las.

67 Tradução da autora para o trecho original: “Wie Lerner (1991) gezeigt hat, können sprachliche Einheiten wie

Sätze darüber hinaus von den Gesprächsteilnehmern gemeinsam hergestellt wer-den: die syntaktische

Konstruktion wird auf die kooperierenden Sprecher ‘verteilt’. Dies zeigt, dass wir linguistische Einheiten und

Kategorien nicht als Produkte der Kompetenz eines einzelnen Sprechers betrachten sollten, sondern vielmehr als

wahrhaft interaktionale Leistungen, die als Epiphänomene beim Vollzug von Sprechhandlungen und Aktivitäten

während der Interaktion in Erscheinung treten.” 68 De acordo com Kern e Selting (2013), recentemente, pesquisadores em Linguística Interacional começaram a

incluir sistematicamente aspectos multimodais do uso da língua em suas análises. É oportuno mencionar que nossa

pesquisa abordará a utilização de alguns aspectos multimodais (re)adaptados das interações face a face para o

meio digital.

79

A autora (2008) esclarece que essas diferentes estratégias não se contradizem em

princípio, mas produzem desenvolvimentos cumulativos distintos, com diferentes implicações

teóricas para o pensamento e abordagem da língua em interação.

Quanto às perspectivas teórico-metodológicas desse campo de estudo, Hilgert (2019, p.

24) acrescenta:

O fundamento geral de uma Linguística Interacional está, portanto, no fato de que as

categorias e estruturas linguísticas se conformam às necessidades e funções das

inúmeras atividades realizadas no desdobramento conversacional e de que, portanto,

as referidas categorias e estruturas precisam ser identificadas, analisadas, descritas e

definidas na perspectiva dessas atividades.

O autor (2019) ainda aponta que cabe aos pesquisadores ter a flexibilidade e

sensibilidade necessárias para perceber e admitir as nuances da dinâmica conversacional, na

identificação das categorias e estruturas linguísticas emergentes das especificidades da

conversa em análise.

Por fim, cabe mencionar que, à luz dos fundamentos da Análise da Conversação

articulados com os da Linguística Interacional, pretendemos, neste trabalho, detectar e

descrever a ocorrência do mal-entendido, levando-se em conta o mecanismo de organização

das sequências discursivas, desde o enunciado de origem do problema até o de sua solução e,

consequentemente, investigar o tipo de procedimento de que se valem os participantes, no

gerenciamento e/ou (re)solução do equívoco interpretativo, na interação em curso.

80

CAPÍTULO 3

MAL-ENTENDIDO: ENTENDENDO O FENÔMENO NA

CONVERSAÇÃO

“O mundo só funciona por meio de mal-

entendidos. É em razão de um mal-entendido

universal que todos concordam. Porque se,

infelizmente, nos entendêssemos, jamais

poderíamos concordar.”

(CHARLES BAUDELAIRE)

Neste capítulo, trataremos do tema central desta tese – o mal-entendido. Para tanto,

iremos definir, em primeiro lugar, alguns princípios teóricos, nomeadamente, a noção de

compreensão e de problemas de compreensão, à luz das quais o conceito de mal-entendido se

esclarece. A partir dessa fundamentação, passaremos a discutir os fatores que o caracterizam,

bem como os procedimentos interacionais que concorrem para solucioná-lo. Há, ainda, uma

seção própria, na qual iremos examinar como o mal-entendido se relaciona com a teoria da

cortesia verbal, na perspectiva do face work, visto que o uso de estratégias que visam à

negociação das faces é significativo no tratamento do fenômeno, tendo em vista a construção

da compreensibilidade no decorrer da atividade conversacional.

3.1 Sobre a compreensão

As reflexões a serem desenvolvidas, nesta seção, a respeito da noção de compreensão

terão como ponto de partida a perspectiva apresentada por Kindt (2002, p. 19), que a explica

por meio da seguinte fórmula: “P: x → a e R: a → y”, em que P (falante) traduz o tópico “x”

pela formulação “a” e R (interlocutor) entende “a” como “y”. Em termos gerais, “[...] a

aplicação simplificada dessa fórmula resulta numa compreensão desejável, quando x coincide

com y (x = y) ou quando são, pelo menos, suficientemente semelhantes (x y).”69

Tradução da autora para o trecho original: “Le monde ne marche que par le malentendu. C´est par le malentendu

universel que tout le monde s´accorde. Car si, par malheur, on se comprenait on ne pourrait jamais s´accorder”

(BAUDELAIRE, 1949, p. 98). 69 Tradução da autora para o trecho original: “[...] bei naiver Betrachtung als wünschenswertes

Verständigungsresultat, daß x identisch mit y ist (abgekürzt x = y) oder daß x und y relativ zum kommunikativen

Ziel zumindest hinreichend ähnlich sind (abgekürzt (abgekürzt x y).”

81

Quanto a essa concepção, Hilgert (2003, p. 225) argumenta:

A fórmula de Kindt [...] não deve levar à ingênua noção de que a P (produtor/falante)

caberia o papel atribuidor de sentidos e a R (receptor/ouvinte), o fazer interpretativo,

o que conflitaria com a concepção, que aqui se preconiza, de produção interativa dos

sentidos na comunicação. Na verdade, “as fases da emissão e da recepção estão em

relação de determinação mútua.

Nesse fundamento, está inscrito o fato de os interlocutores investirem, na construção de

seus enunciados, diversos métodos para manter o engajamento mútuo na conversa, seja face a

face, seja a que se desenrola na rede. Na interação, o falante, que detém o turno, constrói seu

enunciado, buscando palavras, estruturando a sintaxe, repetindo, insistindo, parafraseando,

corrigindo, conduzido por sinalizações do ouvinte, no aqui e agora interacional. É por meio

desse desdobramento de determinações mútuas que os parceiros comunicativos, no processo de

produzir sentidos, vão construindo a compreensão entre si (HILGERT, 2011).

Nessa direção, um dos princípios propostos por Clark (1996, p. 328) é de que o falante

se empenha numa “produção enunciativa adequada” (optimal design). Para tanto, “[...] tenta

produzir seus enunciados de tal maneira que tenha boas razões para acreditar que os

destinatários possam prontamente interpretar o que está sendo dito.”70

O autor (1996, p. 326) ilustra essa condição por meio do exemplo a seguir:

Suponha que Anne aponte para um grupo de árvores e pergunte a Burton: “O que você

sabe sobre aquela árvore?” Anne se utiliza da expressão “aquela árvore”, para se

referir a uma árvore específica, supondo que Burton a conheça. Eles estão frente a um

problema de co-ordenação, ou seja, Burton precisa alcançar a significação proposta

por Anne para construir sentido.71

O referido “problema de co-ordenação” (co-ordination problem) está atrelado a um

segundo princípio proposto por Clark (1996), que se baseia na concepção de que atos

comunicativos são atos conjuntos, ou seja, atos desencadeados por um conjunto de pessoas

agindo em coordenação umas às outras, ou seja, atos comunicativos compreendidos nesses

termos são algo muito mais distinto do que “[...] a soma de uma falante que fala e de um ouvinte

que ouve”72, pois não há como conceber um sujeito autônomo, cuja vontade e intenção

70 Tradução nossa para o trecho original: “[...] try to design their utterances in such a way that they have good

reason to believe that the addressees can readily and uniquely compute what they mean on the basls of the

utterance”. Cabe mencionar que, em Hilgert (2011, p. 244), encontra-se a tradução de “optimal design” por

“configuração ótima” de um enunciado. 71 Tradução da autora para o trecho original: “Suppose Anne points to a clump oftrees and asks Burton, ‘What do

you think of that tree?’ Anne is using ‘that tree’ to refer to a particular tree that she intends Burton to identify.

They are faced with a co-ordination problem: to get Anne's meaning and Burton's construal of her meaning to

match.” 72 Tradução da autora para o trecho original: “[...] the sum of a speaker speaking and a listener listening.”

82

determinam o sentido do discurso (CLARK, 1996a, p. 3). É do esforço oriundo das

contribuições de ambas as partes (falante/locutor e ouvinte/interlocutor) que resulta, de fato,

uma interação bem-sucedida. Disso decorre que as ações de linguagem são concebidas como

ações participativas que, no processo interacional, integram-se de modo a constituir uma ação

conjunta.

Desse modo, reiteramos o fato de que o falante, em uma conversa, não produz uma

expressão isolada. Ele projeta um enunciado (optimal design), levando em conta aquele a quem

se dirige e, a partir daí, busca sinais de entendimento. Da mesma forma, o ouvinte não recebe

passivamente as declarações. Ele procura entender o que o que foi dito e responde de acordo

com o que sabe ou conhece sobre determinado assunto.73 Nesse sentido, Hilgert (1989, p. 147)

acrescenta: “A compreensão nunca se realiza na perspectiva de um dos interlocutores. É preciso

que a ação de ambos convirja para que ela ocorra.”

Ainda, na tentativa de explicar a natureza dessa coordenação, Depperman (2013, p. 2)

argumenta que “a compreensão é revelada continuamente na interação”74, pois, para o autor, o

entendimento é uma ação retrospectiva, isto é, sempre antecedente. Isso significa que o

interlocutor procura indicar, em seu turno, se compreendeu o que foi dito por seu parceiro

comunicativo em turno anterior. Ou seja, “nas interações dialogais, a compreensão do

enunciado de cada interlocutor depende do pronunciamento do outro sobre esse enunciado”

(HILGERT, 2011, p. 269).

Essa estrutura sequencial seria, normalmente, constituída por três operações:

a) o falante [A] constrói um enunciado suficientemente compreensível (optimal

design, cf. Clark, 1996) para o interlocutor [B]; b) [B] apresenta o seu entendimento

acerca do que foi dito; c) o falante [A] indica a [B] se a mensagem foi interpretada de

acordo com os propósitos comunicativos dele [A] (DEPPERMAN, 2008, p. 231, grifo

nosso).75

Para Depperman (2008, p. 230-1), a primeira operação constitui o “objeto de

compreensão” (verstehensobjekt), o “interpretandun” primeiro da interação. A sua

compreensibilidade decorre de uma “produção enunciativa adequada” (optimal design)

73 Esse entendimento está fundamentado no preceito da co-enunciação, segundo o qual, no dizer de Fiorin (2003,

p. 163), “o enunciatário, como filtro e instância pressuposta no ato de enunciar, é também sujeito produtor do

discurso, pois o enunciador, ao produzir um enunciado, leva em conta o enunciatário a quem ele se dirige.” 74 Tradução da autora para o trecho original: “Verstehen wird in der sozialen Interaktion fortlaufend angezeigt.” 75 Apresentamos aqui uma adaptação do esquema originalmente proposto por Depperman (2008): “a) ego muss

einem Gesprächsbeitrag konstruieren, der für alter vermutlich hinreichend verständlinch ist; b) alter muss

dokumentierem, wie alter ego verstanden hat; c) ego muss anzeigen, ob ego sich durch alter hinreichend verstanden

füht.”

83

produzida pelo falante [A], levando-se em conta o conhecimento partilhado entre os

participantes. A segunda operação é denominada registro de compreensão de “primeira ordem”

(erste position), visto que o interlocutor [B] assume a enunciação para documentar o seu

entendimento quanto à formulação anterior. Já a terceira operação é considerada como registro

de compreensão de “segunda ordem” (zweite position), em que o falante atesta se a

interpretação de [B] corresponde ou não ao esperado.

Clark (1992, p. 151; 1996, p. 330) caracteriza a primeira operação (a) como “fase de

apresentação” (presentation phase), na qual o falante apresenta um enunciado à consideração

de [B]. A segunda operação é denominada “fase de aceitação” (acceptance phase), em que [B]

aceita o enunciado de [A], dando evidências de que ele acredita entender o que foi dito por este.

Na terceira operação, o falante [A] avalia se a interpretação da operação anterior é apropriada.

É somente no conjunto de sua relação de dependência que essas duas fases vão

constituir uma contribuição discursiva, uma unidade enunciativa em condições de

promover a evolução coerente da interação em curso (HILGERT, 2011, p. 251, grifo

do autor).

A fim de dar evidência a essas duas fases, observemos o fragmento a seguir:

Excerto 8

A. você vai para a América?

B. sim

A. m

Fonte: Clark (1992, p. 160).

No excerto 8, observamos que [A], no primeiro turno, faz uma pergunta a [B]: “você

vai para a América?”, realizando, assim, a fase de apresentação. No turno seguinte, [B] acata o

enunciado de [A], respondendo prontamente “sim”. Temos aí, a primeira contribuição

discursiva. Ainda, podemos observar que [B], no segundo turno, inicia uma nova fase de

apresentação com a sua réplica “sim”. E [A], como detentor do turno seguinte, aceita a resposta

de [B], proferindo “m”. Constatamos, então, a segunda contribuição discursiva.

Esse processo proporcionou, sucintamente, uma operacionalização do conceito, que

pode ser visualizada na figura a seguir:

84

Figura 19 – Conversa como processo colaborativo

Fonte: elaborado pela autora (2020).

Sob essa perspectiva de construção conjunta e colaborativa da compreensão, é possível

dizer que as conversas não se processam por enunciado, mas sim por contribuição.

Observemos, a seguir, como a conversa se processa colaborativamente em uma

interação na rede social Twitter:

Excerto 9

Usuário A: “Tenho muito bom gosto pra crush e pra marido! Hahahaha” 05/06/2020, 21h51. Tuíte.

Usuário B: “eu tbm tenho gosto bom pra crush meu crush eh seu irmão” 05/06/2020, 21h55,

09/06/2020. Tuíte.

Usuário A: “Hahhahah tem mesmoooo” 05/06/2020, 21h55. Tuíte.

Usuário B: “ ” 05/06/2020, 22h. Tuíte.

Fonte: Twitter76.

Notamos, neste segmento, que as contribuições surgem, à medida que os participantes

as constroem como atos conjuntos e em colaboração. A função de cada declaração é

determinada retrospectivamente na conversa, ou seja, “cada intervenção por escrito é um turno,

cujo sentido depende inteiramente da relação com turnos anteriores e subsequentes, formando-

76 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1269069472066949121>. Acesso em 22 jun. 2020.

85

se um todo de sentido, o texto, somente na inter-relação de vários turnos” (HILGERT, 2000, p.

25).

Em relação ao excerto 9, constatamos que o usuário [A] produz, na fase de apresentação,

a seguinte declaração: “Tenho muito bom gosto pra crush e pra marido! Hahahaha”, que é

aceita pelo usuário [B], cuja réplica consiste praticamente na repetição do enunciado anterior:

“eu tbm tenho gosto bom pra crush”, acrescentando a informação de que seu crush (alguém por

quem esteja apaixonado) corresponde ao irmão de [A]. O segundo turno caracteriza-se também

como uma fase de apresentação, que é aceita pelo usuário [A], por meio da confirmação de que

[B] tem bom gosto ao escolher o irmão daquele como crush (“Hahhahah tem mesmoooo”).

Observamos, inclusive, que os nomes não foram citados por nenhum dos usuários, tendo em

vista que possuem um conhecimento mútuo acerca das pessoas sobre as quais estão

comentando: esposo e irmão de [A] respectivamente.

Acerca dessas considerações podemos dizer que ocorre, no primeiro turno, a

configuração de uma “produção enunciativa adequada” (optimal design), no âmbito de uma

“base comum” (common ground), presumida naquele momento em que se realiza a interação,

a qual levou o interlocutor [B] a realizar apropriadamente a fase de aceitação e, assim,

sucessivamente.

De modo geral, base comum representa “[...] a soma de conhecimentos, crenças e

suposições em comum”77 entre os parceiros comunicativos. Em outros termos, diz respeito ao

conhecimento partilhado (ou comum, de objetos e processos) que é, para Clark (1996, p. 327),

condição sine qua non para que a compreensão seja alcançada. O autor (1996, p. 332) enfatiza

ainda que a base comum entre duas pessoas é constituída por duas partes principais: (i) base

comum comunal (communal common ground), que “representa todos os conhecimentos,

crenças e suposições que eles consideram universalmente aceitas nas comunidades em que

ambos mutuamente acreditam pertencer”; (ii) base comum pessoal (personal common

ground), que “representa todos os conhecimentos, crenças e suposições pessoais que eles

inferem um em relação ao outro.”78

77 Tradução da autora para o trecho original: “[...] the sum of their mutual knowledge, mutual beliefs and mutual

suppositions at the moment.” 78 Tradução da autora para o trecho original: “The common ground [...] can be divided conceptually into two main

parts: communal common ground represents aIl the knowledge, beliefs, and assumptions they take to be

universally held in the commumties to which they mutually believe they both belong. Their personal common

ground represents all the mutual knowledge, beliefs, and assumptions they have inferred from personal experience

with each other.”

86

Diante disso, Hilgert (2011, p. 251, grifo do autor) argumenta:

Na verdade, a base comum envolve conhecimentos que se estruturam num continuum

que se estende do âmbito abrangente das comunidades culturais aos aspectos que

caracterizam a individualidade de cada interlocutor. Esse caráter de continuidade

revela-se também no fato de que o conhecimento comum da instância inicial da

conversa vai se acumulando com a evolução dela. Cada novo passo na construção

interativa dos sentidos amplia a base comum e solidifica a compreensão.

Em síntese, para contribuir discursivamente com a conversa, os participantes geralmente

fazem mais do que apenas produzir o conteúdo adequado no momento certo; eles coordenam,

num esforço colaborativo, em um tipo de ação conjunta, a fase de apresentação e aceitação de

seus enunciados para estabelecer, manter e confirmar o entendimento mútuo no decorrer da

conversação. Tal processo coletivo é denominado, por alguns linguistas (Clark e Brennan,

1991; Clark e Schaefer, 1989; Clark e Wilkes-Gibbs, 1990), de “embasamento” (grounding)79.

Clark e Brennan (1991) definem “critério de embasamento” (grounding criterium)80

como o grau de entendimento mútuo alcançado pelos participantes na conversa, ou melhor,

quando os interlocutores estabelecem um nível desejável de intercompreensão. Depperman e

Schmitt (2008, p. 222) esclarecem que, no desdobramento interacional, há “sinalizações” ou

“registros” (verstehensdokumentationen) que “levam o analista a inferir que os participantes,

numa conversa, alcançaram o entendimento e/ou chegaram a uma determinada compreensão.”81

No fragmento, a seguir, observemos o funcionamento desse critério de embasamento,

levando-se em conta o sistema de turnos e reparos proposto por Sacks, Schegloff, Jefferson

(1974; 1977) e Schegloff (1982), e as ações realizadas pelos interlocutores na busca pela

compreensão:

Excerto 10

Alan: Você e seu marido têm um carro?

Bárbara: têm um carro?

Alan: Sim.

Bárbara: Não.

Fonte: Clark e Brennan (1991, p. 129, grifo nosso).

79 Informamos que é de fato difícil encontrar um termo em português que abarque todas as ações da família do

ground e que seja ao mesmo tempo idiomático, de modo que embasamento aqui é apenas uma tentativa de solução.

Outras possibilidades a considerar seriam fundamentação ou certificação. 80 A proposta de tradução do termo grounding criterium como “critério de embasamento” é nossa. 81 Tradução da autora para o trecho original: “Als 'Verstehensdokumentationen' bezeichnen wir alle Aktivitäten,

mit denen Gesprächsteilnehmer Verstehen thematisieren oder anzeigen bzw. mit denen sie präsupponieren, dass

sie zu einem bestimmten Verständnis gelangt sind.”

87

No primeiro turno, Alan questiona se Bárbara e o esposo dela possuem um carro. No

segundo turno, Bárbara dá evidências de que não compreendeu bem a pergunta, ao repetir o

enunciado “têm um carro?”. No turno seguinte, ele confirma que essa foi realmente a pergunta

produzida por ele, ao responder “Sim” à sua interlocutora. Em seguida, no quarto turno, Bárbara

declara que ela e o esposo não possuem um carro. Alan acata a resposta dela como uma

evidência positiva, isto é, a certeza de que ela o tenha compreendido.

Ainda, nessa linha de condução, Clark e Brennan (1991, p. 131) argumentam que, ao

longo de uma conversação, os interlocutores estão atentos ao que chamamos de evidências de

compreensibilidade, exibidas publicamente pelos participantes. As evidências positivas

(positive evidence) indicam que fomos ouvidos e compreendidos e as negativas (negative

evidence) indicam que fomos indevidamente compreendidos e, por conseguinte, procuramos

agir, de modo a solucionar o problema. Esse processo pode exigir reparos, expansões e

substituições de parte ou da totalidade de uma determinada elocução. Tais mecanismos

mostram que a conversa oferece oportunidades sistemáticas para restabelecer a compreensão

mútua a todo momento.

De acordo com os autores (1991), as três formas mais comuns de evidência positiva

são: sinais de continuidade; lugar transicional relevante; sinais de atenção. Vejamos:

a) Sinais de continuidade (continuers): De acordo com Schegloff (1982, p. 82 apud

Clark e Brennan, 1991, p. 131), tal evidência consiste em sinais verbais (por exemplo, uhn, sim,

claro, realmente, de acordo etc.), isto é, intervenções breves que servem para indicar que o

interlocutor está acompanhando as palavras de seu parceiro conversacional.

Observemos como esses recursos (destacados em negrito) funcionam no segmento

interacional a seguir:

88

Excerto 11

L2 se você continuar com a analogia... inclusive se

[

L1 esse saneamento

L2 você pensar::...

[

L1 é o seguinte seria uma PARte... sei lá ou um governo ou

alguma coisa que imPÕE... alguma coisa

L2 uhn uhn

L1 ao que é subordinado na ciDAde...

[

L2 tá...

L1 ou seja... na hora que o indivíduo vai procurar... um::...

uma terapia o superego dele está levando o corpo dele...

para a terapia...

L2 sim tudo bem

Fonte: Projeto Nurc/SP, Inquérito 343, linhas 226-236.

Verificamos, nesse fragmento conversacional, que a própria noção de “continuidade”

(uhn uhn, tá) se relaciona diretamente à ideia de progressividade na interação, isto é, ao caráter

da conversa em andamento, em que o interlocutor concorda com as palavras do outro. Inclusive,

essa função de concordância é bem mais nítida no turno inserido “sim tudo bem”. É oportuno

dizer ainda que tais sinais de confirmação de entendimento são denominados por Clark e

Brennan (1991, p. 132) de back-channel responses.

b) Lugar transicional relevante (relevant next turn): Clark e Brennan (1991, p. 132)

asseveram que o lugar relevante para a transição do turno ocorre quando o ouvinte não tem

dificuldade para compreender que o enunciado da fase de apresentação está completo. É o

momento em que se configura a conclusão do turno e, por conseguinte, a alternância de falante.

Tal circunstância indica uma evidência positiva e ocorre, especialmente, em pares adjacentes,

por exemplo, a resposta a uma pergunta, a resposta a uma solicitação ou a aceitação de um

convite, conforme ilustrado neste segmento:

Excerto 12

A. Qual é a distância entre Huddersfield e Coventry?

B. Hum. Cerca de umas cem milhas.

Fonte: Clark e Schaefer (1989, p. 270).

Observamos, no excerto 12, que [B] fornece três tipos de evidências de entendimento:

89

i. [B] não solicita o reparo do enunciado de [A];

ii. [B] reconhece que [A] fez uma pergunta (primeira parte do par), dando-lhe uma resposta

(segunda parte do par);

iii. a resposta de [B] revela que ele compreendeu prontamente a elocução de [A], cuja

produção enunciativa se configura como adequada (optimal design).

Em suma, os participantes desenvolvem suas falas ao longo da conversa pela

identificação de onde elas estão potencialmente completas e, a partir daí, pela projeção do

término do turno de seus parceiros, tomam a palavra.

c) Sinais de atenção (continue attention): Clark e Brennan (1991, p. 133) argumentam

que, “[...] em uma conversação, as pessoas monitoram seus parceiros a todo momento”82. Para

Silva (2001, p. 132), o “monitoramento” se caracteriza como uma fiscalização que o

interlocutor exerce sobre seu parceiro, no sentido de direcionar e regulamentar a conversação,

por meio da emissão de determinados elementos, tais como né?; não é?; certo?; entendeu?.

Nessa direção, Castilho e Elias (2012, p. 34, grifo dos autores) explicam que certas

expressões interrogativas (sabe? viu? entendeu? compreendeu?) são utilizadas no

monitoramento da construção do texto, sem que haja a necessidade de a elas responder, a fim

de ver tão somente se o interlocutor “está ligado”, isto é, se está acompanhando a enunciação.

Outros sinais não-verbais como gestos, meneios de cabeça, levantar de sobrancelhas, sorrisos

etc. também contribuem para esse processo. Para os autores (2012, p. 34), essas expressões de

monitoramento são conhecidas normalmente como “marcadores textuais”.

Ainda, de acordo com Marcuschi (1989), o uso dos sinais de atenção supõe um

interlocutor ativo, pois tais elementos funcionam com alto grau de cooperatividade (agir dentro

dos pressupostos de entendimento mútuo) e colaboração (agir de acordo com a natureza das

demandas conversacionais), conforme se verifica no trecho a seguir:

82 Tradução da autora para o trecho original: “[...] in conversation people monitor what their partners are doing

moment by moment.”

90

Excerto 13

L1 acontece o seguinte... quando eu estudei éh::... tive que

... éh:: aprender uma série de métodos de... cálculo uma série de métodos de... cálculo

dimensionamento de pontes

L2 ahn

L1 agora vários desses... v rios desses métodos não não não

são mais necessários... não se aprende porque:: eles estão

suplantados né? você não precisa mais calcular o compu/

o computador calcula... e cada vez mais o computador

adquire... uma:: capacidade de calcular as coisas... não

é que ELE adquire ( ) já lançaram... computadores mais

aperfeiçoados certo?

L2 ahn ahn

L1 então eu peguei uma fase em que estava mais ou menos b

bom:: sei lá eu achei bom::... que eu aprendi bastan::te...

como fazer eu mesmo... e depois aprendi como fazer pelo

computador... então eu sabia dos dois jeitos né? como

eu teria que fazer...

L2 ahn ahn

Fonte: Projeto Nurc/SP, Inquérito 343, linhas 858-875.

Podemos observar, nesse segmento conversacional, a utilização das expressões certo?

(“já lançaram... computadores mais aperfeiçoados certo?”) e né? (“então eu sabia dos dois

jeitos né”?), sendo utilizadas por [L1] como sinais verbais que testam a atenção do interlocutor

[L2] e/ou buscam aprovação discursiva, em relação à conversa em andamento.

Dentre as evidências negativas de compreensão, destaca-se, por exemplo, o “pedido de

esclarecimentos” (request for clarifications). De acordo com Duncan (1974, p. 166), “tal pedido

é geralmente realizado em poucas palavras ou em uma sentença”83, em razão da falta de

entendimento de uma determinada proposição.

Observemos o segmento conversacional entre dois parceiros comunicativos

representados por [A] e [B], no fragmento a seguir:

83 Tradução da autora para o trecho original: “Such request were usually accomplished in a few words or a phrase.”

91

Excerto 14

A. É... Quanto Norman sai?

B. Perdão.

A. Quanto Norman sai?

B. Oh, apenas sexta e segunda-feira.

A. m.

Fonte: Clark e Schaefer (1989, p. 264).

Fixemo-nos no segmento em destaque. Nele, [A] faz uma pergunta a [B], referindo-se

a quantos dias da semana Norman sai (informação implícita no enunciado). No segundo turno,

antecipa-se um possível problema de compreensão, pois [B] aparentemente parece não ter

compreendido o enunciado, já que diz “Perdão”, indicando uma evidência negativa de

entendimento e levando [A] à repetição do enunciado “Quanto Norman sai?”. Desta vez, [B]

responde “Oh”, fornecendo ao seu interlocutor uma evidência positiva, visto que, em seguida,

responde “apenas sexta e segunda”. Se ele tivesse respondido “cerca de seiscentas libras por

mês”, poderia incidir em um mal-entendido. O “m” de [A], na sequência, e o próprio fato de

não terem colocado nenhuma objeção à formulação concluída, atestam que os participantes

alcançaram o entendimento mútuo, que emerge dessa ação colaborativa explícita e, ainda, que

a construção da compreensão é ação conjunta dos interlocutores.

Fechando essas considerações, Clark e Schaefer (1989) enfatizam que um dos objetivos

principais em uma conversação é atingir o critério de embasamento e, para isso, os

participantes não devem apenas reparar os problemas que encontrarem, mas tomar todas as

medidas preventivas necessárias para legitimar uma interpretação satisfatória no decorrer da

interação, tendo em vista alcançar a construção interativa da compreensão.

Diante do exposto, convém mencionar que os mecanismos de evidências da

compreensibilidade dependem da natureza do discurso em questão. Consideramos que, no

corpus estudado, algumas evidências positivas e negativas (por exemplo, elementos não-

verbais) não são passíveis de serem observadas, portanto, nossas análises devem permanecer

incompletas quanto a esses aspectos, já que “estão diretamente ligados ao fato de, na Internet,

a conversação se dar por escrito” (HILGERT, 2000, p. 29).

92

3.2 Sobre os problemas de compreensão

De acordo com Fiehler (2002), os parceiros comunicativos normalmente se empenham

em alcançar o entendimento mútuo. Para tanto, é indispensável uma observação cuidadosa, o

esforço mútuo e o trabalho colaborativo dos envolvidos no desdobramento conversacional, a

fim de chegar, na medida exigida, à compreensão. Contudo, o fato de não entender alguém ou

o de não ser entendido é inerente ao processo conversacional.

Assim, utilizando-se da fórmula descrita por Kindt (2002, p. 21), com base na qual

introduzimos o conceito de compreensão, “há um problema de compreensão quando a

formulação de P não é totalmente compreendida por R, resultando em y ≠ x”,84 facilmente

remediado no curso da interação. Ademais, dentre as razões centrais para o surgimento de

problemas de compreensão, podemos destacar: (i) aspectos linguístico-discursivos (por

exemplo, complexidade sintática; impropriedades lexicais etc.); (ii) conhecimento não

partilhado entre os interlocutores e (iii) diferentes pontos de vista acerca de determinado

assunto.

Nessa linha de condução, Fiehler (2002, p. 9) preconiza que, caso os problemas de

compreensão sejam notados ao longo da troca comunicativa, os interlocutores precisam

sinalizar a falta de entendimento, para fins de verificação, por meio de declarações como: “Não

o entendi corretamente. Acha mesmo que estamos equivocados quanto a esse ponto?”

Sob esse aspecto, o autor (2002, p. 9) esclarece:

Com base no conhecimento de que a comunicação é suscetível a turbulências de

interpretação, os interlocutores utilizam na conversa procedimentos profiláticos para

assegurar a ação comunicativa (formulação explícita, paráfrases etc.). Recorrendo a

esses procedimentos, procuram antecipar e evitar possíveis problemas e distúrbios de

compreensão.85

Observemos a utilização de um procedimento profilático no segmento interacional a

seguir:

84 Tradução da autora para o trecho original: “Ganz analog ergibt sich ein Verstehensproblem, wenn P's

Formulierung x 6 a regulär ist, zugleich aber a von R abweichend als y mit y ≠ x oder.” 85 Tradução da autora para o trecho original: “Aus dem Wissen um die Störanfälligkeit von Kommunikation heraus

setzen Gesprächsbeteiligte aber auch schon prophylaktisch Verfahren zur Sicherung der Verständigung ein

(explizites Formulieren, paraphrasieren etc.). Sie versuchen, mögliche Probleme und Störungen zu antizipieren

und durch die Anwendung dieser Verfahren zu vermeiden.”

93

Excerto 15

L1 é porque senão seria o seguinte a cidade pequena não

tem esses problemas... não é::? não dá para fazer analogia

criança adulto...

L2 como assim?...

L1 a criança tem uma psiquê o adulto tem outra psiquê

num num num estágios diferentes... de...

[

L2 uhn

Fonte: Projeto Nurc/SP, Inquérito 343, linhas 291-298.

Notamos, no excerto 15, que, em busca de uma comunicação bem-sucedida, o

participante [L2] intervém, no segundo turno, pedindo esclarecimento (“como assim?”). Essa

indagação foi realizada porque [L2] não entendeu o conteúdo da mensagem de seu parceiro

comunicativo [L1]. Fica evidente, nesse segmento, que os interlocutores realizam atividades de

verificação sistemática do próprio entendimento, ou seja, comportamentos preventivos, por

meio de solicitações indiretas e/ou pedidos diretos de repetições, reformulações ou

esclarecimentos etc., cuja função explícita e específica é anunciar um problema de

compreensão, dissipando as possibilidades de interpretação divergentes do que é esperado, no

desdobramento comunicativo.

Vejamos o que Hilgert (2005, p. 121) pontua em relação a esse tipo de interferência:

Uma vez identificado o problema, para que o tópico em desenvolvimento ou a

interação como um todo não corram o risco de interrupção, os interlocutores

desencadeiam, então, no desdobramento interacional, uma sequência especificamente

destinada a resolver o problema evidenciado, isto é, a buscar a intercompreensão.

Assim, o alcance da compreensão na conversa depende em grande parte da identificação

de situações problemáticas, da escolha de estratégias apropriadas e de sua aplicação, com êxito,

na resolução do problema. Inclusive, do ponto de vista interacional, predomina a seguinte

dinâmica organizacional das sequências que apresentam problemas de compreensão:

i. 1ª posição (turno 1): o falante formula seu enunciado;

ii. 2ª posição (turno 2): o ouvinte identifica um problema no enunciado do falante;

iii. 3ª posição (turno 3): o falante resolve o problema, reformulando em parte ou no todo o

seu enunciado. Solucionado o problema, a interação prossegue.

Ainda, para Kindt (2002, p. 22), a dinâmica expressa nessas condições revela que todo

problema de comunicação tem dois lados: positivo e negativo. O aspecto negativo diz respeito

94

ao “reconhecimento de um desvio” (Erkennbarkeit der Abweichung) na atividade

comunicativa, isto é, de um distúrbio na comunicação, indicando que a compreensão entre os

interlocutores ainda não foi alcançada. Quanto ao aspecto positivo, o autor (2002) admite que

o problema de compreensão se caracteriza como um estágio intermediário na construção da

compreensão, de maneira que oferece aos interlocutores a possibilidade de reconhecerem com

quais procedimentos comunicativos podem alcançar o entendimento mútuo e, em seguida, de

aplicar essas estratégias na resolução do problema, a fim de dar prosseguimento à interação.

