Date post: | 07-Jan-2023 |
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
CURSO DE DOUTORADO ACADÊMICO EM ADMINISTRAÇÃO E TURISMO
MONICA CRISTINA ROVARIS MACHADO
O FENÔMENO DE CRIAÇÃO DE VALOR EM EMPREENDEDORISMO SOCIAL
EM DIFERENTES CONTEXTOS: Estudo de caso no Brasil e na Espanha.
TESE DE DOUTORADO
BIGUAÇU - SC
2018
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
CURSO DE DOUTORADO ACADÊMICO EM ADMINISTRAÇÃO E TURISMO
MONICA CRISTINA ROVARIS MACHADO
O FENÔMENO DE CRIAÇÃO DE VALOR EM EMPREENDEDORISMO SOCIAL
EM DIFERENTES CONTEXTOS: Estudo de caso no Brasil e na Espanha.
Tese de Doutorado apresentada ao curso de
Doutorado em Administração e Turismo da
Universidade do Vale do Itajaí, como requisito
para obtenção do título de Doutora em
Administração e Turismo.
BIGUAÇU - SC
2018
Dedicatória: ao meu tio Kuki (Marcio Lodetti), que nos
seus poucos anos de vida e convivência me ensinou que
é importante e necessário incluir.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente gostaria de agradecer ao ser supremo, DEUS, que me concedeu o direito
de viver e compartilhar as experiências em busca de ser uma pessoa melhor.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Fernando César Lenzi, que por meio dos seus
ensinamentos e experiências trilhamos este caminho ao longo destes 4 anos, muitas discussões
produtivas sobre Empreendedorismo.
Ao meu co-orientador, Prof. Dr. Clemente Antônio Penalva Verdú, que com seus
conhecimentos na área de Sociologia me abriu um campo de conhecimento que quero aprender
muito, por sua generosidade e paciência.
À Universidade de Alicante por meio da sua equipe de colaboradores, e ao
Departamento de Sociologia II, por terem me acolhido de forma tão especial.
Ao meu companheiro de vida Marcio, por seu incentivo e apoio em cruzar o Atlântico
para que eu pudesse aprender mais, Te amo!
Aos meus filhos Tales e Sofia, que encararam estes 4 anos de aprendizagem comigo,
Amo vocês incondicionalmente!
Aos meus pais Alfredo e Neiva que sempre acreditarem em mim.
A minha sogra Miriam Machado, que também nos apoiou esta jornada.
À Univali e ao PPGA pelo apoio e estrutura oferecidos nesta jornada por meio da
Coordenação e Professores, em especial à “super” Lurdes, Caroline e Cristina pela dedicação.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio
financeiro por meio de bolsa PROSUP/CAPES.
À Universidade Federal de Sergipe e ao Departamento de Administração pelo apoio e
liberação para meus estudos, em especial ao meu colega Prof. Dr. Jefferson, supervisor local, e
aos meus colegas professores Adriano, Alcione, Ceiça, Débora, Eduardo, Iracema, Jenny, Maria
Elena, Napoleão, Pedro, Teresa, Vera, e também a Isabella e Rivaldo que sempre atenderam às
minhas solicitações.
À família Souza, Carlos, Tarcita, Pâmela e em especial ao Guilherme, que na sua
inocência sempre encontrava uma saída para os nossos problemas.
Aos meus colegas de jornada, Elaine e Leonardo, Caroline, Mariana, Giovana Pavei,
Priscila, Adriano, Giovanni, Alex, Marcelo de Luca e a todos que contribuíram para que eu
conseguisse chegar ao fim.
Aos professores Carlos Ricardo Rossetto, Flávio Ramos, Hilka Machado e Rivanda
Teixeira pelas contribuições e refinamento desta tese.
A Asociación APSA (Alicante/Espanha) e a Rede IVG (Florianópolis/Brasil) por terem
permitido a realização da pesquisa de campo e suas valiosas contribuições.
A Viviane, Fran, Kris, Carol e Gabrielle por terem me apoiado na conclusão do trabalho.
As “sobreviventes” Babi, Koko e Ondina, por terem me acompanhado, mesmo de longe,
mas sempre perto do coração, adoro vocês!
E a todos que contribuíram para que este sonho se realizasse, Obrigada!
RESUMO
Este trabalho foi desenvolvido na área de Empreendedorismo Social. Ele teve como objetivo
geral compreender o fenômeno do processo de criação de valor em empreendimentos sociais
em diferentes contextos. O estudo foi realizado no Brasil, região da Grande Florianópolis e na
Espanha, Província de Alicante, em associações do terceiro setor. A metodologia utilizada foi
do tipo exploratória, qualitativa, por meio das diferentes técnicas de análise orientadas para a
construção conceitual a partir de dados não estruturados, proveniente das técnicas de entrevista
em profundidade, entrevista em grupo, análise documental e observação não participante, que
permitiram trazer à tona uma teoria e que incluem ainda um conjunto de procedimentos
baseados na indução analítica, a Grounded Theory. A análise das informações qualitativas foi
realizada com base na análise do discurso e com apoio do software Atlas TI para definição das
categorias do modelo teórico. Na pesquisa realizada na Espanha foram entrevistados 19
sujeitos, que participam de forma direta ou indireta do empreendimento, e no Brasil 21 sujeitos,
num total de 40 entrevistados em ambos os contextos. As entrevistas tiveram duração entre 20
e 90 minutos. A partir dos resultados obtidos na pesquisa, pode-se perceber que os
empreendimentos em questão criaram valor social para os sujeitos participantes da pesquisa,
por meio de ações de inclusão, seja na Espanha nos espaços sociais, seja no Brasil pela
transformação social. O processo de criação de valor ficou caracterizado na Espanha, mediante
valores como autonomia, qualidade de vida, independência de pensamento, solidariedade,
diversidade, numa perspectiva altruísta, caracterizando-se como sociedade pós-materialista. No
Brasil, os valores destacados foram voltados para o empoderamento, identidade cultural,
oportunidade aliada a propósito de vida, reconhecimento pessoal associado ao status adquirido
com a nova condição social, independência financeira, numa perspectiva de conservação,
caracterizando-se como uma sociedade materialista. Conclui-se que o processo de criação de
valor social nos empreendimentos pesquisados nos dois países, ocorre também por intermédio
da promoção dos processos de inclusão nas organizações estudadas. No empreendimento
espanhol, o processo de criação de valor social se dá pela inclusão dos associados da Associação
APSA nos diversos espaços sociais, por meio de atividades como tratamentos médicos, reforço
escolar, preparação para o trabalho, atividades laborais e residência na terceira idade. No
empreendimento brasileiro, o processo de criação de valor social acontece através de
oferecimento de serviços educacionais em comunidades de periferia. O processo de criação de
valor social foi identificado em ambos os empreendimentos, contemplando os objetivos deste
estudo. Como contribuição teórica, foi desenvolvido um modelo teórico com base nos dois
empreendimentos, passível de replicação em outros empreendimentos sociais. Como limitação
do estudo, a pesquisa em Empreendedorismo Social ainda é muito centrada em definições,
papel do empreendedor e missão social, necessitando de sua ampliação e correlações com outras
áreas de estudo, visando sua consolidação.
Palavras-chave: Empreendedorismo Social. Criação de Valor Social. Processo de Inclusão.
Brasil. Espanha.
ABSTRACT
This work was developed in the area of Social Entrepreneurship. Its general objective was to
understand the phenomenon of the process of value creation in social ventures in different
contexts. The study was conducted in Florianopolis, Brazil and Alicante, Spain, in association
with the third sector. An exploratory, qualitative methodology was used, with different analysis
techniques focused on a conceptual construction from non-structured data gathered through in-
depth interviews, group interviews, documentary analysis, and non-participant observation.
These techniques enabled a theory to be raised, and also include a series of procedures based
on analytical induction; Grounded Theory. The analysis of qualitative information was
performed based on discourse analysis, with the support of the software Atlas TI, for the
definition of categories of the theoretical model. For the survey, which was conducted in Spain;
19 subjects were interviewed, who participated directly or indirectly in the venture, and in
Brazil, 21 subjects were interviewed in both contexts. The interviews lasted between 20 and 90
minutes. Based on the results of the survey, it was perceived that the ventures in question create
social value for the research subjects, through actions of inclusion, whether in Spain, in social
spaces, or in Brazil, through social transformation. The process of value creation was
characterized in Spain, though values such as autonomy, quality of life, independence of
thought, solidarity, diversity, and an altruistic outlook, characterizing it as a post-materialistic
society. In Brazil, the values highlighted were geared towards empowerment, cultural identity,
opportunity linked to the life purpose, personal recognition associated with the status acquired
with the new social condition, financial independence, and an outlook of conservation,
characterizing it as a materialistic society. It is concluded that the process of creation of social
value in the ventures surveyed, in the two countries, also occurs through the promotion of
processes of inclusion in the organizations studied. In the Spanish venture, the process of
creation of social value occurs through the inclusion of the members of the APSA association
in the various social spaces, through activities such as medical treatments, school tutorial, work
preparation, work activities, and a retirement home for the elderly. In the Brazilian venture, the
process of creation of social value occurs though offer of educational services in communities
on the outskirts of the city. The process of creation of social value was identified in both
ventures, contemplating the objectives of the study. As a limitation of this study, the survey on
social entrepreneurship is still heavily focused on definitions, the role of the entrepreneur, and
social mission, requiring further studies in correlation with other areas of study, for its
consolidation.
Keywords: Social Entrepreneurship. Creation of Social Value. Process of Inclusion. Brazil.
Spain.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Definições de Empreendedorismo Social. ............................................................... 35
Figura 2 - Empreendedorismo Social e seus agentes. .............................................................. 43
Figura 3 - Teoria de Valores de Schwartz. ............................................................................... 55
Figura 4 - Tipologia de Valores Materialistas e Pós-Materislistas de Inglehart. ..................... 59
Figura 5 - Perspectiva de valores nos Setores Privado, Público e Terceiro Setor. ................... 66
Figura 6 - Dimensões do valor social. ...................................................................................... 67
Figura 7 - Triangulação Metodológica da Pesquisa. ................................................................ 75
Figura 8 - Processo de pesquisa. ............................................................................................... 77
Figura 9 - Sujeitos da Pesquisa e seus pseudônimos. ............................................................... 79
Figura 10 - Atributos e Construtos de Análise. ........................................................................ 83
Figura 11 - A Análise Qualitativa como um Processo Circular. .............................................. 85
Figura 12 - Processo de Códigos-para-Teoria para Pesquisa Qualitativa. ............................... 89
Figura 13 - Desenho da Pesquisa. ............................................................................................. 90
Figura 14 - Etapas da Análise Qualitativa com Apoio do ATLAS TI. .................................... 96
Figura 15 - Etapas do Processo no Software Atlas TI. ............................................................. 98
Figura 16 - Intenção Empreendedora em APSA. ................................................................... 110
Figura 17 - APSA e as Etapas de Atendimento. ..................................................................... 113
Figura 18 - Processo de Inclusão pela Política Pública. ......................................................... 119
Figura 19 - Mapeamento dos Stakeholders da Associação APSA. ........................................ 123
Figura 20 - Evolução da Gestão dos recursos de APSA. ........................................................ 135
Figura 21 - Valores sob a ótica dos trabalhadores de APSA/CEE. ........................................ 151
Figura 22 - Rede de Valores da Associação APSA. ............................................................... 153
Figura 23 - Valores dos Sujeitos da Pesquisa em APSA. ....................................................... 154
Figura 24 - Quadro comparativo das diferentes percepciones de Valor, segundo os atores. . 156
Figura 25 - Criação de Valor sob a ótica dos Sujeitos. .......................................................... 158
Figura 26 - Mapa de Guiné Bissau. ........................................................................................ 166
Figura 27 - Intenção Empreendedora da Rede IVG. .............................................................. 171
Figura 28 - Rede IVG e as organizações sociais. ................................................................... 175
Figura 29 Processo de Gestão da Política Pública. ................................................................. 179
Figura 30 - Evolução da Gestão dos recursos da Rede IVG. ................................................. 191
Figura 31 - Mapeamento dos Stakeholders da Associação APSA. ........................................ 196
Figura 32 - O Processo de Inclusão sob a ótica dos beneficiários. ......................................... 212
Figura 33 - Rede de Valores da Rede IVG com apoio do software Atlas TI. ........................ 230
Figura 34 - Valores dos Sujeitos da Pesquisa na Rede IVG. .................................................. 231
Figura 35 - Comparativo das diferentes percepções de valor, segundo os sujeitos. .............. 233
Figura 36 - Criação de Valor sob a ótica dos Sujeitos. .......................................................... 235
Figura 37 - Modelo teórico do Processo de Criação de Valor................................................ 259
Figura 38 - Valores representados no Modelo Teórico do Processo de Criação de Valor
Social, sob a ótica dos sujeitos da pesquisa.. .......................................................................... 270
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 15
1.1 JUSTIFICATIVA E LACUNAS DE PESQUISA ............................................................. 15
1.2 PROBLEMA DE PESQUISA ............................................................................................ 21
1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA ............................................................................................ 27
1.4 INEDITISMO ..................................................................................................................... 27
1.5 CONTRIBUIÇÕES DA TESE ........................................................................................... 29
1.6 ESTRUTURA DA TESE ................................................................................................... 30
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...................................................................................... 32
2.1 EMPREENDEDORISMO SOCIAL (ES) - ALGUMAS DEFINIÇÕES .......................... 32
2.1.1 Conceitos de ES .............................................................................................................. 32
2.1.2 Intenção Empreendedora Social .................................................................................. 36
2.1.3 Fatores Internos ............................................................................................................. 38
2.1.4 Fatores Externos ............................................................................................................ 42
2.2 CRIAÇÃO DE VALOR ..................................................................................................... 52
2.2.1 Criação de Valor Social ................................................................................................. 60
3 ESCOLHAS METODOLÓGICAS .................................................................................... 71
3.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO ................................................................................ 71
3.1.1 Técnicas de Coletas dos Dados e Evidências ............................................................... 72
3.2 SUJEITOS DA PESQUISA ............................................................................................... 77
3.3 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES QUALITATIVAS ...................................................... 84
3.3.1 Métodos de Análise Qualitativa ................................................................................... 84
3.3.2 Goundred Theory ............................................................................................................ 86
3.3.3 A Análise do Discurso ................................................................................................... 91
3.3.4 Procedimentos de Análise Qualitativo das Informações com ATLAS TI ................ 94
3.4 TERMOS ÉTICOS DA PESQUISA EMPIRICA .............................................................. 99
4 ANÁLISE QUALITATIVA DOS DADOS E EVIDENCIAS – CASO ASOCIACIÓN
APSA ...................................................................................................................................... 100
4.1 ESPANHA ........................................................................................................................ 100
4.1.1 Comunidade Valenciana ............................................................................................. 102
4.1.2 APSA – Associação Pro-Descapacitados Psíquico de Alicante ................................ 103
4.2 ANÁLISE QUALITATIVA DE DADOS E EVIDÊNCIAS ........................................... 106
4.2.1 Trajetória do Empreendimento Social ...................................................................... 106
4.2.2 O Processo de Inclusão ................................................................................................ 135
4.3 CRIAÇÃO DE VALOR SOCIAL EM APSA ................................................................. 143
4.3.1 Valores sob a ótica dos Gestores de APSA ................................................................ 144
4.3.2 Valores sob a ótica dos Técnicos de APSA ................................................................ 145
4.3.3 Valores sob a ótica dos Gestores Parceiros ............................................................... 147
4.3.4 Valores sob a ótica da Família .................................................................................... 149
4.3.5 Valores sob a ótica dos Trabalhadores com Discapacidade .................................... 149
5 ANÁLISE QUALITATIVA DOS DADOS E EVIDÊNCIAS – CASO IVG ................ 159
5.1 BRASIL ............................................................................................................................ 159
5.2 ESTADO DE SANTA CATARINA ................................................................................ 162
5.3 REDE IVG – INSTITUTO PADRE VILSON GROH ..................................................... 163
5.4 TRAJETÓRIA DO EMPREENDIMENTO SOCIAL ...................................................... 166
5.4.1 O Processo de Inclusão ................................................................................................ 201
5.5 CRIAÇÃO DE VALOR DA REDE IVG ......................................................................... 217
5.5.1 Valores sob a ótica dos Gestores ................................................................................ 218
5.5.2 Valores sob a ótica dos colaboradores ....................................................................... 220
5.5.3 Valores sob a ótica dos Parceiros ............................................................................... 222
5.5.4 Valores sob a ótica dos beneficiários ......................................................................... 223
5.5.5 Valores sob a ótica da Família e Comunidade .......................................................... 225
5.5.6 Valores sob a ótica dos Voluntários ........................................................................... 226
5.5.7 Valores sob a ótica dos Gestores Públicos ................................................................. 227
6 MODELO TEÓRICO DE CRIAÇÃO DE VALOR ...................................................... 236
6.1 APRESENTAÇÃO DO MODELO .................................................................................. 236
6.1.1 1ª Etapa - Intenção Empreendedora Social (IES) .................................................... 236
6.1.2 2ª Etapa - Fatores Internos dos Empreendimentos .................................................. 239
6.1.3 3º Etapa - Fatores Externos aos Empreendimentos ................................................ 246
6.1.4 4º Etapa - Processo de Inclusão .................................................................................. 254
6.1.5 5ª Etapa - Criação de Valor Social (CVS) ................................................................ 256
6.2 DISCUSSÃO DE RESULTADOS ................................................................................... 260
7 CONCLUSÕES .................................................................................................................. 262
7.1 ANÁLISE DOS OBJETIVOS DE PESQUISA ............................................................... 262
7.1.1 Objetivo 1 - Analisar as trajetórias dos empreendimentos sociais sobre a criação de
valor em empreendedorismo social ..................................................................................... 262
7.1.2 Objetivo 2 - Estabelecer as configurações por meio das dimensões de valor,
vinculadas entre a criação de valor e os empreendimentos sociais estudados ................ 263
7.1.3 Objetivo 3 - Associar a trajetória do empreendimento social à criação de valor, a
partir da mesma .................................................................................................................... 264
7.1.4 Objetivo 4 - Definir os valores pessoais, sob a ótica dos sujeitos, a partir da trajetória
do empreendimento social, tendo como base a Teoria de Valores de Schwartz e a Teoria
de Valores Culturais de Inglehart ....................................................................................... 265
7.1.5 Objetivo 5 - Apresentar um modelo teórico de criação de valor em
Empreendedorismo Social ................................................................................................... 267
7.2 ANÁLISE DO OBJETIVO GERAL DE PESQUISA ..................................................... 271
7.3 CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS .............................................................. 272
7.4 SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS .............................................................. 273
7.5 LIMITAÇÃO DO ESTUDO ............................................................................................ 274
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 276
APÊNDICES ......................................................................................................................... 300
ANEXOS ............................................................................................................................... 306
15
1 INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea é caracterizada por situações de difíceis soluções para os
problemas econômicos e sociais, tanto para os governos como para as sociedades, seja pela
incapacidade na sua resolução, pela falta de adequação das instituições governamentais, ou
ainda pela falta de recursos (Parente, Costa, Santos, & Chaves, 2011). A pobreza e a
desigualdade continuam a ser dificuldades enfrentadas pelos países em desenvolvimento
(Desai, 2014). Entretanto há fatores que contribuem para a resolução destes problemas,
principalmente em âmbito local, como por exemplo, formas de trocar e interagir entre as
pessoas, bem como a ação de empreendedores com a intenção de simplesmente ajudar os outros
(Kostetska & Berezyak, 2014; Pless, 2012).
O Empreendedorismo Social (ES) tem despertado crescente interesse na academia,
apesar de não ser um fenômeno novo (Chell, 2007), sabe-se relativamente pouco sobre as
dinâmicas e processos importantes para o avanço social e econômico por ele proporcionado nas
comunidades locais (Martin & Osberg, 2007). Ele emerge num contexto de crise e desafios
sociais, econômicos e ambientais nas sociedades contemporâneas (Parente et al., 2011), e pode
ser um mecanismo de trocas sociais para o desenvolvimento econômico sustentável (Kostetska
& Berezyak, 2014), ou ainda responsável pela inovação na resolução de problemas sociais
(Omorede, 2014; Parente et al., 2011).
No atual contexto, o ES não atua somente na conscientização das pessoas, mas visa
também o desenvolvimento e validação de soluções sustentáveis para problemas de expressão
local, mas com impacto global, por meio da exploração de oportunidades de criação de valor
que foram negligenciados por atores institucionais, e que a sua solução contribui para sua
multiplicação em outros ambientes com problemas semelhantes (Santos, 2012).
Sendo assim, pretende-se apresentar as justificativas, lacunas, problemática, objetivos
que norteiam o tema Empreendedorismo Social e Criação de Valor, bem como a trajetória dos
empreendedimentos em diferentes contextos.
1.1 JUSTIFICATIVA E LACUNAS DE PESQUISA
O ES tornou-se um fenômeno de âmbito global que impacta as sociedades por empregar
abordagens inovadoras na resolução de problemas sociais com a criação de valor, provenientes
tanto do setor privado quanto do setor sem fins lucrativos (Austin, Stevenson, & Wei-Skillern,
16
2006). Ele combina um leque diversificado de ideais que tentam descrevê-lo, mas devido ao
seu caráter flexível falta clareza em relação ao conceito (Nicholls, 2006), mas ainda é um
conceito em construção (Silva, 2009). Seelos e Mair (2005) argumentam que todo
empreendedorismo é por natureza social, ou seja, os efeitos da atividade empreendedora se
fazem sentir na geração de riqueza e no aumento da qualidade de vida das populações.
Entretanto, para diferenciar o conceito geral empreendedorismo daquele que denominamos
“empreendedorismo social”, os autores propõem como definição deste último “a criação de
novos modelos para a provisão de produtos e serviços que atendam às necessidades humanas
básicas, as quais não estejam sendo satisfeitas pelas instituições econômicas e sociais” (Leal,
Freitas, & Coelho, 2014, p. 244), isto é, no ES a finalidade social se sobrepõe à finalidade
econômica, ou ainda conforme Pinto, Brunstein, Martins, Desidério e Cardoso Sobrinho (2016)
que no que se refere ao empreendedor social, possui característica semelhante aos outros tipos
de empreendedores, sendo a principal diferença o foco no social e suas motivações.
Na academia, o ES evolui e amadureceu sendo beneficiado ao longo dos anos pelo
desenvolvimento de teorias e propostas metodológicas neste campo emergente de pesquisa,
permitindo que os pesquisadores pudessem compreender os processos desta área, bem como
promover avanços neste campo de estudo, sendo considerado uma tendência emergente na área
de gestão por combinar inovação, criatividade, oportunidade no enfrentamento de problemas
sociais em ambientes cruciais e críticos (Leal et al., 2014; Thakur, 2017)
Neste sentido, o ES desempenha um papel importante na comunidade no
desenvolvimento de economias emergentes em ambientes institucionais com altos níveis de
incerteza, riscos, sistemas limitados ou bem-estar inexistente, desemprego elevado e sistemas
sociais hierárquicos baseadas no gênero, fatores econômicos ou status social, estimulando os
empreendedores a iniciar mudanças sociais e melhorias na própria comunidade (Yiu et al.,
2014), tornando-se uma importante vertente de renovação da intervenção social ao gerar valor
social combinado com o valor econômico, na geração de trabalho e renda e novas maneiras de
construção de redes mais profissionalizadas e fortes com o intuito de contribuição social (Austin
et al., 2006; Boschee, 2001; Mair & Marti, 2006). Sánchez e Mancheño (2017) reconhecem
que a ideia de cooperação e o nascimento de empresas sociais contribuem para que o
capitalismo tenha um rosto mais humano, tornando uma sociedade com mais igualdade e justiça
social.
Seu surgimento está estreitamente alinhado às mudanças das percepções sobre o papel
e a função dos mercados em que, especialmente no final do século XX, passou a ser visto como
17
um mecanismo importante para apoiar a atividade econômica nas áreas consideradas não
rentáveis pelo setor privado e negligenciado pelo Estado (Bacq & Janssen, 2011).
Sundaramurthy, Musteen e Randel (2013), o ES emerge como um campo importante de estudo
nas disciplinas empresariais, tornando-se importante nas economias emergentes, entretanto há
pouca pesquisa sistematizada neste contexto, com distintos tipos de ES. Em mercados mais
consolidados como o europeu, a economia social teve seu foco renovado, como forma de
resolver problemas de mercado, nos Estados e nas comunidades, com o foco principal do
empreendedor social na busca de ideias inovadoras soluções para os problemas que emergem
naquela região (Baggenstoss & Donadone, 2013).
Chaves Ávila et al. (2013), afirmam que o terceiro setor ao longo dos anos vem se
constituindo como uma importante realidade social e econômica, mas que nem sempre é
reconhecida, pois suas atividades são cotidianas e silenciosas, fazendo com que as condições
de vida de muitas pessoas nas diversas partes do mundo estão em processo de melhoria bem
como criando riqueza de forma solidária. Casaqui (2013), ressalta ainda que o empreendedor
combina competências como a performance e a eficácia na gestão dos empreendimentos,
fazendo com que, apesar de não visar o lucro, é possível promover o bem-estar, a inclusão e
amenizar as disparidades sociais. Teixeira e Oliveira (2016) argumentam que o ES contribui
para o atendimento de necessidades em locais que as organizações sociais consigam identificar
os sujeitos, e que além do suporte financeiro dos empreendimentos, é possível a resolução de
problemas em conjunto com a comunidade, tendo a possibilidade ser um instrumento social e
gerencial para a mudança, além de estabelecer um objetivo comum por meio da transformação
social. Ainda neste sentido, o ES contribui para um movimento em que as sociedades podem
se renovar por meio de mudança de mentalidade, que os problemas por mais difíceis que sejam
as soluções, passa-se a acreditar que podem ser resolvidos (Ferri, 2011). Baggenstoss e
Donadone (2013), ainda salientam que a valorização que o ES tem atualmente na sociedade,
demonstra a valorização e a oportunidade, além do uso de recursos geralmente escassos,
fazendo com que as trocas e inovações operadas nestes ambientes contribuam para as mudanças
requeridas neste novo milênio.
No que se refere aos processos de criação de valor, o ES consegue por meio da
combinação de recursos atender aos objetivos a que se propõe, mesmo que seja por novos
caminhos, pois destinam-se principalmente à exploração e aproveitamento de oportunidades
para criar valor social, estimulando a mudança social ou satisfação das necessidades sociais
(Dess, 2007; Mair & Marti, 2006; Parente et al., 2011). Outro fator relevante na criação de valor
18
é no que diz respeito ao processo, que envolve a oferta de novos serviços ou produtos, mas que
pode se referir à criação de novas organizações por meio da identificação de necessidades (Mair
& Marti, 2006). Por ter características que atendam à inovação social, ES é considerado
relevante, pois “envolve a aplicação de uma nova tecnologia ou abordagem com vistas à criação
de valor social” (Certo & Miller, 2008, p. 268), e tem a possibilidade de criar novos modelos
de negócios, novas estruturas organizacionais e estratégias que mediam a relação entre recursos
limitados e díspares e a criação de valor social (Matitz & Schlemm, 2012; Seelos & Mair, 2005).
Há que se destacar, que o termo criação de valor apresenta uma série de desafios, o primeiro
deles é no que se refere a definição do termo, a seguir refere-se ao conteúdo e aos processos de
criação de valor, o seu real entendimento e a complexidade da expressão para os envolvidos
nestes processos. Embora a definição do termo é comum entre os diferentes níveis de análise,
o processo de criação de valor difere com base se o valor é criado por um indivíduo, uma
organização ou sociedade (Lepak et al., 2007).
A temática a respeito de criação de valor social tem recebido mais atenção da academia
por conta da sua relevância, bem como nos espaços instituições onde são formuladas as políticas
e estratégias públicas tem recebido maior atenção na tentativa de enfrentar os problemas sociais,
econômicos e ambientais (Giehl, 2014). E na busca de integrar a princípio termos antagônicos,
social versus econômico, ainda há uma preocupação em sua determinação, importância e
participação nos empreendimentos sociais (Bacq & Janssen, 2011; Mair & Martí, 2006).
Sánchez e Mancheño (2017) afirmam que a geração de valor econômico e social, distribuído
de forma equilibrada e justa entre as pessoas contribui para um contexto de mudanças,
satisfação de necessidades emergentes, bem como a geração de riqueza para as pessoas afetadas
diretamente ou indiretamente pelos empreendimentos sociais, fazendo com que a cooperação
auxilie no atendimento dos interesses das sociedades democráticas.
Por fim, a justificativa em fazer a pesquisa em diferentes contextos é no que diz respeito
que a rede que promove estudos dos movimentos econômicos e sociais na América Latina, é a
Rede de Investigadores Latino-Americanos de Economia Social e Solidária (RILESS). A
RILESS utiliza o termo relacionado à economia solidária, chamando-o de a ‘outra economia’,
um conceito que aparece de maneira mais forte e persistente, ligado a economia solidária e
equivale ao de economia social, mais utilizado e assemelhado à escola europeia de ES pelas
semelhanças como: as raízes associativas, princípios do cooperativismo, natureza econômica,
gestão compartilhada entre os membros, e por sua natureza solidária (Chavez & Monzón, 2007;
Singer, 2008). As semelhanças com o movimento europeu, incluso a Espanha, se caracterizam
19
também por movimentos de resistência de trabalhadores e de organizações sindicais, sistema
de comércio justo, principalmente a partir da crise econômica da década de 1990, movimentos
dos sem-terra no Brasil, e da implantação do orçamento participativo em prefeituras brasileiras,
práticas inovadoras de garantia de sobrevivência por meio de atividades econômicas, e ainda a
influência de movimentos ligados à Igreja Católica no desenvolvimento de atividades
econômicas de base comunitária, na década de 1970, chamado de Teologia da Libertação
(Amaro, 2009, p. 18). Mendiguren e Etxezarreta (2015), afirmam ainda que tanto na Europa
como na América Latina, possuem agentes que contribuem para o desenvolvimento das
atividades dos empreendimentos, os objetivos são comuns entre os empreendimentos e seus
participantes, e ainda há uma agenda política compartilhada entre os agentes institucionais,
empreendimentos e parceiros, que depende de cada contexto e dos desenvolvimentos políticos
de cada região. Além do que, há os objetivos corporativos, focados na obtenção de
reconhecimento público através de diferentes medidas sejam elas, legais ou fiscais, e que
contribuem em relação a outras realidades socioempresariais. Nesta perspectiva, os autores
ainda destacam que é possível a transformação social por meio de um modelo socioeconômico
alternativo, ao invés de modelos fechados, envolvendo os cidadãos em ambos os contextos, em
processo democrático, participativo e inclusivo.
Quanto a lacuna teórica de pesquisa, Dess (1998) argumenta que a oportunidade advinda
do ES significa criar valor e os empreendedores sociais por meio dela criam valor para os
empreendimentos e para a comunidade. Austin et al. (2006) afirmam que o ES é criador de
valor social, que pode ocorrer nos diversos âmbitos da economia e necessário que perdure ao
longo do tempo, tornando-o sustentável para a comunidade (Weerawardena et al., 2009). O ES
emerge como campo de estudo devido à “dificuldade do Estado em atender as numerosas e
variadas demandas da sociedade” (Teixeira et al., 2010, p. 39). Outro ponto é a falta de um
paradigma unificador no campo do ES que levou à proliferação de definições de
"empreendedorismo social", "empreendedor social" ou "organização social” e que têm sido
usadas indistintamente para expressar uma mesma ideia (Bacq & Janssen, 2011).
Para o estudo da trajetória do empreendimento social em diferentes contextos, utilizou-
se como norteador o modelo proposto por Lumpkin et al. (2013), entretanto o mesmo foi
desconstruído e formado um novo modelo com base na pesquisa de campo, mantendo-se a ideia
de processo de ES. O diferencial ora proposto é no que tange aos fatores que influenciam as
etapas propostas para o modelo teórico deste trabalho, mas por fim, chegando ao mesmo
resultado nos casos estudados, que é a criação de valor social (Lumpkin et al., 2013). Numa
20
analogia entre Empreendedorismo comercial e o Social, os elementos que compõem o meio
ambiente ou até o meio de convivência do empreendedor, contribuindo para novas
interpretações no ES, fazendo com que ele possa ser desenvolvido em outras áreas que tenham
as necessidades ou negócios a serem oferecidos (Borges, Mondo, & Machado, 2016).
Medeiros, Machado, Pereira, Costa e Gomez (2017) afirmam que há poucas pesquisas sobre
empreendedorismo social.
Martínez Nicolás e Bañón Rubio (2012) sugerem estudos em ES em países com nível
de desenvolvimento econômico e sociais diferentes, como o estudo já realizado por elas entre
a Espanha e países da América Latina, incluindo o Brasil. Chell, Spence, Perrini e Harris (2016)
afirmam que há necessidade de pesquisas na Ásia, África e América do Sul, com o objetivo de
dar uma ampliada no tema empreendedorismo social, buscando outros locais e com situações
de ES incorporadas localmente.
Sundaramurthy et al. (2013) sugerem que estudos sejam realizados por meio da
Grounded Theory, com o objetivo de verificar os objetivos de criação de valor combinados,
social e econômico, além de fazer comparativos entre período de tempo e procurar identificar
semelhanças e diferenças em ES em diferentes países e Chell et al. (2016) corroboram que os
estudos metodológicos na área devem ser ampliados. Yang, Meyskens, Zheng e Hu (2015)
destacam que devem ser desenvolvidos trabalhos empíricos acerca da intenção empreendedora
social nos empreendimentos sociais, por meio também de estudos entre países acerca do tema
ES, verificando as diferentes intenções em diferentes contextos culturais.
Casaqui (2013) destaca como lacuna que a visibilidade para as trajetórias dos
participantes dos empreendimentos como forma de contribuir para a construção da causa social,
numa perspectiva de passado, presente e futuro, buscando compreender os mundos possíveis e
sonhados por eles e pelos participantes dos empreendimentos sociais, por meio de um
diagnóstico do contexto em que estão inseridos, numa perspectiva de projeção futura dos seus
desejos e ideais. O autor ainda destaca que esta atribuição e sentido ao empreendimento social
é essencialmente discursiva, pois visa estabelecer conexão entre o processo comunicativo, o
trabalho e a subjetividade inerente ao discurso dos sujeitos na perspectiva de transformação
social. O autor ainda destaca que a posição discursiva do ES provoca um tensionamento, que
corresponde a ideologia do ES, a partir das falas, visão de mundo dos sujeitos, missão e valores
dos empreendimentos, fazendo com que a lógica permaneça por meio da produção do valor
econômico, tabu ainda neste campo de estudo (Casaqui, 2014).
21
Bernardino (2013) sugere ainda que se pesquise sobre os antecedentes do
empreendimento social, para que se possa compreender as intenções e as escolhas do
comportamento do empreendedor social. Omerode (2014) recomenda estudos em
empreendimentos que tenham mais de cinco anos de existência, pois eles podem ser jovens,
mas já não estão em fase inicial, e estudos em empreendimentos mais consolidados podem
contribuir na medida em que podem produzir insights sobre o porquê de os empreendedores
sociais continuarem suas iniciativas, apesar das dificuldades na criação de mudança social.
Outra lacuna sugerida por Yitshaki e Kropp (2016), é no que diz respeito aos valores
individuais gerados bem como as motivações, a partir da participação dos sujeitos nos
empreendimentos sociais, pois eles podem contribuir para compreender os princípios
norteadores da vida, bem como suas ações tendem a serem consistentes com estes valores. Akar
e Doğan (2018) também sugerem estudos sobre valores pessoais como papel decisivo nas
atividades de empreendedorismo social. Ferrer, Baptista e Rocha (2014), ainda sugere estudos
referente a influência das mudanças socioeconômicas e sua influência sobre a sociedade no que
tange a valores pós- materialistas.
Quanto a Criação de valor, Choi e Majumdar (2014) afirmam que apesar de o objetivo
principal do ES é a criação de valor social, há necessidade de diferenciar as dimensões de valor
e a sua interação para explicar o fenômeno. Aslund e Backstrom (2015) sugerem que mais
estudos devem ser feitos sobre o tema. Hlady-Rispal e Servantie (2018) sugerem estudos sobre
criação de valor sob a ótica dos beneficiários do empreendedorismo social, pois em seu
levantamento nenhum estudo considerou sob este prisma. Consideram ainda que a criação de
valor é diferente de pessoas com discapacidade, jovens sem-teto ou os que vivem em situação
de risco.
A seguir são apresentados os problemas relacionados aos campos de estudos da presente
tese.
1.2 PROBLEMA DE PESQUISA
Apesar das atividades crescentes em Empreendedorismo Social, muitos pesquisadores
não têm dedicado atenção para a compreensão de como empreendedores sociais selecionam
suas causas sociais, sejam pelas: mudanças demográficas, liberalização das economias
nacionais ou os mercados de atendimento. Os avanços tecnológicos têm combinado para
aumentar as chamadas para a consciência mais social nas organizações, proporcionando o
22
impulso para a formação de empreendimentos sociais (Zahra, Rawhouser, Bhawe, Neubam, &
Hayton, 2008). Com recursos geralmente concentrados em países desenvolvidos, problemas
sociais e econômicos engessam o desenvolvimento das nações, (Zahra, Ireland, Guiterrez, &
Hitt, 2000), em muitas comunidades, a disponibilidade de um bem de capital não utilizado,
como por exemplo, um edifício ou maquinas ociosas, podem ser o ponto de partida para a a
criação de um empreendimento social. Shin (2016) afirma que, a partir das sucessivas crises
econômicas por volta de 1970, principalmente na America Latina, pelo endividamento crônicos
do setor público que se justificava pela possibilidade de desenvolvimento econômico, e que
hoje este período ficou conhecido como a década perdida(Balanco, Costa Pinto & Milani,
2003), fez com que ao longo dos anos os Estados tenham efetuado cortes nas despesas públicas,
transferindo muito de suas obrigações para os mercados. Por outro lado, a crise no walfare state
em países desenvolvidos começou a entrar em crise a partir do deseinvestimento em áreas
básicas como saúde e educação, provocando a retração em programas de alivio à pobreza
(Kerstenetzky, 2012) Isto tem levado as populações à pobreza, desemprego, subempregos e
aumentando o fosso da desigualdade social, principalmente nos países considerados com estado
de bem-estar implantado, ou ainda em países em desenvolvimento, onde a situação se agrava
mais fortemente. Se por um lado, os Estados melhores estruturados, que tinham a capacidade
de prestar serviços às suas comunidades já não possuem mais tantos recursos, hoje eles estão
em crise, pois possuem inúmeros problemas sociais sem soluções claras. Neste contexto, o ES
pode compartilhar e envolver os múltiplos círculos para criar a mudança que afeta as relações
de poder, interesses econômicos, redes pessoais e até a autoimagem do empreendedor social
(Silva, Moura, & Junqueira, 2015).
Nessas sucessivas crises econômicas, os estados mais fortes que anteriormente tinham
capacidade para a prestação de serviços de assistência social foram despojados de seus recursos,
o Estado de bem-estar está em crise, assediado por inúmeros problemas sociais sem soluções
claras (Shin, 2016). Corroborando com o autor, Mota e Nassif (2016, p. 9) afirmam que cada
vez mais os governos estão se mostrando incapazes de promover o bem-estar social em todos
os campos, “muitas vezes se mostram ineficazes, sem criatividade para superar obstáculos,
como a carência de recursos financeiros, humanos e físicos”, necessitando que outros setores
da economia contribuam, como o terceiro setor. Monzón e Chaves (2008) afirmam que, o
reconhecimento do terceiro setor europeu precisa ser esclarecido, seu tamanho e suas definições
para a União Europeia. Chaves Ávila, Monzón Campos, Pérez de Uralde e Radrigán (2013),
afirma que o enfoque europeu, derivado da rede EMES (Emes European Research Network),
23
que consideram que as empresas sociais são um resultado do empreendimento coletivo dentro
da economia social, e que possuem três indicadores, a saber: relacionado com a estrutura
econômica, social e o governo). Por sua vez a União Europeia define que as empresas sociais
são consideradas um subgrupo da economia social dentro do bloco econômico. Os autores ainda
afirmam que as organizações sociais tanto no Brasil como na União Europeia, especificamente
na Espanha, possuem aspectos distintos quanto ao reconhecimento pelos agentes públicos,
mundo acadêmico e científico, e pelo próprio setor da economia social em cada país. Este setor
da economia por ser definido como sendo composto por organizações que são constituídas sem
o objetivo de lucro, por meio de criadores, de modo duradouro e com interesse geral
(Constituição Espanhola, 1978; Lei da Fundações de 2002). Um segundo aspecto relevante é
no que se refere ao grau de conhecimento e notoriedade do setor nos países estudados. E o
terceiro aspecto descrito pelos autores, é no que se refere a número de trabalhadores
empregados na economia social em relação à população da Espanha e do Brasil.
No que se refere ao reconhecimento pelas instituições da Espanha, os autores afirmam
que há um nível elevado de reconhecimentos pelas autoridades públicas, pelas empresas de
economia social e também pelo mundo acadêmico. No Brasil, Chaves Ávila et al. (2013),
relatam que o reconhecimento pelas autoridades públicas, em relação ao conceito é quase nulo,
e também pelas organizações do próprio setor da economia social, já o mundo acadêmico
científico tem um conhecimento moderado pelo setor, necessitando de uma melhor integração
entre a academia e este setor. Sobre a aceitação nacional de outros conceitos reconhecidos e
relacionados à economia social, na Espanha possui um grau escasso ou nulo sobre este conceito,
e no que se refere ao conceito de terceiro setor, possui um grau moderado de reconhecimento.
No Brasil, os conceitos como cooperativas, organizações não governamentais/associações e
terceiro setor têm um reconhecimento institucionalizado a respeito destas definições. Já no que
se refere ao conceito de empresas sociais no sentido de associações, tem um grau de
reconhecimento escasso ou nulo a respeito deste conceito no país (Chaves Ávila et al., 2013).
Quanto ao reconhecimento institucional por meio de leis ou projetos de lei que visam
amparar este setor, a Espanha possui uma legislação do setor de Economia Social aprovada a
partir do ano de 2011, lei n. 5/2011, de Economia Social. No Brasil, esta lei foi aprovada em
2015, chamada Marco Regulatório do Terceiro Setor. Quanto à composição do setor por tipo
de empreendimento na Espanha, o 3º setor é composto por 646.397 cooperativas, 8.700
mutualidades, 588.056 associações, representando ao todo, 1.243.153 empresas sociais
(Monzón & Chaves, 2012). Quanto aos números latino-americano e brasileiro, os autores
24
afirmam que devido à disponibilidade e confiabilidade das informações serem menores, os
dados são estimados, não representando com exatidão as informações que são disponibilizadas,
sendo que aproximadamente 52 milhões de pessoas trabalham neste setor da economia na
América Latina. E no Brasil ainda não possui a taxa de participação das sociedades na economia
social, o que representa um potencial desconhecimento sobre o setor (Chavez Ávila et al.,
2013). No que se refere aos empregos remunerados neste setor da economia em comparação
com a União Europeia, a Espanha possui em torno de 1.243.150 trabalhadores neste setor,
representando 6,74% dos trabalhadores daquele país (Monzón & Chaves, (2012). Já no Brasil,
apresenta em torno de 251.000 trabalhadores de cooperativas, 7.690.000 de sócios de
cooperativas, 1.681.496 sócios em outros empreendimentos de economia social, representando
em torno de 9.371.496 de trabalhadores neste setor da economia (Radrigán, 2012). No Brasil,
especificamente, os empregos na economia social giram em torno de 1.792.290 trabalhadores,
9.371.496 sócios em organizações sociais, representando em torno de 1,8% dos empregos em
economia social, e ainda 4% dos sócios em economia social, num total de população empregada
(Radrigán, 2012). Com base nos estudos, Chaves et al. (2013) afirmam que ainda há disparidade
em relação aos conceitos relativos à economia social, bem como seu reconhecimento jurídico,
e as estatísticas necessitam ser mais confiáveis para ter uma representação mais exata deste
setor para a economia destes países, havendo disparidades na representatividade do setor, em
relação à Espanha, e na América latina, estudos com dados referentes ao Brasil.
Hosu (2012) relata ainda que a economia social carece de uma falta de cooperação entre
os setores da economia, o que resulta muitas vezes no aprofundamento de problemas em uma
determinada comunidade, área ou região de um país, necessitando de uma cooperação maior e
complementariedade de ação para os problemas que emergem nestes contextos. Afirma que o
estabelecimento de parcerias neste setor contribui para que grupos vulneráveis enfrentem a
ameaça de exclusão social e econômica de forma a serem resgatados desta situação. Andrade,
Costa e Faller (2016) informam que fatores contribuíram para a crise de empregos no Brasil a
partir da adoção de medidas neoliberais nos anos de 1990, no governo Collor, provocou a
estagnação econômica, tendo como consequência direta a elevação do desemprego, postos de
trabalho em condições precárias, atividades de subsistência por meio de subempregos e
aumento de atividades ilegais como o narcotráfico, pirataria, prostituição, jogos ilegais entre
outras atividades ilícitas. Este quadro levou o país a um distanciamento da tendência mundial
de crescimento, para um ciclo com elevação no desemprego e queda do nível de renda,
provocando recessão da economia interna do país (Pochmann, 2004).
25
Harvey (2011) corrobora quando as crises financeiras se tornaram cada vez mais
frequentes e profundas, ocasionando paulatinamente a exclusão de direitos sociais. Neste
sentido, as sociedades contemporâneas estão cada vez mais focadas na concentração de renda,
excluindo as pessoas (Dantas, 2012). Piketty (2014), afirma que estas crises promovem efeito
direto sobre a distribuição de renda, causando desigualdades estruturais, necessitando de
princípios que promovam a justiça social para diminuição das desigualdades e promovem o
desenvolvimento dos países.
No Brasil, segundo Costa (2016), em torno de 5% da população mais rica, concentra
28% da renda e riqueza total do país, levando a sociedade brasileira cada vez mais a aprofundar
a desigualdade social. Um dos problemas da América Latina, inclusive do Brasil é no que se
refere à desigualdade social, urbanização não planejada, falha na política contra o narcotráfico,
impunidade, disponibilidade de armas e a cultura machista, estes são fatores enumerados por
especialistas para que a região seja líder mundial de homicídios. Em relatório das Organizações
das Nações Unidades, e de acordo com o especialista em segurança e desenvolvimento, Robert
Muggah, “o homicídio na América Latina não é monocausal [...] alguns fatores se destacam
[…] a América Latina tem altas taxas de desigualdade, as cidades são extremamente desiguais,
e há forte associação entre desigualdade e violência” (ONU, 2018). Ainda de acordo com o
mapa da violência referente ao ano de 2016, o Brasil teve 42,2 mil homicídios por arma de fogo
em 2014, uma alta de quase 600% frente a 1980. Mesmo considerando o avanço populacional
no período, que segundo o relatório foi de 65%, trata-se de um aumento alarmante (Waiselfs,
2015).
Na Espanha, o problema foi a crise econômica que teve seu ápice no ano de 2008, e com
desdobramentos nos anos seguintes, fazendo com que a taxa de desemprego do país em 2013
alcançou-se uma taxa em torno de 26% da população espanhola ativa (INE, 2017; Pinto, 2015).
Para agravar a situação, aquele país alterou sua lei trabalhista em 2012, causando forte impacto
negativo sobre os postos de trabalho, provocando uma redução em torno de 180% de
trabalhadores desempregados do ano de 2012 em relação a 2009. A reforma trabalhista de 2012
teve forte impacto negativo sobre o emprego, aumentando a destruição de postos de trabalho
(Lago Peñas, 2013; Merino Segovia, 2014), promovendo assim o agravamento da crise,
diminuindo o estado de bem-estar, sendo que garantias e obrigações políticas e sociais dos
espanhóis foram afetadas. Há de se ressaltar que, muitas vezes a União Europeia, como bloco
integrador dos países europeus, a pobreza é vista mais como uma questão de desigualdade e
falta de integração, fazendo com que na formulação de políticas públicas ignoram a
26
contribuição que o indivíduo possa dar no sentido de ter consciência social e fazer esforços para
aliviar sua pobreza (Harkiolakis, Prinia, & Mourad, 2012).