Nessa linha de condução, Hilgert (2005, p. 136, grifo do autor) argumenta que

“sugerem-se assim dois polos na manifestação da compreensão no desdobramento interacional:

a compreensão e a não compreensão”. Entre esses extremos situa-se o problema de

compreensão, que desencadeia um processo interacional de busca da compreensão, ou seja, ele

é um fator de construção do sentido e desenvolvimento da conversa.

Diante do exposto, Fiehler (2002, p. 10) argumenta, inclusive, que só se pode falar em

problema de compreensão, se “[...] os interlocutores tiverem a intenção, o interesse e a vontade

de se compreenderem e, mesmo assim, a comunicação, em determinados pontos e certos

aspectos, pode não ser bem-sucedida.”86 Em outros termos, a conversação exige dos parceiros

uma observação cuidadosa, um trabalho colaborativo constante e um esforço alternado

imprescindível em favor de uma compreensão em constante risco.

Finalmente, importa mencionar que, para efeito deste estudo, abordaremos, na seção

seguinte, um tipo específico de problema de compreensão – o mal-entendido – objeto de nossa

investigação.

3.3 Sobre os mal-entendidos

No dizer de Weigand (1999, p. 769-770), o mal-entendido (ME) se caracteriza como

“[...] uma forma de entendimento parcial ou totalmente divergente do que o enunciador

tencionou comunicar e que poderá ser corrigida normalmente no desenvolvimento do jogo de

86 Tradução da autora para o trecho original: “[...] die Gesprächspartner beide die Absicht, das Interesse und den

Willen zur Verständigung haben, die Kommunikation aber (an bestimmten Stellen und in bestimmten Aspekten)

dennoch nicht gelingt.”

95

ação dialógica”.87 A autora (Ibid., p. 769) permite caracterizar, em particular, esse tipo de

ocorrência como “caso estereotípico” (standard case)88 entre os problemas de compreensão, o

qual apresenta predominantemente o seguinte padrão conversacional, principalmente, em

situações de interação face a face: (i) turno 1 – o falante [A] formula seu enunciado; (ii) turno

2 – o ouvinte [B] apresenta seu entendimento acerca do enunciado produzido por [A]; (iii)

turno 3 – o falante [A] denuncia o mal-entendido, ao afirmar que a resposta de [B] não está de

acordo com o que ele [A] tencionou comunicar, reformulando o turno fonte do problema,

dando-lhe uma contextualização mais precisa, a fim de que o equívoco de compreensão seja

resolvido e a sequência interacional possa prosseguir.89

Em seu artigo, Weigand (1999) argumenta que a ocorrência do “caso estereotípico” de

ME pressupõe a comunicação entre membros de um mesmo mundo cultural, isto é, não estão

incluídos nessa categoria, por exemplo, mal-entendidos ocorridos em conversas entre falantes

de diferentes idiomas ou entre falantes nativos e não nativos, como também mal-entendidos

deliberadamente planejados pelo falante.

Observemos a ocorrência de um “caso estereotípico” de mal-entendido no fragmento a

seguir:

Excerto 16

A: Harry é um ótimo jogador de xadrez.

B: Jerry é um ótimo jogador, eu sei...

A: Desculpe, eu disse Harry.

Fonte: Weigand (1999, p. 774 – adaptado).

Conforme verificamos, no primeiro turno, o participante [A] apresenta seu enunciado.

O interlocutor [B], detentor do segundo turno, não consegue interpretar adequadamente o

enunciado produzido por [A], fato que decorre num caso estereotípico de mal-entendido, o

qual é, em seguida, denunciado explicitamente por [A]: “Desculpe, eu disse Harry”. Ou seja, a

87 Tradução da autora para o trecho original: “[...] a form of understanding which is partially or totally deviant

from what the speaker intended to communicate. Misunderstanding will normally be corrected in the course of the

ongoing dialogic action game.” 88 Weigand (1999, p. 768) permite caracterizar, em particular, o mal-entendido como “standard case”, traduzido

por Dascal (2006, p. 315) como “exemplo-padrão” e apresentado, por Hilgert (2005, p. 141), como “caso

standard”. Sugerimos, neste trabalho, a expressão “caso estereotípico”. Ainda, importa mencionar que, nesta

pesquisa, nosso interesse recai sobre os estereotípicos, pelo fato de que são revelados na superfície linguística e,

de alguma forma, podem ser gerenciados e interacionalmente resolvidos. 89 Ao predomínio desse padrão também fazem referência Dascal (1999, p. 754) e Bazzanella e Damiano (1999, p.

828).

96

ocorrência desse equívoco de compreensão se dá exatamente quando o ouvinte concebe uma

interpretação para algum turno, a qual considera coerente do seu ponto de vista, mas que não é

a pretendida pelo falante.

Nessa direção, Weigand (1999) argumenta que o mal-entendido é definido por algumas

características constitutivas, tais como:

i. O entendimento do interlocutor é parcial ou totalmente desviante do que o falante

pretendia comunicar;

ii. o interlocutor que entendeu mal não tem conhecimento disso;

iii. o mal-entendido pode ser corrigido na conversa em andamento.

Relacionando essas observações acerca do ME ao princípio de contribuição discursiva,

apresentamos, simplificadamente, o ciclo de negociação e/ou administração do fenômeno, no

quadro que segue:

Quadro 1 – Ciclo de negociação do mal-entendido

Fase de Apresentação Fase de Aceitação

Falante: produz x (enunciado) Ouvinte: aceita x e produz y = ME

Ouvinte: apresenta y = ME Falante: não aceita y e produz z = reparo

Falante: apresenta z = reparo Ouvinte: aceita z → intercompreensão

Ouvinte: não aceita z → ruptura/abandono

comunicacional

Fonte: elaborado pela autora (2020).

É, portanto, por meio do desdobramento de determinações mútuas que os interlocutores,

na medida em que vão produzindo enunciados, aceitando-os ou não, reajustando-os,

especificando sentidos, vão construindo a compreensão entre si. Desse modo, o ME não deve

ser visto como um processo polar (ausência/ presença de compreensão), mas sim como um

continuum. De acordo com Bazzanella e Damiano (1999), constitui-se em uma fase do processo

de construção da compreensão, ou, no dizer de Kindt (2002), pode significar um estágio

intermediário na construção da compreensão. Para Bousquet (1996, p. 2), esse fenômeno se

situa entre os polos da incompreensão e compreensão e “[...] se distingue da simples

incompreensão pela ocorrência de interpretações divergentes que causam um atraso na

negociação do sentido.”90

90 Tradução da autora para o trecho original: “En fait, le malentendu se distingue de la simple incompréhension

par l’existence d’interprétations divergentes qui provoquent le report dans le temps de la négociation du sens.”

97

Diante dessas considerações, Hilgert (2005, p. 150) enfatiza que “a compreensão é,

portanto, um vir a ser, uma busca incessante no processo de construção e de negociação de

sentidos e propósitos na comunicação”. E [...] os mal-entendidos são elementos constitutivos

dessa busca, pois o falante, ao denunciar o equívoco de compreensão, procura, em turno

específico, resolver o problema, recorrendo, por exemplo, à reformulação do que foi dito, com

o intuito de se fazer compreender pelo ouvinte, a fim de prosseguir na abordagem do tópico em

pauta na comunicação.

Ainda, nessa linha de condução, o autor (2003, p. 230-231), ao analisar um corpus

constituído de três inquéritos DID (Diálogos entre informante e documentador) do Projeto

NURC/RS, apresenta uma estrutura interacional padrão relativa ao processo de monitoramento

dos problemas de compreensão, entre eles, os mal-entendidos, conforme segue:

i. Denomina-se “enunciado de referência” o primeiro turno (T1), no qual o falante formula

o seu enunciado.

ii. O “enunciado revelador do problema de compreensão” é, em geral, o segundo da

sequência monitorada, no qual se manifesta o problema de compreensão. Essa

manifestação ocorre por meio de um marcador de problema (ver excerto 14) ou por uma

hipótese de compreensão (uma interpretação a ser ou não confirmada pelo interlocutor)

ou por ambos. É oportuno dizer que Hilgert (2003, p. 231, grifo do autor) chama a

atenção para o fato de que: “A hipótese de compreensão feita por um falante sobre o

enunciado de seu interlocutor e considerada equivocada por este constitui uma das

formas de mal-entendido.”

iii. No terceiro turno, o falante resolve o problema, reformulando o enunciado de referência

no todo ou em parte.

Cabe ressaltar que pode aparecer, comumente, um turno de quarta posição que encerra

a sequência interacional centrada no monitoramento do problema.

Vejamos, a seguir, o fragmento de um inquérito (DID), extraído do Projeto NURC/RS,

que ilustra o ciclo de negociação de um ME (revelado por meio de hipótese de compreensão),

cuja interação se dá em quatro turnos:

98

Excerto 17

Doc. e os cardíacos?... [Antes Doc. havia feito a seguinte pergunta: “quais são os problemas

respiratórios mais comuns?]

Inf. relacionados com problema respiratório?

Doc. não... os cardíacos mais comuns...

Inf. problemas cardíacos? olha isso eu não:: não vou falar porque... eu não entendo... de

cardiologia... nunca ouvi falar muito de problemas disso... lesões...

Fonte: Hilgert (2003, p. 233).

No excerto 17, observamos que o documentador faz uma pergunta no primeiro turno.

No turno seguinte, o informante lança a hipótese (“relacionados com problema respiratório?”)

de que a presente pergunta do interlocutor esteja no contexto da compreensão da pergunta

anterior. No terceiro turno, o documentador nega essa hipótese e redefine o sentido da pergunta,

reformulando-a (“não... os cardíacos mais comuns...”) e, no turno em quarta posição, o

informante declara não ter conhecimento acerca de problemas cardíacos e, por essa razão,

prefere não comentar.

Concordamos com Hilgert (2005) de que essa defasagem interpretativa consiste em uma

das formas de mal-entendido, contudo não de um “caso estereotípico”, visto que o informante

reage sob condições de incerteza, ou melhor, ele tem consciência de que manifesta uma

possibilidade de entendimento, submetida à consideração do interlocutor. Weigand (1999, p.

774) considera tal ocorrência como um “subtipo do caso padrão de mal-entendido” (subtype of

our standard case of misunderstanding).

Vejamos como esse tipo de evento difere da seguinte situação: V, uma terapeuta de

dança, estrangeira (procedente de Israel), chega para uma sessão de terapia de grupo em um

hospital psiquiátrico em Berkeley, como observadora. Ela não é apresentada pelo terapeuta que

está dirigindo a sessão. Após algum tempo de participação se desenvolve a conversa entre [V]

e um dos pacientes [P]:

Excerto 18

[...]

P: Quanto tempo vai ficar aqui?

V: Mais uns dois meses.

P: Ah... /entonação crescente expressando ‘compreensão solidária e pena’/. Eu vou ficar aqui só duas

semanas.

V: Ah, não! Estou aqui só para esta sessão.

Fonte: Dascal (2006, p. 329, grifo do autor).

99

O mal-entendido desse exemplo está centrado no termo aqui. A terapeuta [V], ao

responder à elocução do paciente (“Mais uns dois meses”), tem certeza de que ele está se

referindo aos Estados Unidos (ou Berkeley) em sua pergunta (“Quanto tempo vai ficar aqui?”).

Ela só toma consciência de que fez uma interpretação equivocada, ao perceber que [P] se refere

ao cenário do “internamento”, no qual o período de internação equivale à gravidade da doença.

Logo após, corrige a sua fala, informando que estava ali somente para aquela sessão de terapia.

Para Weigand (1999), tal exemplo ilustra o “caso estereotípico” (standard case) de mal-

entendido, visto que o interlocutor não tem ciência de que tenha feito uma interpretação

equivocada. Ele acredita que sua compreensão é pertinente e adequada e só toma conhecimento

da divergência interpretativa, a partir da sinalização e/ou denúncia do falante.

Wróblewsky (1983, p. 72 apud Dascal, 2006, p. 343), baseado numa concepção

pragmática (no Direito), distingue o termo “interpretação” em dois significados principais: lato-

sensu [interpretação-L] e stricto sensu [interpretação-S]. Para o autor, a interpretação-L

corresponde à compreensão direta e a interpretação-S à compreensão duvidosa em dada

situação comunicativa. Aproveitamos essa sugestão, alterando, entretanto, o que se considera

sentido lato e sentido estrito.

Assim, serão considerados mal-entendidos, em sentido lato [ME-L], aqueles que

apresentam uma hipótese de compreensão, ou melhor, uma “interpretação hipotética”,

duvidosa, submetida à consideração do interlocutor (por exemplo, excerto 17). Em sentido

estrito [ME-S], os “casos estereotípicos” de mal-entendido, que correspondem a toda

interpretação considerada “correta, apropriada”, entretanto equivocada e somente percebida

como tal depois de manifesta, devido à sinalização e/ou denúncia do parceiro comunicativo

(por exemplo, excerto 18).

Ainda, é oportuno mencionar que, a partir daqui, passaremos a adotar, a expressão

“interpretação ilusória”, para enfocar exclusivamente os ME-S, ou seja, casos em que o

entendimento seja “coerente” do ponto de vista do ouvinte, entretanto não compatível aos

propósitos comunicativos do falante. Essa concepção também encontra reforço no dizer de

Dätwyler (2016, p. 17): “A ilusão de entender o enunciado formulado pelo parceiro

comunicativo é fundamental para a criação do mal-entendido.”91

91 Tradução da autora para o trecho original: “L’illusion d’avoir compris l’énoncé du partenaire de communication

est fondamentale dans la création du malentendu.”

100

Nessa direção, propomos as seguintes definições dos elementos que integram,

normalmente, a sequência conversacional no ciclo de negociação do mal-entendido em

sentido estrito:

i. 1ª posição – turno de origem do ME-S: enunciado de referência, que

corresponde à proposição inicial do falante.

ii. 2ª posição – turno de ocorrência do ME-S: enunciado revelador do problema,

no qual se manifesta uma “interpretação ilusória”.

iii. 3ª posição – turno de reparo do ME-S: enunciado sinalizador (que aponta o

problema) e/ou enunciado reformulador (que tenta resolver o problema).

iv. 4ª posição – turno de feedback: enunciado-resposta, em que o ouvinte, na fase

de negociação da produção de sentido, aceita o turno de reparo.

Observemos as interações (19) e (20), extraídas da rede social Twitter, que

exemplificam tal padrão de monitoramento do ME-S, finalizadas em terceira e quarta posição

respectivamente:

Excerto 19

Usuário A: “Enxerga a situação do Brasil, cara. Enquanto tem gente morrendo a rodo, eles estão

preocupados com volta do futebol. Se você não consegue enxergar a gravidade disso, sinto muito”

18/06/2020, 23h41. Tuíte.

Usuário B: “Quem tem q se preocupar com a saúde é o presidente, sec de saúde... Ministros Não o

Gabigol, arrascaeta, eles só estão trabalhando, como eu e vc. E contribuindo com as pessoas q ficam

em casa na quarentena e poder se distrair um pouco. Futebol é um bem sim. Psicologicamente.”

18/06/2020, 23h50. Tuíte.

Usuário A: “Quando eu me referi a pessoas estarem preocupadas apenas com a volta do futebol, eu

não me referi aos jogadores porque isso não cabe a eles decidirem. Me referi aos verdadeiros

responsáveis por pensarem apenas no próprio bolso” 19/06/2020, 3h06. Tuíte.

Usuário A: “Esses caras estão pouco se importando com a saúde dos envolvidos na partida e com o

risco de contribuírem na transmissão da doença, só querem saber do dinheiro que eles não podem

perder” 19/06/2020, 3h06. Tuíte.

Fonte: Twitter.92

Quanto à estrutura organizacional, constatamos, no excerto 19, que o usuário [A] produz

um enunciado de referência, no qual comenta acerca da preocupação de alguns indivíduos

(“eles”) com o retorno dos jogos futebolísticos no Brasil, durante o período de pandemia da

Covid, no ano de 2020. Em segunda posição, o usuário [B] explicita a sua interpretação do

92 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1273810456130588675>. Acesso em: 22 jun. 2020.

101

enunciado de [A], afirmando que os cuidados das questões de saúde caberiam ao presidente,

secretário da saúde, ministros e não aos jogadores de futebol (enunciado revelador do problema,

decorrente de uma interpretação ilusória). Em terceira posição, turno de reparo, [A] denuncia

explicitamente que o usuário [B] interpretou equivocadamente o enunciado, afirmando que sua

crítica não foi dirigida aos jogadores de futebol (“Quando eu me referi a pessoas [...], eu não

me referi aos jogadores”), e sim aos verdadeiros responsáveis (possível referência aos dirigentes

de clubes). No tuíte seguinte,93 o usuário [A] ainda argumenta que estes não estão se importando

com a saúde dos jogadores e, consequentemente, com a transmissão da doença, mas com o lucro

financeiro alcançado por meio das partidas de futebol. Ainda, no que concerne à análise do

excerto 19, cabe enfatizar que essa interação não apresenta enunciado-resposta.

Excerto 20

Usuário A: “Talvez seja tarde para salvar livrarias e jornais impressos, assim como é tarde pra

ressuscitar a indústria fonográfica e as lojas de discos. Quanto mais cedo aceitarmos e entendermos a

mudança, mais cedo colonizaremos esse território digital com informação de qualidade.” 03/11/2018,

10h47. Tuíte.

Usuário B: “Eu não consigo... tentei ir pra essa mundo digital, mas nada substitui o cheiro e o contato

com as páginas de um livro. Dói em mim ver livrarias fechando.” 03/11/2018, 13h59. Tuíte.

Usuário A: “Não me refiro só a e-books e e-readers. Me refiro a repensar a maneira e os canais para

divulgar ciência e notícias. Os portais dos grandes jornais são pagos. Enquanto isso, a massa se

‘informa’ com notícias falsas no WhatsApp que é gratuito.” 03/11/2018, 18h18. Tuíte.

Usuário B: “É verdade. Acho mesmo que deveria ser repensado o sistema de leitura dos sites de

notícias.” 03/11/2018, 18h54. Tuíte.

Fonte: Twitter.94

Façamos, agora, uma breve análise do excerto 20: em um primeiro momento,

observamos que a interação não ocorre totalmente de modo síncrono, no entanto os tuítes

publicados ficam disponíveis na rede, permitindo que as trocas comunicativas possam

acontecer a qualquer momento. Em segundo lugar, notamos que o tema tratado na interação em

curso corresponde ao fechamento de livrarias e jornais impressos determinado pelo domínio de

similares digitais. Assim, a melhor saída seria aceitar o fato, a fim de suprir o território digital

com informação de qualidade. Na segunda posição, o usuário [B] lamenta o fechamento de

livrarias e confessa a sua não adaptação ao mundo digital. No turno seguinte, [A] declara, por

meio do enunciado sinalizador, que sua intervenção não se limitava a “e-books ou a e-readers”

93 O turno do usuário [A] foi dividido em dois tuítes, devido à extensão de seu enunciado. 94 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1058717308020031488>. Acesso em 05 nov. 2018.

102

e, em seguida, esclarece: “Me refiro a repensar a maneira e os canais para divulgar ciência e

notícias [...]”. Fica denunciado dessa forma que o usuário [B] só captou um aspecto do

enunciado de referência, quando, então, incorreu no mal-entendido. Finalmente, na quarta

posição, a subsequente resposta do usuário B (“É verdade.”) dá mostras de que ele de alguma

forma aceita a denúncia e o procedimento reformulador, indicando que o equívoco

interpretativo foi resolvido.

Esses excertos ilustram igualmente o fato de que o mal-entendido é “uma defasagem

entre o sentido codificado pelo locutor (sentindo intencional, que o emissor deseja transmitir

ao destinatário) e o sentido decodificado pelo receptor” (KERBRAT-ORECCHIONI, 2005, p.

62, grifo da autora). Enfim, são segmentos interacionais dessa natureza que elegemos como

objeto de investigação deste trabalho. Cabe agora uma breve abordagem dos níveis e fatores

que desencadeiam os mal-entendidos nas interações.

3.3.1 Origem do mal-entendido

De acordo com Koch (2009), mal-entendidos, conflitos e situações que desencadeiam

incompreensão mútua são inevitáveis na interação. Para restabelecer o consenso, torna-se

preciso que as dificuldades sejam identificadas e atribuídas a possíveis causas.

No que diz respeito às causas que desencadeiam o mal-entendido nas interações,

consideremos o seguinte excerto:

Excerto 21

A: O que você está fazendo?

B: Como assim, o que “eu estou fazendo”?

A: Você é muito gentil, “alimentando os pássaros!”

B: Eu não estou alimentando os pássaros, estou envenenando os bastardos! Isso vai ensiná-los a

não me acordar às 4 da manhã!!

Fonte: Yus (1999, p. 235).

Verificamos, no excerto 21, que o falante [A] faz uma interpretação equivocada ao

considerar que [B] estava alimentando pássaros. O interlocutor [B] imediatamente produz um

enunciado sinalizador, denunciando o mal-entendido, ao afirmar que não estava oferecendo

alimento aos pássaros e procura reparar o problema, ao anunciar que estava, na verdade,

103

envenenando os animais, em razão de acordá-lo às 4 horas da manhã. No caso, constatamos que

ocorre um mal-entendido de ordem pragmática (leitura/interpretação incorreta de um aspecto

do contexto), linguisticamente marcado no texto.

Bazzanella e Damiano (1999, p. 818-21), empregando um corpus de conversações

naturais do italiano falado e baseando-se, sobretudo, na teoria etnometodológica da conversa,

fornecem uma útil classificação das principais causas de ocorrência do mal-entendido,

relacionando-as a duas dimensões:

i. o “nível” (level) em que o fenômeno pode ocorrer: fonético (phonetic); sintático

(syntactic); lexical (lexical); semântico (semantic); pragmático (pragmatic).

ii. Os “fatores” (triggers) que o desencadeiam, tais como:

a) “estruturais” (structural triggers): distúrbios junto ao canal comunicativo,

ambiguidades lexicais ou sintáticas, distúrbios causados pelo uso de uma língua

estrangeira;

b) “relacionados ao falante” (triggers related to the speaker): problemas quanto à prosódia,

atos de fala indiretos, indeterminação, anacoluto, entre outros;

c) “relacionados ao interlocutor” (triggers related to the interlocutor): lacunas no

conhecimento enciclopédico, construção de falsas inferências etc.;

d) “relacionados à interação entre os participantes” (triggers related to the interaction

between the participants): diferenças culturais, diferenças entre os estilos

comunicativos, conhecimentos não compartilhados, tópico de organização, entre outros.

As autoras (1999) enfatizam ainda que alguns níveis e fatores podem convergir em um

certo momento da interação verbal, tornando o processo de negociação do mal-entendido mais

acentuado e difícil, o que implica esforço mútuo e cooperação discursiva entre os parceiros da

comunicação para a solução do conflito.

Ainda, para Dascal (2006, p. 326), o mal-entendido pode ocorrer em diferentes

“camadas de significância”, embora na maioria dos casos mais de uma camada é atingida. Entre

elas, podemos citar: grafêmica (no caso desta pesquisa, corresponde ao mal digitar), sintática,

semântica-lexical, pragmática, argumentativa.

Tomando por base o fragmento conversacional exemplificado no excerto 19, podemos

observar que o mal-entendido foi provocado porque o usuário [A] não apresentou o referente

de “eles”: “Enquanto tem gente morrendo a rodo, eles estão preocupados com volta do futebol”.

104

Se efetivamente esse referente não foi definido anteriormente na interação, o equívoco do

usuário [B] se justifica, bem como poderia ter sido usado como argumento para sustentar sua

leitura.

Nessa direção, é possível dizer que a ocorrência dos mal-entendidos em interações

(predominantemente escritas) na rede, pode ser motivada por diversos aspectos. Dentre eles,

destacam-se: a) problemas de ordem lexical: incorreção lexical ou referencial; b) de ordem

semântica: insuficiência de informação no enunciado, incompreensão dos elementos

constituintes da sentença; b) de ordem pragmática: uso inadequado de dêiticos, leitura incorreta

de aspectos do contexto; c) de ordem sintática: casos de sentenças que permanecem

sintaticamente ambíguas (frases de duplo sentido), indefinição tópica, coesão referencial, entre

outros. Claramente, tais parâmetros de classificação permitem alguma flexibilidade, de modo

que não estão estritamente posicionados em uma única categoria.

Hilgert (2005, p. 142), ao analisar inquéritos entre informante e documentador, do

arquivo sonoro do Projeto NURC/POA, destaca três fatores que merecem destaque, por sua

ocorrência mais frequente no monitoramento dos mal-entendidos. São eles: (i) “indefinição

tópica”, (ii) “ambiguidade lexical, traduzida em termos e expressões capazes de assumir

sentidos diferentes num mesmo contexto”; (iii) “complexidade sintático-lexical, identificada,

por exemplo, em enunciados demasiadamente longos”.

Convém enfatizar que cada estudo específico vai identificar outras fontes

desencadeadoras de mal-entendidos pelo simples fato de eles serem tão imprevisíveis quanto

os motivos que nos impelem a negociar sentidos no desdobramento das interações, em nossas

práticas sociais (HILGERT; ANDRADE, 2020).

Ainda, importa mencionar que, “por mais imperscrutáveis que sejam as razões dos

problemas de compreensão, eles se manifestam concretamente, na interação linguística, na

palavra, isto é, na verbalização do texto” (HILGERT, 2005, p. 120). Portanto, filiados à

abordagem teórico-metodológica e aos objetivos desta pesquisa, nosso foco recai em verificar

como o mal-entendido ocorre e é gerenciado linguisticamente no desdobramento

conversacional.

Enfim, quaisquer que sejam as razões, o mal-entendido somente se revela quando, no

decurso da interação, o enunciador sinaliza, por meio de intervenção explícita, que a

interpretação do ouvinte é divergente, ou seja, não satisfaz à expectativa esperada por ele

(falante). E por reconhecer que o desdobramento da ação comunicativa está sujeito a toda ordem

105

de turbulências de interpretação e compreensão, o falante recorre, por exemplo, a

procedimentos de reformulação, destinados a resolver o problema evidenciado, procurando

dar prosseguimento à interação.

3.3.2 Atividades de reformulação

Quanto aos procedimentos de monitoramento do mal-entendido linguístico, daremos

ênfase às atividades de reformulação, por meio das quais o interlocutor retoma um segmento

textual a fim de dar-lhe nova formulação, com o intuito de resolver algum desvio interpretativo.

Koch (2009, p. 120) caracteriza tais atividades como “estratégias metaformulativas”. Dentre

elas, destacamos as correções, repetições saneadoras e paráfrases.

Para Gülich e Kotschi (1995, p. 34-9), essas estratégias, ativadas frequentemente no

desdobramento interacional, são caracterizadas como “procedimentos de tratamento”

(treatment procedures), cuja característica é a referência a um segmento anterior por meio de

um novo enunciado que, de alguma forma, muda, modifica, reformula ou expande essa

expressão anteriormente produzida, denominada, pelos autores, “enunciado de referência”

(reference expression). Em outras palavras, por meio desses procedimentos (ou métodos,

conforme estudos etnometodológicos), o falante delimita um segmento anterior da conversa (ou

fonte do problema, termo utilizado pelos analistas da conversa), “trabalha nele” (working on it)

ou o “trata” (treating it), de modo a produzir o “enunciado de tratamento”95 (the treating

expression). Tais procedimentos têm função metalinguística retrospectiva e são nomeados

“reformulações” (reformulations).

Os autores (1995, p. 42, grifo dos autores) ainda preconizam que “[...] todo enunciado

de tratamento contém algo novo, um elemento de mudança, de ‘progressão’ comunicativa.

Como uma regra, algum tipo de ‘variação’ é pelo menos sugerido”96, ou seja, não há repetição

“pura”, sem qualquer “acréscimo” de características semânticas. Mesmo em casos de identidade

lexical e semântica entre as expressões referenciais e de tratamento, ou seja, mesmo nos casos

de “repetição”, o segmento repetido pode receber um significado diferente por algum tipo de

desvio entonacional.

95 Neste trabalho, caracterizamos o “enunciado de tratamento” como “enunciado reformulador”. 96 Tradução da autora para o trecho original: “[...] every treating expression contains something new, an element

of change, of communicative “progression”. As a rule, some kind of “variation” is at least suggested.”

106

Para Barros (2001, p. 137, grifo da autora), tais atividades de reformulação textual “têm

por objetivo levar o interlocutor a reconhecer a intenção do locutor, ou seja, procuram garantir

a intercompreensão na conversação ou em qualquer outro tipo de texto”. Inclusive, “resultam

do trabalho de cooperação dos participantes da conversação” (Id., 2006, p. 48).

Em síntese, dentre as principais atividades de reformulação, temos:

(i) Correção: está relacionada à produção de um enunciado linguístico que reformula

um anterior, considerado errado aos olhos de um dos interlocutores. “A correção é, assim, um

claro processo de reformulação retrospectiva” (FÁVERO et al., 2015, p. 243) e decorre da

necessidade de o locutor solucionar dificuldades de interpretação no segmento anteriormente

produzido.

De acordo com Barros (2001, p. 136):

A correção é, assim, um procedimento de reelaboração do discurso que visa a

consertar seus “erros”. O “erro” deve ser entendido como uma escolha do falante –

lexical, sintática, prosódica, de organização textual ou conversacional – já posta no

discurso e que, por razões diversas, ele e/ou seu interlocutor consideram inadequada.

Nessa direção, a autora (2001), ao examinar o procedimento da correção em texto

extraído do material do projeto NURC/SP, verifica que há entre o enunciado a ser reformulado

e o enunciado reformulador uma relação de contraste, ou seja, há traços semânticos opostos ou

contrários que distinguem o elemento corrigido de seu corretor. São eles: definição,

determinação, especificidade vs indefinição, indeterminação, generalidade.

No decorrer desse trabalho, Barros (2001) observa também que os mecanismos de

correção são empregados para sanar, normalmente, erros fonéticos-fonológicos (de pronúncia,

por exemplo) ou morfossintáticos (erros de gramática normativa, entre outros). Aplicam-se

ainda a erros semântico-pragmáticos, que devem ser entendidos tanto como impropriedades

informativas (resolvidas por meio de novas escolhas lexicais) quanto como imprecisões nas

expressões de sentimentos e opiniões dos interlocutores. Inclusive, a grande frequência de

correções semântico-pragmáticas reforça a ideia de que a intercompreensão é o objetivo

fundamental da atividade de correção, seja a compreensão de conteúdos informativos, seja a

compreensão de intenções do falante.

A autora (2001) ainda pontua que as correções têm, de modo geral, objetivos

interacionais, ou seja, os interlocutores, ao se utilizarem de tal procedimento, mostram-se

atentos e interessados no bom desenvolvimento da conversa e, por conseguinte, no

estabelecimento de laços intersubjetivos ou emocionais.

107

Nesse sentido, Fávero et al. (1999, p. 71) argumentam que “as correções apresentam a

função geral de caráter interacional, no que diz respeito à busca de cooperação,

intercompreensão, e ao estabelecimento de relações que envolvem os interlocutores.”

Um exemplo de correção encontra-se no excerto 16 deste trabalho, em que o falante, no

primeiro turno, comenta o fato de Harry ser um ótimo jogador de xadrez. O ouvinte, detentor

do segundo turno, entende que o falante fazia referência a Jerry. No turno seguinte, o falante

denuncia o equívoco interpretativo, por meio de uma marca verbal lexicalizada, utilizada na

atividade de correção (“Desculpe”), em que se introduz o elemento corrigido (“eu disse

Harry”).

As palavras de Barros (2001, p. 139) vêm reforçar essa concepção:

[...] a correção deve ser entendida como um procedimento de reelaboração do

discurso, com o fim de torná-lo mais “correto” ou “adequado”, segundo o ponto de

vista de um ou ambos os participantes do diálogo, para, dessa forma, levar o

interlocutor a reconhecer a intenção do falante e garantir a intercompreensão na

conversação. Em outros termos, tornar o discurso mais “correto” é um meio para

assegurar a compreensão no diálogo.

Neste ponto, é oportuno dizer que, no excerto 16, a denúncia feita pelo locutor [A], na

posição três, apresenta-se de modo atenuado, para evitar, por exemplo, que a imagem social do

interlocutor [B] seja posta em risco. Entretanto, a denúncia de um mal-entendido pode ser

explícita e, até mesmo, ríspida e deselegante, quando não ofensiva. De modo geral, estas vêm

acompanhadas da explicitação do equívoco, comuns em contextos em que os interlocutores

defendem publicamente suas posições em relação a um tema em foco.

Ainda, no que diz respeito às correções, Barros (2001), ao analisar uma crônica

dialogada de Drummond, observa que, na escrita, elas são poucas ou nem aparecem, uma vez

que é possível reelaborar o texto sem deixar marcas, já que elaboração e produção ocorrem em

momentos distintos. Já na fala isso não acontece, pois elaboração e produção coincidem no eixo

temporal. Em consequência, as reelaborações que se fizerem necessárias deixarão marcas no

texto, oferecendo sempre pistas, traços de revisões, de reformulações, das mudanças de

encaminhamento, sob a forma, entre outras, de correções.

Dentro dessa perspectiva, Hilgert (2000), ao examinar interações em chats, argumenta

que a correção não tende a se manifestar em bate-papos na internet, visto que essa atividade –

cuja função é anular, total ou parcialmente, o anteriormente dito – pode ser realizada por meio

do computador, isto é, pelo efetivo apagamento da formulação escrita, salvo em casos em que

108

a correção será feita por um usuário, por alguma razão, num turno futuro dele (autocorreção)

ou de outro participante (heterocorreção), quando, então, o procedimento se tornará explícito.

Inclusive, um aspecto importante a ser destacado é que, nos casos de autocorreção, os usuários

desenvolveram a prática de utilizar o asterisco (*), sinal evidente e próprio da correção de algum

termo ou expressão no ambiente virtual.

Por último, cabe enfatizar que, para Barros (2001, p. 139), há dois tipos de correção: a

reparação, entendida como a correção de uma infração às regras conversacionais e a correção

propriamente dita, que diz respeito a um ato de reformulação, cujo objetivo, ao consertar

“erros” e inadequações, é assegurar a intercompreensão na conversa.