Neste sentido, Mota e Nassif (2016), afirmam que o governo tem sido incapaz de
contribuir ou promover as questões sociais nos campos requeridos pela sociedade, por sua vez,
as organizações sociais têm contribuído para auxiliá-lo nesta missão, promovendo a melhoria
das condições de vida de populações de periferia, ou sua inclusão nos espaços sociais, apesar
da carência dos mais diversos recursos que são necessários para a sua realização. Casaqui e
Sinato (2015), ainda afirmam que o ES torna-se emergente numa sociedade em que o processo
de globalização econômica e o enfraquecimento dos Estados façam com que percam a
capacidade de organizar, gerenciar e enfrentar os desafios inerentes a este novo contexto
mundial. Casaqui (2014) argumenta que o Brasil conta com uma dificuldade adicional no que
se refere às organizações sociais que se dá por conta de seu tamanho continental. Já na Espanha,
o problema se dá pelo marasmo institucional, que contribui para a confusão, ineficácia e
ineficiência em relação à distribuição dos recursos, principalmente pelos governos locais
(Ruizalba Robledo & Vallespín Arán, 2014). Um fator agravante é que independente se o país
é desenvolvido ou não, a exclusão social causada pela pobreza, o desemprego, o subemprego e
a desigualdade social tem aumentado nos estados de bem-estar, bem como nos países em
desenvolvimento (Shin, 2016).
Além dos aspectos regionais, os empreendedores sociais enfrentam uma série de
problemas devido à falta de estrutura econômica e ambiente operacional. A maioria dos estudos
sobre ES têm se concentrado em definir e descrever o fenômeno (Hockerts, 2006; Mair & Marti,
2006), necessitando de investigações sobre os processos de empreendedorismo social, que vão
desde a intenção empreendedora social, a noção de reconhecimento da oportunidade, que é
característica definidora do empreendedorismo (Mair & Marti, 2006), bem como a criação de
valor para a comunidade e para o próprio empreendimento (Corner & Ho, 2010), tendo também
como apoio a sustentabilidade do empreendimento por meio da criação de valor econômico
(Lumpkim, Moss, Gras, Kato, & Amezcua, 2013).
A criação de valor estudada em áreas como engenharia, psicologia e sociologia, e agora
também integra gestão, mas gera dificuldades devido a gama de agentes e áreas atendidas, pois
a criação de valor refere-se tanto ao significado de valor até o processo de criação de novos
valores, que consiste em determinar o conteúdo e questões sobre o que é valor ou é valioso,
valorizar o quê e onde reside o valor, destacam a complexidade de entendimento sobre a criação
de valor gerada pelos empreendimentos (Lepak, Smith, & Taylor, 2007). Cavazos-Arroyo,
27
Puente-Díaz e Agarwal (2017) afirmam que muitas das organizações sociais que integram este
setor da economia enfrentam tensões no que se refere à criação de valor social e a criação de
valor econômico.
Desse modo, o estudo tem como objetivo responder a seguinte pergunta de pesquisa:
Como se manifesta o processo de criação de valor em empreendimentos sociais em
diferentes contextos?
1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA
O objetivo geral deste estudo é compreender o fenômeno do processo de Criação de
Valor em Empreendedorismo Social, em diferentes contextos.
Para os objetivos específicos, pretende-se:
- Analisar as trajetórias dos empreendimentos sociais sobre a criação de valor em
empreendedorismo social;
- Estabelecer as configurações por meio das dimensões de valor, vinculadas entre a
criação de valor e os empreendimentos sociais estudados;
- Associar a trajetória do empreendimento social à criação de valor a partir da mesma;
- Definir os valores pessoais, sob a ótica dos sujeitos, a partir da trajetória do
empreendimento social, tendo como base a Teoria de Valores de Schwartz e a Teoria de Valores
Culturais de Inglehart;
- Apresentar um modelo teórico de criação de valor em Empreendedorismo Social.
A seguir serão apresentadas o inedisitmo e contribuições da presente tese.
1.4 INEDITISMO
Com o objetivo de compreender como a ciência estuda os fenômenos ligados à área de
empreendedorismo social, buscou-se de forma sistematizada a procura de trabalhos na base de
dados nacionais e internacionais com vistas a estudar os trabalhos mais recentes, bem como
seminais sobre o tema. Em períodos distintos na construção desta tese, observou-se a base de
28
dados da Univali e da Universidade de Alicante, no período de aplicação da pesquisa na
Espanha, optando-se por artigos no idioma português, inglês e espanhol.
No que se refere a relevância científica, Mair e Marti (2006) argumentam que o
empreendedorismo social pode ser estudado como um campo independente de pesquisa, e a
utilização do termo "empreendedorismo social "é um fenômeno mais recente (Parente et al.,
2011) que surgiu a partir da pesquisa na área de empreendedorismo (Palmas, 2012;
Sassmannshausen & Volkmann, 2013), e nas economias emergentes representam um bom
caminho para o avanço destes estudos (Yiu et al., 2014). Gaiotto (2016) verificou que no Brasil
há um predomínio de estudos qualitativos em relação aos quantitativos, o que permite um leque
de opções para a construção de teorias, promovendo análises mais aprofundadas sobre o tema.
No que se refere às informações nacionais, realizou-se uma pesquisa detalhada na base
de dados da CAPES e SPELL, por meio das palavras-chave: empreendedorismo social e criação
de valor social, de forma combinada ou separada. Através dos documentos da CAPES, onde é
possível fazer levantamento das teses defendidas a respeitos do tema entre os anos de 2012 e
2017, foram encontradas três teses com tema relacionado a empreendedorismo social, e quando
se utiliza as palavras-chaves “empreendedorismo social e criação de valor social”, não se
encontra nenhuma tese. Quanto aos artigos pesquisados nesta base, optou-se por combinar as
palavras-chave empreendedorismo social e criação de valor social, no título, resumo ou
palavras-chave, sendo encontrados 17 artigos, e aproveitados nesta tese, dez artigos. Outra base
nacional pesquisada foi a SPELL, onde as palavras-chaves foram combinadas por “e” e “ou”.
Quando utilizado a combinação das palavras-chaves com “e”, não foram encontrados artigos
nesta tentativa. Quando se optou pelas palavras-chave e utilizando-se o “ou”, foram encontrados
122 artigos, sendo aproveitados 42 para esta tese.
No que se refere a base de dados internacionais, realizou-se a pesquisa com os mesmos
procedimentos que nas bases de dados nacionais, sendo elas: EBSCO, Emerald, Scopus,
ScienceDirect, por meio da combinação das palavras-chave: “social entrepreunership” e social
value created, utilizando-se também a combinação “and” ou “or”. Para uma busca mais
apurada, utilizou-se também a palavra-chave “social economy”, e somente foram estudados os
artigos do tipo “open acess”, no período entre 2012 e 2017. Nos documentos EBSCO foram
levantados 266 artigos, sendo aproveitados 61 artigos. Na base de dados Emerald foram
levantados 63 artigos, sendo aproveitados 23 e no Scopus foram levantados 275 artigos, sendo
aproveitados 51 artigos. Na base de dados ScienceDirect foram levantados 79 artigos, sendo
aproveitados 21 artigos.
29
Também se fez uma busca nos documentos da Universidade de Alicante/Espanha,
realizada da mesma forma que as bases brasileiras, por meio das palavras “economia social” e
“creación de valor social”, compreendendo os anos de 2011 e 2016, no título, resumo ou
palavras-chave, obtendo-se em torno de 245 artigos, sendo aproveitados em torno de 53 artigos.
Cabe destacar que como os temas Empreendedorismo Social e Criação de Valor Social ainda
são um campo em construção, a leitura dos artigos foi exaustiva na busca de resultados alçados
pelos autores, bem como a contribuição dos mesmos para o campo de estudo.
1.5 CONTRIBUIÇÕES DA TESE
Quanto a não trivialidade, destaca-se que apesar da sua inserção num campo de estudo
considerado em construção, o ES tem se destacado quanto à natureza e repercussões sobre o
crescimento dos empreendimentos, a forma de organização, as políticas públicas e as ações para
a inserção destas iniciativas com um quadro mais amplo de desenvolvimento sustentável,
utilizando-se este tipo de ação social como forma de desenvolvimento de novos valores sociais
para este século (Schlemm & Souza, 2012; Souza, Barbosa, Vitoriano, & Gervásio, 2014).
Casaqui e Sinato (2015, p. 191) afirmam ainda que por meio do discurso é possível articular a
missão e o propósito do empreendimento com o espírito empreendedor dos dias atuais,
fortalecendo o protagonismo destes com o poder simbólico dos semideuses, tendo como
objetivo “salvar o mundo”.
Na contribuição social, o presente trabalho busca promover o desenvolvimento do
empreendedorismo social, no que tange a sua trajetória por meio da perspectiva dos
empreendedores sociais na resolução dos problemas e criação de valor social. A cooperação
entre os setores da economia contribui para aumentar a conscientização e benefícios do terceiro
setor para a solução de problemas sociais e econômicos (Hosu, 2012).
No que se refere à contribuição para a gestão, o ES é um campo emergente de trabalho
para os gestores, e também como forma de contribuir na gestão do empreendimento por meio
dos métodos, técnicas e ferramentas já utilizadas amplamente nas organizações tradicionais e
que podem também ser utilizadas neste tipo de organização, como já ocorre em
empreendimentos sociais de maior porte. O ES tem se destacado como uma via promissora de
renovação na intervenção social, ao gerar valor social e econômico a partir do trabalho e renda
dos empreendedores, possibilitando novas maneiras de construção de redes mais
profissionalizadas e fortes por meio da identificação e reconhecimento de oportunidade para
30
resolver problemas sociais ou na criação de valor social (Carter, 2007; Dees, 2001, 2007; Mair
& Marti, 2006; Mclean, 2006; Peredo & McLean, 2006; Weerawardena & Mort, 2006; Shaw
& Thompson, 2002). Monzón-Campos e Herrero-Montagud (2016) destacam ainda que a
diferença de uma empresa social para uma empresa lucrativa repousa na prioridade em destinar
seus benefícios, gerando assim impacto social direto na comunidade. Santero Sánchez, Castro
Núñez, Martínez Martín e Guilló Rodríguez (2016) corroboram que por ter características
diferenciadas, como a valorização do ser humano e a geração e valor social, sobre os resultados
econômicos ou financeiros, as empresas sociais contribuem para uma sociedade mais humana
e justa.
Dentre as contribuições teóricas deste trabalho, pode-se destacar a contribuição pela
estruturação de um modelo teórico baseado em dados obtidos pela pesquisa de campo, por meio
da Grounded Theory. Por meio deste modelo teórico, em pesquisas futuras ele poderá ser
revisado na aplicação em outros empreendimentos e contextos, buscando sua consolidação e
reestruturação caso seja necessário. Muitas pesquisas realizadas na área de ES ficam restritas a
definição do empreendedorismo social, papel do empreendedor social e a missão social do
empreendimento, foi possível assim, avançar na pesquisa deste campo de estudo, indo além do
que é pesquisado tradicionalmente pela academia. Além disso, a criação de valor social não se
restringe somente ao valor social e econômico, mas também o valor político, cultural e
ambiental que os empreendimentos sociais proporcionam por meio de suas ações.
No que diz respeito às contribuições sociais, foi possível verificar que o processo de
inclusão permeia toda trajetória dos empreendimentos, pois pela intenção empreendedora
social, fatores internos e externos e por fim a criação de valor contribui para que pessoas em
processos de marginalização e/ou exclusão, tornam-se cidadãos ativos e em pleno gozo dos seus
direitos, sendo eles próprios autores de sua trajetória e transformação social.
1.6 ESTRUTURA DA TESE
Para a realização da pesquisa pretende-se dividir a tese nos seguintes capítulos: o
primeiro com a introdução, contextualização, objetivos e justificativa do trabalho. No segundo
capítulo, o referencial teórico ligado ao tema da tese, Empreendedorismo Social e Criação de
Valor Social e no terceiro capítulo a metodologia de pesquisa, com a apresentação dos métodos
de pesquisa e os critérios de escolha dos casos, bem como as técnicas a serem utilizadas para a
análise das evidências levantadas no campo. No quarto e quinto capítulo são apresentadas as
31
trajetórias dos empreendimentos estudados no Brasil e na Espanha. Já no sexto capítulo é
apresentado o modelo teórico, resultado da pesquisa de campo em diferentes contextos, e no
sétimo capítulo são respondidas as perguntas de pesquisa, contribuições e limitações do
trabalho, bem como as considerações finais. A seguir são dispostas as referências, apêndices e
anexos da presente tese.
32
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Este capítulo tem por finalidade apresentar os estudos sobre o tema em questão por meio
de uma revisão da literatura das teorias e trabalhos realizados na área. Serão abordados os
principais conceitos visando estruturar o arcabouço teórico norteador da pesquisa, destacando-
se os principais autores e temas norteadores do presente projeto. Há que se ressaltar que o
referencial ora exposto não pretende esgotar o assunto, pois é um tema em constante profusão
de pesquisa e pesquisadores, abrindo novas possibilidades e interesses.
2.1 EMPREENDEDORISMO SOCIAL (ES) - ALGUMAS DEFINIÇÕES
2.1.1 Conceitos de ES
Originalmente, o termo Empreendedorismo surgiu na França, tendo suas origens nos
séculos 18 e 19, quando os empresários filantrópicos e industriais demonstraram uma
preocupação com o bem-estar dos funcionários, melhorando o seu trabalho, educação e vida
cultural. No Reino Unido, o Empreendedorismo Social era a base de hospitais privados
vitorianos e tem sido sempre uma característica fundamental do trabalho de caridade,
claramente evidente no movimento hóspice1 mais recente (Shaw & Carter, 2007). Pode-se
considerar o ES como um conceito ainda em construção, muito embora exista certo consenso
entre os estudiosos quanto às semelhanças entre o empreendedor (o social) e o empreendedor
comercial (Dave & Woods, 2005; Shaw & Carter, 2007; Weerawardena & Mort, 2006). O tema
foi definido primeiramente como uma abordagem que aplica princípios empresariais para
resolver problemas sociais, mas não se limita a este conceito (Austin, Steven, & We-Skillern,
2012; Dacin, Dacin, & Matear, 2010).
A ideia de ES emergiu rapidamente na sociedade e o interesse nesta nova forma de
organização social mostrou-se crescente e tornou-se um fenômeno global que impactou a
sociedade por empregar abordagens inovadoras na resolução de problemas sociais,
provenientes tanto do setor privado quanto do sem fins lucrativos (Austin et al., 2006). Mair e
Marti (2006) explicam que o Empreendedorismo Social pode ser estudado como um campo
1 É um movimento social voltado para a assistência de pacientes com doenças avançadas e terminais. Floriani, C. A.; Schramm, F. R. História, Ciências, Saúde – Manguinhos,
Rio de Janeiro, v.17, supl.1, jul. 2010, p. 165-180.
33
independente de pesquisa. Elas argumentam que difere das outras formas de
Empreendedorismo na medida em que dá maior prioridade à criação de valor social, por
assegurar desempenho e impacto social. É, portanto, divergente de Dees (1998), que justifica
ser uma ramificação do Empreendedorismo, utilizando-se de conceitos e literaturas já
desenvolvidos pela área. O objetivo não é mais o negócio pelo negócio, lucro pelo lucro, mas
sim o foco no lucro social e na resolução de problemas, “a parceria envolvendo comunidade,
governo e setor privado e a sua estratégia” (Austin et al., 2006; Dees & Battle, 2002). Trata da
superação de limites impostos pela escassez de recursos, por meio do reconhecimento e da
exploração de novas oportunidades (Peredo & Mclean, 2006).
O ES também pode ser definido como a criação e realização de um empreendimento
que pretende promover uma finalidade social específica ou causa, num contexto de
mobilização, valores que são desejáveis e importantes em uma sociedade contemporânea. Estes
valores podem ser: a liberdade, a igualdade e a tolerância, que são pertinentes para a qualidade
da vida humana. Já outros estudiosos consideram o ES como um caminho para a transformação
social ao invés de recompensa econômica (Alvord, Brown, & Letts, 2004; Mai & Martí, 2006;
Murphy & Coombes, 2009). Em geral, o Empreendimento Social inicia-se com a percepção de
um problema social e a busca de soluções, inovadoras ou já conhecidas, seguindo a fase de teste
da solução e sua implementação no beneficiário público ou na comunidade (Ashoka, 2001).
Há que considerar que a definição do ES tem como foco a missão principal do
empreendedor social e a criação de valor social, fornecendo soluções para problemas sociais.
Enquanto alguns autores adotam uma definição voltada para a missão de ES associada aos
resultados econômicos, outros autores sugerem que os resultados econômicos fazem parte da
missão social (Dacin et al., 2010; Mair & Marti, 2006; Zahra, Gedajlovic, Neubaum, &
Shulman, 2009). A criação de riqueza social é o objetivo principal, enquanto a criação de valor
econômico, na forma de ganho de renda, é um subproduto necessário que garante a
sustentabilidade da iniciativa e a autossuficiência financeira (Martin & Osberg, 2007). Além
disso, o ES é norteado pelo valor social e inovador, exploração de oportunidades, missão social
dentro de uma organização sem fins lucrativos (Austin et al., 2006; Weerawardena & Mort,
2006).
Dentre as definições de ES, Dees (1998) afirma que busca combinar a paixão inerente
ao empreendedor e uma missão social, além de uma imagem de negócios como disciplina,
inovação e determinação. Para a ONG Ashoka (2015), “o empreendedorismo social envolve a
criatividade na promoção de mudanças sociais, e estas ocorrem com longo alcance em seus
34
campos de atividade, pois os indivíduos fomentadores dessa prática são inovadores e possuem
capacidade empreendedora” (Ashoka, 2015).
Mair e Martı (2004, p. 3) ressaltam que o Empreendedorismo Social é "um processo que
consiste no uso inovador e combinação de recursos para exploração e aproveitamento de
oportunidades, que visa catalisar a mudança social através da restauração das necessidades
humanas básicas de uma maneira sustentável”. O ES combina elementos do empreendedorismo
tradicional com o propósito de inovar na ordem social (Seelos & Mair, 2005). Ainda para Mair
e Noboa (2006) a mudança social gerada pelo Empreendedorismo Social contribui como
catalisador para a criação de organizações e/ou práticas que geram e sustentam benefícios
sociais, ou ainda para a “construção, avaliação e busca de oportunidades como meios para
transformação social realizada por visionários, indivíduos apaixonadamente dedicados"
(Roberts & Woods, 2005, p. 49). O ES é definido por seus “dois constituintes elementos: um
foco estratégico privilegiado sobre o impacto social e uma abordagem inovadora para
cumprimento da sua missão" (Nicholls, 2006, p. 13).
As oportunidades criadas são norteadas por ações de “comércio justo e ações de
autoajuda” (Leal et al., 2014, p. 239), e também ações de capacitação, que buscam a inserção
destas pessoas no mercado de trabalho (Hockerts, 2006). Dentro da área de ES, consideram-se
como fontes de oportunidades as “descobertas tecnológicas, acontecimentos econômicos,
mudanças demográficas e de estilos de vida, calamidades e desastres naturais, mudanças
governamentais e descobertas de recursos, entre outros” (Leal et al., 2014, p. 239). Pode-se
verificar ainda que a partir deste conjunto de áreas e oportunidades para a criação de um novo
empreendimento, o reconhecimento de oportunidades pode ser um foco de análise do fenômeno
deste tipo de empreendedorismo (Eckhardt & Shane, 2003; Shane & Venkataraman, 2000).
Mair e Martı (2006) argumentam que o Empreendedorismo Social é um "processo de
criação de valor através da combinação de recursos de novas maneiras" (2006, p. 37),
entendendo processo como a entrega de serviços e produtos, mas também a criação de novas
organizações. Bacq e Janssen (2011) afirmam que há dois principais elementos que
caracterizam uma organização de empreendedorismo social: (1) um objetivo social, ou seja, a
criação de valor social; e (2) uma estratégia empreendedora, isto é, a aplicação de
conhecimentos e habilidades de negócios baseados no mercado. Para Abu-Saifam (2012), o
Empreendedorismo Social envolve a entrega de um valor social aos menos privilegiados por
meio de negócios financeiramente independentes, autossuficientes ou sustentáveis.
35
Para Bacq e Janssen (2011, p. 381), “o Empreendedorismo Social pode ser entendido
como um constructo multidimensional e dinâmico, assim como o empreendedorismo, devido
às suas diversas interfaces e atores envolvidos”. Numa perspectiva de sociedade, o ES não
acontece sozinho, pois necessita tanto de um local para que ele possa acontecer, pessoas que se
envolvam com a causa ou propósitos a serem atingidos, bem como a aplicação em um lugar
onde as necessidades precisam ser atendidas. Na definição de Austin et al. (2012, p. 2), o ES
apresenta-se “como uma atividade que cria valor social e que pode ocorrer dentro ou por meio
de organizações sem fins lucrativos, empresas e setores do governo”. Agostini (2016) afirma
que Empreendedorismo Social são atividades ou práticas desenvolvidas por organizações do
terceiro setor, sozinha ou em parceria entre elas, sem o objetivo de lucro, e com um objetivo
social. Pinto et al. (2016) afirmam que o Empreendedorismo Social ainda é um conceito em
construção. Para melhor explanação, seguem algumas definições de Empreendedorismo Social
na Figura 1.
Figura 1
Definições de Empreendedorismo Social.
Autores/Ano Definição
Dess
(1998)
O objetivo não é mais o negócio pelo negócio; trata-se, sim, do
negócio do social, que tem na sociedade civil o seu principal foco de
atuação e na parceria envolvendo comunidade, governo e setor
privado, a sua estratégia.
Mair e Martı
(2004, p. 3)
Um processo que consiste no uso inovador e combinação de recursos
para exploração e aproveitamento de oportunidades, que visa
catalisar a mudança social através da restauração de necessidades
humanas básicas de uma maneira sustentável.
Roberts e Woods
(2005, p. 49)
Contribuem para a construção, avaliação e busca de oportunidades ''
como meios para uma '' transformação social '' realizada por
visionário, indivíduos apaixonadamente dedicados.
Certo e Miller
(2008, p. 267)
Envolve o reconhecimento, avaliação e exploração de oportunidades
que resultam em valor social – as necessidades básicas e atemporais
da sociedade – ao contrário da riqueza do indivíduo ou do acionista.
Nicholls
(2008, p. 13)
O ES é definido por seus dois elementos constituintes: um foco
estratégico privilegiado sobre o impacto social e uma abordagem
inovadora para cumprimento de sua missão.
Short, Moss, &
Lumpkin
(2009, p. 172)
O ES envolve '' o uso de práticas e processos que são exclusivas para
o empreendedorismo para alcançar os objetivos que são fortemente
sociais, independentemente da presença ou ausência do lucro ''
Bacq e Janssen
(2011, p. 381)
O ES pode ser entendido como um constructo multidimensional e
dinâmico, assim como o empreendedorismo, devido as suas diversas
interfaces e atores envolvidos.”
(Continua)
36
(Continuação)
Autores/Ano
Definição
Austin et al.
(2012, p. 2)
É uma atividade que cria valor social e que pode ocorrer dentro ou
por meio de organizações sem fins lucrativos, empresas e setores do
governo.
Agostini
(2016)
São atividades ou práticas desenvolvidas por organizações do terceiro
setor, sozinha ou em parceria entre elas, sem o objetivo de lucro, e
com um objetivo social Fonte: Elaborado pela autora (2018).
2.1.2 Intenção Empreendedora Social
A figura central no Empreendedorismo Social é o empreendedor social, pois é por meio
de suas motivações e atitudes que ele desempenhará o papel importante no empreendimento
(Dess, 1998). Os empreendedores sociais investem recursos para geração futura, diferente dos
empresários tradicionais, que têm que lidar com clientes, fornecedores, barreiras à entrada, a
rivalidade e as questões operacionais e economia (Oster, 1995). Dees (1998) reconhece no
empreendedor elementos que o caracterizam como: (1) o reconhecimento e perseguição
"implacável" de novas oportunidades; (2) para promover a missão de criar valor social; (3)
contínuo engajamento em inovação e modificação das comunidades, e (4) não aceitar as
limitações de recursos existentes. O autor ainda descreve cinco comportamentos relacionados
ao empreendedor social: são agentes de mudança; adotam uma missão social para criar e manter
o negócio; reconhecem e buscam oportunidades, agem de forma corajosa, verificando as
limitações e os recursos, e por fim prestação de contas mostrando os resultados atingidos pelo
empreendimento social.
O empreendedor social é um indivíduo visionário que é capaz de identificar e explorar
as oportunidades, persistente e habilidoso para inspirar as outras pessoas, alavancar recursos
necessários para a realização da sua missão social e de encontrar soluções inovadoras para os
problemas sociais da sua comunidade que não são adequadamente atendidas pelo sistema local
(Bacq & Janssen, 2011; Barendsen & Gardner, 2004, Peredo, 2005). Os empreendedores sociais
inicialmente apresentam os dois lados do empreendedorismo, tanto o social quanto o comercial,
que se inter-relacionam, mas por vezes geram conflito. As tensões geradas pelos conflitos
requerem habilidades destes empreendedores (Dacin et al., 2010), que têm o poder de serem
agentes de mudanças na sociedade, por meio do aproveitamento de oportunidades e
disseminação de novas abordagens no enfrentamento de problemas sociais (De Clercqay &
37
Honig, 2011), admitindo a relação entre as metas sociais e o Empreendimento Social, e se este
admite lucro ou não (Leal et al., 2014). Os empreendedores sociais devem estar perto de onde
ocorrem os fenômenos a serem resolvidos, para que tenham uma profunda compreensão dos
problemas, bem como das práticas e estruturas sociais existentes e que contribuem para a sua
continuação, por meio da inovação social (Lawrance, Phillips, & Tracey, 2012).
A intenção do que é social é central para este tipo de empreendedorismo, pois cria
referências nas relações entre os indivíduos, a sintoma de um ambiente favorável à visão
empreendedora conectada com o espírito humanista aplicado do capitalismo contemporâneo
contribuindo para que o empreendedor social tenha o propósito e a intenção de promover um
mundo melhor (Casaqui, 2014; Johannisson, 2000). A intenção empreendedora no
empreendedorismo forma-se antes da concretização da ideia ou ainda como um estado de
espirito orientada a uma determinada situação, e não coincide necessariamente com o
comportamento manifestado pelo empreendedor para a criação e desenvolvimento de
organizações, mas sim para alcançar alguma meta (Bird, 1992; Davidsson, 1995; Moriano et
al., 2007).
A questão motivacional está tão intrinsecamente ligada ao empreendedor social que
frequentemente ele opera em condições de escassez de recursos, necessitando de parceiros para
a operacionalização dos seus objetivos no empreendimento e gerar o impacto social (Di
Domenico, Haugh, & Tracey, 2010; Wei-Skillern et al., 2007), além de que é motivado por
uma missão, desejo maior do impacto social e na resolução dos problemas sociais complexos
(Alvord et al., 2004; Leadbeater, 1997; Shaw & Carter, 2007), o conhecimento ou experiência
como parte da sua história, a ação por meio das outras pessoas que compartilham com ele a
mesma visão (Murphy & Coombes, 2009) ou ainda os objetivos e finalidades sociais que
esperam alcançar (Zahra et al., 2009; Omorede, 2014).
A atitude empreendedora está relacionada diretamente ao comportamento, que pode ser
afetada por fatores como as necessidades e valores dos empreendedores, bem como seus desejos
e crenças, sendo que a motivação do empreendedor contribui para a sua atitude diante dos
problemas sociais (Paço, Ferreira, Raposo, Rodrigues, & Dinis, 2011). Diferentemente das
empresas comerciais que visam primeiramente o lucro, o resultado maior do empreendimento
é a melhoria da vida dos indivíduos e da comunidade, por meio da resolução de problemas
sociais e por consequência a criação de riqueza tanto econômica, quanto social (Dees et al.,
2004; Bornstein, 2004; Austin et al., 2006; Kickul et al., 2012). Pode-se considerar que a atitude
empreendedora do empreendedor social está ligada à busca de oportunidades e situações
38
críticas, fazendo com que a missão social seja atendida. Os autores ainda afirmam que o desejo
em criar soluções por meio de atitudes empreendedoras, as normas subjetivas e a autoeficácia
empreendedora estão relacionadas e explicam a intenção empreendedora social (Cavazos-
Arroyo, Puente-Díaz, & Agarwal, 2017).
2.1.3 Fatores Internos
Os empreendimentos sociais apresentam os mesmos elementos estratégicos das
organizações chamadas tradicionais. Pretende-se aqui, focar principalmente na missão e visão
das organizações do terceiro setor, por ser um dos fatores que mais impactam nos
empreendimentos. Numa definição de Ackoff (1981, p. 107), a missão de uma organização “é
um propósito que integra a variedade de papéis que um sistema desempenha”, ou ainda a razão
de ser da organização (Drucker, 1974; Takeski & Rezende, 2000; David, 2009), destacando de
forma sistêmica este propósito, envolvendo desde os gestores, parceiros, colaboradores,
beneficiários e a própria comunidade, os chamados stakeholders da organização. Hamel e
Prahalad (1995) ainda salientam que, as organizações devem compreender o porquê da sua
existência, que nos casos das organizações do terceiro setor é atender as necessidades
emergentes numa comunidade.
No que se refere à visão organizacional, ela deve retratar um futuro desejado ou
almejado pela organização, no sentido de contribuir para o alcance da missão, podendo
extravasar os limites muitas vezes impostos pelo ambiente, como por exemplo, a crise
econômica (Collins & Porras, 1996). Já Senge (1990) ressalta que a visão tem que promover
desafios aos membros da organização, evitando-os em curto prazo, e não atrelado aos
momentos do planejamento estratégico das organizações. Collins e Porras (1996) ainda
ressaltam que tanto a missão quanto a visão devem estar alinhadas aos valores defendidos pelas
organizações, que são essenciais e duradouros para conduzir a vantagem competitiva.
Mair e Martí (2006) ainda destacam que a missão social e central de um
empreendimento contribui para a incorporação da visão empreendedora, permitindo aumentar
a eficiência, eficácia e viabilidade das operações. Tanto as organizações sociais quanto as
comerciais possuem propósitos organizacionais que influenciam e contribuem para o sucesso
do que se pretende. O ambiente interno reflete o que a organização representa para os
colaboradores, e contribui para o direcionamento dos esforços para o atingimento da missão e
visão organizacional. Peredo e McLean (2006, p. 59), para quem “qualquer riqueza gerada é
39
apenas um meio para o fim social”, por meio da sua missão, é possível então nortear qual a
direção que se pretende seguir com o intuito de atender ao que se propõe a organização
(Hocayen-da-Silva, Ferreira Júnior, & Castro, 2006). Pies, Beckmann e Hielscher (2010, p.
265) informam que é por meio da missão e visão do empreendimento que se tem um propósito
utilizado pelos empreendedores e stakeholders como forma de “preencher o objetivo de lucro
abstrato com a vida”, fazendo com que o posicionamento do empreendimento esteja num lugar
de relevância, atendendo a comunidade em suas necessidades (Baggenstoss & Donadone,
2013). No ES, o alinhamento dos valores que compõem a missão social do empreendimento, é
um fator importante para a captação de recursos (Lautermann, 2013), e o alinhamento entre os
valores individuais e a missão do empreendimento é o que dará suporte para a obtenção de
apoio para a organização, fazendo com que contribua para que as normas e motivações sejam
correspondentes ao que pretende como objetivo no empreendimento social (Albert, Dean, &
Baron, 2016).
Agafonow (2014), ainda afirma que, nas organizações sociais, os lucros obtidos por
meio de produtos e serviços não são e nem devem ser um propósito em si, mas sim o meio
utilizado para atingir os objetivos da missão organizacional. Konda, Starc e Rodica (2015)
anunciam que por meio de suas ações, os empreendedores sociais conseguem contribuir de
forma eficiente para o atingimento dos objetivos do empreendimento, e um dos desafios é
compreender as motivações que proporcionam as ações necessárias para atender as diferentes
comunidades (Yitshaki & Kropp, 2016). Independente dos desafios do empreendedor social,
sempre haverá obstáculos a superar, problemas surgirão, a necessidade de diferentes recursos,
principalmente os recursos financeiros, entretanto a sua missão é que norteará o seu caminho
aos atingimentos dos objetivos (Chell, Spence, Perrini, & Harris, 2016)
Dentro do contexto das organizações de ES, o importante é ir além dos ganhos
econômicos, que pode ser um resultado da inovação social, é trabalhar em torno da missão
social que é a responsável por promover o progresso social, trazendo aos indivíduos, benefícios
claros por meio da resolução de problemas sociais identificados (Bonfanti, Battisti, &
Pasqualino, 2016; Chell, Martinez, O’Sullivan, Smith, & Esposito, 2017). Os autores ainda
destacam que o alinhamento dos valores do empreendimento por meio da missão social
alinhada aos seus propósitos, buscando a melhoria social e de saúde, a vida e as condições de
um grupo específico, alívio da pobreza, educação para crianças, recursos para os
marginalizados, empoderamento das mulheres, abrigo para os sem-teto, entre outros (Chell et
al., 2017).
40
No que se refere ao aspecto externo ao empreendimento, quando a missão é considerada
atraente pelos financiadores, tem um impacto positivo sobre o empreendimento, pois contribui
para um maior engajamento por parte dos empreendedores em dar continuidade ao seu trabalho,
e por outro lado, por parte dos financiadores, há uma percepção de que se está fazendo o bem
(Albert et al., 2016, Paswan, Proença, & Cardoso, 2017).
Outro fator a ser levado em consideração para os empreendedores sociais é a
combinação dos recursos de novas maneiras, pois contribuem para a exploração de
oportunidades para criar valor social, gerar a mudança social e a satisfação das necessidades
sociais, por meio da oferta de produtos e serviços, desdobrando-se em novas organizações, com
objetivos correlacionados ou distintos na criação de valor.
A criação de valor social por empreendedores pode ser compensada por custos
econômicos, bem como os custos sociais oriundos da geração de valor social gerados pelo
empreendimento. Devido à escassez dos recursos que os empreendedores sociais muitas vezes
enfrentam, os valores sociais e econômicos poderiam ter melhor rentabilidade se os recursos
tivessem sido aplicados em outros empreendimentos produtivos, mas a tarefa de determinar a
riqueza social é a natureza subjetiva do próprio valor social, que varia de um contexto para
outro (Baker et al., 2005; Pache & Chowdhury, 2012).
O foco do empreendedor social requer a compreensão que seu foco pode mudar por
muitos fatores, dependendo das necessidades sociais e econômicas dos grupos ao qual se
relaciona. Esta amplitude institucional, flexibilidade e especialização não existem na mesma
medida nos mercados sem fins lucrativos. Os empreendedores sociais têm menos canais para
acesso às fontes irrestritas de recursos (Silva et al., 2015). Peredo e McLean (2006) consideram
que nesta área da economia, os empreendedores são particularmente engenhosos e não se
deixam intimidar pela escassez de recursos na prossecução da sua iniciativa social. As
organizações sociais têm por essência aplicar os recursos recebidos das diversas fontes de forma
distributiva, fazendo com que os objetivos sociais antecedam aos lucros, criando assim
possibilidades para os menos favorecidos, fazendo com que os custos de oportunidade
agreguem valor à sociedade por contribuir para a utilização aprimorada nestes contextos
(Agafonow, 2014). Os empreendedores sociais, além dos desafios do empreendimento, têm
que adotar uma postura audaz e trabalhar com os recursos disponíveis de forma responsável
(Thakur, 2017), pois têm a capacidade de utilizar estes recursos disponibilizados de maneira
criativa, gerando novas ideias, alavancando o capital de relacionamento que possuem, bem
como a mobilização de recursos com objetivo de promover o progresso social, fazendo do
41
ganho econômico um resultado para a inovação (Martinez, O’Sullivan, Smith, & Esposito,
2017).
Dentre os recursos que um empreendimento tem disponível, Thibes e Moretto Neto
(2011) afirmam que podem ser os recursos financeiros, o talento por meio das pessoas, a
estrutura física, sendo que podem variar de acordo com o tamanho e dos objetivos
organizacionais do empreendimento. Pace, Oliveira e Alkmim (2012) relatam que os recursos
podem ser os humanos, estrutural, ambiental e de processos, que são descritos como: Capital
Humano, disponível ou disponibilizado para as atividades organizacionais por meios da
realização das tarefas, serviços e produtos oferecidos pelo empreendimento, capaz de aprimorar
os processos de inovação ou acrescentado outros; Capital Estrutural: é toda e qualquer estrutura
física disponibilizada para que os colaboradores possam exercer suas atividades e atingir os
objetivos organizacionais; Capital Processo: são os processos utilizados para que a organização
tenha um facilitador do seu fluxo de trabalho ou tarefas a serem desempenhadas por seus
colaboradores, resultando no atingimento dos objetivos e metas organizacionais, e por fim,
Capital Ambiental: que envolve a rede de relacionamentos da organização, sendo eles os
beneficiários, associados, doadores, governo, colaboradores, ou seja, todos que de uma forma
ou de outra contribuem para o atingimento dos objetivos que se propõe o empreendimento.
Terjesen, Bosma e Stam (2015) ainda ressaltam que no Empreendedorismo Social não há um
plano do tipo "one-size-firts-all", pois os empreendimentos têm diferenças entre si, seja no
âmbito legal ou de regulação, bem como no acesso às estruturas, recursos financeiros, mercados
ou pessoas.
Kadamawe, Knife, Haughton e Dixon (2014), salientam que a adequação aos recursos
disponibilizados para as organizações sociais está ligada diretamente à capacidade de adaptação
das mesmas, por meio da eficácia organizacional, ou seja, realizar com o que tem disponível.
Acs, Boardman e McNeely (2013) afirmam que geralmente as organizações sociais realizam a
função distributiva por meio da redistribuição de recursos em locais menos favorecidos,
primando pela gestão orientada dos recursos escassos, numa relação ganha-ganha. A utilização
de recursos financeiros para manter os empreendimentos sociais também tem situação de
destaque, pois através dele é possível obter resultados positivos por meio das organizações,
mantendo a estrutura em funcionamento, atendendo os beneficiários, ampliando a rede de
atendimento, entre outras possibilidades para os gestores e colaboradores (Mair & Marti, 2004;
Martin & Osberg, 2007; Tyszler, 2007; Thakur, 2017).
42
Um dos desafios dos empreendedores sociais é a mobilização em busca de recursos
financeiros que podem ser obtidos na iniciativa privada, por meio de doações individuais,
institutos ligados às empresas, fundações familiares ou empresariais, organizações religiosas
ou ainda em fontes institucionais como governos e agências internacionais. É importante
ressaltar que apesar de existirem diversas fontes de possíveis recursos, o empreendedor social
deve buscar fontes diversificadas, diminuindo a instabilidade e dependência de poucas fontes
de recursos (Freller, 2013). A viabilidade financeira de um empreendimento social é um ponto
crucial para que se possam continuar as atividades relacionadas à sua missão social, pois este
tipo de organização é vulnerável e tem um significativo risco econômico (Defourny & Nyssens,
2012; Andrade, Costa, & Faller, 2016).
Outro desafio para as organizações sociais é no que diz respeito à geração da própria
renda, para que assim tenha possibilidades de manter seu (s) empreendimento(s) sem a
dependência externa. Feller (2013) destaca que isso pode ser obtido por meio de editais, que
geralmente fundações e o governo lançam para apoiar atividades do terceiro setor, geração de
renda com apoio de ferramentas e mídias sociais como a utilizada pelo Greenpeace ou Médicos
sem Fronteiras, e pelas estratégias de marketing social em sites de internet, por exemplo, que
podem auxiliar em financiamento dos empreendimentos por meio da disposição de banners ou
cookies, bem como ações de Crowdfunding, SMS e Click to Call, ferramentas que contribuem
para unir empreendimentos e apoiadores de causas sociais.
2.1.4 Fatores Externos
Para que as atividades de ES sejam desenvolvidas, um fator importante que se destaca
é o ambiente em que estão inseridas. Dentro deste contexto, várias iniciativas podem ser
contempladas e desenvolvidas, sejam em organizações públicas, privadas ou da sociedade civil,
conforme mostra a Figura 2. De acordo com a figura, o ES inclui desde atores governamentais,
que pertencem à sociedade civil organizada por meio de movimentos sociais, associações
sindicatos e outros agentes, bem como empresas privadas, que envolvem as organizações que
surgem de forma híbrida, entre o mercado privado e a sociedade. Na perspectiva dos papéis do
ES, Mair e Marti (2006) afirmam que é o contexto organizacional em que o empreendedorismo
social ocorre que o diferencia de ativismo, pois envolve muito além de uma causa, mas também
pessoas, objetivos, estrutura e o ambiente em que se produz a mudança requerida, como mostra
a Figura 2.
43
Figura 2
Empreendedorismo Social e seus agentes.
Fonte: Austin, J. et al. (2006). Social and Commercial Entrepreneurship: Same, Different, orBoth?.
Entrepreneurship Theory and Practice, 30(1), 1-22.
No que se refere aos ambientes de atuação do empreendedor social geralmente são as
comunidades que necessitam de apoio na resolução de problemas, e onde o impacto social possa
ser criado e os resultados alcançados (Dees e Anderson, 2006), o empreendedor social pode
trabalhar como agente de mudança social, aproveitando a oportunidade na disseminação de
novas abordagens e soluções para problemas sociais e econômicos, promovendo soluções
sustentáveis em longo prazo (Kickul, Janssen-Selvadurai, & Griffiths, 2012).
Bacq e Janssen (2011) apresentam quatro critérios que refletem as dimensões
econômicas e empresariais das iniciativas considerados sociais: uma atividade contínua de bens
e/ou produção e venda de serviços; um alto grau de autonomia; um nível significativo de risco
econômico; e uma mínima quantidade de trabalho remunerado. Já a Rede EMES (International
Research Network) cria dois critérios para classificar as empresas sociais, o primeiro é o
econômico, a organização social tem por objetivo desenvolver atividades de forma contínua na
produção de bens e serviços, com alto grau de autonomia, o risco econômico a que se submete
é significativo, e tem uma quantidade mínima de trabalho remunerado em sua estrutura. O outro
critério é o social, com o objetivo de beneficiar a comunidade em que está inserida a empresa,
onde é geralmente criada por um grupo de cidadãos dispostos a resolver um problema social, o
poder de decisão não está atrelado ao capital individualmente investido, a participação envolve
44
os diversos membros, independentemente de sua atividade, a distribuição de lucro é limitada,
geralmente reinvestida na organização (Borzaga, Depedri, & Galera, 2012). Os empreendedores
sociais possuem uma visão diferenciada, conseguem analisar o ambiente de forma distinta, tanto
o interno quanto o externo, enxergando possibilidades não vistas pelos demais, e que se
propõem a fazer algo para mudar este quadro (Andrade, Costa, Vasconcelos, & Ramos, 2016).
Os empreendimentos sociais são encontrados principalmente em áreas como os serviços
sociais, cultura e recreação, desenvolvimento e habitação, educação e pesquisa, meio ambiente,
saúde, intermediários filantrópicos e promoção de voluntariado, direito, advocacia e política,
religião, associações empresariais e profissionais, sindicatos e internacionais, podendo
depender ainda das necessidades emergentes de uma comunidade, e os seus processos devem
ter relação com o meio ambiente de forma a criar valor dentro do contexto onde ele ocorreu
(Aslund & Backstrom, 2015; Brown, 2011; Kickul et al., 2012; Terjesen et al., 2015).
Veretennikova e Kozinskaya (2017), afirmam que quatro fatores principais que
contribuem para o surgimento e desenvolvimento do terceiro setor da economia, sendo eles: o
ambiente político, fundamental para o surgimento do ES, pois os empreendedores sociais
buscam resolver os problemas da sociedade; o ambiente político que são as forças que
caracterizam a identificação dos problemas sociais, por meio de um clima político favorável
para que pessoas ou grupos resolvam os problemas ou por meio do desenvolvimento, promoção
e suporte dos empreendimentos. O outro fator é o legal, pois como ele ocorre de forma
interativa, há a necessidade de segurança jurídica para o seu desenvolvimento, e por fim as
condições socioculturais que criam condições favoráveis para sua emergência, e estimulam o
crescimento e contribuem para o seu desenvolvimento dentro do ambiente social. O ambiente
cultural contribui para comportamentos não-conformativos, por meio das normas culturais e
ideais de um raciocínio ético, fortalecendo os valores de justiça e cuidados também com o
ambiente onde está o empreendimento, fazendo com que o engajamento ao Empreendedorismo
Social seja mais elevado do que em locais onde este ambiente não seja tão propício
(Hechavarría, Terjesen, Ingram, Renko, & Justo, 2017).
Outro fator que tem relação no ES são os stakeholders. A teoria dos stakeholders visa
identificar e reconhecer as características das partes interessadas, estabelecendo uma boa
relação entre os envolvidos. Conhecer os stakeholders é essencial para assegurar a legitimidade
da empresa em relação a eles, permitindo maior cooperação entre as partes. O termo stakeholder
foi utilizado pela primeira vez em 1963, para determinar “grupos que forneciam o apoio
necessário para uma organização sobreviver” (Freeman, 1984).
45
Os stakeholders podem ser definidos ainda como pessoas/grupos com interesses
legítimos em aspectos internos ou externos à atividade da empresa, sendo estes: investidores,
empregados ou outros atores/agentes que tenham contratos legais com a empresa e até mesmo
que não tenham, tais como a comunidade com interesses ambientais e empregados em
potencial, entre outros (Donaldson & Preston, 1995). Para classificar os stakeholders,
primeiramente se deve identificar todos os que afetam e os que são afetados pela organização,
e depois priorizá-los de acordo com os objetivos organizacionais. A classificação pode ser feita
a partir de Teoria dos Stakeholders, que envolvem os seguintes aspectos: Público Interno, Meio
Ambiente, Fornecedores, Consumidores/Clientes, Comunidade, Governo e Sociedade,
Sindicatos, Os Concorrentes, Bancos e Agentes Financeiros (Freeman,1984). As organizações
possuem relação de dependência com todos os stakeholders, mas tal dependência sofre
variações, dependendo dos interesses relacionados (Hitt, Ireland, & Horkisson, 2005).
Para desenvolver a relação com os stakeholders, Krick, Forstater, Monaghan e Sillanpää
(2006) enumeram os benefícios deste tipo de relação como: facilita o processo de gestão,
desenvolve a confiança recíproca, conduz um processo de desenvolvimento social mais
equitativo e sustentável, bem como a combinação de recursos como conhecimento, pessoas,
dinheiro e tecnologia que contribuem para a resolução de problemas na organização. Para a
teoria dos Stakeholders, as organizações devem ao identificá-los buscar atender seus interesses,
dando legitimidade e visando a garantia e sobrevivência do empreendimento, numa relação de
longo prazo (Estefanuto, Farley, & Nobre, 2016; Freeman, 1984). Nas organizações sociais, a
criação de valor ocorre a partir da gestão de recursos disponibilizados aos e pelos stakeholders,
sendo que a criação de valor acontece a partir da satisfação dos múltiplos interesses (Silva,
2011). A teoria dos Stakeholders ainda prega e defesa de interesses dos diversos grupos que são
afetados pelo desenvolvimento dos empreendimentos, criando valor a seu favor e para as partes
interessadas (Morgestein Sánchez, 2012).
Outro fator a ser analisado são as políticas públicas dos governos. Para Weber (1967),
o Estado se torna legítimo no estabelecimento de políticas por meio de um conjunto de esforços
dos detentores do poder, autênticos representantes do poder que lhes foi imbuído, além do poder
carismático escolhido através de pleito político. Fischer (1984, p. 278) lembra que até 1930, “o
administrador público era considerado um mero executor de políticas, dentro de princípios de
eficiência, considerados não apenas o fim do sistema, mas também a medida de eficácia do
mesmo”, sendo um interlocutor entre as classes dominantes, que detinham o poder e o povo,
que era levado a aceitar a política como fruto da sua vontade. Para Bobbio (1997), dentre as
46
diversas repostas a serem dadas pelos governantes é a de dar soluções aos problemas e
demandas sociais, através de decisões coletivas e que possam ser desfrutadas por toda a
sociedade.
Para Serafim e Dias (2012), Política Pública refere-se a “uma ação ou conjunto de ações
por meio das quais os Estados interferem na realidade, geralmente com o objetivo de atacar um
determinado problema”, o que pode dar uma visão simplista aos problemas e necessidades da
sociedade contemporânea. Kanaane, Fiel Filho e Ferreira (2010, p. 3) definem políticas públicas
como “disposições, medidas e procedimentos que traduzem orientação política do Estado e
regulam as atividades governamentais relacionadas às tarefas do interesse público”.