Partimos do pressuposto que os procedimentos de reparação são próprios da

conversação face a face, situação em que os parceiros comunicativos estão presencialmente

juntos e suscetíveis a cometer infrações no sistema de tomada de turnos, dominando e

desequilibrando, por vezes, a interação. Essas falhas e desobediências às regras da conversação

são, então, reparadas pelo próprio falante (autorreparação) ou pelo interlocutor

(heterorreparação), por meio de reparações diretas (por exemplo: algo como “era eu quem

estava com a palavra”) ou indiretas (por meio de sobreposição de voz, de tomada ou devolução

de turno, de manutenção da voz etc.). Importa dizer que esse tipo de correção não será abordado

neste trabalho, uma vez que está diretamente relacionado à produção da fala-em-interação.97

(ii) Repetição: De acordo com Marcuschi (2015), a repetição é uma atividade de

formulação textual que contribui para a organização discursiva e o monitoramento da coerência

textual. Além disso, favorece a coesão e a formação de sequências mais compreensíveis, dá

continuidade à organização tópica, auxiliando nas atividades interativas. De modo geral,

consiste na produção de segmentos linguísticos duas ou mais vezes, no âmbito de um mesmo

evento comunicativo, motivados pelos mais diversos fatores, seja de ordem cognitiva, textual,

sintática ou interacional. Ainda, para o autor, a repetição, no plano da compreensão, fortalece a

intensificação e o esclarecimento.

Nessa direção, Koch e Elias (2014; 2016, grifo das autoras) afirmam que a repetição é

um poderoso recurso enfático, retórico e pode assumir função argumentativa. Ademais, é um

elemento essencial no estabelecimento da coesão referencial.

97 Julgamos relevante esclarecer que a prática de reparo que nos interessa, por estar intimamente relacionada aos

objetivos deste trabalho, diz respeito à trajetória de “reparo em terceira posição”, conforme discutido na seção

2.4.5 desta tese.

109

Ainda, no que concerne à repetição98, Gülich e Kotschi (1995, p. 46) assinalam que esse

procedimento pode ser “completo” (complete), isto é, o enunciado de referência é idêntico ao

enunciado de tratamento, ou “parcial” (partial), quando a expressão de tratamento geralmente

consiste na repetição de um léxico, de um sintagma, ou de parte do enunciado de referência. É

possível verificar a ocorrência de tais práticas, respectivamente, no excerto 14 em que a

repetição do enunciado de referência pelo falante é realizada integralmente (com identidade de

forma): “Quanto Norman sai?” e no excerto 19 desta pesquisa: “Quando eu me referi a pessoas

estarem preocupadas apenas com a volta do futebol, eu não me referi aos jogadores porque

isso não cabe a eles decidirem. Me referi aos verdadeiros responsáveis por pensarem apenas

no próprio bolso”, em que o usuário [A], em terceira posição, promove a repetição de itens

lexicais e/ou constituintes oracionais, ao reafirmar o que foi dito em seu enunciado de referência

(indivíduos preocupados com a volta do futebol) e ao denunciar, de modo objetivo e direto, a

leitura equivocada de [B], já que o alvo da crítica daquele não eram os jogadores de futebol, e

sim os dirigentes de clube.

Dentro dessa perspectiva, Marcuschi (2002, p. 107, grifo do autor) assinala que, numa

definição funcional, pode-se dizer que “repetição é a produção de segmentos discursivos

idênticos ou semelhantes duas ou mais vezes no âmbito de um mesmo evento comunicativo”.

Constitui-se “numa estratégia valiosa para o processamento textual-interativo, seja na

contribuição para o processamento informacional, seja na preservação da funcionalidade

comunicativa” (Ibid., p. 136). De modo geral, essa atividade de reformulação pode se

manifestar por meio de: (i) repetição fonológica (aliteração, alongamento etc.); (ii) repetição de

morfemas (prefixos, sufixos etc.); repetição de itens lexicais; (iv) repetição de construções

suboracionais; (v) repetição de orações.

Por último, é interessante mencionar que, nas interações em rede, a atividade de

repetição não exige nenhum trabalho de formulação. Basta clicar na parte do texto que se deseja

reproduzir, acionar os comandos “copiar e colar” (Ctrl+C, no teclado do computador) e, em

seguida, “colar” (Ctrl+V), a fim de que o conteúdo da mensagem se repita, procedimento esse

que economiza tempo e esforço dos participantes na produção e envio da mensagem,

principalmente, nas comunicações síncronas (que acontecem praticamente ao mesmo tempo).

(iii) Paráfrase: em termos simples, a paráfrase retoma, com outras palavras, em maior

ou menor grau, o sentido de um enunciado anterior. Significa, portanto, a produção de um

98 Gülich e Kotschi (1987) denominam de refrasagem (rephrasage) a repetição de uma estrutura léxico-gramatical.

110

segmento linguístico, “que possui relação de equivalência semântica” (HILGERT, 2015, p.

258) em relação ao outro enunciado, tendo em vista assegurar a intercompreensão, isto é, o

locutor utiliza-se da paráfrase quando está preocupado em fazer seu parceiro comunicativo

entender melhor o enunciado considerado não claro ou mesmo direcionar a compreensão de um

termo ou expressão segundo seus propósitos interacionais.

Fávero et al. (2005) assinalam que a paráfrase “exerce inúmeras funções, como a de

contribuir para a coesão do texto, enquanto articuladora de informações novas e antigas, mas

sua função principal é a de garantir a intercompreensão.” Koch e Elias (2014, p. 168) reforçam

tal concepção, ao argumentarem que, por meio de paráfrases, “[...] reapresentamos conteúdos

anteriores em construções sintáticas diferentes, visando a um ajustamento, uma precisão maior

do sentido.”

Hilgert (2015, p. 259, grifo do autor) afirma que, para realizarem a predicação de

identidade entre dois enunciados, os interlocutores podem recorrer a marcadores discursivos

parafrásticos (em outras palavras, como você falou, então, quer dizer etc.), no sentido de

atribuir um parentesco semântico entre o enunciado parafraseado e o enunciado de origem

(matriz).

Quanto à utilização desses recursos, o autor (2015, p. 270) explica:

A necessidade de um marcador discursivo anunciar uma paráfrase é tanto maior

quanto menor for a possibilidade de reconhecer um parentesco semântico entre dois

enunciados. E, em sentido inverso, à medida que os enunciados tiverem uma relação

de parentesco semântico forte, é suficiente anunciar a natureza parafrástica de um

enunciado por meio de mudanças entonacionais, paralelismos sintáticos e recursos

paralinguísticos, dispensando, portanto, o marcador [...].

É oportuno comentar que a presença do marcador identifica as paráfrases marcadas, e

sua ausência, as não marcadas.

Ainda, de acordo com Fuchs (1994, p. 130-1 apud Hilgert, 2015), a paráfrase pode ser

estática (fechada) ou dinâmica. Na primeira, os enunciados têm seu parentesco semântico

determinado por um núcleo de sentido comum invariável. Na segunda, o caráter parafrástico

resulta de “relações semânticas locais, do tipo associativo, construídas pelo jogo da

interpretação”. É dessa segunda concepção que se valerá este estudo, visto que os interlocutores

se utilizam de paráfrases, a fim de produzir dinamicamente referências textuais, levados pelo

principal propósito da ação interativa: a produção de sentidos (Ibid., p. 259).

111

No enunciado “Não me refiro só a e-books e e-readers. Me refiro a repensar a maneira

e os canais para divulgar ciência e notícias” (ver excerto 20), o usuário [A] lança mão de uma

atividade reformulativa, no intuito de sinalizar a leitura equivocada do usuário [B], ao dizer que

sua intervenção não se limitava apenas a e-books ou a e-readers. Fica denunciado dessa forma

que [B] captou apenas um aspecto do enunciado de referência. Então, [A] procura torná-lo mais

explícito e/ou convincente para seu interlocutor, ao afirmar que tinha em vista também uma

estruturação dos canais digitais, de modo que viabilizasse a todos o acesso à ciência e às

notícias. Como vimos, há um movimento de decomposição semântica99 (especificar

informações contidas na matriz), bem como a utilização de paralelismo sintático, com o intuito

de marcar a predicação de uma identidade semântica entre o enunciado de referência e a

paráfrase, no decurso da interação. Cabe registrar também que o modalizador “só” tem forte

presença atenuadora no enunciado de [A].

No que concerne à estrutura formal das paráfrases, Hilgert (2001, p. 124, grifo do autor)

acrescenta:

Quando, na passagem da matriz para a paráfrase, há um deslocamento de sentido do

geral para o específico, verifica-se uma tendência de a paráfrase, do ponto de vista

sintático e lexical, ser mais expandida do que a matriz. Quando, porém, nessa

passagem, o deslocamento de sentido vai do específico para o geral, nota-se uma

condensação sintático-lexical da paráfrase. No que respeita, então, à textualização da

semântica das paráfrases, identificam-se paráfrases expansivas e paráfrases

redutoras. Além disso, pode ser mantida, na paráfrase, apesar dos movimentos

semânticos referidos, a mesma dimensão textual da matriz. Neste caso, registram-se

as paráfrases paralelas.

Quanto às funções das paráfrases expansivas e redutoras, o autor (2001, p. 125-6,

grifo do autor) ainda pontua:

[...] que às primeiras são devidas as funções de: [A] dar explicações definidoras de

matrizes constituídas por noções abstratas; [B] explicitar, precisando ou

especificando, informações contidas nas matrizes. As explicações ocorrem, com

frequência, por meio de exemplificações que, então, se identificam com as

reformulações parafrásticas. As paráfrases redutoras também exercem duas funções:

[A] conferir uma denominação adequada, mais simples ou abrangente a uma

formulação complexa ou demasiadamente específica da matriz; [B] resumir o

conjunto de informações que a matriz contém. O exercício desta última função

coincide, normalmente, com o de concluir um tópico conversacional.

As paráfrases também são caracterizadas, por Hilgert (2001), de acordo com a sua

distribuição na sequência textual, distinguindo, assim, paráfrases adjacentes (são as que se

99 Convém registrar que o movimento de “decomposição semântica” tem, de modo geral, a função de definir ou

explicar, enquanto o processo inverso, de “recomposição semântica”, assume a função de denominar ou resumir

(HILGERT, 2015, p. 277).

112

seguem ao lado do enunciado-fonte ou matriz, isto é, o enunciado a ser reformulado) de não

adjacentes (não são sequenciais ao enunciado-fonte ou matriz). No que respeita às funções, as

paráfrases adjacentes exercem uma função local no desenvolvimento do texto, enquanto as

paráfrases não adjacentes, tendem a estruturar a conversação num nível mais abrangente,

conferindo coesão e coerência e, portanto, unidade de sentido.

Nessa linha de condução, Fuchs (1982, p. 49-50) nomeia a paráfrase como “[...] a

transformação progressiva do ‘mesmo’ (sentido idêntico) em ‘outro’ (sentido diferente): para

dizer novamente a mesma coisa, acaba por se dizer ‘outra coisa.’”100 A autora (1982a, p. 31)

ainda permite caracterizar a reformulação parafrástica como uma “conduta metalinguística”

(fonction méta-linguistique), que deixa traços explícitos no discurso, ou seja, o enunciado de

referência e a sequência discursiva que o parafraseia estão ligados por certas “marcas

linguísticas” (marques linguistiques).

Ademais, de acordo com Hilgert (2001), o procedimento parafrástico funciona, de modo

geral, para resolver um problema retrospectivo de formulação, já que retoma um segmento

textual para lhe dar uma nova forma que se considera mais adequada.

É significativo mencionar ainda que:

[...] o parafraseamento, embora tenha igualmente um caráter de tratamento como a

correção, reformula, não para anular enunciados antecedentes, mas sim para avançar

na construção do texto, com a finalidade de explicar, explicitar, precisar, especificar,

exemplificar, denominar, resumir. Ora, paráfrases com tais funções não ocorrem

somente em textos falados, mas são também comuns em textos escritos, o que as torna,

portanto, plenamente viáveis na CINT (HILGERT, 2000, p. 47).

Feitas essas considerações, acreditamos que seja oportuno, ainda, trazer para a discussão

algumas reflexões apresentadas por Barros (2006), em capítulo intitulado “Procedimentos e

recursos discursivos na conversação”, no qual a estudiosa examina funções assumidas pelos

processos de reformulação e pelos recursos linguístico-discursivos utilizados na construção

da conversação e no estabelecimento da interação entre sujeitos, em um corpus constituído de

dois tipos de inquéritos do projeto NURC/SP, sob a perspectiva teórica da Análise da

Conversação e da Semiótica Narrativa e Discursiva.

Em síntese, no decorrer desse estudo, a autora comenta acerca da correção que, de

acordo com os princípios teóricos da AC, tem por finalidade a adequação e compreensão

cognitivo-informativa (precisão referencial ou anafórica) do conteúdo e o bom entendimento

100 Tradução da autora para o trecho original: “[...] la transformation progressive du ‘même’ (sens identique) en l’

‘autre’ (sens différent): à redire la même chose, on finit par dire ‘autre chose’.”

113

das relações intersubjetivas. Para Barros (2006), à correção (e a outros procedimentos

reformulativos, como paráfrase e repetição) cabe também a função interacional de persuasão

e argumentação (ou seja, levar os interlocutores a certas conclusões e ações), bem como de

envolvimento afetivo-passional dos participantes da conversação (efeito de sentido de

confiança, interesse, amizade, ódio, entre outros), com o qual se reafirma e confirma, de quando

e quando, “o contrato sem o qual a conversação não poderia ter começado e não poderá

prosseguir”101 (BARROS, 2006, p. 63). Ademais, a ameaça de ruptura desse acordo pode

ocorrer, por exemplo, por meio de procedimentos agressivos ou polêmicos.

Barros (2006) examina, ainda, casos em que os recursos linguístico-discursivos têm

funções diretamente ligadas à produção e à compreensão dos procedimentos reformulativos e,

portanto, indiretamente relacionadas com a construção da conversação. De modo geral, a autora

observa que os procedimentos reformulativos são marcados por pausas, interrupções lexicais

e prolongamento de vogais, assim como por determinadas expressões verbais estereotipadas,

por exemplo, “não”, “isto é”, “quer dizer” etc., as quais contribuem para o reconhecimento de

uma correção ou de uma paráfrase do texto. “Esses marcadores têm a função de facilitar a

interpretação dos procedimentos que assinalam” (Ibid., p. 66).

É preciso ressaltar que, para a estudiosa (2006), a relação entre recursos e

procedimentos é funcionalmente variável, isto é, uma repetição pode ser considerada tanto

como um recurso que facilita a produção de uma reformulação por correção quanto como

procedimento com funções persuasivo-argumentativas e afetivo-passionais. Nessa

perspectiva, pressupomos que o conhecimento, pelos interlocutores, dos processos

reformulativos e recursos discursivos é indispensável na produção de textos e de sua

interpretação.

Sob essa perspectiva, acreditamos que, na tentativa de solucionar o mal-entendido, é

usual que os parceiros comunicativos recorram aos procedimentos reformulativos, com vistas

a alcançar a intercompreensão na conversação, o que implica competência na utilização desses

processos e dos recursos linguísticos diretamente relacionados a eles; envolvimento

interpessoal e cooperação discursiva. Inclusive, parece-nos evidente que uma certa dose de

101 De forma sucinta, o ato de comunicar, para a teoria semiótica, é visto como sinônimo de manipulação, portanto,

quem comunica algo quer fazer com que o outro faça algo ou creia em alguma coisa. Em outros termos, o

destinador (enunciador), em seu fazer persuasivo (ou fazer-crer), propõe um contrato e exerce a persuasão para

convencer o destinatário (enunciatário) a aceitá-lo e este, em seu fazer interpretativo (ou crer), aceita ou recusa-o.

Desse modo, estabelece-se entre enunciador e enunciatário o chamado contrato fiduciário (GREIMAS e

COURTÉS, 1983; BARROS, 1990).

114

cortesia linguística também é necessária na negociação do equívoco interpretativo, já que sua

sinalização pode representar uma ameaça à imagem (face) dos interlocutores.

Cabe-nos indicar, então, que este trabalho procura, numa linha conceitual

complementar, a interface entre o estudo do mal-entendido e a teoria da cortesia verbal, no que

se refere, principalmente, ao trabalho de preservação da face (face work) que se concretiza,

particularmente, pelo uso de meios linguísticos.

É desse aspecto que trataremos a seguir.

3.4 Sobre a cortesia verbal

Entendemos que a cortesia é um princípio regulador das interações, uma vez que

consiste em um conjunto de procedimentos utilizados pelos interlocutores para amenizar ou

evitar tensões nas trocas comunicativas. Tem, segundo Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 77), a

função de “preservar o caráter harmonioso da relação interpessoal”. Assim, tudo o que pode

causar incômodo àquele com quem interagimos deve ser evitado.

No dizer de Silva (2001, p. 134, grifo do autor):

Quando dois ou mais interlocutores engajam-se numa atividade conversacional, há

um esforço mútuo para que seja construído um texto verbal coerente. Para isso, o

processo interacional é imprescindível e a negociação acaba sendo “um aspecto

central para a produção de sentido na interação verbal” (Marcuschi, 1998: 19). Dessa

forma, a negociação das faces assume importância vital.

Dentre as teorias de cortesia verbal, interessam-nos, em particular, os trabalhos de

referência elaborados por Goffman (1967); Brown e Levinson (1987 [1978]); Kerbrat-

Orecchioni (2006), que parecem contribuir de forma mais relevante para este estudo, no que

diz respeito, principalmente, ao trabalho de face (face work) – perspectiva aqui adotada.

3.4.1 Relação entre o mal-entendido e o trabalho de face (face work)

Inspirados no conceito de face, proposto inicialmente por Goffman (1967, p. 5), cujo

termo “pode ser definido como o valor social positivo que uma pessoa efetivamente reclama

115

para si [...], delineada em termos de atributos sociais aprovados”102, Brown e Levinson (1987

[1978]) partem do princípio de que todos os membros da sociedade são dotados de uma face ou

imagem, que procuram defender e preservar nas interações, constituída de dois polos: positivo

e negativo.

De acordo com Hilgert (2008, p. 135), “numa interação entre um falante e um ouvinte,

quatro faces estão em jogo: a face positiva e negativa do falante e essas mesmas faces do

ouvinte”. Por face positiva, entende-se a imagem que o indivíduo deseja para si na interação

com os outros, isto é, representa o desejo de aprovação, apreciação e reconhecimento

individual. Já a face negativa constitui-se de elementos que promovem e mantêm a autonomia

do indivíduo em seu âmbito de ação; é relativa à autopreservação, desejo de não imposição ou

reserva de território pessoal, liberdade de ação e de imposições.

Numa interação comunicativa, essas faces podem ser mantidas ou valorizadas ou podem

ser também ameaçadas. Para Brown e Levinson (1987), a maioria dos atos de linguagem que

são produzidos nas conversas cotidianas são potencialmente “ameaçadores” para uma das faces

e, por conseguinte, podem pôr em perigo a imagem pública dos interlocutores, criando um sério

risco para o bom desenvolvimento da interação. Tais atos são chamados de “Atos de Ameaça à

Face” (Face Threatening Acts, doravante FTAs).

Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 79) apresenta uma síntese dos FTAs e os divide em quatro

categorias:

i. Atos que ameaçam a face positiva do falante: a confissão, o pedido de desculpa, a

autocrítica, autoconfissão, auto-humilhação, enfim, comportamentos autodegradantes.

ii. Atos que ameaçam a face negativa do falante: algo a que se propõe ou se compromete

a efetuar e que é suscetível de lesá-lo, por exemplo, a promessa ou aceitação de ofertas.

iii. Atos ameaçadores da face positiva do interlocutor: são aqueles que colocam em risco

a autoestima do outro, como a crítica, a refutação, a desaprovação, a chacota, o

sarcasmo, insultos, acusações etc.

iv. Atos que ameaçam a face negativa do interlocutor: consistem em violações

territoriais de natureza verbal e não-verbal, por exemplo, ofensas, agressões, ordem,

pedidos, proibições, conselhos, perguntas indiscretas.

102 Tradução da autora para o trecho original: “The term face may be defined as the positive social value a person

effectively claims for himself [...], delineated in terms of approved social atributes.”

116

É oportuno comentar que, segundo Kerbrat-Orecchioni (Ibid., p. 80, grifo da autora),

“um mesmo ato pode se inscrever simultaneamente em diversas categorias”, por exemplo,

ao denunciar um mal-entendido, o falante ameaça a sua face positiva quando reconhece que seu

enunciado foi mal elaborado e pede desculpa a seu interlocutor, reformulando-o. Mediante esse

procedimento cortês de acusar uma produção enunciativa problemática, o falante promove a

defesa da face positiva do ouvinte. Por outro lado, o pedido de desculpa beneficia a sua

imagem, pois, ao admitir seus próprios erros, o falante está realizando um comportamento que

é aprovado socialmente.

Sob essa perspectiva, a autora (2006) enfatiza que as faces são, ao mesmo tempo e

contraditoriamente, o alvo de ameaças e o objeto de um desejo de preservação e, por esse

motivo, a interação verbal impõe normas para que a face dos interlocutores seja respeitada.

Desse modo, na acusação de um equívoco de compreensão, espera-se que o falante tome

precauções, procure cumprir o que se espera dele: que seja minimamente cortês, já que essa

denúncia constitui um risco para o interlocutor, que pode se sentir humilhado, ofendido,

criticado; daí a necessidade de utilizar estratégias modalizadoras como as manifestações de

cortesia. Ademais, cabe mencionar que a escolha efetuada entre as numerosas estratégias

dedicadas ao exercício da cortesia depende de três fatores: o grau de imposição do FTA, a

distância social entre os interlocutores e a relação de poder.

Ainda, no tocante ao modelo proposto por Brown e Levinson (1987), Kerbrat-

Orecchioni (2006, p. 81) introduz um termo suplementar, “FFA” (Face Flattering Act, isto é,

ato valorizador da face) ou “antiFTA”, que designa atos que são de algum modo o complemento

positivo dos FTAs, por exemplo, os elogios, agradecimentos ou votos. A partir disso, duas

formas de cortesia pode ser diferenciadas: a polidez positiva,103que consiste em realizar um

FFA, de preferência reforçado e a polidez negativa, que consiste em abrandar ou evitar um

FTA. Para a autora (2005, p. 89), numa interação ocorre “um incessante e sutil jogo de pêndulo

entre FTAs e FFAs.”

Nessa direção, Silva (2013, p. 104) assinala que, de modo geral, “a cortesia é o

procedimento socialmente aceitável ou o politicamente correto.” Entretanto, há situações

comunicativas em que o conflito, a crítica e o ataque pessoal são valorizados, pois o interesse

é destruir a imagem do outro. Isso ocorre, por exemplo, no debate eleitoral face a face. Nesse

tipo de discurso, a descortesia torna-se a regra, pois se trata de uma estratégia utilizada para

103 Neste trabalho, mantemos a sinonímia entre polidez e cortesia, embora etimologicamente recebam explicações

distintas.

117

alcançar um determinado benefício, ou seja, “o ataque pessoal é preferível ao argumento, com

a finalidade de convencer os demais” (Ibid., p. 104).

No âmbito das interações no Twitter, partimos do pressuposto que, no trabalho de

imagem realizados nas ações de denúncia e encaminhamento da solução do mal-entendido,

aparecem tanto comportamentos corteses (em geral, politicamente corretos) quanto enunciados

formulados de maneira agressiva, grosseira e brutal. A nosso ver, tais reações impolidas variam

segundo a importância que os usuários da rede atribuem à natureza da “relação” estabelecida

com seu parceiro de interação (distância/hierarquia), à separação espaço-temporal, ditada pelo

contexto comunicativo e, por fim, à preocupação de enaltecer ou, pelo menos, manter a sua

própria imagem em detrimento da imagem do outro.

Como vimos, Silva (2013) tem utilizado o termo “descortesia” para se referir, de modo

geral, a atos agressivos, provocativos e de violência verbal em enunciados. É o caso também

dos trabalhos de Culpeper (1996, 2001); Rodríguez e Lara (2008) e Kaul de Marlangeon (2012).

Acrescentamos ainda os estudos realizados por Barros (2005, 2008), na perspectiva da

semiótica discursiva francesa, uma vez que tal teoria mantém um intenso diálogo com os

campos teóricos propostos neste trabalho.

Para Culpeper (2001), a principal diferença entre cortesia e descortesia está na intenção:

se a intenção for de preservar a face do interlocutor, temos a polidez, contudo se a intenção for

de atacá-la, estamos diante da descortesia linguística.

No tocante à sua teoria, o estudioso (2001) retoma o conceito de face de Brown e

Levinson (1987) e elenca cinco estratégias de descortesia (Id., 1996, p. 356), no intuito de

complementar o modelo teórico proposto pelos autores. São elas:

i. Descortesia direta: atos que ameaçam a face do ouvinte, de maneira mais clara e direta.

ii. Descortesia indireta: o FTA é realizado de maneira indireto, dissimulado, de forma

que o enunciador não se comprometa, por exemplo, a ironia e o sarcasmo.

iii. Descortesia positiva: uso de estratégias destinadas a ameaçar a imagem positiva do

interlocutor, por exemplo, ignorar o outro; selecionar um tópico indesejável para

abordar, aparentar desinteresse e antipatia com o ouvinte; procurar desentendimentos;

utilizar linguagem obscura etc.

iv. Descortesia negativa: uso de estratégias destinadas a ameaçar a imagem negativa do

interlocutor, por exemplo, ridicularizar o outro; invadir o espaço do ouvinte etc.

118

v. Ausência de cortesia: caracteriza-se pela falta de cortesia em situações na qual ela é

esperada, por exemplo, o falante se calar quando há a necessidade de agradecer o

ouvinte.

Nessa direção, Rodríguez e Lara (2008) afirmam que nem sempre as regras de cortesia

governam a conversa. Para as autoras, alguns atos descorteses afetam o sistema da troca de

turnos, ou seja, a regra básica de conversação; outros centram-se num claro desejo de denegrir

e deteriorar a imagem do interlocutor, vítima do confronto. Mas há casos ainda mais graves de

descortesia, escondidos sob a astuta aparência de ironia. Vejamos, então, alguns desses

procedimentos, presentes na estrutura interacional de alguns discursos, os quais colocam a

comunicação em risco:

i. Reter o turno, ignorando as tentativas de (re)tomada;

ii. tomar a palavra para reafirmar a mesma ideia de outro participante, não no sentido de

validar a contribuição do interlocutor, mas para obter benefício próprio;

iii. interromper explícita e abertamente o turno, mesmo que não seja reivindicado, com

objetivos claros, como o simples desejo de boicotar a intervenção do interlocutor, ou de

demonstrar desacordo com o que está sendo dito;

iv. afetar a imagem de outras pessoas e prejudicar suas próprias contribuições de produção;

v. tomar o turno de forma grosseira para expressar opiniões contrárias às expressas pelo

interlocutor;

vi. ignorar o turno de fala, negando-se a contribuir com a progressão temática do discurso;

vii. lançar insultos, relativizar ou negar a contribuição do interlocutor, alegar que o outro

mente, ameaçar;

viii. utilizar formas de tratamento agressivas e violentas etc.

Para Kaul de Marlangeon (2012, p. 78), o comportamento comunicativo descortês

ocorre, por exemplo, em manifestações hostis, “banalização de palavrões emitidos

gratuitamente” (banalización de groserías gratuitamente) e atos de descortesia indireta. Para a

autora, enquanto a cortesia, como princípio regulador de conduta, favorece o equilíbrio nas

interações, a descortesia tem efeito contrário, isto é, rompe com essa harmonia, por essa razão

a qualifica como comportamento comunicativo impróprio ou inadequado.

Quanto às interações na rede Twitter, Kaul de Marlangeon e Cordisco (2014) chamam

a atenção para a ocorrência de atos descorteses no contexto político-ideológico, especialmente

quando os atores sociais se tornam atores políticos (não necessariamente afiliados a partidos

119

políticos) e se utilizam das estratégias de acusação, insulto, calúnia, desqualificação, descasos

e ataques à imagem social do interlocutor.

Nessa direção, os autores (2014, p. 147) ainda preconizam:

Em relação à descortesia, reconhecemos dois tipos de imagem: afiliação e

refratariedade exaltadas [...]. No primeiro, o indivíduo produz atividades nas quais

ele se percebe e é percebido por outros como adepto de um grupo. O adepto assume-

se como membro com plena consciência e orgulho: ele é um defensor dos

representantes e ideais de seu grupo, ao ponto de escolher a descortesia em sua defesa.

No segundo, o indivíduo se percebe e é percebido pelos outros como um oponente do

grupo. Critica, insulta, ataca, briga, agride, quer expressar uma atitude de resistência

em relação àquele que se opõe às suas ideias.104

Quanto à esfera jornalística, Rueda (2014) argumenta que as publicações, na rede

social Twitter, tendem a ser mais corteses, tendo em vista que os jornalistas procuram

contextualizar seus tuítes, trocando informações e opiniões com seus seguidores. Embora as

coordenadas espaço-temporais entre eles sejam diferentes, o imediatismo de enviar e receber

mensagens cria a impressão de que o canal esteja permanentemente aberto. Isso é muito positivo

para a imagem do jornalista, porque o ajuda a se apresentar como um indivíduo próximo de

seus leitores, sempre disponível para responder perguntas relacionadas a qualquer notícia

publicada. Desse modo, a imagem social (face) dos jornalistas nesta rede social é reforçada,

devido à atitude colaborativa nas interações e à demonstração de suposta familiaridade com

seus leitores, aumentando assim sua necessidade de afiliação.

Na tentativa de ainda contribuir com as ideias apresentadas, trazemos à consideração os

estudos realizados por Barros (2005, 2005a, 2008) acerca de duas estratégias de manipulação105

presentes nas conversações, a saber, a sedução e a provocação e sua relação com a

(des)cortesia verbal.

Tomando por base a perspectiva teórica da semiótica discursiva de linha francesa,

Barros (2005, 2005a) considera que a sedução, além de pertencer ao campo semântico do

104 Tradução da autora para o trecho original: “En relación con la descortesía, reconocemos dos contenidos de

imagen: afiliación exarcebada y refractariedad [...]. En la primera, el individuo produce actividades en las que se

percibe a sí mismo y es percibido por los demás como adepto a un grupo. El adepto asume su calidad de miembro

con plena conciencia y orgullo: es partidario de los miembros y de las ideas de su grupo, al punto de escoger la

descortesía en su defensa. En la segunda, el individuo se percebe a sí mismo y es percibido por los demás como

opositor al grupo. Critica, vitupera, arremete, combate, agrede, quiere expresar que está en una actitud refractaria

respecto de aquello que suscita su oposición.” 105 “Como vimos, para a Semiótica, toda comunicação é uma forma de manipulação: o destinatário propõe ao

destinatário um contrato, um acordo, com o objetivo de levá-lo a acreditar em certos valores e a fazer alguma

coisa, segundo esses valores. Assim, a comunicação é também uma forma de interação entre os sujeitos destinador

e destinatário, nela envolvidos (BARROS, 2005). É oportuno mencionar que, dentre as quatro estratégias de

manipulação (tentação, intimidação, provocação e sedução), destacamos duas que nos interessam nesta tese, a

saber, a provocação e a sedução.

120

encantamento, do fascínio, da atração, também se insere no campo semântico da cortesia, isto

é, das regras socialmente estabelecidas, visto que, por meio de estratégias de sedução, o sujeito

(destinador) procura construir imagens positivas do parceiro comunicativo (destinatário) e da

competência deste, conduta que favorece o bom entendimento e o estabelecimento de laços

interacionais mais fortes entre os interlocutores.

Em trabalhos intitulados “A sedução nos diálogos” e “Polidez e sedução na

conversação”, a estudiosa examina alguns exemplos de sedução, entre eles, o “elogio”,

estratégia utilizada na construção explícita da imagem positiva do destinatário. Assim, em

enunciados como: “O que você falou é muito interessante”, “Deve ser uma delícia ter uma

família bem grande” ou “Como salientou muito bem”, observamos que o destinador elogia

claramente seu interlocutor. Para Barros (2005, 2005a), essa intensificação das imagens

positivas do destinatário empregam, em geral, elementos afetivos e sensoriais, além de éticos.

Dentre as estratégias de sedução, incluem-se, de modo geral, procedimentos de

intensificação, utilizados para acentuar a imagem positiva do destinatário, como também

procedimentos de atenuação, utilizados para amenizar afirmações, críticas, discordâncias do

destinador etc. O uso dessas estratégias favorece a construção de uma imagem negativa do

destinador e, por contraposição, uma imagem mais positiva do destinatário. Tanto a

intensificação quanto a atenuação podem ocorrer de maneira explícita ou implícita.

Em se tratando de construção explícita da imagem positiva do destinatário, a autora

(2005, 2005a) examina casos em que o destinador pede a “opinião” do destinatário. Por

exemplo, no enunciado “O que você acha disso?”, o destinador constrói uma imagem positiva

do destinatário, ao mostrar interesse pelo ponto de vista deste. Para Barros (2005, p. 116), “essa

estratégia aparece, com muita frequência, combinada com a de criar uma imagem negativa

própria para ressaltar a positiva do outro [...]”. É o caso dos enunciados: “não sei como leiga...”

ou “sei lá...”, os quais “apresentam traços negativos da competência do destinador, que não

sabe e precisa do saber do destinatário” (BARROS, 2005a, p. 236, grifo da autora). Inclusive,

notamos, nesses exemplos, que o destinador declara explicitamente a sua “ignorância” e busca,

por conseguinte, a “sabedoria” do destinatário acerca de determinado assunto.

No que diz respeito às construções implícitas da imagem positiva do destinatário,

Barros (2005, 2005a) destaca o emprego das pessoas do discurso (por exemplo, o uso de você),

como também a utilização de algumas estratégias de reformulação (paráfrases, repetições e

correções) ou, até mesmo, de complementação da fala do outro. Para a estudiosa, tais estratégias

121

indicam o interesse do destinador pelo destinatário e produzem o efeito de aproximação tanto

racional, sensorial e afetiva entre os interlocutores quanto dos assuntos tratados na interação.

Ainda, nos exemplos analisados em seu corpus de trabalho (diálogo entre informantes

do projeto NURC/SP), a autora (2005, 2005a) destaca o uso frequente de elementos fáticos

(uhn, ahn, éh), os quais apontam o contato na comunicação, como também marcam, por essa

via, de forma indireta, a concordância com o que está sendo dito; o uso de indagações pospostas

(né? certo? entende?), que buscam a participação do destinatário, ao mesmo tempo em que

atenuam o caráter do que é dito pelo destinador; a atenuação de pedidos ou ordens, com o uso

dos verbos “gostar”, “poder” e “querer”, em geral conjugados no futuro do pretérito, seguido

de verbo no subjuntivo imperfeito (“eu gostaria que desse a sua opinião...”) ou a atenuação de

afirmações impositivas e discordâncias, com o uso dos diferentes modalizadores de dúvida ou

incerteza (parece, acho, talvez etc.).