O termo Política tem gerado muitos significados ao longo do desenvolvimento da vida
das sociedades, podendo denotar vários significados como os defendidos por Saraiva (2006, p.
19), como política pública, que se refere ao campo de atividade governamental, tendo como
exemplos a política de empregos, política de reflorestamento, política energética. Política
também pode ser definida como o derivado do termo Policy, onde pode ter uma definição mais
concreta e tem a ver com as orientações para a decisão e a ação (Secchi, 2013).
No que se refere à Política Pública, Secchi (2013) ainda afirma que os conteúdos
concretos estão ligados às práticas e ações do poder público, e os conteúdos simbólicos ligados
a ideologias e vontades dos diversos segmentos sociais que interferem na adoção das políticas
públicas. Ele define política pública como sendo a “diretriz elaborada para enfrentar um
problema público”. Para que haja uma definição do que seja Política Pública, Secchi (2013, p.
2) propõe respostas para questionamentos sobre os atores estatais, ou não estatais, se há omissão
ou negligência na política pública a ser elaborada, ou ainda, quais as diretrizes estruturantes
envolvidas.
O Empreendedorismo Social é um aliado das políticas públicas, no sentido de ser um
instrumento para a sua aplicação e desenvolvimento, pois com as dificuldades econômicas
enfrentadas pelas sociedades desenvolvidas como as em desenvolvimento, há cada vez mais a
redução da proteção social, crescimento da tensão e um número maior de pessoas a serem
atendidas por serviços que o Estado oferece de forma precária, ou não oferece, melhorando
assim os níveis de segurança social. Eles ainda definem o ES como a capacidade em fazer
transformação social, inovação e educação criando efeito social e o resultado com duplo efeito,
o social e econômico. Os modelos de financiamento do ES podem ser de subvenções de serviços
sociais, voltados para grupos de minorias ou vulneráveis, desenvolvimento e promoção do
47
voluntariado, filantropia, lojas de caridade, inclusão e adaptação social, emprego, entre outros
(Cherchyk, Kolenda, & Matviichuk, 2017).
Por outro lado, os empreendedores enfrentam desafios no desenvolvimento do seu
trabalho, pois: falta de apoio do governo, os sistemas de ensino público não contemplam o
desenvolvimento desta competência, apoio financeiro deficiente, mudanças no ambiente
institucional do ES, custos sem o devido controle comprometendo o empreendimento social,
domínio da área por empreendedores sociais mais antigos ou filantropos ricos, falta de pessoas
qualificadas para trabalhar no terceiro setor, desconhecimento da comunidade do que é um
empreendimento social com ou sem fins lucrativos (Devi, 2016). Apesar dos estudos terem
sidos realizados na Índia, estas dificuldades também podem ser reproduzidas em outras
comunidades, pois muitos destes problemas também são enfrentados por empreendedores
sociais em países desenvolvidos ou em desenvolvimento. Num estudo desenvolvido por
Sengupta, Sahay e Croce (2017), o Empreendedorismo Social no Brasil é desenvolvido nas
áreas de parceria e participação comunitária social, melhoria da qualidade da vida das
comunidades de periferia, redução da pobreza, bricolagem social, prevenção da violência,
negócio social inclusivo e desenvolvimento local. Já na Espanha, o terceiro setor é caracterizado
por atividades cooperativas, inserção laboral, inclusão social de minorias e vulneráveis, entre
outras atividades (Bacq & Janssen, 2011)
Para apoiar as políticas da União Europeia, a economia social começa a ser delineada
de forma institucional a partir de 1992 com a criação do Comitê Econômico e Social Europeu,
com o objetivo de apresentar propostas para este setor na região. A carta de princípios da
Economia Social foi instituída no ano de 2002, onde por meio da Conferência Europeia de
Cooperativas, Mutualidades, Associações e Fundações, introduziu um conjunto de princípios
norteadores para esta realidade delineando princípios como formas de adesão, objetos sociais,
controle democrático dos participantes, combinação dos interesses do grupo e de forma geral,
autonomia de gestão e independência em relação aos governos, objetivos das organizações a
favor do desenvolvimento sustentável do grupo e da comunidade, entre outros (UE, 2018).
A Rede EMES foi criada em 1996 para investigar a atividade empresarial social nos
países membros (Haugh, 2005), e leva em conta a realidade nacional Europeia diferente e define
as “empresas sociais” como “organizações que tem como objetivo explícito beneficiar a
comunidade, iniciado por um grupo de cidadãos e no qual o interesse material dos investidores
de capital está sujeito a limites” (Defourny & Nyssens, 2012). De acordo com a Rede EMES,
iniciativas de empreendedorismo social devem ter um objetivo explícito de serviço para
48
comunidade que abrange questões sociais e ambientais, e os modelos organizacionais europeus
estão enquadrados em modelos de empresas sociais, unidades de análises estudadas sob o
prisma da inovação e do ES, mas necessariamente em articulação e sob influência dos modelos
organizacionais tradicionais e das suas estruturas de gestão baseadas no trabalho associado
(Parente et al., 2011). Nas legislações Europeias em geral, "empresas sociais" devem ser
conduzidas por seus objetivos sociais. Apesar de algumas diferenças na maneira de expressá-
la, as três escolas de pensamento concordam claramente no fato de que a missão social está no
cerne da coesão social do empreendedorismo (Bacq & Janssen, 2011).
O ES na Espanha segue as mesmas diretrizes da UE. A partir da Constituição Espanhola
de 1978, o país entra numa nova fase de fomento as atividades de economia social, que
contempla as diferentes iniciativas do setor. Um novo marco jurídico é estabelecido pela lei
5/2011 de 29 de março de 2011, tendo como objetivo estabelecer um conjunto de entidades que
fazem parte do setor, definição de economia social, entre outros. Em seu artigo 2º, define
economia social como sendo um conjunto de atividades econômicas e empresariais, de âmbito
privado, de interesse coletivo dos membros, abarcando interesse econômico ou social, ou ainda
ambos. Os princípios orientadores da lei são apresentados no seu artigo 4º, que diz em linhas
gerais: as pessoas e o social têm preferência em relação ao capital, à gestão das empresas sociais
devem ser autônomas e transparentes com princípios democráticos e participativos, os
resultados obtidos por meio dos trabalhos dos sócios devem ser revertidos para a entidade,
promoção da solidariedade interna e compromisso com o desenvolvimento local, com
igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, promoção da coesão social, inserção de
pessoas com risco de exclusão, bem como a conciliação dos campos da vida pessoal, familiar,
do trabalho e da sustentabilidade, e por fim ser independente dos poderes públicos.
No artigo 5º são apresentadas as entidades com compõem este setor da economia
espanhola: cooperativas, mutualidades, fundações e associações que possuam atividades
econômicas, sociedades laborais, empresas de inclusão, centros especiais de emprego, confraria
de pescadores, sociedades agrícolas de transformação e outras entidades criadas por normas
específicas, mas que são norteadas pelos princípios da economia social espanhola. No seu
artigo 6º, informa que o órgão responsável pelo fomento da economia social é o Ministério do
Trabalho da Espanha, e que cada comunidade autônoma poderá elaborar e manter leis e
listagens com as entidades que integram a economia social, bem como o seu funcionamento,
em caso de particularidades. No artigo 8º, afirma que a economia social por meio do poder
público, tem como função a promoção da economia social, bem como remover os obstáculos
49
que impedem o desenvolvimento da atividade econômica do setor, facilitar as iniciativas de
economia social, promover os princípios e valores da economia social, facilitar o acesso à
promoção tecnológica e de organização das entidades do setor, criar um ambiente que contribua
no desenvolvimento das iniciativas econômicas e sociais, criar e promover políticas de emprego
para os mais afetados como mulheres, jovens e desempregados de longos períodos, incluir no
sistema educativo planos de estudo referentes a economia social, fomentar o desenvolvimento
da área rural.
Para o financiamento do setor, o governo espanhol apoia as iniciativas por meio de
créditos do Ministério do Trabalho, e com planos de trabalho de períodos bianuais específicos
para o setor, e as comunidades autônomas fomentam o setor por meio de convênios de
colaboração e leis específicas para este fim. No ano de 2015, o governo espanhol aprovou uma
lei 31/2015 de 9 de setembro, que modificou alguns artigos da lei original por meio de
modificações e atualizações. Na Comunidade Valenciana, por meio do Conselho de Economia,
Fazenda e Emprego são estabelecidas diretrizes para a promoção, fomento e difusão da
economia social. As empresas contempladas com este fomento são as entidades associativas,
cooperativas, mutualidades e sociedades laborais. Por meio de subvenções, a CV contribui para
que as organizações possam desenvolver suas atividades, e são contemplados gastos com o seu
funcionamento, investimento em móveis e equipamentos para as empresas sociais, manutenção
da rede especializada em informação do setor. A lei 1/2014 de 28 de fevereiro de 2014 institui
o Comitê Econômico e Social da Comunidade Valenciana (CV) que tem por objetivos
institucionalizar as políticas dos assuntos econômicos, sócios laborais e de emprego, e tem por
objetivo ser referência para os setores sociais, econômicos e produtivos da comunidade
autônoma, que atuam em consonância com as leis maiores espanholas. Pela ordem 30/2010, o
governo da CV concede ajuda e subvenções para as organizações do terceiro setor da
comunidade.
No que refere ao Brasil, o ES surgiu como forma de atender o alto déficit social,
buscando principalmente a geração de emprego e renda. A partir da década de 1990, o
crescimento de ações voltadas para a filantropia por meio de empresas privadas cresceu
amplamente, bem como a atuação de entidades da sociedade civil (Tyszler, 2007), e elas têm
um papel fundamental na conquista da justiça social que muitos Estados são incapazes de
atender as necessidades destas populações (Tenório, 1999). As organizações do terceiro setor
visam suprir as necessidades e deficiências do primeiro e segundo setor da economia, sendo
chamadas de Organizações não Governamentais (ONG) e demais tipos de OS com
50
características específicas e geralmente sem fins lucrativos, geralmente em atividades
consideradas empreendedoras e ocupando espaços deixados pelos serviços públicos, seja por
meio de terceirização, parcerias ou outros meios de execução dos serviços (Santos & Concheto,
2009).
As classificações econômicas divergem principalmente no que se refere à legislação de
cada país. O terceiro setor pode ser considerado como um conjunto de iniciativas da sociedade
civil organizada na satisfação de políticas públicas de cunho social e sem fins lucrativos. Neste
sentido, apoia o primeiro setor da economia, o setor público, pois têm objetivos e atuação em
espaço geralmente não ocupado pelo Estado, ou delegados às organizações especializadas no
atendimento específico de demandas sociais. As ações do terceiro setor visam na redução de
processos de exclusão/marginalização de populações afetadas pela pobreza, bem como objetiva
no desenvolvimento de novos espaços de trabalho e geração de renda (Teodósio, 2003; Silva,
Souza Neto, Abreu, & Cortez, 2009).
O terceiro setor também pode ser definido como “o conjunto de organizações privadas
que desenvolvem ações que visam à prestação de serviços considerados de interesse público,
cujos resultados alcançados se revertem à própria sociedade” (Vilanova, 2004, p. 32). Além da
dificuldade de caracterizar o terceiro setor no Brasil, devido às diferenças entre as organizações
que atuam neste setor, torna-se imprescindível identificar as categorias organizacionais que a
compõem e usualmente mais utilizadas: (1) o setor formado por instituições religiosas e
entidades ligadas às Igrejas; (2) as organizações não governamentais e movimentos sociais; (3)
os empreendimentos “sem fins lucrativos” no setor de serviços; (4) o setor paraestatal e nascido
sob a tutela do Estado, e (5) o setor de fundações e entidades empresariais com objetivos
filantrópicos (Falconer, 1999, p. 94; Vicente et al., 2009; Código Civil Brasileiro, 2015).
A economia social ou "terceiro setor" tem se expandido, e seu crescimento muitas vezes
atribuído a problemas estruturais e de gestão nos serviços sociais do funcionamento do Estado
(Shaw & Carter, 2007). Comini, Barki e Aguiar (2012) colaboram para o debate ao indicarem
três termos que envolvem o Empreendedorismo Social: empresas sociais, negócios inclusivos
e negócios sociais, que constituem: [...] “alguns dos termos frequentemente utilizados para
explicar organizações com intenção de resolver problemas sociais, com sustentabilidade
financeira e eficiência ao utilizar mecanismos de mercado” (Comini et al., 2012, p. 386). Mais
recentemente, o terceiro setor apresenta diversos conceitos como negócios sociais,
empreendedorismo social e negócios com impacto social, entre outros. Embora diferentes, eles
têm em comum a ideia de usar uma empresa modelo com um propósito mais elevado,
51
financeiramente sustentável e que tem um impacto social (Young, 2007; Yunus, 2010; Barki,
Comini, Cunliffe, Hart, & Rai, 2015)
Atualmente o terceiro setor brasileiro é regido pelo marco regulatório do terceiro setor,
a Lei 13.019/2014 de 31 de julho de 2014, e alterado pela lei 13.024/2015 de 14 de dezembro
de 2015, estabelece os procedimentos no que se refere às parcerias entre as organizações da
sociedade civil e a administração pública brasileira, envolvendo a questão legal, formal e
operacional entre as entidades e o governo. A lei 13.024/2015, em seu artigo 2º define
organizações da sociedade civil que são as entidades privadas sem fins lucrativos, que não
distribuam lucros entre os sócios e associados, gestores, doadores, terceiros, ou ainda sociedade
cooperativa, ou entidades que integram pessoas em situações de vulnerabilidade pessoal ou
social ou entidades que promovam programas e ações de combate à pobreza, geração de
emprego e renda, ou voltadas, para a educação e capacitação de trabalhadores rurais, e projetos
de interesse público e social, e ainda as organizações religiosas com atividades e projetos de
interesse público e social, distintas das exclusivamente religiosas. Neste artigo ainda define o
Edital, como a forma de chamamento público para a realização de parcerias que deverá conter:
o objeto, datas, prazos, as condições de contratação, os recursos destinados para a parceria, bem
como os procedimentos de recebimento e seleção das propostas. As parcerias poderão ser
realizadas na área de educação, saúde e assistência social, em casos de emergência ou
paralisação de atividades de interesse público, em caso de guerra calamidade, ou perturbação
da ordem, e ainda em programas de proteção às pessoas.
No artigo 5º, estabelece os fundamentos das parcerias tendo em vista os fundamentos da
gestão pública democrática, participação social, fortalecimento da sociedade civil,
transparência na gestão dos gastos públicos, participação social, o fortalecimento da sociedade
civil, a transparência na aplicação dos recursos públicos, os princípios da legalidade, da
legitimidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da economicidade, da
eficiência e da eficácia. A lei pretende assegurar que: a participação social é um direito do
cidadão, a solidariedade, cooperação e respeito como parte da construção social, promoção do
desenvolvimento sustentável na comunidade, direito às informações e controle social, entre
outros valores.
O artigo 6º estabelece diretrizes para as parcerias, tendo como objetivos: a promoção e
fortalecimento institucional, controle dos resultados, incentivo ao uso de recursos atualizados
de tecnologias e comunicação, transparência e publicidade das ações das entidades contratadas,
ação integradas, complementares e descentralizadas da aplicação dos recursos, sensibilização
52
dos gestores públicos para o desenvolvimento de atividades em parceria com as organizações,
adoção de práticas que coíbam obtenção indevida, promoção de soluções que contribuam na
melhoria da população em situação de desigualdade social.
No artigo 22º, é exposta a forma de contratação das entidades das organizações da
sociedade civil, por meio da elaboração de um plano de trabalho, onde deverá constar: a
descrição da realidade onde será realizada a parceria, e as respectivas metas, quais as atividades
e os projetos a serem executados, as receitas e despesas previstas, bem como os beneficiários,
e quais os critérios de medição dos indicadores para posterior verificação dos cumprimentos
das metas.
Para fins desta tese, adorta-se-á como conceito norteador de Empreendedorismo Social,
os conceitos combinados pois ele emerge num contexto de crise e desafios sociais, econômicos
e ambientais nas sociedades contemporâneas (Parente et al., 2011), e pode ser um mecanismo
de trocas sociais para o desenvolvimento econômico sustentável (Kostetska & Berezyak, 2014),
ou ainda responsável pela inovação na resolução de problemas sociais (Omorede, 2014; Parente
et al., 2011).
2.2 CRIAÇÃO DE VALOR
Os estudos sobre valor e seus conceitos remontam ao início dos estudos da humanidade,
por meio de filósofos como Sócrates e Platão, e Aristóteles, que apresentou de forma
sistematizada a Teoria de Valores ou das Virtudes. Num contexto moderno, valor surge pelas
teorias de Adam Smith, no seu livro Teoria dos Sentimentos Morais (1759), um tratado de
filosofia moral e social, e que traz em seu escopo sentimentos orientados para as paixões
sensíveis e particulares, amor próprio, benevolência e consciência dos indivíduos, numa
dicotomia entre o princípio da utilidade (eficácia) e a liberdade de escolha dos indivíduos (livre
arbítrio). Dentro das ciências econômicas, Smith trouxe para a palavra valor, em seu livro, A
Riqueza das Nações (1776), o significado do que é valioso, no sentido de se poder usar ou
trocar.
Para Lalande (1999), a definição de valor tem características que lhe é própria e que
possui diversos sentidos, a saber: subjetivos, características das coisas que por serem como são,
podem ser estimadas ou desejadas por um sujeito ou grupo de sujeitos; objetivos, compostos
por atributos que merecem maior ou menor estima pelos sujeitos; objetivo ou hipotético, que
tem por característica das coisas a satisfação de um determinado fim; troca, que podem ser
53
trocadas por um grupo social, num período de tempo estabelecido; justo valor, que tem por
aspecto o preço determinado a um objeto ou serviço com a finalidade de uso, e por fim o
significado de valor de forma efetiva ou implícita da palavra, ou usado em uma expressão. Os
valores são objetivos quando não estão sujeitos à cultura, ciência, tempo ou outras variáveis,
portanto, externos aos homens, sendo transcendentes a atemporais, mas são subjetivos a partir
do momento que dependem da valoração de cada um, de acordo com suas referências culturais,
religiosas, idade, sexo ou ainda sua educação (Danoso, 2001; Lalande, 1999).
O ato de valoração do “valor”, se por um lado é subjetivo e relacional, do lado objetivo
é material, e, portanto, o valor “possui um determinado conjunto de qualidades que não foram
indiferentes ao sujeito que as apreciou” (Pedro, 2014, p. 491). Os valores, dentro de uma
concepção mais moderna, transformaram em objeto de pesquisa em áreas como a Psicologia,
Economia, Sociologia e também na Administração. A palavra valor nos remete ainda, a ideia
do que vale (por merecimento), ou ainda a ideia daquilo que vale, que se impõe primordialmente
à consciência do sujeito (Lalande, 1999; Pedro, 2014).
Na Psicologia, Rokeach (1973, p. 5) foi um dos pioneiros em estudos acerca de valores
e define que eles refletem “crenças duradouras de que um modo específico de conduta ou um
estado final de existência é pessoal e socialmente preferível a um modo de conduta.” Dentre os
modelos desenvolvidos na área de Psicologia, destaca-se Rokeach e seu trabalho chamado de
The nature of human values (1973). Ele buscou estabelecer construtos que descreviam e
explicavam as semelhanças e diferenças entre as pessoas, grupos, culturas e nações, por meio
do estabelecimento de padrões conscientes ou não a respeito de valor, tornando-se um padrão
norteador para a ação de grupos, com base em atitudes julgadas moralmente aceitas, levando
em consideração as culturas locais. O modelo proposto foi composto por 36 valores, divididos
em duas listas, uma destinada à identificação dos sistemas de valores terminais, e a outra para
verificar os valores instrumentais dos indivíduos propriamente ditos, a chamada Rokeach Value
Survey (RVS). Em seu trabalho, procurou ainda diferenciar valores em relação a outros
construtos como atitudes e traços de personalidade, demonstrando que valor, na sua pesquisa,
constituiu-se de um construto legítimo e específico.
Outro estudioso da Psicologia, Schwartz (1992, 2005, 2006; Schwartz, Cieciuch,
Vecchione, Davidov, Fischer, & Konty, 2012), tem contribuído para o desenvolvimento da
teoria de valores, mas no contexto organizacional. Em seus estudos, o autor define cinco
características necessárias para a composição do que seja valor: as crenças devem estar ligadas
às emoções do indivíduo; são um construto motivacional, vão além de situações ou ações
54
específicas, sendo, portanto, abstratos; transcendem situações e ações específicas, e, por isso,
são considerados objetivos; são considerados como um guia para a escolha e avaliação de ações
por parte dos indivíduos; e por fim, são estabelecidas prioridades entre eles (Schwartz, 2005).
O autor ainda acrescenta mais duas características no seu modelo atual: a importância relativa
dos múltiplos valores guia a ação, e que o impacto dos valores nas decisões cotidianas raramente
é consciente (Schwartz et al., 2012; Schwartz, 2017).
Em sua teoria, o instrumento criado foi Schwartz Value Survey (SVS), composto
inicialmente por 57 itens, dentro de dez tipos motivacionais, numa segunda etapa de
aprimoramento (Schwartz, 1992), e depois desenvolveu Portrait Value Questionnaire (PVQ),
aplicado em escala mundial, com uma amostra de aproximadamente 40 países, distribuídos nos
cinco continentes, permitindo corroborar as pesquisas aplicadas anteriormente no que se refere
a sua Teoria de Valores (Schwartz, 2005). No instrumento SVS, Schwartz estabelece critérios,
organiza e define os valores em dez grupos dentro de uma estrutura circular num primeiro nível,
a saber: Poder, Realização, Estimulação, Hedonismo, Autodeterminação, Universalismo,
Benevolência, Tradição, Conformidade e Segurança (Schwartz, 1992; Schwartz et al., 2012).
Num segundo nível do seu modelo, Schwartz determina a relação entre os valores pessoais e os
tipos motivacionais dos indivíduos, num propósito de estabelecer as semelhanças e as
diferenças entre eles, por meio dos propulsores motivacionais para as ações e comportamentos.
A partir destas relações, o autor propõe dimensões bipolares, com base nos valores individuais
e seus objetivos, entendidas como: “abertura à mudança” (autodeterminação e estimulação) se
contrapõe as de “conservação” (segurança, tradição e conformidade), e a outra são os valores
de “autotranscendência“ (universalismo e benevolência) que se contrapõe aos de
“autopromoção” (poder e realização); hedonismo pode situar-se em abertura à mudança ou
autopromoção, o que dependerá da amostra (Schwartz, 1992; Schwartz et al., 2012), são
chamados valores do tipo motivacionais de segunda ordem, e na terceira ordem, o autor define
que são narrativas de vida autodefinidas (Schwartz, 1992, 2017; Schwartz et al., 2012). Cabe
ressaltar que Rokeach (1973) e Schwartz (1992) localizam os valores no segundo nível.
Os valores descritos em seus modelos (Rokeach, 1973; Schwartz, 1992, 1994, 2005,
2012) são considerados socialmente aceitáveis, e que os indivíduos usam para se comunicar ou
contrabalancear seus valores, pois são como transformações cognitivas ou emocionais de
necessidades ou conduzem aos objetivos. Com base nos três requisitos universais com os quais
os valores ajudam a lidar, Schwartz (1992) definiu dez valores amplos de acordo com a
motivação que está subjacente a cada um. Presumivelmente, esses valores abrangem a gama de
55
valores distintos motivacionalmente, e que são reconhecidos em todas as culturas. Em pesquisas
recentes sugerem que muitos desses valores podem ser subdivididos para formar 19 valores
mais estreitamente definidos que também são reconhecidos em culturas (Schwartz et al., 2012).
Assim, os valores são adaptações características moldadas pela interação de traços básicos de
personalidade e das oportunidades e restrições do mundo social e natural, utilizados nesta tese,
representadas por uma figura geométrica bidimensional, conforme mostra a Figura 3.
Figura 3
Teoria de Valores de Schwartz.
Fonte: Schwartz, et al. (2012). Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social
Psychology, 103, 663-688.
Com base no modelo proposto, os valores são adaptações de características moldadas
pela interação de traços básicos de personalidade e as oportunidades e restrições do mundo
social e natural, servindo de balizador para a tomada de decisão pessoal (Schwartz, 2017). Os
valores sociais desenvolvidos no ES, por vezes, transcendem situações específicas, possuem
importância relativa e variável, e servem como princípios orientadores da ação, onde o locus de
atuação é o indivíduo dentro do contexto social (Schwartz, 1992, 1994, 2005; Schwartz et al.,
2012).
56
A partir dos conceitos de Schwartz (1992), o termo '' valor social '' é sugestivo e possui
uma ampla gama dos significados e, assim, tem sido objeto de análise e debate, mas refere-se a
avançar o bem-estar comum numa comunidade, e em atividades que criam valor social por meio
de diversas formas, e quatro fatores que dificultam sua mensuração, pois são: subjetivos,
negociados entre as partes interessadas, contingentes e abertos à reavaliação reunindo
elementos incomensuráveis que não podem ser facilmente agregados dentro de uma métrica
única, inseparáveis quando se trata de atividade social (Young, 2009). O ES cria valor no
momento da sua prática, com a integração da criação de valor econômico, seja pela combinação
de recursos e novas formas de utilização, pelo aproveitamento de oportunidades que faz a
mudança acontecer ou a satisfação das necessidades de uma comunidade.
A definição de valor social a partir da ótica da gestão, por sua vez, faz com que os
indivíduos compartilhem seus valores pessoais com os valores do mundo real, e nas
organizações eles influenciam o ambiente de forma a contribuir com as metas, a estrutura, os
processos e também com a cultura das organizações. Tendo em vista esta compatibilização, os
indivíduos são atraídos por organizações que tenham valores organizacionais que sejam
similares aos seus, e que contribuirão para reforçá-los nestes ambientes (Schneider, 1987). A
motivação também contribui para a compatibilização entre os objetivos individuais e
organizacionais, fazendo com que os indivíduos busquem valor nas suas atitudes em prol de
objetivos mais amplos na organização (Maurino & De Domenico, 2012; Schneider, Goldstein,
& Smith, 1995; Tamayo, 2005), e a motivação é o que impulsiona trabalhar numa organização
com causa social, fazer o bem ou ainda melhorar a vida das pessoas.
O termo ''valor social '' é sugestivo numa ampla gama dos significados e tem sido objeto
de análise e debate, mas refere-se a avançar o bem-estar comum numa comunidade, e em
atividades que criam valor social por meio de diversas formas, Leal et al. (2015, p. 54) ressaltam
também que associar “a linguagem e a filosofia do blended value são os maiores desafios na
área, justamente por serem diferentes no âmbito dos negócios e da filantropia”, e por meio deste
“traz de novo a possibilidade de reconhecimento e medição desses ganhos sociais e ambientais.”
No contexto das organizações sociais, apesar de não possuírem como objetivo principal o lucro,
devem apresentar resultados positivos que possibilitem o seu reinvestimento, que seria o valor
social gerado pelo próprio empreendimento, promovendo assim a sua sustentabilidade, por
meio do reinvestimento dos ganhos obtidos na geração de sua atividade social (Leal et al., 2015;
Silva & Pires, 2015).
57
Uma metodologia utilizada para a medição de valor social em organizações sociais é a
chamada Social Return of Investment (SROI) ou Retorno Social do Investimento (SROI),
proposta pela The Roberts Enterprise Development Fund (REDF), no ano de 1996, que tem por
objetivo mensurar a rentabilidade de um empreendimento social (Emerson, Wachowicz, &
Chun, 2001), e tem ganho “progressivamente relevância para as organizações e para os seus
investidores” (Kisil & Fabiani, 2016, p. 109). É uma das tentativas dentro da área de gestão em
buscar medidas de desempenho que contribuam para a mensuração do valor econômico em
organizações do terceiro setor (Fregonesi, Araújo, Assaf Neto, & Andere, 2005). Ainda existem
poucos estudos que atentem para a medição de valor social nos empreendimentos sociais,
destacando-se organizações como Fórum Econômico Mundial, Rockefeller Philanthropy
Advisors, Bill and Melinda Gates Foundation, gerando assim poucas teorias a respeito deste
tipo de medição (Kisil & Fabiani, 2016; Leal et al., 2015, Limeira, 2009).
As organizações sociais vivem sob a constante ameaça da escassez de recursos, apesar
de que o ganho financeiro aliado ao ganho social, nem sempre consegue ser mensurados,
gerando a falsa ideia de que ambos são incompatíveis, podendo contribuir intrinsicamente para
os dois (Leal et al., 2015), um dos problemas desta metodologia é que ele não consegue capturar
e quantificar os aspectos que envolvem a criação de valor social, pois sua origem são os
balanços contábeis dos empreendimentos (Giehl, 2014; Leal et al., 2015). O ES envolve a
entrega de um valor social aos menos privilegiado por meio de negócios financeiramente
independentes, autossuficientes ou sustentáveis (Abu-Saifam, 2012), e muito se tem discutido
sobre o que são os valores e como são reconhecidos e utilizados nas sociedades contemporâneas
(Bernardino, 2013). Outra ferramenta que contribui para a medição de impacto socioambiental
e financeiro dos empreendimentos sociais e investimentos de impacto é a Global Impact
Investment Network (GIIN), uma rede de investidores e filantropos promovida pela Fundação
Rockefeller, visando construir uma referência conceitual para a análise do impacto dos
investimentos (Limeira, 2009).
Dando continuidade às definições acerca de valor social, segue-se para a definição no
campo da sociologia. Um dos trabalhos mais importantes de Max Weber é sobre o conceito de
valor e tem contribuído para a discussão na área de ciências sociais. Para Weber, a avaliação da
adequação dos meios para a realização de um determinado valor, é o que ele chama de “crítica
técnica de valores”, que se relaciona com a multiplicidade dos valores que se manifestam numa
mesma situação, ou em situações diferentes, gerando tensão nos indivíduos, provocando
58
dicotomias entre a adesão a um valor e posteriormente encontrar outro com a mesma verdade
(Weiss, 2014).
Numa perspectiva mais moderna, Inglehart (1977, 1990, 1997) define que para atender
as suas necessidades, os indivíduos associam a valores, sejam eles materiais ou imateriais,
partindo da Teoria das Motivações de Maslow (1954), porém limitou-se a dicotomia material e
pós-material. No seu modelo, o questionário World Values Survey (WVS) versão sete está
estruturado em 14 subseções temáticas, incluindo a demografia, como segue: valores sociais,
atitudes e estereótipos, bem-estar social, capital social, confiança e organização, valores
econômicos, corrupção, migração, índice pós-materialista, ciência e tecnologia, valores
religiosos, segurança, valores e normas éticas, interesse político e participação política, cultura
política e regimes políticos, e demografia (Inglehart, 1977, 1990, 1997; World Values Survey,
2018). Após a aplicação do modelo, o diagnóstico resulta em indicadores que são agrupados
conforme as prerrogativas materialista ou pós-materialista, apresentando um resultado
dicotômico do país ou países analisados. A perspectiva sociológica de valores de Inglehart
mostra que existem mudanças que ocorrem pela transformação na ordem social e econômica
das sociedades, e que já atingiram níveis básicos de conforto social; são as chamadas sociedades
pós-materialistas. E, por outro lado, as sociedades que enfrentam problemas de escassez
econômica, dando prioridade aos bens materiais, escassez de recursos financeiros e estruturais,
as chamadas sociedades materialistas; isto faz com os valores em ambas as sociedades
provoquem ou não mudanças na hierarquia de valores (World Values Survey, 2018), conforme
mostra a Figura 4.
59
Figura 4
Tipologia de Valores Materialistas e Pós-Materislistas de Inglehart.
Fonte: Estramiana, J. L. A., Pereira, C. R., Rodríguez Monter, M., & Zlobina, A. (2013). Valores Sociais. In L.
Camino, A. R. R. Torres, M. E. O. Lima, & M. E. Pereira. Psicologia social: temas e teorias. Brasília/DF:
Technopolitik.
Em pesquisa WSV realizada na Espanha, Ferrer et al. (2014) afirmam que com base
num estudo quantitativo e com apoio nas variáveis: índice de autonomia; importância de Deus
para a vida; o aborto é justificável em alguma situação; sentimento de orgulho nacional; maior
respeito à autoridade; interesse por política; voto no partido; e valores pós-materialistas para a
variável independente: importância em viver em uma democracia; a Espanha representa um
país pós-materialista, pois “observa-se uma maior presença de valores seculares e uma distância
entre aqueles que possuem valores pós-materialistas e aqueles que possuem valores
democráticos” (Ferrer et al., 2014, p. 55). Ribeiro e Borba (2010) relatam que uma postura
pós-materialista tem maior participação em modalidades não convencionais, preferem objetivos
e valores menos tangíveis, tem assegurada a sua segurança física e econômica, uma maior
preocupação com a sua qualidade de vida e da comunidade, tem a afetividade e a estética em
consideração à ordem econômica e material de onde vivem (Inglehart, 1997).
Já na América Latina, a WVS é realizada pelo Latinobarometro.org, uma organização
não governamental, com bancos de dados em espanhol, e localizada na cidade de Santiago,
Chile. São realizadas pesquisas com base na escala WVS, em 18 países da América Latina,
entrevistando em torno de 20.000 pessoas, num universo de 600 milhões de habitantes. A
60
pesquisa tem por objetivo investigar o desenvolvimento da democracia, da economia e da
sociedade em seu conjunto, usando indicadores que medem as atitudes, valores e
comportamentos destas populações. Os resultados são apresentados anualmente, e utilizados
pelos países pesquisados, governos e mídias de comunicação. Na pesquisa de 2017, a
organização teve apoio do BID (Banco Interamericano de Desarrollo), INTAL (Instituto de
Integración de América Latina), CAF (Banco de Desarrollo de América Latina), do governo da
Noruega e do México (Latinobarometro, 2017; Latinobarometro, 2018).
Na pesquisa realizada na América Latina (AL) no ano de 2017 foram levantadas
questões a respeito da: democracia, conflitos e violência, corrupção, valor do voto, mudança
climática, sentimento econômico na AL e economia. No que refere ao crescimento econômico,
apresentou efeito esperado por meio da diminuição da taxa de fertilidade e acesso a bens de
consumo. O materialismo se caracteriza nesta população quando há o relaxamento dos valores
éticos, o aumento da corrupção, da violência e criminalidade. No que se refere ao
desenvolvimento da AL, tem sido desigual, com líderes aquém de seu papel, e o
desenvolvimento social mais lento que em outras sociedades. A pesquisa identificou que a falta
de liderança social e política tem provocado as maiores deficiências na região, fazendo com que
o crescimento econômico não tenha agenda, ou se tem, prejudica os outros objetivos. Os graus
de liberdade têm aumentado, a pobreza começa a se posicionar num patamar superior, ocupando
espaços na classe média dos países da região, entretanto não se beneficiam do crescimento
econômico, gerando conflito e desigualdade econômica. As tensões ocasionadas pelas
mudanças de ideologia têm provocado mudanças nos governos, porém existe um afastamento
das ideologias por meio da indiferença aos tipos de regime, as pessoas já não se polarizam em
esquerda/direita, mas sim numa perspectiva de retorno das antigas ideologias, por meio da
permanência no poder. Este distanciamento tem implicações como uma maior dificuldade em
governar, fragilidade dos parlamentos e uma ruptura dos avanços que estão por vir
(Latinobarometro, 2017).
2.2.1 Criação de Valor Social
A criação de valor social no empreendedorismo social promove uma atividade
inovadora, e neste processo de criação de valor há um forte componente, que é a inovação de
produtos, processo ou serviço. O ES discute a criação de valor social como resultados a
resolução de problemas sociais (Dees, 2001). Neste sentido, a inovação desenvolve um papel
61
de aplicação de novas tecnologias ou abordagens num esforço para criar valor social em espaços
que se pretende solucionar problemas sociais (Austin et al., 2006; Dess, 1998). No ES, a criação
de valor pode ser feita pela combinação dos recursos de novas maneiras, que por sua vez
contribuem para a exploração de oportunidades para criar valor social, gerando a mudança
social e a satisfação das necessidades sociais, por meio da oferta de produtos e serviços, e
podem gerar novas organizações com objetivos correlacionados ou distintos na criação de valor.
Diferentemente das empresas comerciais que visam primeiramente o lucro, o resultado maior
do empreendimento é a melhoria da vida dos indivíduos e da comunidade, por meio da
resolução de problemas sociais e por consequência a criação de riqueza (Dees et al., 2004;
Bornstein, 2004; Austin et al., 2006; Kickul et al., 2012; Bernardino, 2013), sendo o valor total
criado equivalente a soma das conquistas sociais e econômicas de uma organização social
(Bellostas, López-Arceiz, & Mateos, 2016). O valor social a que se propõe o ES varia de
domínios, circulando pelo econômico e social, apontados como a área de reconhecimento
tradicional, mas também em áreas como saúde, educação, ambiente, direitos humanos, entre
outros (Mair, Battilana, & Cardenas, 2012).
Pode-se considerar que a criação de valor (CVS) é um elemento central que ocorre no
ES, sendo considerada como parte de um processo na identificação de problemas específicos,
ou que tenha soluções próprias, em comunidades que há a carência e a necessidade social a ser
atendida, resultando na criação de valor social (Bacq & Janssen, 2011; Dees, 1998; Peredo &
McLean, 2006; Robinson, 2006; Seelos & Mair, 2005). Nem sempre a CVS pode ser atendida
de forma simultânea, pois os custos econômicos inerentes a manutenção do empreendimento
na sua maioria são escassas ou limitadas, dependendo muitas vezes dos financiamentos ou
parceiros para o desenvolvimento das atividades. Entretanto, como o objetivo de um
empreendimento é a solução de problemas sociais, a riqueza social gerada é subjacente ao valor
social, mudando assim conforme os contextos (Baker & Nelson, 2005; Bernardino, 2013; Pache
& Chowdhury, 2012). Neste sentido, o empreendedorismo social é um processo que envolve a
utilização inovadora e combinação de recursos para prosseguir com as oportunidades, catalisar
a mudança social e/ou responder às necessidades sociais. As organizações com objetivos sociais
conseguem explorar a criação de valor social para a melhoria do contexto onde estão inseridas,
mas a criação de valor econômico é uma maneira de criar valor para a sociedade, por meio do
atendimento das suas necessidades e desafios (Crane, Palazzo, Spence, & Matten, 2014).
As externalidades positivas da criação de valor contribuem para promover as ações de
ES, tornando o empreendimento mais eficiente no alcance de resultados, apresentando assim,
62
uma dicotomia entre o empreendedorismo comercial e o social, onde o primeiro busca a captura
de valor por meio da contabilização do custo da oportunidade, e o segundo cria valor por meio
da agregação de melhorias para a sociedade, ou um sistema social no desenvolvimento de uma
solução sustentável para os problemas sociais (Santos, 2012). O autor afirma que a criação de
valor acontece numa organização social “quando a utilidade agregada dos membros da
sociedade aumenta depois de contabilizar o custo de oportunidade de todos os recursos
utilizados na atividade "(Santos, 2012, p. 337). Por outro lado, Agafonow (2014) informa que
nem todas as soluções disponíveis para os empreendedores sociais são capazes de criar valor
ou as estratégias de captura de valor contribuem para atender um objetivo social. Ele afirma
que a criação de valor se dá pela redistribuição de recursos criados de um lado, e distribuídos
em forma de ações nos empreendimentos sociais do outro, criando o valor que preconiza o
empreendedorismo social. Contrapõe ao argumento de Santos (2012) que relata que o sentido
da criação de valor sob a ótica econômica assumida pelos empreendedores sociais é a captura
de valor, pois este acontece quando é investido em um empreendimento social, e a captura de
valor não cria valor quando aplicada neste sentido, não criam valor para a economia, pois muitas
externalidades produzidas pelas organizações sociais não podem ser mensuradas. Outro
argumento utilizado por Pirson (2012) é que o equilíbrio entre o valor financeiro e a estratégia
social deve ser orientado de forma que a criação de valor seja compartilhada ao longo do tempo,
tornando assim esta relação um ponto de equilíbrio para o empreendimento e os stakeholders.
Sob a ótica da gestão, afirma que o novo valor é criado quando empresas desenvolvem
ou inventam novas maneiras de fazer as coisas utilizando novos métodos, novas tecnologias ou
ainda novas formas de matéria-prima. Assim, quando a organização é a unidade de análise, a
inovação e as atividades de invenção impactam a criação de valor do processo (Porter, 1985).
No que se refere ao conceito de valor, ele apresenta dois componentes principais:
• Valor de uso percebido, ou seja, o valor é subjetivo e definido pelos clientes, levando
em consideração suas percepções quanto à utilidade do produto, representando o valor
monetário que o cliente está disposto a pagar para o produto ou serviço da organização;
• Valor de troca é realizado quando o produto ou serviço é vendido efetivamente. As
vendas são alcançadas quando os clientes que compram os produtos e serviços, e conferem um
valor maior, que por sua vez representa o excedente para pagamento da estrutura organizacional
e a utilização dos recursos envolvidos no processo produtivo, onde finalmente o intercâmbio
valor é realizado (Bowman & Ambrosini, 2000; Walter, Ritter & Georg, 2001). Os recursos ao
serem utilizados na organização podem ser definidos o quanto são valiosos, e por outro lado
63
permitem que as necessidades dos clientes sejam satisfeitas, possibilitando à empresa uma
produção a custos mais baixos do que os concorrentes (Barney, 1986). A conjunção entre a
criação de valor e a gestão de recursos dá-se a partir da forma como a gestão ocorre e requer
práticas de interação sistemáticas (Silva, 2011). Bowman e Ambrosini (2000) afirmam que a
teoria da geração de valor é definida quando a fonte de valor e, portanto, os lucros (proporção
de valor captada pela empresa) tenham a combinação e implantação do trabalho com outros
recursos. Ainda para os autores, as percepções do bom valor baseiam-se nas crenças sobre os
bens, necessidades, experiências únicas, quer sejam os desejos e expectativas dos clientes, pois
os clientes avaliam o valor global de um produto ou serviço pela percepção do que é dado e do
que é recebido.
Apesar da importância do tema para a área de gestão, é difícil encontrar consenso sobre
a definição de criação de valor. Felin e Hesterly (2007), centram-se no nível individual de
análise e afirmam que a compreensão do processo de criação de valor deve começar por este
nível, tendo como foco o conhecimento inicial dos indivíduos na criação de valor no processo.
Quando a organização é a fonte de criação de valor, as questões relativas à inovação, criação
de conhecimento, invenção, e gestão podem ganhar destaque. Segundo Lepak et al. (2007), a
criação de valor pode ser feita de duas formas: (1) a conceituação universal única e, (2) uma
contingência perspectiva que explica como o valor é criado a partir do ponto de vista ou
perspectiva de uma fonte particular. A criação de valor no âmbito individual envolve
criatividade e desempenho no trabalho, na organização pode significar inovação e criação de
conhecimento, e, para a sociedade pode envolver inovação da empresa e do espírito empresarial,
bem como as políticas e incentivos para o empreendedorismo. No nível individual, muitos
atributos diferentes podem servir como base para o desenvolvimento de isolamento de
mecanismos que permitem a fonte de criação de valor para capturar valor, incluem posição
única dos indivíduos em um contexto de rede social, a natureza do seu relacionamento com os
outros selecionados na organização, e sua experiência ou conhecimento especializado, o
conhecimento tácito particularmente obtido a partir do desempenho da nova tarefa ou criação
do novo produto ou serviço. Além disso, os indivíduos, as organizações e a sociedade podem
ter interesses e pontos de vista concorrentes sobre o que é valioso. Uma importante área de foco
para pesquisa de criação de valor é examinar como as fontes equilibram as tensões potenciais
de diferentes metas na criação de valor. A maior compreensão da criação de valor pode ajudar
os indivíduos, organizações, a avançar na sociedade e prosperar num mundo competitivo
(Lepak et al., 2007).
64
A definição de CVS envolve um comportamento considerado virtuoso, com objetivos
altruístas dos empreendedores sociais, na realização de um propósito de cunho social, levando
em consideração valores como liberdade, igualdade e tolerância por parte dos integrantes de
um empreendimento social (Bernardino, 2013; Choi & Majumdar, 2013). A criação de valor
econômico não é incompatível, mas secundário ao processo de criação de valor (Zhang &
Swanson, 2013), reforça a criação de valor social (Ganzaroli, De Noni & Pilotti, 2014), e ainda
demonstra que a criação de ambos não deve ser vista como inconsistente ou incompatível, mas
sim, que promove a sinergia para as ações do empreendimento, otimizando a criação do valor
total (Sundaramurthy et al., 2013), ressaltando que para alguns autores (Clercq & Honig, 2011;
Kickul et al., 2010; Leadbeater, 1997), o valor criado restringe-se a segmentos da população
que é atendida, mas outros (Perrini & Vurro, 2006; Seelos & Mair, 2005) afirmam que o valor
criado é tanto para o segmento quanto para a sociedade. O dilema da criação de valor social
está longe de ser resolvido, pois os empreendimentos se deparam entre o equilíbrio e o
gerenciamento dos objetivos dos empreendimentos, sejam eles sociais ou econômicos (Pirson,
2012; Leal et al., 2014), além de que muitos querem depender o mínimo possível de
financiamentos, subvenções ou repasses governamentais, promovendo e gerando sua própria
renda, tornando-se assim competitivo no seu mercado (Faller, Estivalete, Ferreira, Costa &
Andrade, 2016).
No processo de criação de valor para a sociedade, Aslund e Backstrom (2015) ressaltam
que a dificuldade de comparabilidade do processo de criação de valor está ligada onde ele é
gerado, pois a heterogeneidade das intervenções sociais, dependendo o contexto pode ter
significados distintos, ou seja, o tratamento para a melhoria do bem-estar em pessoas com
discapacidade nos diversos estágios de vida é diferente da geração de emprego e renda em
comunidades pobres em países em desenvolvimento (Austin et al., 2006; Dacin et al., 2010;
Nicholls, 2009).
Outro fator que contribui para o caráter heterogêneo é o que chamam de elemento social,
ou seja, os contextos onde estes processos são desenvolvidos, e por fim, os diferentes contextos
e os fatores socioeconômicos, pois geram a criação de valor social em diferentes níveis devido
às condições do próprio empreendimento em fazê-lo (Aslund & Backstrom, 2015; Austin et al.,
2006; Choi & Majumdar, 2014; Dacin et al., 2010; Mair & Marti, 2006; Nicholls, 2008), num
processo que resulta em valor para uma determinada sociedade (Ganzaroli et al., 2014). Bacq
e Jansen (2011) afirmam que a predominância dos objetivos sociais sobre os econômicos,
contribui para que os últimos tenham características secundárias para o empreendimento, mas
65
interferem na consecução dos objetivos organizacionais. O ideal é a combinação entre os dois,
social e econômica, mas com predominância do social, para que o empreendimento seja
norteado pela sua real intenção e missão social.
As empresas sociais quando combinam suas atividades com seus objetivos podem criar
valor social por meio da eficácia organizacional, apesar de haver mais modelos, eles afirmam
que estes são os mais significativos pelos resultados que alcançam para os empreendimentos
sociais e geração de valor social. O primeiro modelo é chamado de organização incorporada,
criado por Kushner e Poole (1996), onde verificaram a relação entre a eficácia das organizações
sociais na criação de valor social por meio de cinco componentes: satisfação dos participantes,
adequação de recursos, eficiência da operação, realização dos objetivos da empresa e
capacidade de se adaptar a uma mudança do meio ambiente. Neste modelo, há uma interação
positiva entre satisfação dos participantes, adequação de recursos, eficiência da operação,
gerando eficácia na organização por meio da adaptação dos recursos disponíveis. Entretanto,
no modelo ficou constatado que a sustentabilidade é vulnerável em relação à capacidade de
adaptação ao meio ambiente, colocando em xeque a criação de valor social dos
empreendimentos estudados. Esta limitação mostrada pelo modelo pode comprometer o apoio
financeiro aos empreendimentos, bem como outras formas de incentivo que os
empreendimentos necessitem. Entretanto quando a sustentabilidade promove a capacidade de
adaptação da organização, resulta em eficácia organizacional para todo o sistema (Knife,
Haughton & Dixon, 2014). Sundaramurthy et al. (2013) identificaram outros três modos de
criação de valor social, os parceiros do mercado, os sistemas inovadores ou ainda os
empreendedores, que por meio da combinação destes, é possível fazer as conexões entre os
mercados de atuação do empreendimento social. Outros fatores que combinados contribuem
para a criação de valor social é envolver e conscientizar os stakeholders em relação aos
problemas sociais, bem como as soluções que os empreendimentos oferecem, sustentando
assim a criação de valor social para a comunidade (Zahra et al., 2009, Sundaramurthy et al.,
2013).