Como se percebe, a imagem é uma espécie de simulacro, que se constrói para ser

contemplada e negociada com o outro, a fim de evitar confrontos, não pôr em risco o acordo, o

respeito e a confiança entre as partes e, por conseguinte, garantir a harmonia necessária na

interação comunicativa (ÁLVAREZ; ESPAR, 2002). Nessa direção, os sujeitos escolhem

determinadas estratégias de sedução que, combinadas, intensificam ou atenuam as relações

entre eles e dão à conversação o “equilíbrio necessário à vida em sociedade, ao mesmo tempo

em que constroem os desequilíbrios criativos e renovadores dos laços sociais” (BARROS,

2005a, p. 253).

Em relação aos procedimentos de manipulação por provocação, Barros (2008), em

trabalho intitulado “A provocação no diálogo: estudo da descortesia”, examina algumas

estratégias utilizadas pelos sujeitos na construção de discursos, as quais produzem tensão e

efeitos de descortesia em certos momentos ou situações da conversação. Inclusive, a autora

(2008) enfatiza que, no quadro teórico da AC, tais procedimentos são, em geral, definidos em

oposição às estratégias de preservação da face e de atenuação da conversação ou pela falta

delas.

No tocante à sua teoria, a autora assinala que, na provocação, o destinador procura

apresentar imagens negativas do destinatário e da competência deste. Por exemplo, em

enunciados como “Você não entendeu o que eu disse” ou “Duvido que você saiba isso”, o

destinador põe em dúvida a capacidade daquele a quem se dirige, levando o provocado a reagir

à provocação, a fim de mostrar à sociedade que a atribuição a ele desses traços negativos é

122

indevida. Nesse sentido, a estudiosa (2008) explica que a provocação funciona melhor no

espaço público, visto que a “honra” precisa ser mantida.

Ainda, no decorrer desse trabalho, Barros (2008) examina casos em que o destinador

usa a estratégia de apresentar-se com uma imagem positiva para provocar o destinatário, ao

ressaltar, por oposição às suas próprias qualidades, os defeitos do outro.

Constrói-se, assim, por oposição a um destinador intensificado, valorizado,

respeitado, um destinatário mais fraco e frágil, provocado pelas estratégias do outro

e, de uma certa forma, atingido pela “descortesia’ daquele que se apresenta como mais

forte e capaz (BARROS, 2008, p.107, grifo da autora).

A autora (2008) enfatiza que procedimentos de atenuação são empregados para

apresentar, de forma negativa, o modo de ser e agir do destinatário. Já a intensificação é

empregada na construção da imagem positiva do destinador e, por oposição, da imagem

negativa do destinatário. Tanto a atenuação quanto a intensificação podem ocorrer nos discursos

de forma explícita ou implícita.

Quanto às estratégias de provocação analisadas, por Barros (2008), no corpus (diálogos

entre informantes do projeto NURC/SP) em questão, é possível evidenciar, dentre as

construções explícitas de atenuação, algumas estratégias como: desmerecer, criticar e/ou

contrapor-se claramente ao destinatário. É o que acontece, por exemplo, quando o destinador

não aceita o ponto de vista de seu interlocutor; discorda em relação a crenças, conhecimentos e

valores e diz isso claramente ou, até mesmo, insinua sob a forma de ironia ou de afirmações a

capacidade dele. Já entre as construções implícitas de atenuação estão: o emprego de

adversativas (o uso do “mas”), de negações (o “não”, frequentemente repetido), de

heterocorreção e de modalizadores negativos (“eu acho que não”). Por meio desses

procedimentos, “o destinador mostra que se distancia do destinatário, que não se interessa pelo

que ele diz ou mesmo dele discorda. São usos muito comuns [...], que criam tensão

conversacional e, em alguns casos, efeitos de descortesia” (BARROS, 2008, p. 99).

Em se tratando dos procedimentos de intensificação, a autora (2008) aponta algumas

estratégias explícitas e implícitas de construção da imagem positiva do destinador para criar,

como contraponto, a imagem negativa do destinatário, por exemplo, quando o destinador

apresenta claramente suas próprias qualidades e, por oposição, ressalta os defeitos do outro;

pede, ordena ou afirma impositivamente, por meio da utilização dos modalizadores de certeza

ou verdade e de verbos no presente do indicativo (“estou certo de que”, “eu sei”, “eu vejo”, “eu

123

noto”, “tenho certeza” etc.); discorda do destinatário ou o corrige, por meio da tomada de turno

ou sobreposição de voz, entre outros.

Como notamos, os traços do conflito, da agressividade, da polêmica também estão na

base de nossas atividades comunicativas. A nosso ver, é o que acontece frequentemente nos

“comentários” produzidos e veiculados na internet. É significativo mencionar que, de modo

geral, esses comentários não oferecem possibilidades conversacionais, uma vez que têm por

objetivo tão somente semear a confusão, por meio de intervenções violentas e inoportunas.

Nesse sentido, concordamos com Arroyo (2001), ao afirmar que “tem-se instalado a ideia de

que a agressão e o ataque pessoal é preferível à troca de argumentos”, convertendo, assim, a

comunicação interpessoal numa verdadeira discussão, na qual os sujeitos investem a maior

parte de seu esforço, de sua energia conversacional, tentando negar a opinião do outro enquanto

mantém os seus próprios pontos de vista.

Enfim, com o propósito de ilustrar, de forma sucinta e simples, as noções apresentadas

por Barros (2005, 2005a, 2008) no que concerne às estratégias de sedução e provocação e sua

relação com a (des)cortesia verbal, sugerimos, a seguir, um quadro-síntese. Seguramente, não

passa de uma tentativa muito aproximada que precisa ser mais aprofundada.

124

Quadro 2 – Relação entre estratégias de manipulação e (des)cortesia verbal

Efeito de sentido no texto Cortesia Descortesia

Estratégia de manipulação

Sedução

Provocação

Construção da imagem

Positiva do destinatário

(por oposição à imagem

negativa do destinador)

Negativa do destinatário

(por oposição à imagem

positiva do destinador)

Recursos linguísticos

Emprego de marcas de

intensificação ou atenuação, de

maneira explícita ou implícita

Emprego de marcas de

intensificação ou atenuação, de

maneira explícita ou implícita

Comportamento verbal do

destinador

Elogiar, exaltar, apoiar, colocar-

se de acordo com o outro, pedir

opinião, mostrar interesse em

colaborar com o outro, amenizar

afirmações impositivas, críticas

e discordâncias etc.

Denegrir, criticar, desmerecer,

insultar, contrapor-se claramente

ao outro, demonstrar

desinteresse, insinuar sob a forma

de ironia, intensificar pedidos,

ordens, diálogos polêmicos etc.

Fonte: elaborado pela autora (2021).

Fechando essas considerações, entendemos que, nos ambientes virtuais, mais

especificamente, no Twitter, o estatuto da relação espaço-temporal, de acordo com Lion (2006),

assume uma nova dimensão e exerce forte influência nas interações, levando os sujeitos a não

se preocuparem com a preservação da imagem do outro e a se valerem de estratégias

descorteses, o que normalmente não acontece nas interações do texto falado. Inclusive,

Márquez e Rodrigo (2015) pontuam que pesquisas, as quais abordam essa temática são, em

grande parte, derivadas da frequência com que os interlocutores costumam ser deselegantes nas

redes sociais, como o Facebook e o Twitter, fato que ocorre, de maneira inversa, nas interações

face a face, em que o habitual é se comportar de maneira cortês.

Neste ponto, convém reiterar que “a construção de uma imagem (ou face) socialmente

valorizada constitui parte do esforço cooperativo que conduz a uma conversação amigável”

(GALEMBECK, 2008, p. 351). Assim, torna-se relevante a adoção das manifestações de

cortesia, orientadas no gerenciamento das relações interpessoais e na busca do equilíbrio e

125

respeito entre os parceiros comunicativos, evitando, consequentemente, conflitos, tensões e

circunstâncias constrangedoras em situações concretas de interação.

Diante do exposto, consideramos que a rede social digital Twitter oferece aos

pesquisadores uma oportunidade, sem precedentes, de observação e análise do comportamento

sócio-discursivo dos participantes (em particular, do trabalho de imagem realizado nas ações

de denúncia e encaminhamento da solução do mal-entendido) da interação, num cenário

contemporâneo de comunicação, em que é possível testar hipóteses e recrutar com eficiência

sujeitos dos mais diversos perfis.

126

CAPÍTULO 4

CONVERSAÇÃO NA REDE : RESSIGNIFICANDO

CONCEITOS E FUNÇÕES

“[...] o avanço das comunicações mediadas pelo

computador propicia que as relações nos espaços virtuais

tenham contornos semelhantes às relações do mundo

real.”

(BARRY WELLMAN)

Neste capítulo, apresentaremos as principais características da conversação na internet,

em particular, no ambiente das redes sociais, verificando sua capacidade de simular, sob muitos

aspectos, elementos da conversação face a face. Para tanto, serão abordados alguns conceitos

trazidos pelos principais estudiosos da Comunicação Mediada pelo Computador (CMC), a

partir da perspectiva dos estudos da fala-em-interação.

4.1 A conversação face a face e seus desdobramentos na internet

Neste primeiro momento, julgamos relevante explicitar a expressão conversação

contida no título deste capítulo. Começamos por Bakhtin (2011[1953]), que analisava a

conversa como sendo um dos gêneros primários, constituída na troca verbal espontânea e ligada

à esfera do discurso cotidiano, por exemplo, um diálogo entre amigos. Para Sacks, Schegloff e

Jefferson (2003), consiste em uma atividade estruturalmente organizada.

Nas palavras de Rodrigues (2001, p. 18):

A conversação é um evento de fala especial: corresponde a uma interação verbal

centrada, que se desenvolve durante o tempo em que dois ou mais interlocutores

voltam sua atenção para uma tarefa comum, que é a de trocar ideias sobre determinado

assunto.

Nessa linha de condução, Marcuschi (1991, p. 15, grifo do autor) apresenta cinco

características básicas constitutivas da conversação. São elas:

(i) interação entre pelo menos dois falantes; (ii) ocorrência de pelo menos uma troca

de falantes; (iii) presença de uma sequência de ações coordenadas; (iv) execução numa

Tradução da autora para o trecho original: “[...] the rapid emergence of computer-mediated communications

means that relations in cyberplaces are joining with relations on the ground.”

127

atividade temporal e (v) envolvimento numa “interação centrada” (isto é, os

participantes tratam de um tema específico - tópico discursivo).

Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 8, grifo da autora) acrescenta que o exercício da

conversação “implica uma interação, ou seja, ao longo do desenrolar-se de uma troca

comunicativa qualquer, os diferentes participantes [...] exercem uns sobre os outros uma rede

de influências mútuas – falar é trocar, e mudar na troca.”

Ademais, na interação face a face, o discurso é inteiramente ‘coproduzido’, é o

produto de um ‘trabalho colaborativo’ incessante – esta é a ideia-força que embasa

o enfoque interacionista das produções linguísticas (KERBRAT-ORECCHIONI,

2006, p. 11, grifo da autora).

Hilgert (1989, p. 82) deixa claro que “a conversação representa uma atividade prática e

cotidiana, cujo desenvolvimento depende da auto-organização patrocinada interacionalmente

pelos interactantes”. Ademais, para o autor (2011, p. 243):

É indiscutível que o desdobramento bem sucedido de uma interação linguística, sejam

quais forem os propósitos comunicativos que a motivem, pressupõe a necessidade de

compreensão entre os interlocutores.

Para tanto, o falante investirá, na construção de seus enunciados, os recursos linguístico-

discursivos que, em sua avaliação, assegurem a compreensão do ouvinte.

Em síntese, consideramos a conversação como uma atividade linguística rotineira, que

prevê, pelo menos, a interação entre dois participantes. Ao mesmo tempo, consiste em um

processo organizado estruturalmente e constantemente negociado pelos parceiros durante o

desdobramento conversacional, com vistas a alcançar um objetivo comum: a intercompreensão.

A nosso ver, essas características constitutivas da organização de uma conversação

também são evidentes no ambiente da internet. Inclusive, ratificamos, aqui, nossa opinião

favorável às pesquisas que abarquem essa temática. Consideramos que, com o advento das

ferramentas digitais, as práticas de conversação, ou melhor, de interação face a face, passaram

por um processo de (re)apropriação em novos espaços conversacionais, por exemplo, o das

redes sociais (onde a comunicação mediada pelo computador adquire contornos semelhantes

ao da conversa).

Nessa direção, Recuero (2012, p. 21) argumenta que “o computador, mais do que uma

ferramenta de pesquisa, de processamento de dados e de trabalho, é hoje uma ferramenta social,

caracterizada, principalmente pelos usos conversacionais”, tendo em vista que a sua utilização

128

social e a portabilidade de outros artefatos digitais (notebooks, tablets e smartphones) permitem

a prática do gênero mais antigo da humanidade: a conversação.

A partir dessa perspectiva, pretendemos discutir, neste capítulo, como as características

da prática conversacional no espaço da mediação digital do computador é capaz de simular, sob

muitos aspectos, elementos da conversação face a face. Para tanto, apresentaremos alguns

conceitos trazidos por estudiosos da Comunicação Mediada pelo Computador (CMC),

articulados com o aporte teórico apresentado no Capítulo 2 desta tese.

4.2 A comunicação mediada pelo computador: breves conceitos

As práticas da conversação pelo computador são comumente referidas, na literatura, a

partir dos preceitos da chamada Comunicação Mediada pelo Computador.106 De acordo com

Recuero (2012, p. 23), a CMC “foi consolidada como a área de estudo dos processos de

comunicação humanos realizados através da mediação das tecnologias digitais.”

Baron (2002) define a CMC como qualquer mensagem de linguagem natural,

transmitida e/ou recebida via computador. Herring (1996) ratifica esse conceito, permitindo

caracterizá-la como a comunicação que acontece entre seres humanos mediante a

instrumentalidade dos computadores.

Recuero (2009) aborda ainda os aspectos técnicos dessa mediação, afirmando que há

inúmeras ferramentas que proporcionam a conversação no meio digital, algumas focadas

apenas em textos, outras em imagem e som, e até mesmo aquelas que compreendem todos esses

elementos107. No entanto, para a autora, a CMC não corresponde apenas a uma estrutura técnica

de suporte à linguagem, mas igualmente a um conjunto de ferramentas cujo sentido é construído

pelos interagentes. E parte dessa construção leva em conta as práticas de conversação.

Mediante tais considerações, Herring (2010), em artigo publicado na revista

Language@Internet108, explica que alguns analistas da conversa de tradição etnometodológica,

106 Outros termos foram utilizados por David Crystal, em entrevista concedida a Artarxerxes Modesto, para

caracterizar a CMC. São eles: Comunicação Eletronicamente Mediada (CEM) ou Comunicação Mediada

Digitalmente (CMD). Disponível em: <http://www.letramagna.com/davidcrystalport.htm>. Acesso em 18 set.

2021. 107 Recuero (2009) afirma que a CMC é um tipo de comunicação que ainda privilegia especialmente o texto, mais

do que o som e o vídeo (vide, por exemplo, o Twitter). 108 Herring (2010) comenta que, em 2010, foram publicados na revista eletrônica Language @ Internet, em edição

especial, artigos originais que se concentram em reunir informações teóricas e pesquisas metodologicamente

129

a princípio, rejeitaram a concepção de que as trocas textuais mediadas pelo computador estão

intrinsecamente relacionadas com a fala-em-interação. Entretanto, por volta do final dos anos

1990 e início dos anos 2000, diversos linguistas (influentes na área da comunicação mediada

por computador), por meio da análise de evidências empíricas, constataram que a CMC possui

elementos típicos da conversação face a face (CFF) e, ainda, cumpre muitas funções sociais da

comunicação oral.

Vejamos o que a autora (2010) tem a nos dizer acerca dessa última afirmação:

Em linguagem informal, os usuários da Internet geralmente se referem às trocas

textuais como conversações, utilizando verbos como ‘falou’, ‘disse’ e ‘ouviu’ em vez

de ‘digitou’, ‘escreveu’ ou ‘leu’ para descrever suas atividades de CMC. Até autores

publicados às vezes referem-se, de modo inconsciente, parece-me, aos ‘falantes’ mais

do que aos ‘escreventes’ digitais, à ‘conversa’ mais do que a ‘trocas digitadas’,

‘turnos’ mais do que ‘mensagens’, e assim por diante, quando se reportam à CMC.

Esse uso linguístico atesta o fato de que a experiência de usuários da CMC é

fundamentalmente semelhante à conversação falada, embora a CMC seja produzida e

recebida por escrito (HERRING, 2010, p. 1-2).109

Nesse direcionamento, Recuero (2012, p. 34-5) afirma que, “embora as tecnologias

digitais não tenham sido, em sua maioria construídas para simular conversações, são utilizadas

deste modo, construindo, portanto, ambientes conversacionais”, como o das redes sociais,

principalmente, no que diz respeito à sua estrutura e organização. Inclusive, convenções são

criadas também para suplementar textualmente os elementos da linguagem oral, ou melhor, os

participantes da troca comunicativa utilizam uma gama de recursos para adequar certas

manifestações linguísticas específicas da fala ao processo de escrita na rede.

Diante do exposto, Lévy (1996) acrescenta que o texto contemporâneo, que emerge do

ciberespaço, reconstitui a copresença da mensagem e do ambiente que caracteriza a

comunicação oral. Segundo o autor, os critérios se reaproximam daqueles do diálogo ou da

conversação.

Por essa razão, a proposta deste capítulo é discutir de que maneira a conversação na rede

(CNR), por meio da utilização das ferramentas de CMC, reconstitui elementos prototípicos da

rigorosas com foco em aspectos da conversação mediada pelo computador. Segundo a autora, essa coletânea revela

que, apesar da CMC ser produzida tradicionalmente por texto escrito (digitado), também compartilha numerosas

características da conversa falada (informal). 109 Tradução da autora para o trecho original: “In casual parlance, Internet users often refer to textual exchanges

as conversations, verbs such as talked,’ ‘said,’ and ‘heard’ rather than ‘typed,’ ‘wrote,’ or ‘read’ to describe their

CMC activities. Even published authors sometimes refer, unconsciously, it seems, to ‘speakers’ rather than online

‘writers’, ‘talk’ rather than ‘typed exchanges’, ‘turns’ rather than ‘messages,’ and so forth, when reporting on

CMC. This linguistic usage attests to the fact that users experience CMC in fundamentally similar ways to spoken

conversation, despite CMC being produced and received by written means.”

130

conversação face a face. Importa mencionar que essa discussão será pontuada por meio de

exemplos empíricos, que focalizam aspectos fundamentais da conversação oral, no que diz

respeito à sua aplicabilidade, em situações de comunicação concreta no ambiente da rede,

especificamente, do Twitter.

4.3 O ambiente conversacional: redes sociais na internet

O advento da internet atesta para o reconhecimento das rápidas e profundas alterações

na forma como nos relacionamos uns com os outros. Um bom exemplo é o das redes sociais

digitais, que permitem a comunicação e a interação social entre muitas pessoas. Significa dizer

que a rede social se configura em um ambiente de conversação, constituído de agrupamentos

humanos que interagem socialmente, apoiados nas tecnologias digitais de informação e

comunicação. Inclusive, entre as redes sociais mais populares do Brasil, encontram-se o

Facebook, WhatsApp, Instagram e o Twitter.

Neste ponto, é significativo mencionar que o Twitter funciona, nesta pesquisa, como um

mirante privilegiado para pensar e compreender seu potencial comunicativo no mundo

contemporâneo. Ademais, as conversações que acontecem, nessa rede social, são públicas,

permanentes e rastreáveis, permitindo-nos um estudo aprofundado e explicações

epistemologicamente coerentes sobre as questões levantadas nesta tese.

De modo geral, Boyd e Ellinson (2007 apud Recuero, 2009, p. 102) definem redes

sociais como sistemas que integram “(i) a construção de uma persona através de um perfil ou

página pessoal; (ii) a interação por meio de comentários; (iii) a exposição pública da rede social

de cada ator”, oferecendo ao pesquisador a investigação das trocas comunicativas, no tempo e

no espaço, em que foram realizadas.

Para Recuero (2009), uma rede social na internet é definida por dois elementos: atores

(pessoas, instituições ou grupos) e suas conexões (interações sociais). Em síntese, os atores são

representados nas redes sociais por meio de seus perfis, páginas pessoais que possibilitam a

construção de identidade, da apresentação de alguém que fala no espaço virtual (ver Figura 6).

Segundo a autora (2009), essas páginas funcionam de modo a transmitir a presença do “eu” na

rede. Inclusive, como o corpo físico – elemento fundamental na construção da situação de

interação – não participa do processo no espaço mediado pelo computador, há, portanto, a

necessidade – na construção desse “eu” – de colocar rostos e informações que gerem

131

individualidade e empatia, a fim de que essa identidade seja estabelecida e reconhecida pelos

demais. “Essa construção, necessária para a visibilidade daquele com quem se fala, é

fundamental à interlocução. A partir dessa construção, tem-se a presença, ainda que “virtual”,

que permite a situação de conversação” (RECUERO, 2012, p. 44).

Nesse direcionamento, pressupomos que a própria configuração do Twitter é estratégica,

no sentido de permitir uma parte sempre visível do perfil (no caso, a foto) nos tuítes produzidos

e compartilhados pelo usuário na rede. Parece-nos que o funcionamento desse recurso confere

uma impressão de estabilidade ao “eu virtual”, transparecendo que nem tudo é fluido na rede

social. Mesmo ao descer a barra de rolagem, a impressão que temos é que os conteúdos postados

foram ditos por um sujeito fixado no instante da leitura, cuja imagem, nome de exibição e nome

de usuário permanecem visíveis na tela enquanto navegamos. E, cada vez que o usuário muda

a sua foto, todo o conteúdo publicado anteriormente passa a ser exibido por essa nova

construção.

Já, no que concerne às conexões de uma rede social, Recuero (2009, p. 30-31) afirma

que, em termos gerais, elas são estabelecidas por meio da comunicação entre os atores, “onde

um constitui-se em elemento de orientação para o outro.” As palavras de Parsons e Shill (1975

apud Recuero, 2009, p. 31) vêm reforçar essa concepção:

A ação de um depende da reação do outro e há orientação com relação às expectativas.

Essas ações podem ser coordenadas através, por exemplo, da conversação, onde a

ação de um ator social depende da percepção daquilo que o outro está dizendo.

Tomando por base os pressupostos teóricos da AC e da LI, podemos dizer que os

momentos conversacionais mediados pelo computador, ou melhor – os que ocorrem nas redes

sociais – têm caráter essencialmente dialógico e desenvolvem-se também por meio de turnos

(embora com características próprias, uma vez que as trocas são predominantemente escritas).

Observemos, a seguir, uma interação diádica, isto é, aquela que acontece entre dois

atores (usuários), na rede social Twitter:

132

Excerto 22

Usuário A: “Seu pai é o Aydano André Motta?” 05/06/2020, 12h14. Tuíte.

Usuário B: “Padrasto” 05/06/2020, 13h29. Tuíte.

Usuário A: “Entendi! Estava vendo ele falando essa semana no redação Sportv sobre a pauta de

racismo no esporte e como ele aprendia bastante em casa com duas mulheres negras incríveis, hj

descobri que eram a Flávia e a Isabela!” 05/06/2020, 13h32. Tuíte.

Fonte: Twitter.110

Notamos, nesse exemplo, a organização estrutural da conversa, que se constitui na

participação de dois usuários em torno de um determinado assunto: família – referência ao

padrasto do usuário [B]. Constatamos, assim, que esse trecho conversacional se pautou pela

centração temática. Notamos a alternância na vez de se pronunciar, visto que o tuíte, no primeiro

turno, é constituído de uma pergunta realizada pelo usuário [A]. O segundo turno corresponde

à réplica/resposta do usuário [B], de modo a resgatar o que foi produzido no turno anterior. Já,

no terceiro turno, o usuário [A] acata o dizer de [B]. Verificamos também que a troca interativa

ocorre, num tempo específico, de forma coordenada, atestando similaridades com a

conversação oral.

Ainda, é oportuno dizer que as interações na rede podem ocorrer tanto de forma

síncrona (interação dos participantes em tempo real, em que a expectativa de resposta do

interlocutor é quase imediata) quanto de modo assíncrono (trocas comunicativas em que dois

ou mais atores não atuam ao mesmo tempo), de maneira que a unidade temporal se torna

elástica, pois nem sempre há a presença dos participantes, simultaneamente, na conversa

(RECUERO, 2012).

No excerto 22, verificamos que a interação se comporta de modo assíncrono, tendo em

vista que a resposta do usuário [B] à pergunta de [A] não se realiza imediatamente. Há um

espaço considerável de tempo entre o primeiro e segundo turnos. No entanto, entre o segundo

e terceiros turnos, notamos a ocorrência de uma comunicação síncrona, pois os tuítes são

publicados em sequência temporal quase imediata.

Tomando por base essas considerações, Herring (1999) observa que a reconstrução dos

pares conversacionais, na comunicação assíncrona, pode acontecer porque o ambiente registra

110 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1269091711441125377>. Acesso em 06 jun. 2020.

133

as mensagens, permitindo que os participantes o visitem em momentos diferentes, podendo dar

continuidade à conversação.

Diante do exposto, observemos o fragmento a seguir:

Excerto 23

Usuário A: “Lembram qdo a gente via filme de terror estarrecido com a burrice das personagens que

saiam pra ver o que estava acontecendo e obviamente morriam? Pois é, não parece tão inverossímil

agora, né? :P” 18/05/2020, 9h44. Tuíte.

Usuário B: “quem diria que viveríamos essa distopia...” 18/05/2020, 9h53. Tuíte.

Usuário C: “É trágico e, ao mesmo tempo, cômico!” 18/05/2020, 13h09. Tuíte.

Fonte: Twitter.111

Constatamos, nesse segmento, que se trata de uma conversação desenvolvida entre três

participantes, na qual o usuário [B] responde, num tempo relativamente curto, ao turno de [A].

Praticamente, há uma interação em tempo real (síncrona), levando-se em conta o tempo para

digitar e, às vezes, até revisar o que foi publicado. Normalmente, esse tipo de comunicação

envolve uma ação mais dinâmica na elaboração e envio das mensagens. Herring (1999) relata

que as interações em tempo real (online) são capazes de simular uma troca de informações de

modo semelhante a uma interação face a face, uma vez que há a copresença dos participantes

no ambiente da rede. Já a mensagem produzida pelo usuário [C], que também participa da troca

comunicativa, é publicada aproximadamente três horas depois, constituindo, assim, uma

interação assíncrona.

Nessa direção, a autora (2006) argumenta que os usuários podem participar das

interações na rede sem ficarem irremediavelmente perdidos ou confusos, porque existe um

registro textual persistente, para o qual eles podem voltar em momentos temporais diferentes,

a fim de acompanhar o que está acontecendo. Para Herring (1999), sem essa persistência textual

– se, por exemplo, as mensagens desaparecessem da tela imediatamente após serem lidas – a

CMC seria, sem dúvida, mais incoerente em termos de interação e muito mais limitada em seus

usos.

Passaremos, na seção seguinte, a sistematizar os elementos que organizam os processos

conversacionais na rede, a partir de suas características.

111 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1262363462405165056>. Acesso em: 06 jun. 2020.

134

4.3.1 A organização da conversação na rede: turnos e pares

Uma das principais ideias acerca da conversação é o fato de que se constitui em um

evento organizado. Tendo em vista que a CMC se assemelha à conversação oral, pretendemos

discutir, nesta seção, como a organização da conversa é ressignificada nos ambientes

conversacionais da internet (rede social), no que diz respeito a dois aspectos básicos na estrutura

da conversação: turnos e pares adjacentes.

Como discutimos no segundo capítulo deste trabalho, o estudo linguístico dos turnos

remonta a Sacks, Schegloff e Jefferson (2003), que desenvolveram um modelo, em que os

falantes adotam estratégias de alocação de turnos, buscando sustentar a regra “fala um por vez”

como o ideal. Desse modo, quem fala sustenta o piso durante o seu turno, e o piso muda a cada

troca de falante. Galembeck (2001) deixa clara a importância dos turnos para a conversação, ao

explicar que eles garantem a alternância dos participantes durante a interação, condição

necessária para que esta se instaure.

Nessa direção, Condon e Čech (2010) afirmam que um recurso compartilhado por toda

interação humana é a necessidade de gerenciamento dos turnos, a fim de que os participantes

possam reagir às contribuições uns dos outros. Para os autores, tal estratégia parece ser

complexa, no entanto é flexível o suficiente para se adaptar a uma variedade infinita de

contextos, inclusive, ao meio digital.

Ademais, os autores (2010) pontuam que, na interação face a face, os participantes

devem planejar seus enunciados, interpretar as mensagens recebidas e identificar um momento

apropriado no fluxo da conversa para produzir suas contribuições. A consequência dessas

demandas de processamento é minimizar o tamanho do turno e, por conseguinte, tornar a

interação mais eficiente.

No que se refere à interação síncrona, Condon e Čech (2010) argumentam que os

parceiros comunicativos normalmente esperam pelas mensagens direcionadas a eles, como

também pela oportunidade de se revezarem na conversa. Além disso, as mensagens não são

revisadas, porque os participantes “teclam” numa velocidade relativamente rápida. Tais

considerações nos levam a acreditar que a conversação na rede é constituída de aspectos muito

próximos aos da conversação face a face.

Nessa linha de condução, Herring (1999, p. 2) assevera ainda que a conversação

síncrona possibilita a presença de vários interlocutores ao mesmo tempo na rede, aumentando

135

a “sobreposição” (overlap) que, para a autora, é vista como a participação de vários atores em

resposta a um mesmo turno.

Nessa perspectiva, Crystal (2004, p. 159, grifo do autor) aponta que:

O efeito assemelha-se a um coquetel em que todos estão falando ao mesmo tempo -

exceto o que é pior, porque cada convidado pode “ouvir” cada conversa da mesma

forma e cada convidado precisa continuar falando, a fim de provar aos outros que

ainda estão envolvidos na troca.112

A nosso ver, esse potencial “distúrbio” é minimizado pela implementação de

tecnologias, por exemplo, os softwares – programas que executam tarefas no computador – os

quais impedem a sobreposição material daquilo que é dito, propiciando uma conversa

organizada. Nesse sentido, Recuero (2012, p. 69) afirma que, “embora um turno possa ter várias

contribuições simultâneas, elas não aparecerão sobrepostas, mas organizadas pelos sites.”

Ainda, no dizer da autora (Ibid., p. 67):

Como a maior parte das ferramentas é textual, há uma organização intrínseca, que

provém do próprio sistema de envio e recebimento das mensagens. O que alguém

escreve e envia sempre aparecerá como um turno independente, não sobreposto.

Fechando essas considerações, convém ressaltar que, no Twitter, não se observa

possibilidade de fenômenos que ensejam o assalto ao turno. Tanto em interações diádicas

quanto em interações poliádicas, a alocação dos turnos transcorre por determinação do meio

eletrônico, uma vez que eles vão surgindo na tela, na medida em que os participantes “digitam”

seus enunciados e, quando concluídas as suas proposições, acionam o comando “enviar” (enter)

no teclado do computador.

Vejamos um excerto extraído da rede social Twitter:

112 Tradução da autora para o trecho original: “The effect somewhat resembles a cocktail party in which everyone

is talking at once – except that it is worse, because every guest can ‘hear’ every conversation equally, and every

guest needs to keep talking in order to prove to others that they are still involved in the interchange.”

136

Excerto 24

Usuário A: “Republica Federativa do Turcomenistão do Brasil, onde Jair Diabo Bolsonaro tenta criar

uma realidade alternativa que lhe convenha. Nao passará” 06/06/2020, 10h37. Tuíte.

Usuário B: “Jair não, Javier!” 06/06/2020, 10h42. Tuíte.

Usuário C: “To me sentindo no mundo de 1984” 06/06/2020, 10h42. Tuíte.

[...]

Usuário D: “Pois eh... Agora este boçal, vive aqui em Goiás, juntando com cantor sertanejo (leia se

@xxxxxxxx Eh toda a ralé dos coronéis! [ ] @xxxxxxxx vá trabalhar para diminuir transmissão do

vírus e não venha fazer festa em Goiás... Como se td tivesse as mil maravilhas![ ]” 06/06/2020,

14h56. Tuíte.

Fonte: Twitter.113

Nessa interação simétrica114, os sujeitos-usuários interagem a partir do tuíte inicialmente

produzido por [A]. Há, como vimos um mecanismo intrínseco ao sistema que organiza a

contribuição de cada participante. Observamos ainda que o usuário [B] tuita praticamente ao

mesmo tempo que o usuário [C].

No que concerne à ideia de par adjacente, verifiquemos o excerto a seguir:

Excerto 25

Usuário A: “O que vc achou dá live?” 19/04/2017, 12h51. Tuíte.

Usuário B: “só ” 19/04/2017, 12h52. Tuíte.

Fonte: Twitter.115

No excerto 25, observamos que o usuário [A] faz uma pergunta que é imediatamente

respondida pelo usuário [B], formando uma unidade, ou melhor, um par conversacional.

Retomando o conceito, proposto por Sacks (1992), de par adjacente, entendemos que este se

constitui em uma sequência de turnos inter-relacionados (por tipo), por exemplo, um par é

formado por um turno que se caracteriza como uma pergunta e outro que se constitui como uma

resposta, produzidos por interlocutores distintos.

113 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1269262051907702786>. Acesso em 06 jun. 2020. 114 Em síntese, há duas modalidades básicas de interação: (i) simétrica: quando os interlocutores contribuem para

o desenvolvimento do tópico conversacional; (ii) assimétrica: quando um dos interlocutores desenvolve o tópico;

e o outro vigia ou segue seu parceiro (GALEMBECK, 2001). No Twitter, a interação costuma ser definida como

simétrica, uma vez que qualquer usuário é um produtor potencial de conteúdo e suas mensagens são passíveis de

serem comentadas por qualquer outro usuário da rede. 115 Disponível em:<https://twitter.com/username/status/854543157366751232>. Acesso em: 08 jun. 2020.