Chambers e Patrocinio (2011) apresentam um modelo entre negócios e a perspectiva de
valor entre os setores da economia. Os autores argumentam que para setor, há métricas e tipos
possíveis de criação de valor, a organização assim buscando atender seus objetivos por meio de
perspectivas associadas ao valor, como mostra a Figura 05.
66
Figura 5
Perspectiva de valores nos Setores Privado, Público e Terceiro Setor.
Fonte: Chambers, E., & Patrocinio, A. M. (2011). Business Models and Value Creation: A Case Study of the New
York City Economic Development Corporation. Umea, Sweden: UMEA Universitet.
No que se refere ao papel do ES na sociedade é a criação de valor social, por meio das
inovação e possibilidades de trocas na resolução de problemas sociais. Diferente de filantropia
e caridade, o ES na medida em que a criação de valor e o valor social gerado não estão em
conflito, mas o valor social nem sempre é explicito, enquanto a criação de valor resulta de um
esforço produtivo (Dees 2001; Ashoka 2010), e por meio destes esforços os empreendedores
sociais criam valor econômico e social (Acs et al., 2013). O movimento da criação de valor nos
empreendimentos sociais combina com o processo de criação de soluções inovadoras por meio
da descoberta de oportunidades, mobilização e combinação de recursos escassos, alternativas
de fontes de receitas, realinhamento de objetivos e estrutura dos empreendimentos, bem como
um relacionamento com os stakeholders (Bernardino, 2013; Parente et al., 2014). Acs et al.
(2013) definem que o empreendedorismo social é um empreendedorismo que cria valor social,
possuindo, portanto, dois elementos dependentes, que é a criação de valor social e o próprio
empreendedorismo. Diferente da caridade e da filantropia, o ES cria economia e valor social,
enquanto na caridade a intenção do doador pode ser de menor importância que os resultados,
67
numa forma de redistribuição de renda, “dos que tem para os que não tem” (Acs et al., 2013, p.
788). Na filantropia é o foco na criação voluntária de oportunidades e sustentabilidade que pode
ter um empreendimento social, e contribui para a criação de valor, mesmo que indiretamente,
quando oferece um bom exemplo. As diferenças na dimensão de valor social promovidas pelas
diferentes formas de valor social são apresentadas na Figura 06.
Figura 6
Dimensões do valor social.
Dimensões Caridade Filantropia Empreendedorismo
Social
Função Redistribuição de
renda
Reconstituição de
riqueza
Alterar agentes/
inovação social
Estrutura social Obtém a estrutura Realinha a estrutura Altera estrutura
Objetivo Aliviar o sofrimento Oportunidade de
criação
Melhorar as
condições sociais
Sustentabilidade Não sustentável Auto-sustentável Sustentável
Financiamento Doações Fundações Modelo comercial
Prazo
Imediato Longo prazo Médio prazo
Fonte: Adaptado de Acs et al. (2013). The social value of productive entrepreneurship. Small Bus Econ, 40, p.
789.
A dualidade da criação de valor reside no fato de que a criação de valor social, neste
caso ambiental, nem sempre é negativa, reparação de danos, menos destruição, mas também
positiva, quando aborda o desenvolvimento humano, atendendo as necessidades das pessoas
desfavorecidas e solucionando problemas da comunidade. Para as sociedades plurais e
complexas dos dias de hoje, um conceito unilateral de criação de valor é desafiador, pois o que
é novo, bom ou valioso depende da interpretação cultural destes conceitos, não podendo ser
feito de forma linear e objetiva (Lautermann, 2013). A perspectiva de que criação de valor
social é fundamental para a dinâmica desenvolvida nos empreendimentos, de forma que os
atores sociais por um lado trazem as ideias, energia para fazer e competência, construindo novas
formas de enfrentar os problemas sociais, e por outro lado, o resultado econômico gerado é o
motor para o empreendimento, pois contribui para o resultado importante que é a inovação
68
social, que de maneira singular, consolida o progresso social (Martinez et al., 2107). A criação
de valor econômico é considerada um meio para que o empreendimento atinja a criação de valor
social, que contribuirá para a sustentabilidade da organização social, bem como o atingimento
dos objetivos organizacionais e a missão social (Chell, 2007). A criação de valor social coexiste
com a criação de valor econômico, sendo considerado um instrumento para o desenvolvimento
das atividades nos empreendimentos, e a sua escassez contribui para as dificuldades na
organização em gerir o empreendimento, exigindo dos stakeholders a articulação necessária
para que esta limitação não comprometa o papel desenvolvido pelas organizações na sua área
de atuação (Bernardino, 2013).
Hechavarrıa et al. (2017) em seus estudos e seguindo a Teoria de Valores Culturais de
Inglehart, sugerem que os ambientes culturais contribuem para que os comportamentos sejam
do tipo não-conformidade. Em relação aos valores de Schwartz (1992, 2005), os ideais
influenciam os valores éticos dos indivíduos, reforçando os cuidados com os valores de justiça
entre os empreendedores, independente do sexo. Nas sociedades pós-materialistas, o contexto
favorece a internalização de valores organizacionais não-econômicos entre os empreendedores,
principalmente as mulheres. O desenvolvimento humano e o bem-estar nestas culturas reforçam
os valores preconizados pela sociedade pós-materialistas. Nestas sociedades, valores
humanísticos e qualidade de vida contribuem para os objetivos altruístas, aumentando a
possibilidade de expressar os valores sociais e ambientais, impactando sobre a criação de
valores sociais, migrando de valores financeiros dos empreendimentos para os sociais e
ecológicos (Hechavarrıa et al., 2017; Stephan et al., 2014).
Nesta perspectiva, nas sociedades consideradas materialistas, por outro lado, ocorre um
dilema que por meio do empreendedorismo social, os governos não conseguem gerenciar os
problemas e os desafios sociais complexos, deixando vazios a serem preenchidos por meio da
atuação dos empreendedores sociais (Dacin et al., 2010, Stephan et al., 2014). Neste contexto,
os empreendedores sociais buscam a criação de valor econômico, e em menos proporções o
social. Nas sociedades materialistas, os empreendimentos sociais podem criar valor social na
medida em que conseguem transformar a vida das pessoas desfavorecidas socialmente, e que
muitas vezes não podem pagar por serviços ou o Estado não os oferece de forma adequada
(Hechavarrıa et al., 2017, Williams & K’nife, 2012).
Em estudos mais recentes, autores reconhecem que a criação de valor ocorre em três
dimensões, a saber, a geração de valor, a captura de valor e o compartilhamento de valor
(Cherriera, Goswamib, & Rayc, 2017; Hlady-Rispal & Servantie, 2018). A convergência destes
69
termos é importante, pois na medida em que o ES evolui e causa mudanças sociais, necessitando
adequações e importação de outros campos de conhecimento (Hlady-Rispal & Servantie, 2018).
A geração de valor (GV) consiste em valores e habilidades dos empreendedores sociais
juntamente com os modelos de governança e a forma jurídica de constituição dos
empreendimentos sociais. Os autores salientam que a GV é a primeira etapa do empreendimento
e precisa ser a prioridade, pois permite ver de antemão quais os benefícios que serão gerados,
combinando perfil dos beneficiários, o ajuste entre a proposição de valor social que se pretende
e as necessidades emergentes do próprio empreendimento (Austin et al., 2006; Krau, Filser,
O’Dwyer, & Shaw, 2014; Hlady-Rispal & Servantie, 2018). Numa segunda etapa, a captura de
valor consiste em dotar os empreendimentos sociais de uma estrutura que gere eficiência e
promova interesse por meio de investidores, sejam eles doadores, filantropos ou investidores
de causas sociais, pois como geralmente os empreendedores lidam com recursos escassos, a
diversificação de receita contribui para a manutenção do empreendimento (Seelos & Mair,
2005). E por fim, o compartilhamento de valor, que diz respeito às trocas necessárias para que
os empreendimentos possam manter-se, por meio de redes que possibilitem o compartilhamento
de recursos, as trocas entre os stakeholders, ou ainda outros benefícios que possam auxiliar-se
mutuamente no cumprimento de seus objetivos e missão social (Hlady-Rispal & Servantie,
2018).
Sob a ótica de resultados, Hechavarrıa et al. (2017), informam que as atividades e os
resultados dos empreendimentos capturam valor para a organização, stakeholders, a sociedade
e o meio ambiente (Bowman & Ambrosini, 2000), mas estes valores por sua essência são
subjetivos. Afirmam que os individuais criam valor social pela gama de interações, atividades
e relacionamento entre o empreendimento e o ambiente (Lepak et al., 2007), e que os objetivos
de criação de valor orientam as estratégias de ações tanto de forma qualitativa quanto
quantitativa. Os autores ainda afirmam que quando envolvem os aspectos culturais dentro da
perspectiva de Inglenhart (1997), ocorre a influência das metas de criação de valor combinado,
social e econômico, dentro de uma perspectiva pós-materialista. Numa sociedade materialista,
há a priorização de obtenção de recursos financeiros, aquisição de bens, projeção de imagem,
bem como a obtenção de status é importante. Já nas culturas pós-materialistas, as sociedades
priorizam o humanismo, qualidade de vida, direitos humanos, meio ambiente, autorrealização,
entre outros. Na medida em que as sociedades se movem de materialistas para pós-materialistas,
há um movimento de preocupação e interesse em bem-estar dos outros e do meio-ambiente,
ativismo cívico, atitudes pró-ambientais, tornando os cidadãos mais conscientes da
70
interdependência social e com o mundo social (Inglehart, 1997, 1990, 2005). Numa relação
entre empreendedorismo social, as sociedades que estão no nível de pós-materialismo são mais
engajadas ao envolvimento em empreendedorismo social (Stephan et al., 2014; Hechavarria,
2015). Quanto à criação de valor em sociedades materialistas e pós-materialistas, as visões são
diferentes sob o ponto de vista econômico e social, pois ambas são influenciadas de forma
diferente pelos valores disseminados, e tendo também foco diferente no processo de criação de
valor (Hechavarrıa et al., 2017).
Ferri (2011) afirma que o ES é um movimento de proporções mundiais, e que contribui
para a renovação social, promovendo mudanças e resultados significativos para as sociedades.
Numa perspectiva de curto prazo a autora ressalta que ocorre a mudança de mentalidade das
pessoas envolvidas, e de longo prazo é possível ter uma visão mais abnegada e altruísta na
resolução de problemas mais difíceis. Cabe ressaltar que uma das preocupações deste século é
como se dará a geração de valor econômico e social, distribuídas de modo justo e igualitário
entre as pessoas. Num contexto de mudança, necessidades, e de cada vez maior consciência do
que se quer para o futuro, há a necessidade de olhar o empreendedorismo social e o valor social
dele gerado (Miranda Sánchez & Romero Mancheño, 2017).
A Criação de Valor para esta tese é um elemento central que ocorre no ES, a criação de
valor pode ser feita pela combinação dos recursos de novas maneiras, que por sua vez
contribuem para a exploração de oportunidades para criar valor social, gerando a mudança e a
satisfação das necessidades sociais, por meio da oferta de produtos e serviços, e podem gerar
novas organizações com objetivos correlacionados ou distintos na criação de valor (Hechavarrıa
et al., 2017; Leal et al., 2015; Lepak et al., 2007; Mair & Marti, 2006).
71
3 ESCOLHAS METODOLÓGICAS
Neste capítulo serão apresentados os norteadores metodológicos do trabalho, como o
delineamento da pesquisa, a caracterização do objeto de estudo, instrumento de coleta de dados,
análise dos dados e evidências, bem como o esquema geral da presente pesquisa.
3.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO
A metodologia pretende nortear os métodos e procedimentos de uma pesquisa, visando
chegar aos resultados estabelecidos nas etapas inicias, a fim de alcançar o objetivo proposto
que é compreender o fenômeno do processo de criação de valor em empreendimentos sociais
em diferentes contextos. A pesquisa foi exploratória (Creswell, 2010; Mayring, 2000; Martins
& Teóphilo, 2009), por se tratar de um tema relativamente novo, com pouco conhecimento
acumulado e sistematizado dentro do Empreendedorismo Social (Acs et al., 2013; Albert et
al., 2016; Austin et al., 2006; Chell et a.l, 2016; Hechavarrıía et al., 2016; Hlady-Rispal &
Servantie, 2018; Kraus & Filser, 2014; Mair et al., 2012; Medeiros et al., 2017; Pirson, 2012).
No que se referem às escolhas metodológicas, o posicionamento epistemológico da
pesquisadora é interpretativista (Burrel & Morgan, 1979; Schwandt, 2006), pois esse paradigma
acredita em realidades múltiplas, socialmente construídas, que geram diferentes significados
para diferentes indivíduos, e cuja interpretação depende do olhar subjetivo do investigador. A
opção metodológica é a indução analítica, que tem como “prioridade temporal da observação
não estruturada dos feitos não estruturados com a finalidade de gerar conceitos e teorias”
(Penalva, Alaminos, Francés, & Santacreu, 2015, p. 27).
A abordagem para a pesquisa é do tipo qualitativa, pois permite um grau elevado de
interação e comunicação entre o pesquisador e atores investigados (Mayring, 2000; Flick et al.,
2007; Di Domenico et al., 2010; Stake, 2011; Mort, 2012; Weerawardena; Sassmannshausen
& Volkmann, 2013), buscando compreender o mundo como os sujeitos o veem, com a geração
de dados flexíveis no contexto social e sustentada em métodos que contribuem para explicar a
complexidade do contexto, bem como a riqueza informativa dos fenômenos estudados na busca
dos seus significados (Penalva et al., 2015). Este tipo de pesquisa tem como característica a
flexibilidade e permite a simultaneidade do levantamento de dados e informações por meio de
amostra, análise, coleta de dados, informes, fazendo com que a experiência do sujeito adquira
significado (Penalva et al., 2015; Stake, 2011).
72
No que se refere ao método de pesquisa proposto, optou-se por estudos de casos
múltiplos (Creswell, 2010; Neiman & Quaranta, 2014; Stake, 2011; Yin, 2016). Este tipo de
estudo de caso contribui para a construção e desenvolvimento de uma teoria, sendo apropriado
também como ponto de partida para um marco teórico e conceitual, além de ter a possibilidade
de comparação de resultados empíricos diante de fenômenos similares, estabelecendo níveis
mais gerais de teoria, bem como a explicação de causas locais para a compreensão de processos
específicos e contextos definidos (Neiman & Quaranta, 2014). Os estudos de caso foram
realizados por meio da investigação da trajetória dos empreendimentos sociais no Brasil e na
Espanha, pois os objetos de estudo possuem valores intrínsecos, singulares e únicos, que
guardam valores em si próprios, são considerados mais adequados para gerar conhecimento e
validar nos contextos a serem estudados, e contribuem para a comparação dos achados
empíricos e os resultados (Creswell, 2010; Neiman & Quaranta, 2014, Stake, 2011). Estudos
utilizados nesta área de pesquisa foram os de Di Domenico et al. (2010), Weerawadena,
Macdonald e Mort (2010) e Sundaramurthy et al. (2013), Sassmannshausen e Volkmann
(2013).
3.1.1 Técnicas de Coletas dos Dados e Evidências
As fontes de evidências utilizadas no processo de coleta de dados foram as entrevistas
semiestruturadas em profundidade (Penalva et al., 2015; Stake, 2011), como utilizados por
Parkinson e Howorth (2008), Di Domenico et al. (2010) e Wilson e Post (2013), análise de
documentos (Martins & Teóphilo, 2009; Penalva et al., 2015), e observação não participante
(Penalva et al., 2015; Poupart, 2008) nos empreendimentos estudados. Ainda foram utilizadas
as notas metodológicas geradas no trabalho de campo por meio do registro de observações para
orientação dos sucessivos momentos de investigação. Estas fontes de dados primários foram
escolhidas por permitirem obter informações singulares sobre os sujeitos, sobre seus propósitos,
ideias e que muitas vezes o pesquisador não consegue obter em outras fontes de pesquisa
(Creswell, 2010; Stake, 2011; Mendizábal, 2014).
A entrevista semiestruturada em profundidade foi realizada de forma coloquial, a
princípio de maneira individual para que o entrevistado pudesse expor verbalmente suas
opiniões e informações a respeito do tema da pesquisa. Este tipo de entrevista faz com que
entrevistador e entrevistado possam interagir melhor, refinar e esclarecer as informações e por
consequência as suas interpretações, bem como a reformulação de perguntas visando atingir os
73
objetivos propostos, além da possibilidade de produção de discursos (Mendizábal, 2014;
Omedere, 2014; Penalva et al., 2015; Stake, 2011). Ela distingue-se dos outros instrumentos de
pesquisa pela “produção e interpretação da informação” (Godoi & Mattos, 2006, p. 307), ou
ainda pela documentação do máximo de passos possíveis dos procedimentos adotados pelo
pesquisador (Creswell, 2010) e, além disto, possibilita o estabelecimento de um diálogo,
combinando com perguntas previamente selecionadas (Penalva et al., 2015).
Antes do inicio da entrevista propriamente dita, o roteiro inicialmente proposto foi
submetido a dez colaboradores como forma de pré-teste visando analisar principalmente a
coerência das perguntas com os objetivos a serem atingidos. Dentre os colaboradores, sete
retornaram com podenreações às perguntas e sugestões, e dentro das possibilidades dos
contextos pesquisados, foram incoporados ou não, ficando à critério da pesquisadora. Para a
realização da entrevista nos dois contextos, a pesquisadora inicialmente fazia uma explanação
breve dos objetivos do trabalho, bem como usou de uma pergunta introdutória ou “quebra gelo”:
O que fazes aqui? Esta pergunta contribui para que o sujeito ficasse mais à vontade no processo
de investigação, e contribuísse com os objetivos da pesquisa. A seguir, eram feitas perguntas
de cunho pessoal, com objetivo de identificação do sujeito e sua visão de mundo. Na fase
intermediária da entrevista e com o foco no objetivo da pesquisa, formularam-se perguntas em
relação à participação no empreendimento, com a perspectiva de “passado, presente e futuro”,
e questionou-se qual o valor que o empreendimento estudado representava para o sujeito. Ao
final, deixou-se a palavra com o entrevistado para que fizesse suas considerações ou
comentários considerados relevantes (Creswell, 2010; Penalva et al., 2015). As entrevistas
realizadas na Espanha foram no idioma espanhol, traduzidas para o português para facilitar o
tratamento dos dados e informações qualitativas. As entrevistas realizadas no Brasil foram
realizadas no idioma nativo da pesquisadora. As entrevistas individuais com os sujeitos em
ambos os contextos foram gravadas e transcritas de forma literal pela pesquisadora, numa
primeira etapa, e na segunda etapa todas foram revisadas, iniciando simultaneamente a pré-
análise dos dados e informações qualitativas (Duarte, 2004; Penalva et al., 2012; Rapley, 2007,
Stake, 2011). As entrevistas tiveram duração entre 20 minutos e 1h30min, dependendo da
participação do sujeito no empreendimento, desinibição e disponibilidade do entrevistado em
participar do processo de investigação. Para a validação do protocolo de pesquisa, foi
apresentado a sete profissionais, pares e avaliadores externos, bem como aos técnicos de APSA
e especialistas da área. O protocolo de entrevista encontra-se no Apêndice A.
74
Outra técnica de pesquisa utilizada foi a entrevista coletiva, aplicada em grupos
homogêneos, visando a interação dos entrevistados com o objeto da pesquisa (Creswell, 2010;
Penalva et al., 2015). Na Espanha, devido às características do empreendimento e dos
entrevistados, houve a necessidade de adaptação do protocolo de entrevista individual para a
coletiva, pois foi realizada com seis trabalhadores dos Centros Especiais de Emprego (CEE),
com o apoio de um formador laboral de APSA ((Apêndice B). Para a realização da entrevista,
as perguntas foram simplificadas em relação aos demais sujeitos, e revisada pela equipe técnica
da Associação com o intuito de adequar as perguntas ao nível de entendimento dos
trabalhadores do CEE e de forma concomitante, atender aos objetivos da pesquisa. Esta
dinâmica teve como objetivo verificar qual a importância da Associação e a diferença que ela
faz em relação à vida pessoal e profissional, e teve duração em torno de 1h30min. O protocolo
de pesquisa encontra-se no Apêndice A. No Brasil, a entrevista coletiva aconteceu de forma
semelhante ao realizado na Espanha, entretanto com a participação de três participantes do IVG,
especificamente no empreendimento do bairro Monte Serrat, sendo eles integrantes e
beneficiários da Rede, com duração em torno de 1h20min (Apêndice C).
Na pesquisa utilizou-se também a observação direta não participante, onde a
pesquisadora pode fazer a associação entre o objeto de pesquisa, o empreendimento social e os
pressupostos teóricos, fazendo uma relação entre as questões e a imaginação da pesquisadora.
A observação foi realizada de forma temporal e contínua, e ao final foram elaboradas as notas
metodológicas com base na observação realizada (Mendizábal, 2014; Penalva et al., 2015;
Stake, 2011).
Na Espanha, a utilização da técnica observação direta não participante foi realizada na
Central de Reprografia de APSA/CEE localizada na Universidade de Alicante. Esta observação
buscou verificar a forma de organização do trabalho no empreendimento, a interação entre seus
membros e com os clientes. Foram realizadas três observações de 1h30min em cada uma delas,
em horários distintos de funcionamento, distribuídos em manhãs e tardes, em dias diferentes da
semana, entre janeiro e fevereiro de 2017.
No Brasil, a utilização desta técnica de pesquisa teve como objetivo verificar a interação
e integração dos membros dos empreendimentos em atividades como: grupo de trabalho de
voluntários, grupo técnico pedagógico da Rede e grupo de alunos de universitários apoiados
pela Rede IVG. As observações foram realizadas entre agosto e setembro de 2017.
Na coleta de dados secundários, utilizou-se como técnica de apoio a análise documental
por meio de relatórios, atas, fotos, imagens e vídeos, legislações, sites de internet, com o
75
objetivo de levantamento de informações a respeito do empreendimento social disponibilizados
para a pesquisadora (Creswell, 2010; Martins & Teóphilo, 2009). Na Associação APSA teve-
se acesso a documentos como: estatuto, código de ética, relatório de atividades, artigos
publicados no sítio de internet, documentos de apoio às atividades dos associados, relatórios
diversos. No Brasil, teve-se acesso também a estatutos, relatórios de atividades, livros, artigos
e documentos que norteiam as atividades do empreendimento.
Pelas características da pesquisa qualitativa, a triangulação dos métodos fez-se
necessária para coleta das informações qualitativas sob três enfoques diferenciados, garantindo-
se assim a confiabilidade necessária gerada pela utilização de múltiplas fontes de evidências,
além de corroborar para a validade do estudo (Yin, 2016). As triangulações das técnicas podem
ser de quatro tipos: por meio de fonte de dados, por pesquisadores, teorias ou metodológica
(Martins & Teóphilo, 2009; Yin, 2016). Por meio da triangulação também é possível
fundamentar os conhecimentos obtidos pelos métodos qualitativos, validando assim os
resultados e os procedimentos utilizados por meio do incremento do alcance, da profundidade
e consistência das técnicas metodológicas empregadas (Flick, 2012), como pode ser observado
na Figura 7.
Figura 7
Triangulação Metodológica da Pesquisa.
Fonte: Dados da Pesquisa, 2017.
76
A triangulação utilizada foi a metodológica, por ser possível ter mais confiança e
perceber as diferenças entre os significados e os fatores, por meio de diferentes métodos
considerados realmente importantes, permitindo que a pesquisa fosse melhorada em diversos
aspectos (Flick, 2012, Stake, 2011; Yin, 2016).
Devido à natureza da pesquisa empírica, a utilização de várias técnicas de coletas de
dados contribuiu para um levantamento amplo das informações qualitativas, como nas
pesquisas de Di Domenico et al. (2010), Weerawardena e Mort (2012), Weerawadena et al.
(2010) e Sundaramurthy et al. (2013), Wilson e Post (2013).