137

Sob essa perspectiva, Recuero (2012, p. 71) explica que pares adjacentes “não

necessariamente são constituídos de turnos imediatamente subsequentes na mediação do

computador”, isto é, uma determinada resposta pode aparecer vários turnos depois de seu par –

a pergunta. Essa situação implica pares que se relacionam entre si, mas que não estão dispostos

em uma sequência ordenada.

Na tentativa de resolver essa questão, a autora (2012, p. 72-3) afirma que:

O Twitter, por exemplo, passou a incorporar a função de indicar, ao se clicar em uma

resposta, a qual tuíte aquela resposta foi direcionada. Assim, a própria ferramenta

organiza os pares conversacionais, auxiliando os atores a engajar-se na conversação.

Vejamos a utilização desse recurso no fragmento, a seguir, extraído da rede social

Twitter:

Excerto 26

Usuário A: “Tô vendo o Villa mix agora, Leonardo ainda não foi né?” 07/06/2020, 18h23. Tuíte.

Usuário B: Em resposta a @usuárioA “Qual canal” 07/06/2020, 18h29. Tuíte.

Usuário C: Em resposta a @usuárioA “Ainda não!!” 07/06/2020, 18h30. Tuíte.

Usuário A: Em resposta a @usuárioB “YouTube do Villa mix” 07/06/2020, 18h31. Tuíte.

Usuário B: Em resposta a @usuárioA “Muito obrigado” 07/06/2020, 18h31. Tuíte.

Fonte: Twitter.116

Verificamos, no excerto 26, que a intervenção de [A] possui como ato inicial uma

pergunta, que somente é respondida pelo usuário [C], após a manifestação de [B]. Notamos que

o usuário [B], em vez de responder imediatamente à questão produzida por [A], encadeia sua

intervenção com outra pergunta “qual canal”, cuja função é pedir um esclarecimento ao usuário

[A]. Este, então, fornece a resposta, após a manifestação de [C].

Nessa interação imbricada, observamos que os interlocutores respondem uns aos outros

por meio de um marcador de resposta: “Em resposta a @usuárioX”. Tal prática é denominada

por Werry (1996, p. 52), de “endereçamento” (addressivity), ou seja, funciona, na rede, como

um metadado, ou melhor, um sistema de vinculação da resposta de alguém ao conteúdo de uma

mensagem anterior. É oportuno dizer que, a partir de 2014, as respostas endereçadas a um

usuário, em específico, são materializadas, na plataforma, por um “fio” que liga verticalmente

o tuíte anterior à sua réplica, ou seja, funciona como um mecanismo que permite identificar a

116 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1269741746466021376>. Acesso em 08 jun. 2020.

138

organização de turnos e pares conversacionais, ou melhor, a natureza sequencial de uma

interação.

No excerto 26, observamos ainda a utilização do “método de endereçamento”117 sob

condições de “adjacência de turno interrompida” (disrupted turn adjacency), ou seja, causada

em razão das mensagens serem postadas na ordem recebida pelo sistema. Em interações

poliádicas, isso ocorre quando uma mensagem é separada de uma mensagem anterior, caso

outras mensagens sejam enviadas nesse meio tempo. Na tentativa de compensar esse problema

causado pela adjacência interrompida, esse recurso procura orientar os “ouvintes” (listenership)

quanto à conexão entre turnos e pares na conversação (HERRING, 1999).

Conforme discutido na seção 1.4 deste trabalho, outro método de endereçamento

desenvolvido pelo Twitter diz respeito a direcionar mensagens a um sujeito específico numa

conversa, por meio da utilização do símbolo@, recurso caracterizado como “menção”:

Ilustramos, no excerto, a seguir, como os usuários da rede empregam tal método:

Excerto 27

Usuário A: “Gente: vcs deve dar PARABENS pra quem FAZ um bom programa de TV, como a

@usuárioD do Masterchef e ñ pra quem "aparece' na TV!! pfv!” 29/10/2014, 12h46. Tuíte.

Usuário B: “@usuárioA o grande público não conhece quem faz o programa, só quem aparece.”

29/10/2014, 12h41. Tuíte.

Usuário A: “@usuárioB mas dar parabéns pra quem é entrevistado? quem dá um depoimento? nao

entendo isso! 'parabens por aparecer na tv'!” 29/10/2014, 12h52. Tuíte.

Usuário B: “@usuárioA To no modo lento (sono) mas entendi o "aparece" pra quem trabalha na

frente das câmeras...” 29/10/2014, 13h02. Tuíte.

Usuário A: “@usuárioB acho que me expressei mal, mas é vdd, todos acham q o apresentador faz

tudo soziho! eu me referia a pessoas comuns q aparecem” 29/10/2014, 8h10. Tuíte.

Usuário C: “Desculpe @usuárioA não sabia... então parabéns @usuárioD não perco um programa

#MasterChefBR pra mim o melhor!!” 29/10/2014, 12h54. Tuíte.

Usuário A: “@usuárioC @usuárioD aeeeeee” 29/10/2014, 12h57. Tuíte.

Usuário D: “@usuárioA @usuárioC ” 29/10/2014, 29/10/2014, 12h58. Tuíte.

Fonte: Twitter.118

Verificamos, nesse segmento conversacional, que os usuários da rede se apropriam a

todo momento da prática do endereçamento (@usuárioX) na produção de seus enunciados, com

117 Recuero (2009a, p. 123) caracteriza tal funcionalidade como “marcador de direcionamento”. 118 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/527290243406626816>. Acesso em 08 jun. 2020.

139

o intuito de negociar a conversação entre turnos, como também compensar os problemas de

rastreamento causados pela adjacência interrompida.

Stone (2014), um dos cofundadores da rede, explica esse recurso:

Começar o tuíte por @biz, por exemplo, significa que você está falando

especificamente comigo, por mais que possa destacar uma pessoa específica numa

conversa em grupo. Começamos a dar suporte a esse comportamento em 2007,

primeiro fazendo um link entre o “@nomedousuário” e o perfil e depois a uma

determinada conversa.

Nessa direção, Bays (1998) assinala que o endereçamento pode funcionar também de

maneira semelhante ao olhar nas conversas face a face, direcionando o próximo turno para uma

pessoa em particular ou para o grupo como um todo. Como sabemos, tal prática é comum na

comunicação oral e foi, portanto, (re)adaptada, pelos usuários, para a conversação na rede.

Vejamos como os usuários do Twitter costumam se apropriar disso:

Excerto 28

Usuário A: “BDM Online [07.06.20 21:09] ++Ministério da Saúde divulgou mais 1.382 mortes nas

últimas 24 horas, para o total de 37.312 no Brasil ++Neste período, foram confirmados mais 12.581

novos casos, para o total de 685.427 casos” 07/06/2020, 21h09. Tuíte.

Usuário B: “Imagina na segunda, que m.....” 07/06/2020, 21h15. Tuíte.

Usuário C: “Terça então deve ser ou o caos supremo ou eles trabalharam esse domingo e terça não

explode tanto. fé na segunda opção” 07/06/2020, 21h20. Tuíte.

Usuário D: “@usuárioE” 07/06/2020, 21h25. Tuíte.

Usuário E: “Acabei de ver, saiu no Fantástico.” 07/06/2020, 21h26. Tuíte.

Fonte: Twitter.119

Verificamos que, neste excerto, o usuário [D] não tece nenhum comentário, apenas

participa da conversação, quando convoca, por meio do endereçamento, o usuário [E]. É como

se dirigisse o olhar para este, convidando-o a interagir com os outros participantes.

Outro aspecto que merece destaque diz respeito ao ícone “curtir”, disponível tanto na

rede social Facebook quanto no Twitter. Para Recuero (2012), tal prática leva à formação de

um par adjacente, visto que, quando o usuário “curte” uma mensagem, ao teclar o recurso no

formato de “coração”, ainda que de forma simbólica, está tomando parte na conversação e

explicitando sua aprovação.

119 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1269783639912599553>. Acesso em 08 jun. 2020.

140

Observemos a utilização desse recurso no tuíte a seguir:

Figura 20 – Tuíte (adjacência)

Fonte: Twitter.120

Diante do exposto, podemos concluir que a estrutura organizacional da conversação em

rede, mais especificamente, no Twitter segue, de modo geral, a organização da conversa face a

face com algumas (re)adaptações, tais como: (i) a alocação dos turnos obedece a uma

funcionalidade temporal intrínseca que provém do próprio sistema (isto é, o turno aparece na

tela do computador assim que o participante clica em “tuitar” ou após o pressionamento da tecla

enter no teclado do computador); (ii) os atores (usuários) frequentemente se utilizam dos meios

tecnológicos para convencionar formas de estabelecer e recuperar os pares conversacionais, no

sentido de manter a compreensão e o andamento da conversação.

Por último, mas não menos importante, é o caráter dinâmico e a condição de

temporalidade das comunicações ditas “síncronas”, ou seja, em tempo real, que levam os

participantes a, além de economizar nas formas linguísticas (fator importante para manter o

ritmo do processo comunicativo), investir “toda a criatividade para atribuir a essa manifestação

escrita as marcas da comunicação face a face” (HILGERT, 2000, p. 53).

Nessa perspectiva, Marcuschi (2005a, p. 10-11) aponta que o comportamento dos

participantes em uma comunicação síncrona “[...] interfere na forma de escrever pela

necessidade da reação em tempo real. Isso constitui algumas das estratégias de textualização da

oralidade que passam para a escrita”. Crystal (2004, p. 130) defende que são “as interações

síncronas que causam uma radical inovação linguística, [...] influenciando certas convenções

do texto falado e escrito.”121

Para Örnberg (2003 apud Recuero 2009a), a CMC (tanto em interações síncronas como

assíncronas) constitui uma nova forma de linguagem, isto é, um hibridismo entre a escrita e a

oralidade, de modo a proporcionar uma maior fluência nas conversações e, por conta dessas

120 Disponível em: <https://twitter.com/search?q=username=typed_query>. Acesso em 08 jun. 2020. 121 Tradução da autora para o trecho original: “the synchronous interactions which cause most radical linguistic

innovation [...] affecting several basic conventions of traditional spoken and written communication.”

O usuário “curte” e/ou

“aprova” o tuíte, ao teclar no

coração.

141

características, justifica-se ainda a aplicação dos princípios da AC para as trocas interacionais

produzidas e veiculadas na rede.

Ainda, parece claro que a conversação digital122 vem trazendo, numa relação íntima com

a fala, uma formatação sui generis ao texto escrito. É sobre esse aspecto que discutiremos a

seguir.

4.3.2 A e-conversação: entre marcas e texto

Para Galli (2005, p. 125), “a linguagem da Internet tem seus pressupostos que,

naturalmente, estão caminhando para um novo modelo de comunicação”, uma vez que o

desenvolvimento e a utilização da rede acabam produzindo, entre seus usuários, uma linguagem

própria, repleta de termos típicos, isto é, todo participante, de uma maneira ou outra, acaba

compreendendo o conjunto da rede e os termos que determinam seu conteúdo e funcionamento.

Halliday (2007, p. 111-3) assinala que “[...] sob o impacto das novas formas de

tecnologia”, presencia-se uma situação em que a “oposição entre a fala e escrita está sendo

desconstruída” e cuja “distância está sendo amplamente eliminada”, ou seja, “[...] a tecnologia

está criando condições materiais que permite uma interação maior entre ambas”.123

Davis e Brewer (1997, p. 19 apud Crystal, 2004, p. 47) ratificam essas afirmações,

quando consideram a linguagem na internet como um recurso eclético, já que “ao escreverem

no meio eletrônico, os indivíduos adotam convenções do discurso oral e escrito para atender

aos seus propósitos comunicativos”.124

Para Latham (2006, p. 36):

O discurso eletrônico vale-se da escrita, ou seja, de uma linguagem que é digitada por

um dos interlocutores e visualmente apresentada na tela do computador, mas não se

limita a características dessa modalidade, uma vez que pode também assumir formas

que mais se assemelham ao discurso face a face.

122 Crystal (2004) observa que o termo e- apareceu em diversos casos em 1998. Casos como e-mail (correio

eletrônico), e-book (livro eletrônico ou digital) e e-texto (texto eletrônico ou digital) já são bastante usuais. Nessa

direção, sugerimos a expressão “e-conversação” para designar as conversações que ocorrem no meio eletrônico,

virtual ou mesmo digital. Passaremos, a partir de agora, a utilizá-la neste trabalho. 123 Tradução da autora para o texto original: “[...] under the impact of the new forms of technology which are

desconstructing the whole opposition of speech and writing. [...] the gap between spoken and written text has been

largely eliminated. [...] the technology is doing is creating the material conditions for interaction between the two.” 124 Tradução da autora para o trecho original: “Writing in the electronic medium, people adopt conventions of oral

and written discourse to their own, individual communicative needs.”

142

Nessa direção, Crystal (2004, p. 34, grifo do autor) argumenta que a principal

característica da e-conversação diz respeito ao esforço dos usuários em “capturar a noção de

‘não é o que você diz, mas o modo como diz algo’.”125 Desse modo, consideramos que as trocas

no âmbito da CMC, além de se constituírem de elementos da modalidade escrita, também se

constroem em um nível próximo à oralidade, na medida em que recuperam elementos

prototípicos da conversação face a face, isto é, os diferentes sistemas semióticos que as

constituem (material verbal, paraverbal e não verbal).

Corroborando essas reflexões, Seara et al. (2018, p. 344) argumentam que, na linguagem

do ambiente virtual, “não há oposição, mas sim uma contiguidade nos registros” oral e escrito.

Ainda, nas palavras das autoras (Ibid., p.346):

[...] a ausência de marcadores de pessoa e de informação paraverbal e não-verbal é

colmatada através de determinadas convenções gráficas que simulam essas dimensões

da oralidade. Essa compensação é feita através de diferentes mecanismos que vão

desde a pontuação expressiva à utilização de maiúsculas, aos comentários

metadiscursivos e aos emojis que, para lá do valor lúdico que, de forma redutora,

muitos lhes querem atribuir, são formas de simulação que assumem a mesma função

não-verbal na comunicação face-a-face.

Vejamos, a seguir, um segmento interacional, extraído da rede social Twitter:

Excerto 29

Usuário A: “eu discutindo hj em dia:

tá bom

jae

valeu

ok

blz vou dormi” 08/11/2018, 11h57 Tuíte.

Usuário B: “Certinho Boa noite ae fui” 10/11/2018, 01h32. Tuíte.

Fonte: Twitter.126

No exemplo, verificamos que dentre os procedimentos mais comuns, utilizados pelos

usuários da rede, estão as abreviaturas, em que se preservam elementos gráficos mínimos para

identificar foneticamente o termo, por exemplo, hj (hoje), tá (está), blz (beleza). Jonsson (1997)

entende que a utilização dessas estratégias compensatórias implica não somente uma

simplificação da forma de escrita, como também a diminuição do tempo de codificação na

leitura, levando os participantes a se aproximarem ainda mais da velocidade da fala. Ainda,

125 Tradução nossa para o trecho original: “[...] capture the notion of ‘it ain’t what you say but the way that you

say it’.” 126 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1060531777519927297>. Acesso em 21 fev. 2021.

143

para Crystal (2004), se uma intervenção demorar muito, ela se torna irrelevante, à medida que

a e-conversação avança. Portanto, as abreviaturas são indispensáveis, na tentativa de

economizar tempo e esforço tanto na produção quanto no envio das mensagens.

Sob essa perspectiva, Anis (2000) propõe o termo “neografia” (néographie) para todas

as grafias que se desviam do padrão ortográfico. Para o autor, dentre as neografias mais

relevantes, destacam-se: abreviaturas (q = que); esqueletos consonantais (mt = muito; qd =

quando; cmg = comigo; smp = sempre); logografias ou palavras-sinais (demais = d+);

alongamentos gráficos (Olaaa! Muituuuuuu! Ebaaaa!).

Outra conduta observada na rede diz respeito à utilização de letras maiúsculas, e/ou a

repetição de letras, na tentativa de transmitir alterações entonacionais. Vejamos, então, o

excerto 30, em que é possível notar, além da utilização de caixa alta e repetição de letras, a

combinação de caracteres do teclado para simbolizar um coração [<3]:

Excerto 30

Usuário A: “quem diriAAA que o menino da periferiAAA iriAAA dAAAr entrevistAAA parAAA

AAA ESPN” 11/06/2020, 1h14. Tuíte.

Usuário B: “Tudo copeeraaa paaaraaa o bem que servem aaa Deus. <3” 1h16, 11/06/2020. Tuíte.

11/06/2020, 1h16. Tuíte.

Fonte: Twitter.127

Ademais, verificamos que sinais de pontuação (por exemplo, as reticências) podem

ainda ser utilizados para indicar fenômenos de hesitação e pausas nos turnos da conversação. E

formas onomatopaicas (como a reprodução de risadas) são usadas para recuperar elementos

paraverbais típicos das conversações orais, como ilustra o exemplo a seguir:

Excerto 31

Usuário A: “Bom dia! Quem quer fazer igual o cavalo do Flávio Brasil e sair correndo daqui

responde...” 11/06/2020, 10h30. Tuíte.

Usuário B: “QUERO hahahhshahahah” 11/06/2020, 10h31. Tuíte.

Fonte: Twitter.128

127 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1270932281419534336>. Acesso em 11 jun. 2020. 128 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1271072297592512514>. Acesso em 11 jun. 2020.

144

Esse breve fragmento interacional faz referência ao cantor Flávio Brasil, que passou por

uma situação inusitada durante a sua live129, transmitida pelo canal YouTube, disponível na

internet. O sertanejo do Distrito Federal resolveu inovar em seu “show” com uma ideia que não

deu muito certo: o cantor entrou ao vivo em uma charrete, mas o animal se assustou logo no

começo da primeira música e saiu em disparada, levando o cantor.

Como vimos, no excerto 31, o usuário [A] inicia seu turno com o seguinte

questionamento: “Quem quer fazer igual o cavalo do Flávio Brasil e sair correndo daqui

responde...”, fazendo uma analogia à situação vivida pelo sertanejo e ao contexto enfrentado

pelo povo brasileiro na pandemia da Covid (no ano de 2020), quando se instaura no país uma

grave crise sanitária. [A] finaliza seu turno com o uso das reticências, uma estratégia importante

para o fluxo da conversa. O interlocutor [B] responde imediatamente à pergunta de [A], com

uma elocução em caixa alta (“QUERO”), seguida da onomatopeia, que simula uma gargalhada

(“hahahhshahahah”), indicando seu intenso desejo de deixar o país.

Em se tratando das estratégias de construção do texto da CINT, Hilgert (2000) também

chama a atenção para o uso abusivo dos pontos de interrogação e exclamação, visto que:

Um só dos sinais daria conta respectivamente do sentido interrogativo e exclamativo

do enunciado. O que se acresce além deste só se explica como tentativa de evocar

impressões da interação face a face, dificilmente traduzíveis por escrito.

Observemos tal característica no segmento extraído do Twitter:

Excerto 32

Usuário A: “ACORDEEEEEM! RT @usuárioX Rio de Janeiro HOJE [...] SP bateu recorde de

mortes ontem. Mesmo assim, vai reabrir o comércio de rua amanhã e os shoppings na quinta.

Preparem-se para o caos [fotos – calçadão do RJ].” 09/06/2020, 16h05. Tuíte.

Usuário B: “É porque não viu caxias!!! Aqui não tem praticamente NINGUÉM respeitando

quarentena” 09/06/2020, 16h28. Tuíte.

Fonte: Twitter.130

No excerto 32, notamos que o usuário [A] chama a atenção, por meio do uso de caixa

alta, de seus interlocutores (“ACORDEEEEEM!”), ao compartilhar em sua página pessoal a

publicação do @usuárioX, que diz respeito ao recorde de mortes provocado pela contaminação

129 O termo live é utilizado para designar uma transmissão ao vivo de áudio e vídeo na Internet, geralmente feita

por meio das redes sociais. Disponível em:<https://www.techtudo.com.br/noticias/2020/03/o-que-e-uma-live-

saiba-tudo-sobre-as-transmissoes-ao-vivo-na-internet.ghtml>. Acesso em 20 jul. 2020. 130 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1270437756502708226>. Acesso em 11 jun. 2020.

145

da Covid. Como vimos, no primeiro capítulo desta tese, a prática de republicar a mensagem de

alguém é denominada, na rede social Twitter, de retuíte (RT)131. Em sua réplica, o interlocutor

[B] utiliza o sinal de exclamação repetidas vezes (“É porque não viu caxias!!!”), com a intenção

de expressar a sua indignação quanto à população de Duque de Caxias, município do Rio de

Janeiro, que não está respeitando a quarentena imposta pelo governo, durante a pandemia.

Nessa perspectiva, Seara (2021) comenta que “o ponto de interrogação, tal como o ponto

de exclamação, podem ser usados como recurso único para pedir mais informações, exprimir

perplexidade, surpresa ou toda uma panóplia de estados de espírito e emoções.”132

Dürscheid (2009) afirma ainda que o usuário da língua se utiliza da repetição de sinais

de pontuação como dispositivo estilístico-gramatical, a fim de compensar um “déficit de

emocionalidade” (Defizit an Emotionalität), isto é, são marcas enunciativas projetadas no texto,

com vistas a produzir efeitos de sentido de oralidade.

Pensamos que as características de oralidade relacionadas por Koch e Öesterreicher e

outras mais podem ser compreendidas nesse sentido. Quanto maior for a convergência

desses traços no texto, mais intenso será o sentido de oralidade e de proximidade por

eles produzidos (HILGERT, 2020, p. 31).

No que concerne às características dos textos que circulam na rede, Hilgert (2000, p.

50) assinala ainda que “gírias e falas coloquiais estão também fartamente representadas”, como

demonstrado no exemplo a seguir, em destaque:

Excerto 33

Usuário A: “te amo be” 06/06/2020, 2h02. Tuíte.

Usuário B: “uhum amore kkk” 06/06/2020, 2h06. Tuíte.

Usuário B: “se me ama, então pare de me encher o saco por causa desse audioooioooio” 06/06/2020,

2h07. Tuíte.

Usuário A: “ta bom, eu paro mo se eu parar voce manda mais?” 06/06/2020, 2h11. Tuíte.

Fonte: Twitter.133

No excerto 33, notamos o certo uso das pessoas, do tempo e do espaço, em especial, da

1ª pessoa do singular que se dirige à 2ª, do tempo do agora e do espaço do aqui, criando o efeito

131 Cabe mencionar que, para Recuero (2012), o RT é ainda uma forma de estabelecer pares conversacionais. 132 Informação escrita [PowerPoint slides] fornecida pela Profa. Dra. Isabel Roboredo Seara em evento totalmente

online: “Cortesia em práticas discursivo-textuais na internet”, realizado sob a coordenação da Profa. Dra. Vanda

Maria da Silva Elias, na UNIFESP, em abril de 2021. 133 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1269132432814604289>. Acesso em: 11 jun. 2020.

146

de “enunciação enunciada, de simulacro de comunicação face a face e, portanto, de oralidade”

(BARROS, 2011, p. 211). Além disso, produz efeito de aproximação, de afetividade,

cumplicidade etc. Fica evidente também a informalidade da linguagem na rede, com vistas a

reproduzir o ambiente da conversação oral. Isso significa dizer que:

embora não seja constituída de “fala” na maioria das vezes, a conversação no ambiente

virtual é constituída de interações próximas desta, que simulam a organização

conversacional oral e que têm efeitos semelhantes nas interações sociais e na

constituição dos grupos (RECUERO, 2012, p. 49).

Importa mencionar que, de acordo com Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 36, grifo da

autora), as conversações são “construções coletivas” produzidas por meio de palavras, como

também de silêncios, entonações, gestos, posturas, isto é, de signos de natureza variada: “as

conversações exploram diferentes sistemas semióticos para se constituir”, dentre eles,

material verbal, paraverbal (prosódico e vocal) e não verbal (olhares, mímicas, expressões das

emoções, gestos, entre outros). Inclusive, os dados paraverbais e não verbais são indicadores

muito eloquentes do “estado afetivo dos participantes” (Ibid., p. 41, grifo da autora) e, na sua

diversidade, esses diferentes materiais são igualmente necessários à comunicação e a um

melhor proveito da interação.

Com base nessa perspectiva, escritores habilidosos desenvolveram uma escala de

recursos que, exploram, no contexto digital, as variadas emoções do sujeito ou o estado

psicológico de quem os emprega. São os emoticons (emotion: emoção + icon: ícone), elementos

comumente utilizados nas produções comunicativas dos usuários da rede. Para Recuero (2012,

p. 48), consistem em “signos criados a partir de convenções de uso da linguagem no ciberespaço

e fornecem o contexto para o diálogo, bem como transformam a linguagem em ação.”

Ainda, em relação ao uso dos emoticons (ou emojis)134 na linguagem da rede, Seara et

al. (2018, p. 346, grifo das autoras) argumenta:

A escrita digital, evidentemente, não acompanha a velocidade do raciocínio

comparativamente ao momento de comunicação oral. A necessidade de tempo na

troca de mensagens síncronas, as que podem decorrer em tempo real [...], acaba por

poder atribuir à conversação escrita um caráter contraprodutivo e/ou desinteressante.

Assim, diminuir o tempo de espera entre os turnos da conversação “escrita” revela-se

uma necessidade, sendo o emoji um forte aliado neste sentido.

A seguir, apresentamos uma variedade de emoticons, largamente utilizados na rede:

134 Emoji = “palavra derivada da junção dos seguintes termos em japonês: e (絵 "imagem"?) + moji (文字

"letra"?)”. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Emoji>. Acesso em 11 jun. 2020. Importa mencionar

que, nesta tese, consideramos os termos emoticons, smyles e emojis como designações similares.

147

Figura 21 – Representação dos principais emoticons

Fonte: Página do site Ecommerce na Prática.135

Como vimos, os emoticons são constituídos de pequenas imagens. No entanto, os

usuários da rede também podem se valer da digitação associada de sinais de pontuação, letras,

números e ou caracteres especiais do teclado no intuito de criar outros ícones de emoções

(alegria, medo, espanto), intenções e/ou ações (beijar, piscar etc.), conforme ilustrado na figura

a seguir:

Figura 22 – Exemplos de emoticons (ou smyles)

Fonte: Página do site diferença.com.136

Observemos a utilização de um emoticon no fragmento a seguir:

135 Disponível em: <https://ecommercenapratica.com/emojis/>. Acesso em 11 jun. 2020. 136 Disponível em:< https://www.diferenca.com/emoticons-e-emoji/>. Acesso em 23 abr. 2021.

148

Excerto 34

Usuário A: “Estou numa sala no Clubhouse a Dani, de Jaú falou do absurdo crescimento de óbitos

por Covid19. E aqui está o grafico que Dr. Luis Fernando Correia me mandou: É gravíssima a situação

de Jaú.” 26/02/2021, 11h35. Tuíte.

Usuário B: “Toda a região de Bauru (que abrange Jaú, Botucatu, Lins e várias outras cidades) está

nessa situação.” 26/02/2021, 11h56. Tuíte.

Usuário C: “ Cuidem-se todos!”

Fonte: Twitter.137

No excerto 34, verificamos que o usuário [A] comenta sobre o crescimento de óbitos,

na cidade de Jaú, devido à disseminação do coronavírus. O usuário [B] acata tal afirmação,

indicando que não só Jaú estava passando por essa situação gravíssima como toda a região de

Bauru, no interior do Estado de São Paulo. No turno seguinte, o usuário [C] insere um emoticon,

constituído por uma carinha de choro [ ], geralmente, representando a sensação de “tristeza”,

e, em seguida, solicita: Cuidem-se todos!”. Ainda, ao tratar dos emoticons, Jonsson (1997)

argumenta que o uso frequente dessas expressões semióticas indica que os participantes

pretendem transmitir suas mensagens, com base na percepção do caráter oral de suas interações.

Portanto, mais do que contar exclusivamente com a destreza dos dedos escrevendo a

mensagem, o emoticon tem a capacidade de sintetizar um pensamento, uma mensagem num

único ícone/símbolo, como também exprimir o estado de espírito dos usuários da rede

relativamente ao seu turno de fala ou do interlocutor, muitas vezes difícil de expressar em

palavras (SEARA et al., 2018).

Neste ponto, convém ressaltar que Marcoccia e Gauducheau (2007), na análise de um

corpus constituído de quinze mensagens publicadas em fóruns de discussão acerca dos mais

variados temas (cinema, esporte, atualidades, séries e programas de televisão), examinaram

quatro funções distintas dos emoticons (ou smyles138, segundo os autores), as quais destacamos

a seguir: (i) expressiva: os emoticons desempenham o papel de transmitir o estado psicológico

(alegria, tristeza, medo, nojo, raiva, surpresa, entre outros) dos sujeitos e/ou de simular a

137 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1365309471992532994>. Acesso em 27 fev. 2021. 138 A título de curiosidade, o primeiro smyle foi desenvolvido por Scott Fahlman, professor da Universidade

Carnegie Mellon, em 1982, a fim de resolver um mal-entendido. O enunciado era irônico, no entanto não foi

interpretado adequadamente pelos usuários da plataforma. O professor, então, criou o ícone :-) para revelar o tom

de brincadeira (piada) nos enunciados e o ícone :-( para identificar mensagens sérias. Disponível em:

<https://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2014/07/entenda-diferenca-entre-smiley-emoticon-e-emoji.html>.

Acesso em: 06 jun. 2021. Importa mencionar ainda que, nesta tese, mantemos a sinonímia entre os termos

emoticons, smyles e emojis.

149

mimogestualidade, presentes na conversação face a face; (ii) interpretativa: esses recursos têm

a função de decodificar/interpretar ambiguidade nos enunciados, isto é, de revelar se uma

mensagem é irônica ou engraçada, por exemplo; (iii) relacional: os emoticons procuram indicar

a relação que o sujeito deseja instaurar com seu interlocutor (seja de familiaridade, seja de

proximidade, quando o tom da mensagem é neutro, entre outras); (iv) indicador de polidez:

esses ícones são utilizados para mitigar/atenuar o caráter ameaçador ou hostil de uma

mensagem.

Ainda, como sublinha Seara et al. (2018), os emoticons podem desempenhar várias

funções simultaneamente. É preciso, pois, observar como eles se articulam tanto na produção

quanto na interpretação dos enunciados. Inclusive, esses recursos podem não só indicar

manifestações de cortesia, como também serem marcadores de agressividade, veiculando

emoções negativas ou depreciativas.

Em síntese, as marcas discursivo-textuais apontadas revelam que os usuários desejam

interagir na rede. Para tanto, veem-se compelidos a “escrever” suas mensagens, bem como

precisam investir toda a sua criatividade, por meio do acionamento de determinados recursos

linguístico-discursivos, no sentido de também atribuir marcas de oralidade ao texto –

provenientes de experiências adquiridas como falantes nas diversas situações de interação face

a face.

Mediante tais considerações, sentimo-nos autorizados a analisar a interação por meio de

tuítes como uma “conversa” (instalação do simulacro de comunicação face a face; alternância

de turnos e sequencialidade; vocabulários e expressões próprias da fala; convenções gráficas

que simulam efeitos de sentido da oralidade, entre outros) e, por conseguinte, a assumir as

categorias teóricas da análise linguística da conversação na orientação deste estudo, visto que,

concordamos com a posição de Hilgert (2020, p. 32) quando argumenta que o estudioso da

Linguística Textual ou da Análise da Conversação tem como objeto de estudo o texto, o

“produto da enunciação” posto à sua consideração. “Nele estão inscritas as marcas da oralidade

que cabem ser percebidas e identificadas pelo analista, orientado por seus fundamentos teóricos

e metodológicos.”

Portanto, a fim de fecharmos as reflexões apresentadas nesta seção, oferecemos ao nosso

leitor um quadro comparativo entre as principais unidades que constituem a conversação face

a face e sua (re)apropriação na e-conversação, o qual apresenta as relações para casos típicos,

analisados no Twitter. Precisa, portanto, ser remodelado para dar conta de demais ocorrências.

150

Quadro 3 – Correlação entre elementos constituintes da CFF e e-conversação

Unidades da conversação face a face Ocorrências na e-conversação

Turno se constitui como qualquer intervenção

oral dos interlocutores.

Turno se constitui por cada intervenção por

escrito, predominantemente curtas. No Twitter

(até 280 caracteres).

De modo geral, há uma situação de simetria

entre as falas dos participantes quanto de

assimetria.

No Twitter, verifica-se geralmente uma relação

de simetria, pois cada participante busca discutir

o tópico e expor seu ponto de vista.

A transição de turnos é marcada pela

negociação entre os interlocutores e ocorre com

pequenos intervalos (o período de tempo que

vai do fim do turno do falante para o início do

turno do ouvinte).

A alocação de turnos nas interações da rede é

determinada pelo meio eletrônico, na medida em

que o participante conclui sua elocução e aciona

o comando “tuitar”.

Predomina a prática de um falante fazer uso da

palavra por vez – princípio que pode ser violado

pelo assalto ao turno.

Falar um por vez é norma compulsória, por

determinação do próprio sistema.

Impossibilidade de assalto ao turno.

Momentos de sobreposição são comuns, mas

breves.

Não há sobreposições, pois as contribuições são

organizadas, em ordem linear, pelo sistema.

Há um ordenamento entre as elocuções que

formam o par adjacente, isto é, elas vêm

posicionadas uma em seguida da outra. Por

exemplo: pergunta-resposta; convite-

aceitação/recusa, entre outros.

É possível que a adjacência de turnos possa ser

entrecortada, em razão das mensagens serem

publicadas na ordem recebida pelo sistema.

Nesse caso, a formação do par conversacional

pode ocorrer por meio do método de

endereçamento.

Uso de marcadores prosódicos que denotam

entonações, intensidade articulatória, elocução

enfática etc. e que, normalmente, funcionam

como expressões das intenções conversacionais

dos participantes.

Compensação de recursos paralinguísticos por

meio do uso de caixa alta, repetição de letras, uso

abusivo dos sinais de interrogação e exclamação,

marcadores não lexicalizados como uhum, ahn,

ah, eh.

Presença de gestos, posturas, atitudes afetivas,

entre outros.

Compensação dos recursos não verbais por meio

da utilização dos emoticons.

Marcador prosódico (pausas, hesitações) Uso de reticências

Marcador não-linguístico (risos) Uso de formas onomatopaicas

Informalidade da linguagem Uso de gírias e falas coloquiais

Dinamicidade/velocidade da fala Utilização de formas abreviadas

Fonte: elaborado pela autora (2020).

151

Constatamos que, em muitos aspectos, a e-conversação revela um crescente processo

de transposição ou (re)apropriação de características da CFF, em favor da interação, no que diz

respeito principalmente à sua organização (turnos e pares conversacionais). Verificamos, ainda,

uma notável versatilidade linguística dos usuários quanto às possibilidades de representação

gráfica de características prototípicas da oralidade. No entanto, reiteramos que essas

possibilidades não se esgotam no quadro aqui proposto, já que os interlocutores podem

reconstruir suas práticas cotidianas, a qualquer momento, no meio digital.

Ainda, de acordo com Leite et al. (2010), quando o estudo se refere à conversação, há,

frequentemente, a necessidade de abordar as especificidades tanto da fala quanto da escrita,

bem como a complexidade das relações que se estabelecem entre essas duas modalidades de

uso da língua, principalmente, no que diz respeito aos textos produzidos e veiculados na rede,

que descartam a divisão dicotômica entre elas e propõem a ideia de contínuo.

É desse aspecto que trataremos a seguir.

4.3.3 O texto na rede: contínuo fala-escrita

Como vimos, é possível caracterizar a CMC como uma conversação, ou melhor, e-

conversação, pois favorece a interação de ao menos dois atores, que se propõem a discutir

algum tópico ou assunto, por meio do gerenciamento de turnos. Ademais, os usuários

normalmente interagem como se estivessem falando. Contudo, é preciso ressaltar que o suporte

usado para a interação na internet é, em grande parte, a escrita que, no ambiente da rede, vem

permeada de traços da oralidade.

Reconhecendo, então, que o tema é amplo e implica diversas reflexões teóricas,

trazemos à consideração algumas perspectivas amplamente difundidas em estudos realizados

por Koch e Öesterreicher (1985, 2007[1990]), Marcuschi (2010), Crystal (2004), Hilgert (2000,

2020), como também contribuições diretamente ligadas ao modo como a questão é vista pela

perspectiva da Semiótica em estudos realizados por Barros (2000, 2015), no que diz respeito às

características dos textos produzidos e veiculados no âmbito das interações na internet

(principalmente, interações por e-mail, chat e redes sociais digitais).

Para Crystal (2004, p. 163), o que torna a “linguagem virtual” (netspeak) tão

interessante, como forma de comunicação, é a maneira como se baseia em aspectos pertencentes

152

tanto à oralidade quanto à escrita, uma vez que os participantes procuram representar, por meio

do registro gráfico-visual, certos padrões rítmico-entonacionais, marcados por uma série de

características, por exemplo, descontração, espontaneidade, brevidade na comunicação, uma

certa informalidade e concisão na produção das mensagens, tendo em vista a fluidez do meio e

a rapidez da interação. Em consequência, o que se tem, em termos linguísticos, é uma

linguagem carregada de abreviaturas, com abundância de pontuação, estruturas frasais curtas e

pouco ortodoxas e ainda, a presença de emoticons (ícones indicadores de emoções). Além disso,

constata-se uma linguagem não submetida a revisões, expurgos ou correções. É pertinente frisar

que, no Brasil, netspeak é conhecido popularmente como “internetês”.

Hilgert (2000, p. 17), ao examinar a relação entre a língua falada e escrita nos chamados

bate-papos ou chats139, considera que:

Nesse tipo de interação, interlocutores estão em contato por um canal eletrônico, o

computador. Eles sentem-se falando, mas, pelas especificidades do meio que os põe

em contato, são obrigados a escrever suas mensagens, ou seja, interagem, construindo

um texto “falado” por escrito.

Ferrara et al. (1991, p. 23) considera que a e-conversação contempla características

tanto da oralidade quanto da escrita, sugerindo, assim, uma “variedade híbrida emergente de

linguagem” (emerging hybrid variety of language), funcionalmente adaptada ao seu contexto

de uso.

Nessa direção, Recuero (2012, p. 45) sinaliza que a e-conversação acontece, em grande

parte, por intermédio da linguagem escrita, ajustada de modo a indicar especificidades

prosódicas da fala e recursos cinésicos, por exemplo, gestos e expressões faciais, ou seja, a

linguagem escrita precisou ser adaptada para dar à conversação dimensões da oralidade,

estabelecendo, assim, uma “escrita falada” ou “oralizada”.

Diante do exposto, concordamos com o fato de que não se pode postular polaridades

estritas e dicotomias estanques entre fala e escrita, particularmente no que concerne aos textos

produzidos e veiculados no âmbito das interações na rede – mas compreender que suas

diferenças “se dão dentro de um continuum tipológico das práticas sociais e não na relação

dicotômica de dois pólos opostos” (MARCUSCHI, 2010, p. 37, grifo do autor).

Assim, é oportuno comentar que:

139 Chat = “trata-se dos ambientes em salas de bate-papos entre várias pessoas simultaneamente ou em ambiente

reservado. Tem vários formatos no estilo de uma conversação em tempo real” (MARCUSCHI, 2005, p. 27).

153

A pesquisa linguística, a qual contrasta comunicação oral e escrita frequentemente

utiliza o termo continuum para descrever a ausência de diferenças acentuadas nas

formas observadas, uma vez que falantes e escritores combinam características do

discurso oral e escrito, de acordo com seus propósitos comunicativos (CONDON &

ČECH, 2010, p. 3).140

Nessa linha de condução, Koch e Öesterreicher (1985, 2007[1990]) incluem-se entre os

primeiros estudiosos a considerarem a existência de um continuum entre os gêneros falados e

escritos, tendo em vista que a presença de aspectos da escrita na fala e da fala na escrita podem

ser percebidos intuitivamente por qualquer usuário da língua.

Os pesquisadores alemães (1985, p. 23) – a partir do trabalho de Ludwig Söll (1985

[1974]), que trata dos termos fala e escrita por meio de uma dupla distinção: (i) “meio” (fônico

ou gráfico) e (ii) “concepção” (falada ou escrita) – consideram o fato de que existe uma

dicotomia estrita no âmbito do “meio” (medium) e de que há um contínuo no âmbito da

“concepção” (konzeption).

Sob essa perspectiva, os estudiosos consideram, por medial, a representação gráfica e

fônica dos textos. A inovação está no caráter conceptual da oralidade e da escrita. Em resumo,

podemos dizer que se entende por conceptual a percepção que os usuários da língua têm, no

âmbito de suas práticas sociais, de um texto ser, tomando por base suas características, de

caráter oral ou escrito, independentemente de sua expressão medial. Quanto mais o texto evoca

a fala, mais ele é reconhecido como conceptualmente falado; quanto mais seus traços lembram

a escrita, mais ele é percebido como conceptualmente escrito. Nessa direção, os discursos se

distribuem num continuum que se estende do polo da oralidade prototípica (por exemplo, uma

conversa) ao polo da escrita prototípica (por exemplo, o texto de uma lei). Importa, portanto,

não mais saber se determinado discurso é oral ou escrito, no sentido medial, mas sim, identificá-

lo quanto ao grau de oralidade ou escrituralidade que o caracteriza, no continuum, em relação

aos polos prototípicos (HILGERT; ANDRADE, 2020).

Koch e Öesterreicher (2007) sugerem, portanto, a utilização dos critérios: meio, forma

de realização de um enunciado, que pode ser gráfica ou fônica e concepção, que é uma escala

gradual, um continuum limitado por dois extremos, que os autores denominam de imediatez e

distância comunicativas entre os interlocutores, fato que pode ser observado na figura a seguir:

140 Tradução da autora para o trecho original: “Linguistic research that contrasts oral and written

communication often uses the term continuum to describe the lack of sharp differences in the forms observed,

since speakers and writers combine features of oral and written discourse according to their

communicative purposes.”

154

Figura 23 – Meio e concepção: contínuo entre oralidade e escrita

Fonte: Koch; Öesterreicher (1985, p. 23 – adaptado).141

Na figura 23, é possível notar que os estudiosos definem a “oralidade” como sendo a

linguagem da proximidade; a “escrituralidade” como a linguagem do distanciamento

(HILGERT, 2000). Ainda, os triângulos representam a frequência das realizações discursivas:

o polo da imediatez discursiva é conceptualmente oral e medialmente fônico (por exemplo,

(I) conversação espontânea: familiar), enquanto o polo da distância comunicativa é

conceptualmente escrito e medialmente gráfico (por exemplo, (IX) texto jurídico). Contudo,

Koch e Öesterreicher (2007) afirmam que outras combinações intermediárias também são

possíveis, por exemplo, discursos escritos, mas conceptualmente orais (bate-papos na internet,

histórias em quadrinhos etc.) e discursos orais, conceptualmente escritos (por exemplo,

conferências científicas).

Nessa direção, Hilgert (2000, p. 19) argumenta que:

Um discurso acadêmico, por exemplo, embora seja um texto falado do ponto de vista

de sua realização fônica, é, conceptualmente, um texto escrito. Já uma carta para um

amigo íntimo, ainda que se realize por escrito, aproxima-se, conceptualmente, de um

texto falado. A noção de concepção, nesta abordagem, é definida com base [A] nas

141 I = conversa familiar, II = conversa telefônica, III = carta privada, IV = entrevista de emprego, V = entrevista

de jornal, VI = sermão, VII = palestra científica, VIII = artigo, IX = texto jurídico.

Imediatez comunicativa

(efeito de proximidade)

Distância discursiva

(efeito de distanciamento)

155

condições de comunicação do texto e [B] nas estratégias adotadas para sua

formulação.

Marcuschi (2010), considerando essas duas perspectivas e suas formas de realização: (i)

meio de produção: sonoro versus gráfico; (ii) concepção discursiva: oral versus escrita, exibe

a seguinte representação:

Figura 24 – Oralidade e escrita: meio de produção e concepção discursiva

Fonte: Marcuschi (2010, p. 39).

De acordo com o autor (2010, p. 40), os domínios “a” e “d” são classificados como

prototípicos, ao passo que os domínios “b” e “c” são mistos e neles a produção e o meio são de

modalidades diversas.

Sob essa perspectiva, Marcuschi (2005, p. 64), observa que, nos e-textos (textos

eletrônicos), as novas formas de escrita na rede, manifestam um “hibridismo”, uma vez que se

dão “numa certa combinação com a fala”. Desse modo, a partir da representação esquemática

do continuum apresentada por Koch e Öesterreicher (2007) e, posteriormente, pela

representação proposta por Marcuschi (2010), pressupomos que o texto produzido e veiculado

na rede, em particular, uma interação no Twitter, é reconhecida, de modo geral, no domínio

“b”, ou seja, possui uma concepção oral, porém, é medialmente gráfica.

156

Xavier e Santos (2000), ao abordar questões relacionadas ao texto construído no meio

digital, consideram que nele se materializam elementos próprios da oralidade e/ou guardam

marcas próprias da escrita, ou seja, o texto eletrônico: (i) reconfigura elementos tradicionais da

escrita (uso de sinais diacríticos, pontuação etc.); (ii) apresenta-se híbrido, já que mistura

elementos da oralidade e da escrita, permitindo, ainda, que outros traços semióticos (imagens

animadas e efeitos sonoros) sejam utilizados; (iii) complexifica as funções sócio-interativas de

outros gêneros, com os quais mantém certa similaridade, ou seja, possibilita ao usuário

(re)adaptar, conforme suas necessidades comunicativas, determinadas formatações linguístico-

rituais e estruturações típicas de determinado gênero (como a carta, bilhete, conversa

espontânea, entre outros).

Por último, é relevante mencionar que, de acordo com Barros e Bueno (2021, p. 18), os

diferentes desenvolvimentos teóricos e metodológicos da proposta semiótica têm sido

significativos, principalmente, no que tange ao alargamento de seu objeto de estudo e, em

decorrência, ao estabelecimento de diálogos com outros campos teóricos, por exemplo, os

estudos linguísticos e da conversação. Inclusive, “[...] os trabalhos mais recentes sobre a

programação textual, que confrontam as relações temporais, espaciais e actoriais dos textos e

discursos”, são primordiais para o estudo da linguagem na internet. Assim, trazemos à

consideração alguns estudos realizados por Barros (2000, 2015), os quais mantêm estreita

relação com a nossa proposta teórico-metodológica e, consequentemente, contribuem para uma

nova abordagem quanto à caracterização dos textos publicados e veiculados na rede.

Barros (2000), ao analisar a comunicação que se realiza pela internet, em estudo

sistematizado no capítulo “Entre a fala e a escrita: algumas reflexões sobre as posições

intermediárias” – publicado na obra Fala e escrita em questão, organizada por Dino Preti –

comenta acerca da “existência de posições intermediárias ou de certa continuidade entre os

pontos extremos em que se caracterizam idealmente língua falada e língua escrita” (Ibid., p.

57). Adicionamos ainda as reflexões contidas no artigo “A complexidade discursiva na

internet”, publicado em 2015, na revista CASA: Cadernos de Semiótica Aplicada, no qual a

autora sistematiza um conceito relevante para compreender o funcionamento do discurso que

circula na internet, o de complexidade. Em um primeiro momento, Barros (2000) retoma, na

perspectiva da Semiótica (tomando-se por base as categorias de tempo, espaço e pessoa),

critérios e características frequentemente apontados na literatura para distinguir escrita e fala.

Em seguida, revela a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de uma separação estanque entre

essas duas modalidades de uso da língua.

157

Simplificadamente, a semioticista (2000) argumenta que a elaboração e produção do

texto, na fala, coincidem no eixo temporal. Desse modo, a maior parte das escolhas temáticas e

linguísticas se faz durante a conversação, deixando traços das revisões, das reformulações

(correção, paráfrase, repetição, interrupção, hesitação etc.), mudanças de encaminhamento,

entre outros. A fala é, inclusive, caracterizada como fragmentada e, produz, em geral, efeitos

de sentido de informalidade e de incompletude. Já o texto escrito é planejado tanto do ponto de

vista temático quanto linguístico-discursivo. Ou seja, não apresenta marcas de formulação e

reelaboração, constituindo-se em unidades mais longas e complexas e, diferentemente, da fala,

pode produzir efeito contrário, ou seja, de formalidade e completude. Ainda, nas palavras de

Barros (2015, p. 16-17, grifo da autora):

Os efeitos de sentido temporais da fala e da escrita são determinados positiva ou

negativamente. Assim, informalidade e a incompletude da fala podem ser valorizadas

positivamente, pois constroem discursos mais francos, sinceros, subjetivos,

cúmplices, atuais, novos, verdadeiros, ou negativamente, porque produzem

discursos com envolvimento excessivo, incompletos, mal elaborados, efêmeros.

A formalidade e a completude dos discursos da escrita, por sua vez, fazem que eles

sejam considerados mais objetivos, completos e bem elaborados e acabados ou

excessivamente formais e rígidos. Os discursos na internet têm os atributos da fala e

da escrita com as valorizações positivas e negativas de ambos.

Na esteira desses argumentos e falando especificamente sobre as interações do Twitter,

pressupomos que, nas comunicações que se realizam de modo síncrono, o texto aproxima-se

mais da modalidade falada, pois o destinatário recebe o texto à medida que ele é digitado pelo

destinador. Portanto, é marcado pelo baixo grau de planejamento e reelaboração (enunciados

concisos, uso de abreviações, contrações, desvios ortográficos, entre outros). Nas comunicações

assíncronas, os textos, apesar de curtos, normalmente, são mais elaborados, uma vez que o

usuário tem um tempo maior para produzir e editar seus tuítes antes de publicá-los, no entanto

não são tão completos quanto à escrita ideal. Quanto aos efeitos de sentido, ora podem ser

marcados pela formalidade, ora pela informalidade, a depender da esfera comunicativa em que

o usuário esteja inserido. Ainda, é oportuno dizer que essas interações são passíveis de registro

e armazenamento, além da permanência que caracteriza o texto escrito.

Quanto à categoria de pessoa, Barros (2000, 2015) explica, de modo geral, que a fala,

em sua realização ideal, constrói-se coletivamente (a pelo menos quatro mãos ou a duas vozes).

Por exemplo, a conversação espontânea face a face produz a alternância dos papéis de falante

e ouvinte, efeitos de sentido de aproximação e tem grande probabilidade de ser simétrica.

Resultam dessas características vários procedimentos lingüísticos e discursivos – o

sistema de turnos, os marcadores da conversação, os procedimentos de reparação, as

158

hetero-reformulações, entre outros – que organizam não apenas o discurso falado, mas

as relações de interação entre os sujeitos envolvidos (BARROS, 2000, p. 68).

Já o texto escrito (pleno), por sua vez, é elaborado individualmente pelo ator escritor,

que o dirige a leitores não muito bem definidos ou determinados. Não há alternância, portanto,

dos papéis de escritor e leitor. Ademais, produz tanto efeitos de distanciamento quanto de

aproximação, é normalmente formal e pode muito provavelmente ser assimétrico.

Nessa linha de condução, Barros (2015, p. 18) acrescenta:

Os efeitos de sentido decorrentes da organização dos atores na fala e na escrita são,

principalmente, a descontração, a cumplicidade, a simetria e a reciprocidade entre

interlocutores, no texto falado, em oposição à formalidade e à assimetria dos sujeitos

da escrita. Esses efeitos são, também, valorizados positiva ou negativamente nos

diferentes discursos.

Tomando-se por base a interação que se estabelece, especificamente, na rede social

Twitter, é possível dizer que há alternância de turnos (ver seção 4.3.1), apesar das coerções

próprias da formulação escrita. No que se refere à perspectiva dos papéis sociais, tanto pode ser

formal (tuítes produzidos por perfis da esfera científico-acadêmica e política) quanto informal

(tuítes produzidos por sujeitos da esfera do cotidiano) e, por conseguinte, ora produzir efeitos

de distanciamento (com interações mais racionais e intelectuais), ora de aproximação (com

interações mais sensoriais e emocionais). Há, portanto, uma vez mais, posições intermediárias

entre a fala e a escrita no texto que circula nesse ambiente conversacional.

No tocante à categoria de espaço, Barros (2000) comenta acerca de traços que

caracterizam idealmente a fala e escrita como: presença vs ausência dos interlocutores e

presença vs ausência do contexto situacional, ou seja, a fala prevê a presença dos sujeitos

envolvidos na conversação, que interagem face a face e, por isso, pode empregar mais

facilmente dêiticos ou recursos de expressão visual, tátil etc. Além disso, eles partilham o

mesmo contexto situacional. Por sua vez, o texto escrito não tem seu destinador e destinatário

centrados no mesmo espaço e, consequentemente, faz uso de outros recursos para recuperar as

diferentes funções da gestualidade.

Como já dissemos em outros momentos, o Twitter possibilita uma “presença virtual”

dos interlocutores e, também, permite que os usuários utilizem com frequência os emoticons

nas mensagens produzidas e veiculadas na rede, com a finalidade de suprir a impossibilidade

de acesso ao tom de voz e a elementos próprios da interação face a face como gestos, expressões

faciais, entre outros. Nessa direção, Barros comenta (2000, p. 65, grifo da autora) que, por meio

159

da utilização desses ícones, mantém-se “o caráter sincrético da fala em que se juntam dois tipos

de expressão (verbal e visual)”. Enfatiza, inclusive, que, “nesses casos da internet, há uma

presença relativa ou parcial dos interlocutores pela imagem das ‘caretas’”. Explica, ainda que

a presença virtual proporcionada pela internet “constrói os mesmos efeitos de proximidade e

envolvimento da fala, mas com certo distanciamento e objetividade da escrita” (Id., 2014, p.

3661).

Como vimos, é difícil, de fato, estabelecer uma distinção rígida entre o uso das duas

modalidades da língua nas e-conversações, pois ora podem se aproximar da fala, ora da escrita.

Por essa razão, Barros (2015), a partir dos estudos de tensividade de Claude Zilberberg (2006),

permite definir boa parte dos textos que circulam na internet pela “complexidade”, uma vez que

esses discursos dão maior tonicidade a algumas características da fala, mais intensa do que a

escrita – por exemplo a interatividade – e, ao mesmo tempo, aumentam a extensão da escrita,

que dura mais, uma vez que não é passageira como a fala, e assim ampliam seu alcance

comunicacional (BARROS, 2015).

De acordo com a estudiosa (2015, p. 20), na perspectiva da Semiótica, a questão teórica

que se coloca nessa caracterização dos textos que circulam na rede é que “os traços apontados

para a língua e a fala ideais se distinguem por contrariedade (objetivo vs. subjetivo; formal

vs. informal; próximo vs. distante etc.) e não admitem, portanto, conjunção.” No entanto,

segundo Zilberberg (2006 apud Barros, 2015, p. 20), essa associação pode ocorrer nos discursos

concessivos, uma vez que os “discursos na internet operam, assim, a conjunção concessiva entre

contrários, de que resulta o termo complexo: fala (próxima, descontraída, incompleta,

subjetiva), embora escrita (distante, formal, completa, objetiva), ou escrita, embora fala”.

A seguir, sugerimos um quadro-síntese, no qual sistematizamos as principais noções até

então apresentadas, no que diz respeito à relação fala-escrita em textos produzidos e veiculados

na rede:

160

Quadro 4 – Texto na rede (concepções)

Estudos teóricos

Noções basilares

Ferrara et al. (1991) Variedade híbrida emergente de linguagem

(elementos tanto da oralidade quanto da escrita)

Xavier e Santos (2000) Texto híbrido (elementos da oralidade/escrita,

além de outros traços semióticos: imagens e sons)

Hilgert (2000) Texto falado por escrito (tomando por base a

natureza medial e conceptual dos enunciados)

Crystal (2004) Netspeak (registro gráfico-visual que recupera

aspectos prototípicos da oralidade)

Mascuschi (2005)

Texto eletrônico (e-texto), que mantém certo

hibridismo: combinação da escrita com a fala

Recuero (2012)

Escrita falada ou oralizada

Barros (2015) Texto que se define pela complexidade discursiva

Fonte: elaborado pela autora (2021).

A título de concluir esta seção, partimos do pressuposto que a conversação face a face,

ao ser transposta para o domínio da internet, foi reapropriada por determinado ambiente (no

caso desta pesquisa, a rede social Twitter) e ocorre num espaço digital de enunciação. Quanto

à formatação dos textos nesse espaço, constatamos que o sujeito-usuário, além de operar com

recursos semióticos (como imagem, som, GIFs, vídeos ou até mesmo emoticons), também se

utiliza da presença de hiperlinks. Por outro lado, um dos aspectos essenciais do texto na rede,

a favor da e-conversação, é a “centralidade da escrita” que, de modo geral, vem permeada de

“marcas de oralidade”, a fim de simular elementos prototípicos da conversação espontânea.

Percebemos, assim, que é possível caminhar na direção apontada por Crystal.

Seguindo essa linha de raciocínio, notamos que há, nesse evento, uma certa

manifestação “híbrida”, na medida em que escrita e fala se combinam, por intermédio dos traços

de oralidade que o sujeito-usuário imprime em seus textos escritos, fato que nos leva a dialogar

também com Ferrara et al., Xavier & Santos e Marcuschi. E, ainda, centrados numa possível

aplicação dos critérios conceptual e medial, parece-nos apropriado dizer que se trata de um

“texto conceptualmente falado, apesar de sua configuração no meio gráfico”, tendo em vista

que o usuário da língua o percebe, tanto na produção quanto na recepção, como caracterizado

pela oralidade. Sob essa perspectiva, é pertinente trazer à consideração a noção proposta por

161

Hilgert de um “texto falado por escrito” ou, em termos mais simples, de uma “escrita oralizada”,

como nos propõe Recuero.

Situados, até então, nesse lugar teórico reservado ao continuum, passamos a dialogar,

apesar de nossas limitações, com os estudos da semiótica tensiva e verificamos que a interação

na rede aponta uma posição intermediária entre a fala e a escrita “ideais”, tomando-se por base

as características temporais, espaciais e actoriais do discurso falado e escrito. Somos levados,

assim, a incorporar a noção, proposta por Barros, de texto que se define pela “complexidade

discursiva”, uma vez que “ora é mais fala, embora sem deixar de ser também escrita, ora é

principalmente escrita, mesmo mantendo atributos da fala”. Nas palavras da semioticista (2014,

p. 3662):

Quando definida pela complexidade, a comunicação na internet é, ao mesmo tempo,

próxima e distante; descontraída e formal; completa e incompleta, simétrica e

assimétrica; subjetiva e objetiva. Nesse caso, ela tem seus sentidos exacerbados, já

que engloba as possibilidades de interação das duas modalidades, como, por exemplo,

em sua interatividade intensa, na longa conservação de seus conteúdos e na grande

extensão de seu alcance.

Reunidas essas reflexões e estabelecidos esses diálogos teóricos, fica-nos a certeza de

que o texto na rede, em prol da e-conversação, mais especificamente, em tuítes, manifesta

uma “complexa relação entre os processos de oralidade e escrita, além da imbricação de outros

investimentos multimodais, que constituem mutuamente os sentidos do texto.” Dito isso, não

seria prudente, de nossa parte, fecharmos uma caracterização dele, pois as concepções

apontadas já são bastante claras e operacionais, permitindo-nos conferir, por último, o quanto

esse “objeto é multifacetado em sua composição estilística e organizacional”. E, ainda, está

submetido às propriedades tecnológicas do lócus físico (suporte) e é inteiramente afetado por

suas conexões (interação entre os atores).

Enfim, foi objetivo, neste capítulo, discorrer acerca de alguns parâmetros teóricos por

meio dos quais encaminhamos este trabalho de pesquisa. Entretanto, não tivemos a intenção de

fornecer um quadro completo e exaustivo dos estudos já realizados da fala-em-interação e sua

inter-relação com a CMC. Pretendemos, tão somente, apresentar alguns conceitos que irão

fundamentar nosso exercício analítico.

Concluída, portanto, a explanação dos principais eixos teóricos que sustentam nossa

tese, partimos agora para as decisões metodológicas tomadas, na intenção de operacionalizar a

análise do objeto pesquisado à luz dos conceitos escolhidos.

162

CAPÍTULO 5

MAL-ENTENDIDO EM TUÍTES: ANALISANDO OS DADOS

“A razão pela qual a conversa seja um meio de

comunicação tão eficaz, não é porque os saberes dos

participantes estão em perfeita harmonia, e sim porque

qualquer lacuna pode ser revelada e esclarecida quando

necessário.”

(RINGLE & BRUCE)

Neste capítulo, procederemos à análise do mal-entendido em tuítes, selecionados a partir

de trocas comunicativas diádicas e/ou curtas, produzidos por perfis de diversas esferas de

atividade humana, que interagem na rede social digital Twitter e discorrem acerca dos mais

variados temas, os quais buscam atender à diversificação de interesses do público.

Estruturamos, assim, o capítulo em duas partes: na primeira: descreveremos os procedimentos

metodológicos; na segunda, realizaremos a análise propriamente dita.

5.1 Procedimentos metodológicos

Considerando o objetivo da pesquisa de analisar o mal-entendido em interações na

rede social digital Twitter, realizamos estudos teóricos sobre:

▪ A organização da conversação face a face, que compõem o capítulo 2;

▪ O estudo do mal-entendido, como abordado no Capítulo 3;

▪ A organização da conversação na rede, ou melhor, e-conversação, como configurado

no Capítulo 4 desta tese.

Fundamentados no referencial teórico descrito, o qual julgamos pertinente para elucidar

o fenômeno do mal-entendido, apresentaremos nossa leitura do conjunto de dados delimitados

para esta tese, baseados nos seguintes critérios de análise:

1. o mecanismo de organização das sequências discursivas em que ocorre o mal-entendido;

2. causas que desencadeiam o fenômeno no desdobramento interacional;

Tradução nossa para o excerto original: “The reason that dialogue is such an effective means of communication is not because the thoughts of the participants are in such perfect harmony, but rather because the lack of harmony

can be discovered and addressed when it is necessary.”

163

3. procedimentos linguístico-discursivos, explicitamente interacionais, por meio dos quais

os interlocutores procuram esclarecer os mal-entendidos.

É fato que não deixaremos de tratar das atitudes linguístico-sociais dos interlocutores

na abordagem do mal-entendido, marcadas pelas estratégias atenuadoras e de cortesia ou por

manifestações descorteses e, por último, de particularidades relacionadas às modalidades de

fala-escrita nos segmentos conversacionais analisados.

A perspectiva qualitativa foi trazida para esse exercício interpretativo no intuito de

contemplar os aspectos delimitados no objeto de pesquisa. O viés qualitativo da análise

permitiu-nos identificar, a partir da leitura do corpus, quais ações são praticadas pelos usuários

da rede no ciclo de negociação do mal-entendido, isto é, desde a sua ocorrência até a uma

possível solução do problema. Esclarecemos que, ao longo da análise, procedimentos

quantitativos também foram convocados, o que não necessariamente modifica o paradigma

qualitativo da pesquisa, uma vez que tais procedimentos foram colocados a serviço do exercício

qualitativo principal.

Assim, a partir da observação minuciosa do corpus constituído de 40 segmentos

interacionais, perfazendo um total de 258 tuítes, produzidos e veiculados por sujeitos de

diferentes campos de atividade humana, que interagem espontaneamente na rede social digital

Twitter, discorrendo acerca dos mais variados temas (entretenimento, esporte, política,

economia, saúde, educação etc.), buscamos detectar a ocorrência do mal-entendido no interior

da dinâmica organizacional das e-conversações, bem como descrever os processos interacionais

que procuram resolvê-lo.

Por fim, reiteramos que não é nosso propósito apresentar, de maneira pormenorizada o

corpus de análise, mas, grosso modo, trazer as percepções extraídas em nosso exercício

interpretativo, mediante a seleção de alguns exemplos que melhor ilustram e/ou representam os

critérios estabelecidos.

5.2 Análise e interpretação dos dados

Nesta tese, tivemos o propósito de colocar em foco a construção do sentido e, portanto,

da compreensão no âmbito das interações informais, desviando-nos, assim, de textos de

caracterização mais formal, nos quais essa temática geralmente é estudada. Dentro dessa

164

perspectiva, restringimos nosso enfoque aos problemas de compreensão, mais especificamente,

aos mal-entendidos, concebidos como fenômenos inerentes à produção de sentidos nas

interações.

Como sabemos, o estudo do mal-entendido tem ocorrido no âmbito das conversações

face a face. Partindo, então, das contribuições teóricas produzidas nesse campo, procuramos

estendê-las à investigação de interações realizadas na rede social digital Twitter. É oportuno

frisar que tais conversações, além de serem constituídas em ambiente virtual, são

predominantemente escritas. Entretanto, ainda que medialmente escritas, são percebidas pelos

usuários da língua como orais. Ademais, verificamos que os usuários da rede se portam como

falantes, ressalvadas, é claro, coerções próprias da formulação escrita. Nessa perspectiva, era

de se esperar que o processo de negociação do mal-entendido ocorresse na forma como ele se

revela nas interações face a face.

Dito isso, procederemos ao nosso exercício interpretativo, à luz das contribuições

teóricas da Análise da Conversação, no contexto de sua evolução para a Linguística

Interacional, dando ênfase ao que, efetivamente, os usuários da rede “dizem” ou “fazem”, por

meio de seus enunciados, no ciclo de monitoramento do fenômeno.

5.2.1 Análise quanto à organização da sequência conversacional em que ocorre o mal-

entendido

Conforme discutido, nesta tese, o mal-entendido ocorre exatamente em razão dos

cuidados que os interlocutores têm para alcançar o entendimento mútuo, ou seja, quando o

problema surge na evolução do texto, os parceiros comunicativos tendem a desencadear um

trabalho interativo para a sua solução. Assim, tendo em vista o princípio de que a

intercompreensão é alcançada pelas contingências do desdobramento interacional, buscamos

evidenciar, em alguns exemplos representativos, como esse ciclo de negociação do equívoco

interpretativo se realiza no interior de uma sequência conversacional. A partir daí, descrever,

baseados em características reincidentes, a dinâmica organizacional dos turnos que participam

do segmento monitorado. É preciso ter em conta a peculiaridade do corpus analisado que, de

modo geral, compõe-se de interações síncronas e diádicas. E cada segmento analisado se

estende, predominantemente, de um enunciado de referência até um enunciado resposta

satisfatório.

165

Antes, porém, de proceder à análise, é importante retomar as definições dos elementos

que integram, normalmente, essa sequência conversacional, no processo de monitoramento do

mal-entendido. São eles: Em primeira posição, temos o enunciado de referência, que

corresponde à proposição inicial do falante. Em segunda posição, encontra-se, normalmente, o

enunciado revelador do problema, no qual se manifesta o ME-S. Na terceira posição,

identifica-se o enunciado sinalizador (que aponta o problema) e/ou enunciado reformulador

(que tenta resolver o problema) e, de modo geral, em quarta posição, temos o enunciado-

resposta, em que o ouvinte, na fase de negociação da produção de sentido, aceita o turno de

reparo.

A seguir, representamos esquematicamente essa dinâmica organizacional dos turnos e

suas respectivas posições:

Trataremos, a partir de agora, da análise dos dados à luz das contribuições teóricas e

decisões metodológicas relacionadas até aqui. Informamos ainda que, por uma questão de

legibilidade, o turno em que o mal-entendido ocorre será destacado em negrito em todos os

segmentos analisados.

1ª posição

Turno de origem do ME-S: enunciado de referência

2ª posição

Turno de ocorrência do ME-S: enunciado revelador do problema

3ª posição

Turno de reparo do ME-S: enunciado sinalizador e reformulador

4ª posição

Turno do feedback: enunciado-resposta

166

Segmento conversacional I (SC-I)

Usuário A: “Tem formação multisetorial e possui visão holística dos problemas. Vai surpreender mas

poderá ser pouco compreendido porque não fala uma linguagem comum [link: OGloboPolitica:

Astronauta Marcos Pontes (@Astro_Pontes) confirma que será ministro de Ciência e Tecnologia

https://glo.bo/2F0bWzM]”. 30/10/2018, 8h58. Tuíte.

Usuário B: “Particularmente, prefiro um discurso técnico a um discurso político. Quando os

resultados começarem a aparecer, todos compreenderão.” 31/10/2018, 9h14. Tuíte.

Usuário A: “A ‘arte da política é conversar e convencer’. Um argumento técnico muitas vezes não é

compreendido por muitas pessoas e então gera uma dificuldade no entendimento e na aceitação. Eu

me referi a isso.” 31/10/2018, 9h22. Tuíte.

Usuário B: “Com certeza.” 31/10/2018, 9h27. Tuíte.

Fonte: Twitter.142

Nesta interação (SC-I), verificamos que o usuário [A], em seu tuíte, faz alusão à

formação do astronauta Marcos Pontes, que seria indicado à pasta do Ministério de Ciência e

Tecnologia, caso o candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro, vencesse as eleições

de 2018 (fato ocorrido), no Brasil. O usuário [A] afirma que, em razão do astronauta não falar

uma linguagem acessível à população, ele poderia ser pouco compreendido. O usuário [B]

aceita o enunciado de [A], indicando, em segunda posição, a sua preferência por um discurso

técnico a um discurso político e pontuando ainda que o “futuro” ministro seria compreendido,

à medida que os resultados de sua atuação política fossem aparecendo.

Em terceira posição, notamos que o usuário [A] produz uma atividade reformulativa, ao

explicar que a referência feita à fala do ministro, no primeiro turno, não dizia respeito ao alcance

de resultados, mas ao fato de que era necessário estabelecer o diálogo entre a classe política e

a população, como também a persuasão e, frequentemente, isso não é alcançado por meio de

argumentos técnicos, ocasionando dificuldade no entendimento e na aceitação. A declaração

“Eu me referi a isso” confirma o fato de que a interpretação realizada pelo interlocutor [B] não

correspondeu às expectativas do usuário [A]. Observamos que, em quarta posição, o usuário

[B] encerra a sequência interacional centrada no monitoramento do mal-entendido, ao sancionar

o enunciado reformulador (“Com certeza”), fato que contribuiu para valorização da face

positiva de [A].

142 Disponível em:<https://twitter.com/username/status/1057602700756598784>. Acesso em: 27 jun. 2019.

167

Segmento conversacional II (SC-II)

Usuário A: “Isentões da uma investigada nas embaixadas caribenhas. Galera vivendo sob o sol do

caribe ganhando 50mil as nossas custas.” 04/06/2019, 07h23. Tuíte.

Usuário B: “Putz, mas esse pagamento não tem nada de ilegal. O pagamento de serviço no

exterior é regulado pela lei 5809/72.” 04/06/2019, 7h46. Tuíte.

Usuário A: “Legal é embaixada em países que não tem nem 10 brasileiros! Valeu! Isso que tem que

ver e não o salário, bandido Brasileiro é tão profissional que ele rouba e cria lei para justificar a

legalidade do roubo.” 04/06/2019, 7h51. Tuíte.

Usuário B: “Ah sim. Nesse ponto concordo contigo. Uma ou duas embaixadas no Caribe dariam

conta das necessidades dos interesses brasileiros. Foquei nos salários e não percebi a discrepância da

quantidade de embaixada. Fora os demais custos que implicam em tantas embaixadas abertas”

04/06/2019, 7h54. Tuíte.

Fonte: Twitter.143

Do ponto de vista da dinâmica organizacional interativa, constatamos, neste fragmento

que o usuário [A] recrimina, no enunciado de referência, o grande número de embaixadas

brasileiras implantadas no Caribe e o gasto que o governo brasileiro assume para mantê-las.

Inclusive, solicita a um perfil do Twitter (@Isentões) que investigue o caso. Em segunda

posição, o usuário [B] explicita a sua interpretação do enunciado de [A], afirmando que o

pagamento de salário dos embaixadores não é ilegal. No tuíte seguinte, o usuário [A] denuncia

a leitura equivocada de [B], afirmando que sua crítica não se refere ao pagamento de salários,

mas sim ao número de embaixadas implantadas em países caribenhos, os quais possuem poucos

habitantes de nacionalidade brasileira. Ainda, assinala que manter essas embaixadas abertas no

143 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1136035837337055233>. Acesso em: 27 jun. 2019.

168

Caribe é um desfalque aos cofres públicos e que, inclusive, uma lei é criada para justificar o

roubo. Enfim, o interlocutor [B] não só concorda com a denúncia e explicação de [A], como

também justifica a leitura equivocada que fez do enunciado de referência produzido por este

(“Foquei nos salários e não percebi a discrepância da quantidade de embaixada. Fora os

demais custos que implicam em tantas embaixadas abertas”).

No tocante à organização das sequências discursivas, a análise mostrou que a tendência

predominante é que o fenômeno do mal-entendido (destacado no segmento interacional)

manifesta-se no intervalo entre o enunciado de referência e o enunciado sinalizador e/ou

reformulador. Desse modo, as interações no Twitter expõem, em maior número, o mesmo

padrão estrutural de monitoramento do mal-entendido que se revela na CFF, com a denúncia e

encaminhamento da solução do ME em terceira posição e, consequentemente, a sua inscrição

na segunda. Ao predomínio desse padrão fazem referência Dascal (1999) e Bazzanella e

Damiano (1999).

Um outro aspecto observado, no corpus de análise, é que grande parte dos segmentos

conversacionais trazem uma quarta posição, na qual o interlocutor sanciona o enunciado de

sinalização e reparo do problema, assegurando a intercompreensão (82,5% dos casos). Esse fato

sugere que se possa talvez integrar, ao menos como tendência, tal posição na estrutura padrão

de negociação do mal-entendido, visto que é de longe a mais recorrente no monitoramento do

mal-entendido no ambiente da rede. No entanto, em sentido estrito, ela é dispensável nessa

estrutura.

Segmento conversacional III (SC-III)

Usuário A: “A Europa olha para o Brasil e diz: eu sou você amanhã [link:

https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-11-02/a-europa-olha-para-o-brasil-e-diz-eu-sou-voce-

amanha.html?ssm=TW_CC] via @elpais_brasil @MiguelNicolelis” 02/11/2020, 19h26. Tuíte.

Usuário B: “Tenho que discordar, respeitosamente... lá eles têm governantes que pedem pro

povo ficar em casa, lavar as mãos e usar máscara... Aqui tem o Bozo e seus generais que se

tornam especialistas em qq coisa que dê uma graninha extra...” 02/11/2020, 19h29. Tuíte.

Usuário C: “Se vc ler a coluna irá entender a frase e o pq a Europa de hj pode ser o Brasil de amanhã.

Eu me referi a explosão de casos ocorrendo lá agora.”

Usuário B: “Claro Dom Miguel... Meu comentário é apenas pela inveja de não termos aqui gestores

de saúde pública como lá.” 02/11/2020, 19h44. Tuíte.

Usuário C: “Entendi! Gde abc!” 02/11/2020, 19h50. Tuíte.

Fonte: Twitter144.

144 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1323397167470596096>. Acesso em 25 jun. 2021.

169

Em SC-III, verificamos que o usuário [A] faz alusão, em seu tuíte, à manchete de um

artigo escrito por Miguel Nicolelis – intitulado “A Europa olha para o Brasil e diz: eu sou você

amanhã”, publicado no jornal diário espanhol El País, em 2 de novembro de 2020. Nesse

trabalho, o cientista comenta que Boris Johnson rendeu-se às recomendações do comitê

científico e anunciou o lockdown nacional, como último recurso para tentar deter o progresso

da segunda onda de Covid no Reino Unido. Informa ainda que o Brasil cometerá um erro crasso

no manejo da crise se mantiver seus aeroportos abertos, facilitando a entrada de viajantes

europeus e americanos infectados em nosso país.

No segundo turno, o usuário [B] discorda respeitosamente da manchete, pontuando que

não há comparação entre as ações de governantes europeus (preocupados com medidas

preventivas quanto à propagação da Covid-19) e brasileiros (citados como “Bozo e seus

generais”, especialistas em receber propinas).

Em terceira posição, verificamos que o usuário [C] sinaliza o mal-entendido, ao afirmar

que não fez referência, em sua coluna, às ações de proteção individual e isolamento social (lavar

as mãos, usar máscara, permanecer em casa) determinadas pelo governo britânico, mas ao fato

de que o grande número de casos de Covid-19 ocorridos na Europa poderia levar, em breve, a

uma nova série de contágios no Brasil (caso as autoridades federais não preparassem um plano

de contingência que incluísse o fechamento do espaço aéreo internacional).

O usuário [B], em quarta posição, sanciona o enunciado reformulador de [C], ao dizer:

“Claro Dom Miguel”. Como notamos, nesse segmento, há um certo tom irônico, ameaçando a

face positiva de [C], produzindo, assim, efeitos de descortesia. Em seguida, [B] enfatiza que o

comentário feito, em segunda posição, diz respeito ao sentimento de inveja que mantém, uma

vez que o Brasil não tem gestores de saúde pública tão competentes quanto os da Europa. No

turno seguinte, o usuário [C] encerra a sequência interacional, ao afirmar: “Entendi!” e se

despede, promovendo a intercompreensão textual.

Por último, é pertinente frisar que, dentre os exemplos que alcançaram o entendimento

mútuo em nosso corpus de análise, observamos que, na maior parte dos casos, o sujeito-

usuário, em geral, desculpa-se pelo equívoco interpretativo no turno de feedback (em quarta

posição). Conforme discutido na seção 3.4.1 deste trabalho, o pedido de desculpa beneficia a

sua imagem, pois, ao admitir o mal-entendido, está realizando um comportamento que é

aprovado socialmente. Dito isso, em poucas ocorrências, notamos a necessidade de os usuários

prosseguirem o monitoramento para um quinto turno, que se traduz no fato de o interlocutor

aceitar o enunciado-resposta e, por meio de emoticons ou mesmo de expressões como: “Beijo

170

grande”; “Tranquilo, campeão”; “Abraços”, “tá de boa, pode perguntar cara...”, entre outras,

encerrar a sequência conversacional.

Ainda, importa dizer que, dentre os casos analisados, em apenas sete ocorrências os

interlocutores não alcançaram a intercompreensão (vide SC-VI). Nessas e-conversações, o

interlocutor rejeita explicitamente o turno de reparo, justificando e mantendo, em turno

seguinte, o seu ponto de vista. A sequência prossegue entre reformulação e resposta,

encerrando-se por meio de expressões como: “Desisto de tentar explicar...”; “Há muito que

discutir. Abraço”; “Fim da discussão”; “Você não entendeu o que eu disse, estou falando de...”;

“Cada um entende conforme a capacidade cognitiva que tem...”; “oq eu fiz pra merecer?????”.

Ademais, cabe enfatizar que os assuntos tratados nessas interações conflituosas pertencem,

principalmente, ao campo político-ideológico.

5.2.2 Análise quanto às causas do mal-entendido

Conforme discutido, na seção 3.3.1 deste trabalho, a ocorrência dos mal-entendidos em

interações na rede pode ser motivada por diversos aspectos, tais como: problemas de ordem

lexical, semântica, pragmática, sintática e argumentativa. É fato que tais parâmetros de

classificação permitem certa flexibilidade, de modo que não estão estritamente posicionados

em uma única categoria.

A título de esclarecimento, cabe ressaltar que, ao longo da análise, sentimos a

necessidade de organizar, em um quadro, os níveis e fatores desencadeadores do fenômeno, que

pôde servir tão somente como base ou guia para indicar o que está envolvido na interpretação

equivocada de um enunciado. A seguir, o modelo utilizado para a organização e análise dos

dados referentes a esse momento da pesquisa.

Quadro 5 – Níveis e fatores desencadeadores do ME

Níveis Semântico-lexical Semântico-

pragmático

Sintático-lexical Argumentativo

Fatores

Imprecisão de

sentido de termos

e expressões;

ambiguidade

lexical.

Dêiticos;

implícitos e

conhecimento não

compartilhado.

Coesão

referencial;

progressão tópica;

focalização;

estruturação

sintática

complexa.

Uso da ironia;

perguntas

retóricas;

entonação;

diferentes pontos

de vista.

Fonte: elaborada pela autora (2021).

171

É preciso frisar que, na maioria dos casos, como os exemplos deixarão claro, mais de

um nível é atingido, uma vez que os fatores estão inter-relacionados. As palavras de Koch e

Elias (2016a) vêm ao encontro dessa afirmação quanto argumentam que os interlocutores

cooperam e negociam significados e posições, no contexto da situação comunicativa, em um

processo discursivo, dinâmico, relacional e ativo constituído por complexas e múltiplas

camadas de significação.

A título de ilustração, destacamos, em cada segmento conversacional, um dos fatores

determinantes para a ocorrência do mal-entendido. Vejamos:

a) Imprecisão de sentido de um termo

Segmento conversacional IV (SC-IV)

Usuário A: “Doar? Um bandido entra na sua casa, rouba tudo o que você tem, mata pessoas da sua

família, destrói o seu espaço emocional, memórias, depois ele volta e diz que vai deixar um

dinheirinho para você recomeçar a vida. Que bandido caridoso! [link: @Veja: Vale anuncia que irá

doar R$ 100 mil a cada família de morto em tragédia https://wp.me/p7qnr3-cbLE].” 29/01/2019,

6h49. Tuíte.

Usuário B: “Eles deixaram bem claro que irão pagar as indenizações caso a caso. (Só para

informar quem só leu a manchete). Sim, as famílias precisam de dinheiro agora. Os processos

judiciais da indenizações demoram, nossa justiça é lenta, a tragedia de Mariana não foi

resolvida.” 29/01/2019, 7h40. Tuíte.

Usuário C: “Excelente usuário B! Fico triste ao ver um Padre da minha santa igreja Católica

promovendo discordia e talvez até sentimento de culpa nas pessoas que perderam entes

queridos e agora vão receber esta ajuda financeira pra tocar suas vidas :( ” 29/01/2019, 7h40.

Tuíte.

Usuário A: “Usuário C, você entendeu errado. Eu disse que não é doação. Doar é gesto gratuito de

quem não tem obrigação de fazer. Não é o caso.” 29/01/2019, 8h08. Tuíte.

Usuário C: “Talvez foi o termo ‘jurídico’ que usaram, mas o Padre tem razão. No mais entendo que

nao devo julgar, apenas rezar para que Deus conforte o coração das famílias e que elas recebam este

valor, seja o nome que queiram dar...” 29/01/2019, 08h19. Tuíte.

Fonte: Twitter.145

No SC-IV, observamos que o tuíte, na primeira posição, é produzido a partir de uma

manchete publicada em um perfil institucional (revista Veja) e expõe uma crítica contundente

e irônica do usuário [A] à Mineradora Vale acerca da doação de 100 mil reais para as vítimas

do rompimento da barragem de Brumadinho (região metropolitana de Belo Horizonte, no

estado de Minas Gerais), cuja vida e sonhos foram destruídos. Na sequência, em segunda

posição, o usuário [B] contesta o comentário produzido por [A], afirmando que a Mineradora

145 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1090182998258077696>. Acesso em 27 jun. 2019.

172

assumirá suas obrigações indenizatórias e essa ajuda irá cobrir os gastos das famílias, já que os

processos judiciais demoram. Por meio de um turno de apoio, [C] alia-se à leitura interpretativa

de [B] e lamenta o fato de um padre criticar esse auxílio financeiro às famílias.

O usuário [A] se volta, então, para [C] e denuncia, explicitamente, o mal-entendido

(“você entendeu errado”), atingindo a imagem positiva de seu interlocutor. Na percepção de

[A], seu interlocutor não se deu conta de que a ajuda financeira da Vale não será de forma

gratuita (doação), e sim por obrigação. Somente de modo espontâneo e desinteressado teria

constituído, em sua concepção, uma doação. Verificamos, neste caso, que o domínio da

significação de um elemento linguístico, ou seja, do verbo “doar”, foi o fator determinante do

mal-entendido.

Por fim, o usuário [C] encerra a interação, assumindo o equívoco e pondo em risco a

sua face (“mas o Padre tem razão”), sem deixar de mencionar, com certa ironia, que não lhe

cabe julgar (“No mais entendo que nao devo julgar”), deixando a entender que a manifestação

do usuário [A] foi um julgamento. Como vimos, as ironias, de modo geral, são manifestações

descorteses.

b) Imprecisão de sentido de uma expressão

Segmento Conversacional V (SC-V)

Usuário A: “Bom fazer aniversário dps do povo pq serei recíproca em tudo agr.” 30/08/2021, 15h10.

Tuíte.

Usuário B: “Ui kkkkk calma ae, q o presente do grupinho vai chegar” 30/08/2021, 16h43. Tuíte.

Usuário A: “Aí amg, não me referi a isso viu? inclusive avisei a ianka q não queria nada. Amo vocês

igual ” 30/08/2021, 16h57. Tuíte.

Usuário B: “Sei amiga kkkkk mas é uma alerta! Nenhuma ficou em branco, não era vc q ficaria agora

né, rum ” 30/08/2021, 16h58. Tuíte.

Fonte: Twitter.146

Neste fragmento, observamos que [A], em primeira posição, produz o enunciado de

referência afirmando que será recíproca em tudo a partir da data de seu aniversário. O uso da

expressão “recíproca em tudo” tem sentido vago, incompleto, e, assim, parece autorizar o

usuário [B], por inferência, a pressupor, particularmente, que [A] esteja se referindo ao fato

dela não ter ganhado um presente do grupo de amigas na comemoração de seu aniversário.

Assim, o usuário [B] produz, em segunda posição, um enunciado, no qual pede calma a [A] e,

146 Disponível em: < https://twitter.com/username/status/1432432252395442176>. Acesso em 04 set. 2021.

173

em seguida, comenta acerca do presente que seria enviado a ela pelas amigas. Como se percebe,

a falta de clareza na elocução de [A] leva seu interlocutor a ativar, erroneamente, o referente

mais relevante do seu ponto de vista.

[A] denuncia, então, o mal-entendido, ao esclarecer que não estava se referindo a isso,

visto que já havia informado alguém (Ianka) que não se preocupasse em lhe dar uma lembrança

e que, inclusive, não deixaria de amar suas amigas por essa razão. Como vimos, a interpretação

de [B] diverge do “conjunto de possíveis respostas” à elocução de [A]. Em seguida, [B] diz

que a entende (Sei amiga kkkkk), no entanto faz questão de alertá-la quanto ao fato de que o

presente seria enviado, já que todas as amigas eram agraciadas em tais ocasiões (informação

assumida como compartilhada entre [A] e [B] no desdobramento interacional). Os emoticons

[ ] são utilizados, ao final dos enunciados, com função expressiva e relacional, isto é,

expressam a relação de amor e amizade entre [A] e [B].

Ademais, verificamos que o uso repetido de formas onomatopaicas (kkkkk), em segunda

e quarta posições, representa o riso, particularmente irônico, que a ocorrência causa. Notamos,

inclusive, que, apesar do mal-entendido ter sido detectado imediatamente, o real motivo do

desagrado de [A] não foi revelado – pelo menos, de maneira ostensiva. É importante reiterar

que não temos como foco a análise do que os participantes têm em mente e que não são expostos

aos interlocutores, mas efetivamente examinar o que eles dizem ou fazem por meio de suas

elocuções. Contudo, é interessante mencionar que Weigand (1999) aponta como umas das

principais fontes de mal-entendido os meios cognitivos (hábitos e padrões inferenciais) que,

mesmo sendo, no máximo, presunções dependentes de contexto, quando aplicados

inadvertidamente, levam ao mal-entendido. É o que parece ocorrer nesse segmento

conversacional.

Ainda, concordamos com Dascal (2006), ao afirmar que a noção de mal-entendido,

(além do papel central no funcionamento de fenômenos admitidamente sociolinguísticos e

pragmáticos como a implicatura e inferência conversacional147) é necessária para a explicação

de outros fenômenos linguísticos, na realidade mais associados à semântica que à pragmática.

Em nosso exercício interpretativo – tendo por base os objetivos da pesquisa e a filiação teórico-

metodológica – substanciamos essa afirmação por meio da análise de dados empíricos, nos

147 Implicatura está relacionada à percepção do que não está sendo dito no texto. Em termos mais simples, é algo

que está implícito no texto e que depende da inferência do outro para ser compreendido. De acordo com Gumperz

(1982 apud Andrade, 2015), inferência é o processo situado ou ligado ao contexto de interpretação, por meio do

qual os participantes procuram levantar uma hipótese interpretativa viável para a enunciação e, a partir dela,

elaboram suas respostas.

174

quais mantivemos o foco no evento do fenômeno em si e pudemos averiguar, no contexto

interacional sequencial, que há um conjunto de fatores textuais-discursivos relacionados, de

forma tão profunda quanto complexa, com possíveis causas do mal-entendido.

c) Referenciação e topicalidade

Dentre as possíveis causas de mal-entendido, estão problemas de ordem referencial e

indefinição tópica. É o caso do segmento conversacional VI.

No que diz respeito a essas duas dimensões textuais, Mondada (2001) argumenta que

os objetos do discurso são entidades constituídas “em” e “pelas” formulações discursivas dos

participantes, ou seja, é “no” e “por meio do discurso” que os referentes são delimitados,

desenvolvidos e transformados. Em outros termos, eles emergem e se elaboram

progressivamente na dinâmica discursiva. Ainda, essa dinamicidade dos referentes é, em grande

parte, responsável pelo desenvolvimento do tópico discursivo.

Nessa direção, Fávero (2001) assinala que o falante precisa articular bem sua fala e

construir os enunciados de tal modo que o ouvinte identifique os elementos do tópico e

estabeleça relações que colaboram na instauração dele. O ouvinte, por sua vez, precisa

descodificar os elementos (ideias, objetos, indivíduos, entre outros) que têm função no

desenvolvimento do tópico e identificar as relações que se dão entre os referentes dele.

Entretanto, nem sempre, a identificação tópica é clara, pois pode ocorrer um tópico

implícito que, com o auxílio do contexto, é passível de ser detectado pelos interlocutores. Nesse

sentido, a autora (2001) ainda comenta que, numa conversação, há uma constante flutuação de

tópicos discursivos e os usuários da língua têm noção de quando estão discorrendo sobre o

mesmo tópico, de quando mudam, cortam, promovem digressões, retomam etc.

Há, portanto, um caráter dinâmico e localmente construídos dos referentes, que nos

convida a analisar não tanto o seu conteúdo semântico, mas os processos pelos quais os

participantes elaboram interativamente seus tópicos.

Vejamos o exemplo a seguir:

175

Segmento conversacional VI (SC-VI)

Usuário A: “Tenho estudado sobre os candidatos. Sabial q o @GuilhermeBoulos é filosofo??!”

09/08/2018, 22h15. Tuíte.

Usuário B: “Valha me Deus ! Eu vi bem filosofando na invasão em SB ,ao lado da minha casa.” 09/08/2018, 23h18. Tuíte.

Usuário A: “Não gostou? Por que exatamente?” 09/08/2018, 23h23. Tuíte.

Usuário B: “Se invadissem por 4 meses terreno ao lado da sua casa, tirando a paz e o direito de

ir e vir , queria ver se a opinião seria a mesma rsrs.” 09/08/2018, 23h34. Tuíte.

Usuário A: “Eu só perguntei sobre o Boulos! Se vc ouviu ele discursar.... to conhecendo os candidatos

e querendo ouvir outras opiniões. Só isso.” 09/08/2018, 23h36. Tuíte.

Usuário B: “Ouvia sim, com a janelas fechadas e TV no último volume ,ouvia TB as 5:00 fazendo

gritos de Guerra e meu filho pequeno chorando com sono e assustado com os fogos ... Não foi fácil

não coleguinha.” 09/08/2018, 23h41. Tuíte.

Fonte: Twitter.148

A princípio, cabe ressaltar que, “quanto mais a codificação de um conteúdo semântico

e pragmático é vaga, mais ele corre o risco de ser objeto de negociação entre os interlocutores”.

E o mal-entendido (seja involuntário ou voluntário, de boa ou má-fé, real ou simulado) é sempre

uma “defasagem” entre o sentido que o locutor deseja transmitir e o sentido decodificado pelo

receptor (KERBRAT-ORECCHIONI, 2005, p. 62).

Na análise desse segmento conversacional, notamos que o usuário [A] indaga seu

interlocutor acerca de Guilherme Boulos, candidato à Presidência da República do Brasil, pelo

Partido PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) nas eleições de 2018: “Sabial q o

@GuilhermeBoulos é filosofo??!”. O usuário [B], no tuíte seguinte, argumenta, com certa

ironia, que o viu “filosofando” ao lado de sua residência, em São Bernardo (município do estado

de São Paulo). Como se pode ver, [A] produz um enunciado que ele julga adequado; da mesma

forma o interlocutor [B] responde a esse tuíte sem julgá-lo problemático, introduzindo

espontaneamente sua avaliação.

Em seguida, o usuário [B] é questionado por [A]: “Não gostou? Por que exatamente?”.

No tuíte seguinte, [B] diz que se sentiu importunado com a “invasão” de um terreno durante a

campanha eleitoral do candidato, fato que lhe tirou a paz e o direito de ir e vir durante quatro

meses. O mal-entendido é, então, denunciado por [A]: “Eu só perguntei sobre o Boulos! Se vc

ouviu ele discursar.... to conhecendo os candidatos e querendo ouvir outras opiniões. Só isso.”

148 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1027725134793199616>. Acesso em: 20 jun. 2019.

176

Fica dessa forma denunciado que a resposta de [B] é inadequada aos olhos de [A], interessado

tão somente no “discurso” da pré-candidatura de Boulos.

Observamos ainda que [A] retoma, no turno de reparo do ME, objetos do discurso

introduzidos no enunciado de referência (“Boulos”, “candidatos”), mediante o fornecimento de

informações complementares, com a intenção de focalizar o tópico (discurso) não anunciado,

de forma explícita, em seu primeiro turno – fato esse que leva a um deslocamento tópico, no

turno em segunda posição, uma vez que o enfoque deixa de ser o “discurso” em si e passa a

incidir numa manifestação da subjetividade de [B] acerca da “invasão” do terreno ao lado de

sua casa. Em outros termos, o usuário [B], no segundo turno, recategoriza os referentes, sob

novas luzes, procurando chamar a atenção de [A] para aquilo que considera necessário enfatizar

em sua enunciação, dotada de elevada carga argumentativa. Sob essa perspectiva, Koch e Elias

(2014) explicam que diferentes focalizações são frequentemente responsáveis por problemas

de compreensão.

Há que se destacar ainda que [A] usa o procedimento de explicitação do tópico com uma

finalidade interacional, qual seja, fazer com que o assunto discutido adquira a relevância

necessária e seja inserido no universo cognitivo e conceitual de seu parceiro comunicativo

(GALEMBECK, 2005). Na verdade, por meio da digressão, o usuário [A] conduz o texto,

manifestando na materialidade linguística o quadro de relevância acionado na situação

enunciativa.

Entretanto, verificamos que [B] promove, no último tuíte, uma mudança parcial de

enfoque, que se desloca novamente do assunto em si para a esfera da subjetividade, manifestada

por sua avaliação ou ponto de vista acerca do “discurso” do candidato: “Ouvia sim, com a

janelas fechadas e TV no último volume ,ouvia TB as 5:00 fazendo gritos de Guerra e meu filho

pequeno chorando com sono e assustado com os fogos ...”. E [B] encerra a interação, de modo

irônico e descortês (“Não foi fácil não coleguinha”), ameaçando a imagem social de [A].

Constatamos, assim, uma situação de forte tensão interativa durante a atividade de

negociação do mal-entendido, resultando numa tentativa fracassada de alcance da

intercompreensão. Importa mencionar que esse segmento conversacional foi

“intencionalmente” selecionado por nós, a fim de demonstrar que o enunciado desencadeador

do mal-entendido (enunciado de referência) pode ser reformulado, contudo o processo de se

chegar à intercompreensão na conversa não é, de modo algum, fixo ou pré-estabelecido. É

preciso, pois, evitar uma visão “idealista” da comunicação e considerar o risco de abandono ou

177

ruptura instantânea, no ciclo de administração do fenômeno, como condição inerente à interação

dialógica.

Por último, é importante frisar que não nos preocupamos em obter exemplos que

parecem não operar de acordo com o fenômeno estudado. Pelo contrário, uma das

consequências de ter esse segmento, sendo “deslocado” do conjunto de dados selecionados, é

que somos levados a olhar para ele e perceber que, diferentemente do caso estereotípico de

mal-entendido, no qual os participantes mantêm um comportamento “altruísta” em relação ao

outro e no momento em que detectam o desvio interpretativo, este se torna objeto de atenção

até encontrarem uma solução; nessa interação conflituosa, em que o comportamento

predominante é muito mais de “confronto” do que de “cooperação”, notamos que eles se

alimentam do equívoco e prosseguem rumo ao abandono ou mesmo à ruptura comunicacional.

Talvez esses casos atípicos sejam marginais ou esporádicos na CFF, como supõe Weigand

(1999). Talvez sejam centrais e frequentes na e-conversação, como pressupomos. Mas isso é

tema para outro estudo.

d) Incorreção léxico-referencial

Observemos os dois exemplos a seguir:

Segmento conversacional VII (SC-VII)

Usuário A: “A Net é sui generis. Fica várias horas fora do ar toda semana. Mas a fatura jamais falha.

Deveriam botar o pessoal do financeiro na parte técnica e vice-versa. 14/07/2021, 8h14. Tuíte.

Usuário B: “Olha, chamei um técnico aqui estava demais. Disse que o meu aparelho dá muito

defeito. O cara foi show, agora está ótimo.” 14/07/2021, 8h22. Tuíte.

Usuário A: “Os técnicos não são ruins. Não foi a eles que eu me referi. O problema é ficar sem

internet várias vezes por mês e pagar sempre a fatura íntegral.” 14/07/2021, 8h24. Tuíte.

Usuário B: “Sim. Era o meu caso. Não aguentava mais. Mas o que me impressionou foi eles saberem

que o aparelho dá muito defeito, não trocarem e cobrarem por um serviço péssimo. O cara só tentou

melhorar a situação.” 14/07/2021, 8h28, Tuíte.

Fonte: Twitter.149

A interação envolve dois usuários da rede. O tema em foco é o serviço prestado pela

NET – “empresa de telecomunicações brasileira, reconhecida por oferecer serviços residenciais

como televisão por assinatura, acesso à internet e telefonia fixa.”150

149 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1415271875832434692>. Acesso em: 20 jul. 2021. 150 Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/NET_(empresa)>. Acesso em: 20 jul. 2021.

178

Como vimos, no primeiro turno, o usuário [A] comenta a frequente ocorrência de falhas

e interrupções no sinal da NET, entretanto a cobrança é efetuada com rigor. De acordo com a

opinião dele, a empresa deveria colocar o habilitado pessoal do departamento financeiro para

trabalhar na parte técnica. No turno seguinte, o usuário [B] salienta que o serviço executado por

um técnico que respondeu à sua solicitação foi excelente. O usuário [A], imediatamente,

denuncia, em terceira posição, a leitura equivocada de [B], ao comentar que não fez referência

aos técnicos especializados da NET ao enunciar “parte técnica”, mas ao fato de ficar sem o sinal

da internet e ser cobrado integralmente. Em seguida, o usuário [B] não só concorda prontamente

com a denúncia e a explicação de seu interlocutor, como afirma ter passado também por esse

inconveniente, em razão do decodificador (aparelho) apresentar defeito e não ser trocado e,

assim, encerra a interação reiterando a eficiência da visita técnica.

Fica evidente, com base na denúncia feita por [A], que se trata, por parte de [B], de um

equívoco de percepção do alvo da crítica. Enquanto [A] disse ter focalizado o serviço de acesso

à internet prestado pela NET, o usuário [B] entendeu ele ter visado o serviço de assistência

técnica da operadora.

Segmento conversacional VIII (SC-VIII)

Usuário A: “deveriam” [RT @username: vocês tem coragem de se relacionar com alguém que

acabou de terminar um namoro de anos???] 09/07/2021, 12h03. Tuíte.

Usuário B: “É trap” 10/07/2021, 13h11. Tuíte.

Usuário A: “eu n sou” 10/07/2021, 13h15. Tuíte.

Usuário B: “Não me referi a vc, amada. Nunca que diria algo assim ” 10/07/2021, 13h21. Tuíte.

Fonte: Twitter.151

Neste segmento, observamos que o usuário [A] formula um enunciado, no qual

questiona, por meio de um retuíte, se os interlocutores têm coragem de se relacionar com

alguém que acabou de terminar um longo relacionamento. Em seguida, o usuário [B] responde:

“É trap”. O usuário [A] se volta para [B] e responde: “eu n sou”. O usuário [B] denuncia, então,

o mal-entendido, dizendo que não fez referência ao usuário [A] quando utiliza a palavra “trap”

e que jamais diria algo assim.

Verificamos que o mal-entendido está centrado na dupla interpretação do lexema “trap”,

uma vez que [A] e [B] atribuem referentes diferentes a esse termo, ou seja, [B] indica que a

151 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1413896156921409536>. Acesso em 18 jul. 2021.

179

situação de se relacionar com alguém que acabou de terminar um longo namoro seja uma

“cilada”. Em termos mais coloquiais, é o mesmo que dizer: “É uma fria” ou “É uma roubada”.

Contudo, [A] interpreta o enunciado de [B] equivocadamente, ao entender que o fato de que se

relacionar com ela seja “cair numa armadilha”.

O emoticon [ ] utilizado com função expressiva, em quarta posição, procura revelar

o sentimento de chateação do usuário [B], uma vez que a interpretação de [A] é exageradamente

divergente da que [B] imaginava.

Ainda, é oportuno mencionar que esses dois exemplos demonstram a preocupação com

detectar e corrigir mal-entendidos. “Essa tentativa de alcançar o outro é inerente à comunicação

enquanto ação coordenada e é essencial para o ‘chegar a um entendimento’ requerido pela

comunicação” (DASCAL, 2006, p. 318, grifo do autor).

e) Intencionalidade irônica

Segmento conversacional IX (SC-IX)

Usuário A: “O Boris Johnson deveria tomar vergonha na cara e pentear o cabelo. Não entendo estas

pessoas que ficam descabeladas o tempo todo. Custa pentear o cabelo? ” 23/07/2019,

17h33. Tuíte.

Usuário B: “Ô Giga quando for publicar algo desse tipo, se olhe no espelho. Vc está despenteado

na foto. Jornalista dos EUA, se preocupando com isso. Me poupe.” 23/07/2019, 20h58. Tuíte.

Usuário A: “Meu Deus, será que vc não entendeu que eu estava brincando justamente pq sou

descabelado? Inacreditável a falta de inteligência. Até coloquei o Emoji para deixar claro que

estava brincando, e me auto-depreciando, ao falar do cabelo do Boris Johnson” 23/07/2019, 21h16.

Tuíte.

Usuário B: “Desculpe Guga, mas, vc é um dos únicos da emissora que até consigo ouvir e sempre

achei maneiro o seu cabelo. Mas achava que vc não percebia. Não está mais aqui quem

comentou ” 23/07/2019, 22h34. Tuíte.

Fonte: Twitter.152

Neste segmento, o usuário [A] faz uma crítica, de maneira enfática, ao desalinhamento

dos cabelos do político britânico, Boris Johnson. No turno seguinte, em segunda posição, o

usuário [B] contesta o enunciado de [A] e argumenta que, vindo de Guga (repórter e

apresentador da Rede Globo de Televisão em Nova Iorque), trata-se de um comentário

incoerente, já que o cabelo do repórter também é desgrenhado. Podemos observar, ainda, que

152 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1153765206461493252>. Acesso em 25 jun. 2020.

180

[B] utiliza estratégias de “provocação”, ao apresentar, de forma negativa, o modo de ser e agir

de seu interlocutor.

Em terceira posição, notamos que o usuário [A] reage a essa provocação, de modo

espantoso (“Meu Deus”) e até agressivo (“Inacreditável a falta de inteligência”), deixando claro

que seu interlocutor fez uma leitura equivocada. Inclusive, [A] argumenta que os emojis [ ]

foram utilizados, no enunciado de referência, com o intuito de revelar que o comentário era

obviamente irônico. Como vimos, na escrita, não é possível basear-se na entonação nem nos

gestos para identificar a ironia. Assim, os emoticons funcionam como indícios que permitem

interpretar o texto como irônico. É oportuno comentar ainda que a sinalização do mal-entendido

por [A], de modo desrespeitoso, representa uma ameaça à face de [B].

Entretanto, o usuário [B], em quarta posição, encerra a sequência interacional,

procurando resolver o conflito, ao declarar o não reconhecimento da “ironia” e, por isso,

pedindo desculpa por sua intervenção. Inclusive, ao final do turno, [B] utiliza também alguns

emojis [carinha sem boca: ], no sentido de demonstrar certo arrependimento acerca do

comentário feito. Cabe enfatizar que esse ícone é utilizado principalmente em conversas difíceis

ou embaraçosas. Concordamos, assim, com Kerbrat-Orecchioni (2005) quando assinala que a

cortesia realmente desarma, já que é um meio de debelar a agressividade que o contato com o

outro pode desencadear.

5.2.3 Análise quanto aos processos linguístico-discursivos que esclarecem o mal-entendido

Como mencionado no Capítulo 3 deste trabalho, dentre as atividades reformulativas,

que tentam desfazer o mal-entendido, destacam-se: a correção, a repetição e a paráfrase.

De modo geral, a correção tem como função anular, total ou parcialmente, o

anteriormente dito. Já o enunciado parafrástico, embora tenha um caráter de tratamento como

a correção, reformula, não para anular enunciados antecedentes, mas para os explicitar,

especificar, exemplificar, denominar, resumir. Ocorre em textos falados e são plenamente

viáveis em textos escritos na rede. A repetição está diretamente vinculada às possibilidades do

recurso eletrônico por meio do qual acontecem as interações e sua ocorrência não exige nenhum

trabalho de formulação. Esse procedimento é utilizado normalmente como recurso enfático e

argumentativo.

181

Vejamos, a seguir, como essas atividades de reformulação são utilizadas nas “e-

conversações” do Twitter:

Segmento Conversacional X (SC-X)

Usuário A: “Oi Vinícius. Por que você quer que as pessoas se expliquem o tempo todo? Obrigado e

abraço kkk” 22/09/2021, 21h30. Tuíte.

Usuário B: “Porque tem coisas que são faladas por aqui que não entendo. E é uma rede social, tipo

praça pública. Então eu pergunto. De vez em quando eu recebo resposta, de vez em quando não. É a

vida. Alguns se incomodam, outros não. Mas acho melhor perguntar antes de me precipitar.”

22/09/2021, 22h01. Tuíte.

Usuário B: “E a gente tem muito a aprender uns com os outros, ainda mais com vocês que são

jornalistas, e bons jornalistas.” 22/09/2021, 22h05. Tuíte.

Usuário A: “tranquilo. Só cuidado com a forma como vc se coloca, pq às vezes soa como uma

intimidação” 22/09/2021, 22h12. Tuíte.

Usuário B: “Valeu! Não foi minha intenção. Aliás, não sei muito como perguntar aqui sem soar

intimidatório. (Talvez eu tenha que escrever que é uma pergunta de boa, mas daí tem muito caracter).

Tentei ser direto e gentil” 22/09/2021, 23h06. Tuíte.

Usuário B: “Aliás, você poderia me dar um exemplo de quando soou intimidatorio, por favor? (E

não tô zoando não, é de boa)” 22/09/2021, 23h08. Tuíte.

Usuário A: “cara, começa que, pelo menos comigo, vc só questiona quando eu posto algo que

destoa da sua visão política (que eu assumo que é de esquerda) Aí vc chega "Mas pq vc diz tal

coisa. Dê exemplos" Como se vc quisesse me pegar de calça curta, me provar errado. Seje mais

polido” 22/09/2021, 23h12. Tuíte.

Usuário A: “dito isso, duas coisas: 1) tu não vai me pegar de calça curta, pq tem 10+ anos que

eu trabalho com o que eu trabalho e geralmente comento aqui; 2) de início eu achei q vc fosse

um bully ordinário. Só não bloqueei de cara pq vc trampa ou diz trampar com um pessoal que

eu gosto” 22/09/2021, 23h14. Tuíte

Usuário B: “Não não, André. Você entendeu errado, talvez por estar lidando com muita gente escrota.

Eu tento não ser escroto. E sim, eu pergunto pra você quando não consigo ver do jeito que você vê.

Gostaria de expandir a maneira como vejo, e é conversando que se faz isso. Mas vou parar +”

22/09/2021, 23h17. Tuíte.

Usuário B: “Desculpe aí pelo constrangimento que lhe causei. Abraços” 22/09/2021, 23h17. Tuíte.

Usuário A: “tá de boa, pode perguntar cara. Só pega leve rs” 22/09/2021, 23h19. Tuíte.

Fonte: Twitter.153

Na análise do SC-X, verificamos que [A] questiona a postura de seu parceiro

comunicativo nas interações que mantém com ele e outros usuários. Na opinião de [A], o

usuário [B] costuma pedir explicações demais a seus interlocutores e, normalmente, com tom

intimidatório. Instaura-se na interação um momento desconfortável, levando o usuário [B], no

enunciado de referência (constituído por dois tuítes), a comentar que sua intenção não é essa e,

153 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1440861663612182534>. Acesso em: 22 set. 2021.

182

em seguida, pede um exemplo de quando sua intervenção soou intimidativa. O usuário [A]

explica que [B] só o questiona quando publica algo que seja contrário à visão política deste,

destacando o hábito de [B] pedir exemplos, com o intuito de averiguar se [A] realmente tem

ciência de seus comentários. Na sequência, [A] enumera dois fatos: o primeira é que ele sabe o

que diz porque trabalha há mais de dez anos como jornalista; e o segundo é que só não bloqueou

o usuário [B], em razão de este trabalhar com pessoas que [A] gosta. No turno seguinte, [B]

denuncia explicitamente o mal-entendido (“Não não, André. Você entendeu errado...”).

Conforme salienta Barros (2006), verificamos que a repetição do advérbio “não” foi utilizado

como recurso argumentativo para enfatizar o desvio interpretativo de [A] e ainda facilitar a

produção de uma reformulação, ou seja, o usuário [B], por meio de um procedimento

parafrástico expansivo, explica que [A] o interpretou de maneira equivocada, porque este lida

com pessoas mal-educadas (“gente escrota”) e [B] tenta não ter a mesma conduta e, sim, pede

exemplos a [A] quando não entende o posicionamento deste. Em seguida, informa que a

intenção é apenas de expandir seus conhecimentos por meio da conversa. Num segundo tuíte,

pede desculpa pelo constrangimento causado a [A]. No turno de resposta, [A] assinala: “tá de

boa, pode perguntar cara. Só pega leve rs.”

Quanto às estratégias de (des)cortesia, elencamos esse segmento a título de

demonstração. A princípio, observamos que o usuário [A] mostra-se incomodado pelo fato de

sua competência ter sido colocada em dúvida pelo usuário [B] (ou seja, isso ocorre quando [B]

questiona e pede exemplos a [A], com tom intimidativo), levando o jornalista a reagir à

provocação, indicando que o traço negativo atribuído a ele é indevido, uma vez que tem

experiência em sua área de atuação e também é sagaz. Como vimos, o comportamento de [B]

provoca uma certa tensão na situação comunicativa. Contudo, este também se utiliza de certas

estratégias de sedução, ao comentar que [A] é bom jornalista. E, adiante (no enunciado

reformulador do ME), o usuário [B] diz que lida com pessoas grosseiras e tenta não ter a mesma

postura (reforça sua imagem positiva), afirmando que seu intuito, ao questionar o usuário [A],

é tão somente entender os pontos de vista deste e aprender com eles. Desse modo, [B] apresenta

um traço negativo de si mesmo, ao dizer que precisa do saber do jornalista. Ainda, ao proceder

à reformulação parafrástica, manifesta implicitamente o interesse pelas considerações feitas por

[A] e constrói, assim, uma imagem positiva deste. Inclusive, pede “desculpa” a [A] pelo

constrangimento causado, atenuando, desse modo, a situação conflitante que havia se

instaurado no desdobramento interacional, dando à conversação a harmonia necessária. Trata-

se, portanto, de uma interação em que a provocação , com efeitos de descortesia, contribui para

183

a construção da polêmica, mas que precisa das estratégias de sedução para manter o equilíbrio

de seu funcionamento.

Convém mencionar, ainda, que o sinal [+], no enunciado de reparo do ME, indica que o

usuário ultrapassou o limite da janela (280 caracteres) e prosseguirá em outro tuíte.

Normalmente, em uma conversa síncrona, o interlocutor aguarda a produção de todo o

conteúdo, antes de tuitar sua resposta. Outras formas de indicar essa continuação é por meio da

expressão “segue o fio”, do emoticon “novelo”, de setas ou numeração.

Segmento conversacional XI (SC-XI)

Usuário A: “Em 2017, Corinthians de Carille (#Quartaforça) jogava um futebol tão fraco como esse

de agora, quando passou pelo Brusque nos pênaltis - jogo muito semelhante ao de hoje, contra o

Retrô. Ninguém diria, à epoca, que ganharia Paulista e Brasileiro🧶” 27/03/2021, 12h31. Tuíte.

Usuário A: “Hoje, o Corinthians é Quinta Força em SP (atrás também do Bragantino, como time).

Difícil imaginar que esse raio caia, de novo, no mesmo lugar...” 27/03/2021, 12h31. Tuíte.

Usuário B: “É rizek, raio esse que perdurou por 19 rodadas invicto, jogando de forma segura e

com um dos melhores primeiros turnos da história do Brasileirão. Pode desmerecer o time de

2018 pra frente, mas em 2017 ainda se via algum futebol sim” 27/03/2021, 23h49. Tuíte.

Usuário A: “Luiz, você não entendeu nada do que eu disse. Não desmereci o time de 2017! Apenas

informei que o time de 2017 também começou a temporada de forma horrorosa s ninguém esperava

que fosse virar um timaço. Abs” 28/03/2021, 24h01. Tuíte.

Usuário B: “Entendi seu ponto. Realmente o começo de 2017 foi abaixo da média (ou no mesmo

nível dos últimos 3 anos rs) depois que as coisas começaram a desenrolar.” 28/03/2021, 18h58. Tuíte.

Fonte: Twitter154.

O SC-XI envolve dois participantes [A] e [B]. No primeiro tuíte, o usuário [A] comenta

acerca do desempenho fraco do Corinthians, time comandado pelo técnico Carille, em 2017

que, entretanto, venceu dois campeonatos de futebol: o Paulista e o Brasileiro. Insere, ao final

de seu turno, um ícone [🧶= novelo de lã = expressão popular “segue o fio da meada”], com o

intuito de expressar que continuaria a tecer comentários no próximo tuíte. A partir de então,

informa que, em 2021, o time não está jogando bem, contudo não acredita que o Corinthians

possa ter novamente um resultado satisfatório: “Difícil imaginar que esse raio caia, de novo,

no mesmo lugar...”

Já o usuário [B] defende a ideia de que o Corinthians jogou relativamente bem em 2017.

O usuário [A] denuncia o mal-entendido de forma direta; “você não entendeu nada do que eu

disse”, afirmando que [A] não desmereceu o time de 2017 (referente esse que vem sendo

154 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1375651686778277888>. Acesso em: 26 jun. 2021.

184

repetido durante a interação com a função básica de coesividade e colabora para a

argumentatividade) e, por meio de uma reformulação parafrástica redutora, sintetiza o

enunciado de referência, comunicando que somente ressaltou que o time não jogou bem no

início da temporada e, por isso, ninguém esperava que o desempenho do Corinthians fosse,

mais uma vez, melhorar consideravelmente. O usuário [B], então, acata o turno de reparo e

produz, em seguida, o turno de feedback, por meio da resposta: “Entendi seu ponto. Realmente

o começo de 2017 foi abaixo da média (ou no mesmo nível dos últimos 3 anos rs) depois que

as coisas começaram a desenrolar”, resolvendo o mal-entendido.

Segmento conversacional XII (SC-XII)

Usuário A: “Fazia anos que eu não via o #BBB . Realmente, esse é interessante porque a seleção de

personagens é um extrato do Brasil. Tem de tudo. Tem os pólos. Pelo jogo seria importante o menino

Prior ficar. Não acho que ele seja má pessoa, mas deu de grito, ignorância, do orgulho disso...”

01/04/2020, 12h12. Tuíte.

Usuário A: esse lado selvagem que aflorou em tanta gente nos últimos anos fez o nosso povo ficar

pior. A Manu também errou nesse jogo aí. Colou em gente que não é legal. Mas ela representa a

educação, o diálogo, o conhecimento (menos do futebol, ne Manu? Tudo bem...). Enfim, merece mais

01/04/2020, 12h18. Tuíte.

Usuário A: ...assim como a Mari, que tá ali na pureza, sobrevivendo ao confinamento, jogo, sem

magoar as pessoas (me identifico.Acho que eu seria tipo ela). Resumindo: eu achava o barraco legal

como entretenimento, mas o Brasil tá polarizado, e empoderar ainda mais a grosseria seria péssimo

01/04/2020, 12h23. Tuíte.

Usuário B: “Pra vc deve ser apenas um entretenimento. Mas pra gente a eliminação dele

mostrou que podemos enfrentar e vencer o machismo.” 01/04/2020, 12h20. Tuíte.

Usuário A: “Eu votei 100x pra tirar ele... Vc não entendeu o que eu disse” 01/04/2020, 12h23. Tuíte.

Usuário B: “Na frase ‘pelo jogo seria importante’ soa como um entretenimento, mas pra gente é

muito mais que um entretenimento. Vc entendeu que eu quis dizer.” 01/04/2020, 12h32. Tuíte.

Usuário A: “Entendi e respeito... Mas não me julgue. Foi uma reflexão pragmática de alguém

que trabalha em televisão. Eu curti muito o resultado” 01/04/2020, 12h33. Tuíte.

Usuário B: “Desculpa se eu te julguei....não era minha intenção. Obrigada, pelos votos ”

01/04/2020, 12h47. Tuíte.

Fonte: Twitter.155

O SC-XII envolve dois participantes, os usuários [A] e [B], que interagem

sincronicamente e tratam do seguinte tema: um reality show, exibido pela Rede Globo de

Televisão, denominado Big Brother Brasil. Inclusive, [A] se utiliza da hashtag (#BBB), visto

que o assunto era um dos mais discutidos na rede social Twitter, no dia 31 de março de 2020,

quando três participantes (Prior, Manu e Mari) disputavam a permanência no programa em um

155 Disponível em: <https://twitter.com/username/status/1153765206461493252>. Acesso em 27 jun. 2020.

185

“paredão” de eliminação, que se tornou histórico, por superar a marca de um bilhão de votos.

Prior foi eliminado com 52% dos votos.

Considerando que o Twitter possibilita a publicação de uma mensagem em até 280

caracteres, o usuário [A] produziu três tuítes para transmitir sua mensagem, em que comenta o

comportamento dos candidatos, afirmando que, pelo jogo, Prior merecia ficar. Em seguida, [B]

responde a essa publicação, afirmando que a preferência de [A] pelo candidato se dava em razão

de o reality se tratar apenas de entretenimento para este. No entanto, para [B], a eliminação do

participante era relevante na luta contra o racismo. Então, o usuário [A] declara explicitamente

o mal-entendido (“Vc não entendeu o que eu disse”) e, ao mesmo tempo, soluciona-o por meio

de uma paráfrase redutora, de modo que resume o conjunto de informações que o enunciado

de origem contém (“Eu votei 100x pra tirar ele...”) Então, [B] se utiliza da repetição parcial do

enunciado de referência (“pelo jogo seria importante’”) como recurso argumentativo, no

sentido de justificar a sua leitura equivocada. Em seguida, o usuário [A] aceita a declaração de

[B] e, de modo cortês, argumenta que entendeu a razão do equívoco interpretativo, preservando,

assim, a face de seu interlocutor: “Entendi e respeito... Mas não me julgue. Foi uma

reflexão pragmática de alguém que trabalha em televisão. Eu curti muito o resultado”.

No tuíte seguinte, o usuário [B] também pede desculpa pelo julgamento feito a [A],

afirmando que o enfoque dado em sua resposta não foi o pretendido: “Desculpa se eu te

julguei....não era minha intenção. Obrigada, pelos votos .” De acordo com Kerbrat-

Orecchioni (2005, p. 150-1), o pedido de desculpa visa a neutralizar simbolicamente atos

ofensivos e o agradecimento visa a anular, de modo igualmente simbólico, a dívida que se

contrai com o parceiro comunicativo, ou seja, os encadeamentos para a desculpa, assim como

para o agradecimento, são do tipo “aceitação”, o que se explica muito bem em termos de

“satisfação das faces”. Inclusive, os emoticons assumem-se como um antiFTA ou FFA.

Enfim, no intuito de não sermos repetitivos, mencionaremos, a partir de então e de modo

geral, as particularidades relacionadas às modalidades de fala-escrita encontradas nos

segmentos conversacionais analisados. Verificamos que um grande número de casos apresenta

traços que evocam o diálogo face a face e que, de certa forma, sugerem a espontaneidade e

fluidez das manifestações faladas, tais como: o alto grau de expressão da subjetividade e de

dependência do contexto situacional imediato para que ocorra a compreensão, o léxico do

cotidiano, desvios ortográficos, abreviações, uso dos sinais de pontuação, emoticons,

expressões coloquiais ou gírias, entre outros. Conforme discutido, na seção 4.3.3, essas marcas

186

produzem efeitos de sentido de oralidade, informalidade, proximidade e são valorizadas

positivamente, no sentido de que constroem textos mais francos e sinceros, no entanto podem

também assumir uma valorização negativa, no sentido de os textos parecerem incompletos e

mal elaborados (BARROS, 2000, 2015). Ainda, a longa permanência dos tuítes na rede, as

possibilidades de registro e armazenamento, bem como a grande extensão de seu alcance

comunicacional também dão maior tonicidade a algumas características do texto escrito

(pleno), o que nos leva a esse lugar teórico reservado ao continuum fala e escrita e, nessa esteira,

as reconfigurações textuais e discursivas que ele implica.

Além disso, em todos os exemplos, notamos que os usuários efetivamente se portam

como falantes, produzindo, inclusive, o efeito de uma conversação construída coletivamente,

por meio da alternância de turnos. Nesse sentido, fica evidente que uma interação no Twitter

está muito próxima de uma CFF tanto pelas evidências linguístico-discursivas inscritas no texto

quanto pela percepção de oralidade que dela tem o usuário da língua em suas práticas sociais.

É justamente por essas razões que consideramos tais interações como conversas e,

consequentemente, assumimos as categorias teóricas da análise linguística da conversação na

orientação deste estudo.

Quanto às atitudes linguísticos discursivas dos interlocutores, verificamos, de modo

geral, que, na denúncia do mal-entendido, os usuários produzem certos efeitos de descortesia,

uma vez que essa sinalização é realizada por meio das estratégias de provocação, por exemplo,

em enunciados como: “Eu não me referi a isso”, “você não entendeu nada do que eu disse”,

“Vc entendeu errado”, entre outros. Conforme Barros (2008), nessas circunstâncias, o usuário

(destinador) põe em dúvida a capacidade daquele a quem se dirige (destinatário), apresentando

uma imagem negativa deste e de sua competência. Entretanto, ao produzir a reformulação do

enunciado que gerou o ME, o usuário manifesta implicitamente o interesse por seu interlocutor,

fato que leva o destinatário, no enunciado-resposta, a reconhecer o erro interpretativo e, em

seguida, desculpar-se pelo equívoco. Por meio desse procedimento cortês, ou melhor, mediante

essa estratégia de sedução, constrói uma imagem positiva de seu parceiro comunicativo

(destinador). Por outro lado, ao admitir o próprio erro, beneficia a sua imagem, uma vez que

está realizando um comportamento que é aprovado socialmente. Como vimos, esses segmentos

conversacionais ora são marcadamente polêmicos, ora se mostram mais claramente

cooperativos, dando às interações o equilíbrio necessário à vida em sociedade.

Por último, averiguamos que, em trabalho intitulado Entendendo os mal-entendidos em

diálogos, Hilgert (2005, p. 146), ao examinar inquéritos do Projeto NURC, constata que, nos

187

casos “standard”, ou nos termos desta tese, “mal-entendidos em sentido estrito”, a denúncia do

equívoco interpretativo é realizada de forma indireta, implícita, quase em “linguagem

cuidadosa, quando não tímida, como que ‘pedindo licença para discordar’”. Pressupomos que

esse tipo de manifestação atenuada ocorra devido à natureza da conversação, uma vez que os

interlocutores interagem face a face e, por isso, tendem a ser mais corteses.

Já, em nosso corpus de análise, pudemos observar que há uma tendência de denunciar,

de forma direta e explícita ou mesmo agressiva, o mal-entendido. Acreditamos que essa postura

se deva ao fato de os usuários não só se sentirem protegidos pela tela do computador, como

também pela razão de não estabelecerem uma relação de proximidade com seu interlocutor.

Contudo, quando este pede desculpa pelo equívoco interpretativo, justifica o desvio e/ou o

reconhece, consegue, de acordo com Kerbrat-Orecchioni (2005), neutralizar parcialmente o ato

impolido com um comportamento reparador e, mais precisamente, modificar o estado da

relação interpessoal. Consequentemente, restaura o equilíbrio ritual da interação e, mais

positivamente, alcança o contentamento e entendimento mútuos.

188

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nossas considerações iniciais, pontuamos a necessidade de promover estudos

linguísticos que pudessem responder a questões intrigantes e complexas quanto ao

processamento das interações, que se realizam por meio da linguagem mediada pelas

tecnologias digitais.

Motivados, assim, pela tentativa de desenvolver análises e explicações

epistemologicamente coerentes quanto à CMC que, de acordo com Marcuschi (2005, p. 19),

ainda se encontra “em busca do seu cânone”, procuramos descrever e analisar características

dessa prática conversacional que, a nosso ver, adquire contornos semelhantes à dinâmica

organizacional da conversação face a face.

Partindo dessa premissa, apresentamos, no Capítulo 1, o Twitter – ambiente virtual que

possibilita a e-conversação entre os usuários da rede, como também discorremos acerca dos

aspectos prototípicos do tuíte, que, a nosso ver, pode ser caracterizado como turno

conversacional, quando olhado nas relações que se estabelecem no contexto da interação em

andamento.

Nessa linha de condução, tratamos, no Capítulo 2, dos aspectos seminais circunscritos

na pesquisa em Análise da Conversação, numa perspectiva interacionista da língua, sem perder

de vista o compromisso etnometodológico que está em sua base, pois consideramos que essa

vertente teórica, a qual continua profícua contemporaneamente, isto é, rendendo

desdobramentos nos séculos XX e XXI, pudesse nos garantir um entendimento preliminar de

nossas intenções teórico-metodológicas.

O capítulo seguinte foi destinado ao estudo do objeto de nossa investigação, o mal-

entendido. Constatamos que esse fenômeno pode ocorrer em duas situações: (i) na realização

de uma “interpretação hipotética”, manifesta pelo interlocutor, submetida à consideração do

falante e não aceita por este; (ii) na construção de uma interpretação considerada coerente, do

ponto de vista do interlocutor, mas somente percebida como equivocada, após a denúncia do

falante. À primeira, denominamos mal-entendido em sentido lato [ME-L]; à segunda, mal-

entendido em sentido estrito [ME-S].

189

No Capítulo 4, buscamos explicitar as teorias vinculadas à Comunicação Mediada pelo

Computador, no que diz respeito à estrutura organizacional da e-conversação, mais

especificamente, a que ocorre na rede social digital Twitter. Foi possível observar que essa

plataforma transmuta propriedades centrais do diálogo cotidiano, uma vez que promove a

discussão de variados temas numa identidade temporal, permite a participação de ao menos

dois interlocutores e possibilita a administração de turnos. Ainda, constatamos que, nos tuítes,

há um intenso uso da escrita que, por sua vez, vem permeada de oralidade, a fim de recuperar

elementos prototípicos da comunicação face a face (informalidade, proximidade,

espontaneidade etc.), fato que leva o usuário da língua a percebê-los, tanto na produção quanto

na recepção, como caracterizados pela oralidade.

Contudo, há tuítes relativamente planejados, mesmo se tratando de textos curtos e

concisos, que produzem, consequentemente, efeitos de sentido de formalidade e

distanciamento. Partimos do pressuposto que todas essas características estão, em geral,

associadas à esfera comunicativa em que o sujeito-usuário se encontra inserido, como também

ao tipo de comunicação que se estabelece na rede, isto é, síncrona e assíncrona respectivamente.

Ainda, a longa permanência dos tuítes na rede, as possibilidades de registro e armazenamento,

bem como a grande extensão de seu alcance comunicacional também dão maior tonicidade a

algumas características do texto escrito, o que nos leva a esse lugar teórico reservado ao

continuum fala e escrita.

As análises realizadas permitiram determinar algumas características do mal-entendido

em interações no Twitter, tais como: o mecanismo de organização das sequências discursivas

em que ocorre o fenômeno; os fatores que o desencadeiam no processo interacional; como

também os procedimentos linguístico-discursivos, por meio dos quais os interlocutores

procuram esclarecê-lo. Diante dos resultados alcançados, é preciso ter em conta que os

segmentos interacionais analisados se desdobram, na maior parte dos casos, numa sequência

curta de enunciados, em relações síncronas (em tempo real) e diádicas.

Diante, pois, da peculiaridade do corpus selecionado, era de se esperar que o ciclo de

negociação do mal-entendido no Twitter ocorresse na forma como ele se revela na

conversação face a face, ou seja, grande parte dos exemplos investigados apresentam

regularidades na estruturação dos segmentos conversacionais, com denúncia e encaminhamento

da solução do problema em terceira posição e, consequentemente, a sua inscrição na segunda.

Há que se destacar ainda que a maioria dos segmentos analisados traz uma quarta posição, em

190

que o interlocutor aceita o turno de reparo (é claro que, em sentido estrito, ela é dispensável

nessa estrutura).

Não poderíamos deixar de ressaltar que esse fato sugere, de acordo com Hilgert e

Andrade (2020), que se possa talvez integrar essa quarta posição na estrutura padrão de

monitoramento do mal-entendido, ao menos como tendência, na medida em que sua ocorrência

indicia uma ação convergente entre os interlocutores no processo de construção da

(inter)compreensão. Na verdade, consideramos que esse turno de feedback resulta dos cuidados

que os interlocutores têm para alcançar o entendimento mútuo.

Diante do exposto, concordamos com Weigand (1999, p. 783) ao afirmar: “A

comunicação funciona tão bem porque permite o risco de mal-entendido e confia no fato de que

ele será corrigido na interação em curso”156 e, à vista disso, também com Dascal (2006, p. 325,

grifo do autor) quando assinala: “uma parte significativa da compreensão do discurso tem a

ver com o mal-entendido”. Nessa perspectiva, esse trabalho permitiu identificar que,

aproximadamente, a maioria dos casos analisados alcançaram a compreensão mútua. A análise

inclusive revelou que, dentre os perfis selecionados, os participantes da esfera jornalística e

cotidiana são os que mais interagem com seus seguidores, bem como se esforçam no sentido de

garantir a harmonia na conversa e alcançar um nível desejado de intercompreensão. Não se

pode dizer o mesmo de sujeitos que interagem e/ou atuam no âmbito político-ideológico, visto

que os tuítes são frequentemente marcados por traços de descortesia (expressões e/ou

enunciados ríspidos, pejorativos, deselegantes e irônicos), resultando em ameaças severas às

faces e, por conseguinte, provocando, na interação, um desfecho inevitável: ruptura instantânea

ou abandono, uma vez que os usuários pretendem apenas defender publicamente suas posições

em relação a um determinado tema.

Quanto às causas que dão origem ao ME-S, que se caracteriza como uma “interpretação

ilusória”, ou seja, caso em que o entendimento em relação ao dito é adequado, do ponto de vista

do interlocutor, entretanto não compatível aos propósitos comunicativos do locutor, a análise

revela que os aspectos semântico-lexicais (imprecisões de sentido de um termo ou expressão

no enunciado de referência) são de longe os mais recorrentes. Em menor número, também

foram encontrados mal-entendidos causados por problemas de natureza sintático-lexical,

semântico-pragmática e argumentativa, como o uso da ironia, por exemplo.

156 Tradução da autora para o trecho original: “Communication functions so well because it allows the risk of

misunderstanding and trusts in the fact that it will be corrected by the ongoing dialogue itself.”

191

No que concerne à atividade de sinalização dos mal-entendidos, observamos que os

usuários do Twitter recorrem a denúncias diretas e evidentes, valendo-se de recursos mais

agressivos do tipo: “Não foi a isso que eu me referi”, “Não disse isso”, “Você não entendeu

nada”, “Você não leu direito o meu tuite”, entre outros, antes de proceder à reformulação. Em

menor número de casos, aparecem construções mais atenuadas, por exemplo, “Acho que você

não entendeu o que eu disse”, “Acho que você entendeu errado” etc. No que respeita aos

procedimentos que desfazem os mal-entendidos, averiguamos que os interlocutores se utilizam,

de modo geral, da repetição, de modo enfático e argumentativo, com a intenção de retomar

vocábulos ou estruturas sintáticas não devidamente compreendidas (“Eu disse que...”, “Eu me

referi a...”, “Quando eu me referi a...”) e ainda como recurso que facilita a produção de um

procedimento reformulativo, as paráfrases, cuja função é explicitar ou delimitar de forma mais

precisa informações contidas no enunciado de referência, com a intenção de torná-lo mais claro

para o interlocutor.

Neste ponto, importa mencionar que não tivemos o propósito de fazer um levantamento

exaustivo dos tipos de procedimentos parafrásticos que contemplam as ações de reparo.

Entretanto, mantivemos o cuidado de observar que há um predomínio absoluto de paráfrases

não marcadas, visto que o desdobramento parafrástico ocorre sem marcadores que as

anunciam, e não adjacentes, uma vez que não seguem imediatamente após o enunciado de

referência ou seja, entre o enunciado de referência e o procedimento parafrástico, encontra-se

o enunciado revelador do ME. No que diz respeito à especificidade da relação semântica entre

enunciado de referência e enunciado reformulador, as paráfrases expansivas, cuja realização se

dá por meio de um enunciado lexical e sintaticamente mais complexo do que o enunciado de

referência, foram as mais recorrentes. Esse fato se explica pelo próprio princípio da progressão

textual em que tópicos frasais são especificados, conceitos são definidos, argumentos são

expostos e detalhados, informações são exemplificadas e dados são enumerados. Em menor

número de casos, encontramos paráfrases redutoras, que se constituem em uma formulação

menos complexa em relação ao enunciado de referência, na medida em que têm caráter

preponderantemente sintetizador.

Ademais, averiguamos, nos exemplos analisados, que as atitudes linguístico-sociais dos

interlocutores, ao reconhecerem o equívoco interpretativo no qual incorreram – cujas denúncias

e reformulações se revelaram de forma direta e explícita – foram pautadas por manifestações

de cortesia, representadas abundantemente pelo pedido de desculpa (“Desculpa pelo equívoco

amigo”, “Ok, me desculpe, não entendi direito sua colocação...”, “ATA DESCULPA EU

192

REALMENTE LI ERRADO, comi o resto da frase socorro” etc.), cujo ato se insere em um dos

mais representativos do face work, como também por evidências positivas de entendimento

(“[...] agora li e entendi”, “Eu entendo e aceito”; “Sim amg, entendi...”, “Com certeza”, “É

verdade”, Nesse ponto concordo contigo”, entre outras), indispensáveis à manutenção de uma

relativa harmonia entre os parceiros comunicativos e, ao mesmo tempo, vinculadas ao processo

de construção conjunta e colaborativa da compreensão.

Enfim, os resultados obtidos, por meio dos exemplos analisados, indicam que os

objetivos propostos neste trabalho foram relativamente alcançados. No entanto, conforme

pontua Hilgert (2005, p. 151), “toda a prudência com generalizações apressadas é necessária”,

já que o nosso estudo examinou tão somente interações na rede social digital Twitter.

Nesse sentido, cabe enfatizar que as questões que promoveram a nossa investigação,

bem como as que podem levar a novas pesquisas são reveladoras de que temos muito a refletir

acerca dos fenômenos linguístico-interacionais que emergem no contexto digital. Ainda,

concordamos com Paveau (2021, p. 194), ao afirmar que essa “presença intensa dos escritos

digitais [...] é um objeto ao mesmo tempo necessário e apaixonante para os linguistas do texto,

do discurso e da interação.” Nesse sentido, esperamos que outras investigações se desenvolvam,

questionem, contraponham ou dialoguem com as nossas leituras e entendimentos aqui

apresentados, no sentido de tornar a experiência de “conversar”, no ambiente da rede, cada vez

mais cooperativa e enriquecedora.

Queremos registrar, por último, que a maioria das pesquisas acerca do mal-entendido é

produzida e divulgada principalmente por estudiosos europeus e americanos. No Brasil, o

pesquisador de referência é Hilgert (2003, 2005, 2008), que reúne em seus trabalhos discussões

acerca do fenômeno, mormente, em interações do texto falado. Desse modo, nossa intenção,

com este trabalho, é apresentar um referencial a mais quanto ao estudo do mal-entendido, no

âmbito da comunidade acadêmica brasileira.

193

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