No que se refere aos critérios de validade e confiabilidade da pesquisa, tiveram como
base os controles estabelecidos pela pesquisadora ao longo do processo de coleta. Para o
critério validade, buscou-se garantir a interpretação correta das falas dos sujeitos, bem como
estabelecer contrapontos nos discursos, contrastando com as interpretações próprias e dos
sujeitos. Para o critério confiabilidade buscou-se garantir por meio da variedade de discursos a
serem interpretados, por meio da combinação de amostra de sujeitos que garantissem a
diversidade de papéis nos empreendimentos, até que se encontrasse a saturação teórica. Os
sujeitos da pesquisa, tanto no Brasil quanto na Espanha, ocupam os mais diversos cargos nos
empreendimentos, bem como papéis distintos e simultâneos, considerando também o papel
preponderante dos multistakeholders (Creswell, 2010; Flick, 2012; Penalva et al., 2015).
O processo da presente pesquisa consistiu na utilização de uma metodologia de pesquisa
cíclica, com aspectos de flexibilidade e adaptação contínua do processo visando novas
inter1pretações e formas de ver o objeto pesquisado sob a ótica da pesquisadora e das relações
entre as informações coletadas (Flick, 2012), conforme mostra a Figura 8.
77
Figura 8
Processo de pesquisa.
Fonte: Dados da Pesquisa, 2017.
3.2 SUJEITOS DA PESQUISA
Para realização da pesquisa, delimitou-se a área de empreendedorismo social, pois este
campo de estudo tornou-se um fenômeno global e que impacta a sociedade por empregar
abordagens inovadoras na resolução de problemas sociais, provenientes tanto do setor privado
quanto do setor sem fins lucrativos (Austin et al., 2006). Foram escolhidos empreendimentos
sociais que atuam no Brasil e na Espanha por acessibilidade e conveniência, garantindo que o
estudo do fenômeno fosse analisado sob diferentes datas, lugares e pessoas (Flick, 2012). As
unidades de análise selecionadas foram dois empreendimentos sociais: o primeiro na
Comunidade Valenciana/Espanha e o segundo em Santa Catarina/Brasil, justificando-se pela
sua representatividade nas comunidades onde estão inseridas e por terem papel significativo de
desenvolvimento comunitário, como seguem:
1) Na Espanha: o empreendimento social pesquisado foi a Asociación APSA, com
sede na cidade de Alicante, na Província de Alicante, Comunidade Valenciana. Foi
fundada no ano de 1962, com 55 anos de funcionamento, possui importante papel de
78
inclusão de pessoas com discapacidade em ambientes sociais, econômicos e culturais
naquela comunidade. Tem Declaração de Utilidade Pública pelo Conselho de Ministro
em 20/02/1970, e Declaração de Interesse Municipal de Alicante em 28/01/1981. Outros
reconhecimentos podem ser acessados em www.asociacionapsa.com.
2) No Brasil: o empreendimento social pesquisado foi o Rede IVG (Instituto Padre
Vilson Groh), que tem como sede a cidade de Florianópolis, estado de Santa Catarina.
O Instituto Pe. Vilson Groh tem 37 anos de funcionamento por meio de diversos
empreendimentos localizados em comunidades empobrecidas e vulneráveis, e possui
importante papel de inclusão de pessoas na Grande Florianópolis. Foi uma das finalistas
do Prêmio Melhores ONGs Época Doar/2017. Tem reconhecimento de Utilidade
Pública Municipal de Florianópolis pela lei 9013/2012, e como Utilidade Pública no
estado de Santa Catarina pela lei 19.562/2013. Outros prêmios e conhecimentos podem
ser acessados em www.redeivg.com.br.
A pesquisa nos empreendimentos sociais foi realizada primeiramente na Espanha, no
período entre dezembro de 2016 e maio de 2017, e a pesquisa no Brasil foi realizada entre julho
e outubro de 2017.
Para a seleção dos sujeitos, primeiramente utilizau-se o principio da representatividade
em relação ao tema pesquisado. Cabe ressaltar que não são baseados em estratificação ou outro
fator relacionado a seleção, mas sim pelas contribuições que os mesmos podem trazer para a
teoria em construção, podendo ser: subgrupos de uma população, atividades desenvolvidas e
correlacionadas, objetivos comuns, entre outros (Strauss, 1987). O segundo fator foi a
amostragem teórica, que tem por característica ser proposital, que está relacionado ao processo
de coleta e análise de dados simultâneo, pois a partir dai o pesquisador busca quem pode
contribuir para a teoria que está emergindo (Glaser & Strauss, 1967).
Para a seleção dos sujeitos da pesquisa, o critério de escolha foi por conveniência, não
probabilístico e proposital (Flick, 2012, Glaser & Strauss, 1967, Penalva et al., 2015), pois
contribuem para a investigação de maneira pontual e específica por meio das opiniões, falas e
trajetórias dos empreendimentos objetos de estudo, além de atender critérios relevantes para a
investigação como a diversidade dos discursos e incorporação de novas proposições até a
saturação da informação (Martins & Teóphilo, 2009; Creswell, 2010; Penalva et al., 2015),
representando grupos diversos como o estudo de Di Domenico et al. (2010) e que gerem valor
social na comunidade onde estão inseridos. Os sujeitos da pesquisa foram selecionados por
79
atuarem nos empreendimentos ou serem afetados direta ou indiretamente por eles, além de
variáveis sociodemográficas distintas, importantes e necessárias e que pudessem garantir
diferentes discursos sobre o objeto da pesquisa (Martins & Teóphilo, 2009; Creswell, 2010;
Penalva et al., 2015).
Para a escolha dos sujeitos da pesquisa, estabeleceram-se como critérios: serem maiores
de 18 anos, responsável por seus atos e falas, com formação educacional formal reconhecida
pelos órgãos competentes no país, participante ou egresso do empreendimento, ter sido
beneficiado de forma direta ou indireta, ou ter participado em algum momento da trajetória do
empreendimento social. Também levaram-se em consideração a importância e participação dos
entrevistados nas diversas atividades do empreendimento, seja na forma de associado, assistido
ou como contratante dos serviços do empreendimento, garantindo a variabilidade de papéis, e
ainda contribuem em disponibilizar informações relevantes para a pesquisa (Penalva et al.,
2015; Stake, 2011).
A partir da primeira entrevista, os entrevistados subsequentes foram indicados pela
técnica de bola de neve, que se pede ao entrevistado a indicação de pessoas que possuam
informações relevantes a respeito do tema da pesquisa, de maneira que se possa ampliar a
amostra, até o atingimento da saturação teórica do objeto de estudo (Penalva et al., 2015, p.32).
Para garantir os objetivos da pesquisa, as identidades dos sujeitos foram mantidas em
anonimato, designando-se nomes fictícios para sua identificação por meio de pseudônimos,
garantindo a proteção dos sujeitos (Stake, 2011). Os pseudônimos adotados correspondem a
nomes populares no país de origem, associado a uma característica pessoal observada pela
pesquisadora, sejam elas física, psicológica ou de participação no empreendimento, conforme
mostra a Figura 9.
Figura 9
Sujeitos da Pesquisa e seus pseudônimos.
Espanha Pseudônimo
Dados Pessoais Papel no
Empreendimento
Nilda
Espanhola, 58 anos, casada, dona de
casa, ensino fundamental menor (6º
ano - Espanha).
Associada
Paco Espanhol, 40 anos, nível superior em
Direito.
Gestor Parceiro
Almerinda Espanhola, 45 anos, nível superior,
doutora em Sociologia.
Gestora Parceira
Juan Espanhol, 53 anos, nível superior em
Ciências do Trabalho.
Gestor Parceiro
(Continua)
80
(Contiuação)
Espanha Pseudônimo
Dados Pessoais Papel no
Empreendimento
Ignez
Espanhola, 38 anos, solteira,
alfabetizada.
Associada
Castillo Espanhol, 34 anos, solteiro,
alfabetizado.
Associado
Izabel Espanhola, 34 anos, solteira,
alfabetizada.
Associada
Murilo Espanhol, 35anos, casado,
alfabetizado.
Associado
Paloma Espanhola, 43 anos, solteira,
alfabetizada.
Associada
Eduardo Espanhol, 37 anos, solteiro,
alfabetizado.
Associado
Pepita Espanhola, 34 anos, solteira,
alfabetizada.
Associado
Jade Espanhola, 48 anos, divorciada,
psicóloga.
Gestora
Anita Espanhola, casada, 35 anos, ensino
superior em Engenharia Agrícola.
Formadora Laboral
Serena Espanhola, 35 anos, casada, ensino
superior em Serviço Social.
Coordenadora
Enrique Espanhol, 43 anos, casado, curso
técnico em Design.
Supervisor
Ramiro Espanhol, 44 anos, casado, ensino
superior em Direito.
Gestor
Alma Espanhola, 48 anos, casada, doutora
em Psicologia.
Gestora
Ramon
Espanhol, 48 anos, casado, ensino
superior em Educação Especial,
especialização em Gestão de Projetos
em inserção sócio-laboral.
Gestor
Santiago
Espanhol, 57 anos, casado, técnico
em Gestão e Administração de
Empresas.
Gestor
Total 19 entrevistados
Brasil Pseudônimo Dados Pessoais
Papel no
Empreendimento
Iracema Brasileira, 43 anos, divorciada,
ensino fundamental menor,
Beneficiária
Heitor
Brasileiro, 51 anos, casado, ensino
superior em carreira oficial da Policia
Militar e Administração Pública.
Gestor Parceiro
Helena
Brasileira, 26 anos, solteira, ensino
superior em Gestão e Produção
Industrial.
Colaboradora
Antônia Brasileira, 37 anos, casada, ensino
médio incompleto.
Beneficiária
Beatriz Brasileira, 26 anos, solteira, ensino
médio incompleto.
Beneficiária
(Continua)
81
(Continuação)
Brasil Pseudônimo Dados Pessoais
Papel no
Empreendimento
Cosme
Brasileiro, 44 anos, casado ensino
superior em Educação Física.
Colaborador
Tales Brasileiro, 34 anos, união estável,
ensino superior em Matemática.
Colaborador
Estela Brasileira, 53 anos, casada, ensino
superior em Pedagogia.
Gestora
Cristina Brasileira, casada, 51 anos, ensino
médio completo.
Colaboradora
Sofia
Brasileira, 44 anos, viúva, ensino
superior em Administração, doutora
em Administração.
Gestora Parceira
Bruno
Brasileiro, 35 anos, união estável,
ensino superior em Economia, mestre
em Administração.
Colaborador
Cristiano
Brasileiro, 33 anos, casado, ensino
superior em Economia e
Administração, mestre em
Administração, gestor.
Colaborador
André Brasileiro, 20 anos, solteiro,
graduando em Fotografia.
Voluntário
Grabriela
Brasileira, 85 anos, solteira, ensino
médio em formação de
professores/magistério.
Gestora
Aurora
Brasileira, 34 anos, divorciada,
ensino superior em Processos
Gerenciais.
Colaboradora
Iara Brasileira, 25 anos, solteira,
graduanda em Engenharia Civil.
Beneficiária
Silvia Brasileira, 48 anos, divorciada,
ensino médio completo.
Voluntária
Francisco
Brasileiro, 63 anos, solteiro, ensino
superior em Filosofia e Teologia,
mestre em Educação.
Gestora
Melchior Guineense de Bissau, 33 anos,
solteiro, nível superior em Teologia.
Gestor Parceiro
Zarina Brasileira, 52 anos, casada, ensino
superior em Pedagogia.
Gestora Parceira
Conrado
Brasileiro, 53 anos, casado, ensino
superior em Administração e Direito.
Voluntário
Total 21 entrevistados Fonte: Dados da Pesquisa (2017).
Ao total, foram entrevistados 40 atores sociais, distribuídos entre 19 sujeitos na
Espanha, e 21 sujeitos no Brasil. Na Espanha foram realizadas 10 horas e 25 minutos de
entrevista e 158 páginas transcritas das falas dos sujeitos. Já no Brasil 18 horas e 2 minutos e
255 páginas transcritas das falas dos sujeitos.
82
Seguindo o planejamento pela pesquisadora, não se partiu de categorias prévias para o
campo de pesquisa, pois as mesmas foram surgindo a partir dos levantamentos empíricos, sendo
adotadas a princípio cinco categorias de interesse, bem como seus desdobramentos dentro de
cada categoria. As definições constitutivas da pesquisa são definidas como:
Intenção do Empreendedora Social: são as razões, motivações e desejos que impulsiona o
empreendedor na criação do empreendimento social;
Processo de Inclusão: é o suporte interno e externo ao empreendimento social, que tem por
objetivo apoiar as ações de inclusão promovidas pelos empreendedores nas comunidades;
Emancipação: São os esforços criados para que os sujeitos possam ser gestores de seus atos,
bem como os valores gerados decorrente destes esforços.
Os atributos e dimensões são apresentados descritos na Figura 10.
83
Figura 10
Atributos e Construtos de Análise.
Fonte: Dados da Pesquisa, 2017.
Para a composição dos atributos e dimensões/construtos levou-se em consideração as
distinções entre os participantes da pesquisa, atendimento dos requisitos para a participação na
pesquisa e no empreendimento. Para a análise das informações qualitativas, utilizaram-se
técnicas, como descritas na próxima etapa da metodologia.
Categorias
Unidade de Codificação
Objetivos
Especificos
Estudo de
caso
Fragmentos
de Textos
Atr
ibu
tos
Idade Acima de 18 anos
X
Gênero Homem/Mulher
Formação Educação formal
reconhecida
Posição no
Empreendimento
social
Beneficiário,
Participante ou
Egresso do
empreendi-mento
social
Dim
ensõ
es
Intenção
Empreendedora
Social
Analisar as trajetórias dos
empreendimentos sociais
sobre a CV em ES.
X
Processo de
Inclusão
Estabelecer as
configurações por meio
das dimensões de valor,
vinculadas entre a criação
de valor e os
empreendimentos sociais
estudados.
Associar a trajetória do
empreendimento social à
CV a partir a mesma.
Alteração da
situação social e
econômica do
participante do
empreendimento
Emancipação
Definir os valores
pessoais, sob a ótica dos
sujeitos, que são definidos
a partir da trajetória do
empreendimento social,
tendo como base a Teoria
de Valores de Schwartz e
a Teoria de Valores
Culturais de Inglehart.
Valor criado sob
a ótica dos
participantes do
empreendimento
social
84
3.3 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES QUALITATIVAS
A pesquisa qualitativa permite ao pesquisador ter foco na subjetividade. A análise
qualitativa das informações permite por meio de técnicas próprias a investigação dos
fenômenos a partir da realidade social estudada. Para tanto, utilizou-se métodos e técnicas
apropriados para atingir os objetivos inicialmente propostos.
3.3.1 Métodos de Análise Qualitativa
Para a realização de uma análise das informações qualitativas, o pesquisador
necessita que ela possa ocorrer de três formas, simultâneas e não excludentes, a saber: a
análise descritiva, a análise geradora de teoria e a análise baseada nos discursos dos sujeitos.
A análise descritiva consiste em maneira básica e direta, uma primeira exploração dos
materiais textuais com o objetivo de analisar os temas de que falam os entrevistados, análise
das atitudes a respeito de valores em forma de crenças, sentimentos, comportamentos, as
suas motivações intrínsecas e extrínsecas, as designações dos objetos pesquisados e as
relações com os sujeitos que podem ter dualidade como funcional x utilitárias, ou ainda os
processos e oposições em relação a outros fatos ou objetos pesquisados (Penalva et al.,
2015). Nesta etapa de análise, é importante a descrição dos contextos, intenções e processos,
a sua classificação e fazer novas conexões, buscando novos formatos de textos a partir de
descrições iniciais, reconceitualizando o que foi inicialmente descrito, estabelecendo nova
descrição, e assim sucessivamente a critério do pesquisador (Dey, 1993). O autor ainda
sugere que a análise qualitativa como um processo circular, por meio dos processos inter -
relacionados e como os conceitos se relacionam, como mostra a Figura 11.
85
Figura 11
A Análise Qualitativa como um Processo Circular.
Fonte: Dey (1993) Dey, I. (1993). Qualitative Data Analysis: A user-friendly guide for social scientists.
London/UK: Routledge.
Na descrição das informações qualitativas, tem-se por objetivos colocar em palavras
as falas dos sujeitos, objetos ou acontecimentos da pesquisa de campo. A descrição tem sua
importância, entretanto é considerada de nível baixo, ou seja, pois é o primeiro passo da
análise qualitativa, sendo necessário desenvolver o contexto e significados de forma a
organizar a ação e a sua evolução dentro da pesquisa. A partir do contexto é possível
compreender a ação social, onde ela ocorre, sejam em organização ou grupos, as situações
sociais envolvidas, o local e o global, as relações familiares e a rede social envolvida. A
análise do contexto permite que o pesquisador consiga explicar as intenções e os processos
em estudo. No que se refere às intenções, busca-se descrever o mundo sob a ótica dos
diversos sujeitos pesquisados, como definem as situações que vivem, como explicam seus
motivos e como regem suas ações. As intenções e as percepções contribuem para uma
posição privilegiada na pesquisa qualitativa, pois permite ao pesquisador compreender o
significado da ação dos sujeitos. É imprescindível ao pesquisador, que este não deve ser o
único norteador de suas análises, pois as intenções dos sujeitos podem interferir de maneira
significativa nos resultados das interpretações. E no que se refere aos processos que podem
86
mudar e evoluir ao longo do tempo, o que requer uma análise dinâmica do pesquisador
tendo como foco nas circunstâncias, condições, ações e os mecanismos onde se produz os
processos pesquisados (Dey, 1993; Penalva et al., 2015).
E por fim, a classificação das informações qualitativas, que visam a sua interpretação
e a explicação por meio da produção de um informe adequado e significativo do que se quer
entender na pesquisa. Este é um momento de montagem de um ‘quebra-cabeças’, buscando
identificar as diversas facetas da vida social e suas múltiplas conexões. Deve-se levar em
conta que o pano de fundo é a realidade social pesquisada, onde foram gerados os dados,
sendo que cada frase, observação, nota de campo, sequências de informações ou outro dado
relevante, são partes deste trabalho de montagem (Dey, 1993; Penalva et al., 2015).
O processo de interação entre descrição e classificação, tem como outro vértice a
conexão das categorias levantadas nas etapas anteriores. Este vértice tem por objetivo
produzir um resultado concreto da pesquisa por meio de um retrato da realidade social num
determinado momento, sob a ótica dos sujeitos, que é o produto da análise do pesquisador
(Dey, 1993; Penalva et al., 2015).
3.3.2 Goundred Theory
A Goundred Theory (GT) e a indução analítica contribuem para a geração de teorias
por meio da interpretação dos dados, estabelecimento de semelhanças entre as falas dos
sujeitos e ainda pela capacidade de ampliar a análise para mais casos, com o objetivo final
de explicar um fenômeno social (Hernandéz, Fernandéz, & Batista, 2006; Penalva et al.,
2015).
A metodologia de pesquisa adotado para o levantamento de dados e evidencias foi a
Grounded Theory também chamada de Teoria Fundamentada (TF), proposto por Glaser e
Strauss (1967) no livro The discovery of grounded theory: strategies for qualitative research.
Nesta metodologia o objetivo maior é dar preferência aos dados do campo, ao invés dos
pressupostos teóricos, com a intenção de que a pesquisadora não perca sua atenção, com a
canalização para os resultados. Este método tem por característica a indução analítica, pois se
busca a aproximação do tema de pesquisa, sem uma teoria de base, ou a teoria ainda se encontra
em construção no campo teórico, permitindo a formulação de uma teoria com fundamentos
empíricos e novas visões de um fenômeno (Hernandéz et al., 2006; Penalva et al., 2015). Ao
se propor este tipo de metodologia, busca-se proporcionar uma fundamentação em que a
87
geração da teoria se dá a partir dos dados e evidências do campo, legitimando-se assim a
investigação qualitativa rigorosa (Fielding & Lee, 1998).
A GT, por natureza é uma metodologia que se aproxima do assunto a ser investigado
sem uma teoria a ser testada. O papel do pesquisador, da realidade a ser investigada e a teoria
são consideradas contínuas e intrínsecas, pois o pesquisador interage com a realidade e desenha
a teoria de forma continuada e ao longo do processo. Pode-se afirmar ainda que a teoria evolui
com o processo de pesquisa e é o resultado frequente entre a interpretação dos dados e sua
análise, construindo a chamada teoria substantiva (Penalva et al., 2015). O pesquisador analisa
os dados de modo a entender determinada situação, como e por que seus participantes agem de
determinada maneira, como e por que determinado fenômeno ou situação se desdobra de formas
diversas (Glaser & Strauss, 1967), inclusive as fontes de pesquisa no campo de investigação
(Glaser & Strauss, 1967; Strauss & Corbin, 1997).
Os elementos analíticos da GT podem ser descritos como:
1) Amostra e saturação teórica: as unidades são geradas a partir do
desenvolvimento da pesquisa, sua interconexão entre a coleta e análise de dados. A saturação
teórica ocorre a partir da redundância da categoria;
2) Incidente: cada unidade utilizada como fonte de dados (entrevistas, documentos,
observação) pode ser analisada de forma separada ou não;
3) Código: é a identificação dada aos dados, conceitos e categorias, ou ainda a
relação entre as categorias, que norteiam a análise de dados pela relação entre eles;
4) Categoria: são os conceitos gerados a partir dos dados, objetos e ações similares
ou relacionados entre eles, estabelecendo-se propriedades, dimensões e subcategorias;
5) Categoria Central: é a categoria que integra e relaciona um maior número de
categorias, ou também a mais importante, que tenha poder explicativo ou abstração teórica
(Penalva et al, 2015, p. 89-90).
Este processo tem como objetivo a redução de dados, para que o pesquisador possa
analisar as informações qualitativas de modo a dar um novo sentido ao que foi falado, bem
como resignificar dentro do contexto de estudo (Penalva, 2003).
Valles (1999) apresenta de forma resumida o processo analítico para a metodologia, e
que contribui para a o estabelecimento de uma sequência da GT, como segue:
88
1) Dos dados brutos à categorização inicial: a partir das informações obtidas no
campo por meio de entrevistas, observações e outras técnicas, estabelece-se um código comum.
A sua repetição em fragmentos de textos gera uma categoria;
2) Desenvolvimento das categorias iniciais: a partir da exploração inicial dos dados,
a GT já considera determinar cada categoria, e as relações entre as primeiras análises e
interpretações do que vai surgindo a partir da codificação. É de grande valia a utilização do
Método de Comparação Constante (MCC), que auxilia na geração de categorias conceituais;
3) Integração das categorias, articulação dos componentes com a teoria: nesta etapa
faz-se a relação com as propriedades dos conceitos e entre as categorias, fazendo-se a interação
entre a amostra teórica e as proposições de pesquisa, ou ainda por meio de novas leituras com
o objetivo de determinar a validade dos dados;
4) Delimitação da Teoria: a partir do desenvolvimento das categorias e dos
conceitos, far-se-á a integração entre eles para que se possa explicar o fenômeno estudado,
porém há que se ressaltar o alcance da teoria bem como a utilização do critério da parcimônia,
com cuidado e atenção que requer esta delimitação teórica;
5) A escrita da Teoria: a partir da estruturação de todo o material levantado na
pesquisa de campo como: transcrições, notas, interpretações, análises, entre outros, o
pesquisador tem em suas mãos informações para escrever os resultados, bem como a exposição
da teoria emergente (Valles, 1999).
Para a construção da teoria, Charmaz (2009, p. 173) afirma que há a necessidade da
“compreensão imaginativa do fenômeno estudado”, levando em consideração ainda
pressupostos de “realidades múltiplas e emergentes, indeterminação, fatos e valores quando
associados, a verdade como algo provisório e a vida social como um processo.” Por meio
da comparação, é possível que o pesquisador colete, codifique e analise os dados de forma
simultânea para a geração da teoria. Estas etapas ocorrem de maneira sucessiva, e não está
direcionada a verificar teorias, mas sim mostrar que são plausíveis de acordo com o que se
‘tem em mãos’ (Soneira, 2014). Para a construção teórica da GT, o pesquisador necessita
de elementos básicos como: as categorias, suas propriedades e as proposições de pesquisa,
tendo como uma de suas características fundamentais a linha de ação investigativa invertida,
movendo-se da observação empírica para a definição de conceitos.
Esta teoria propõe que a articulação dos componentes de forma constante, visando à
maximização das similaridades e minimização das diferenças, permitindo assim a delimitação
89
teórica. Para a operacionalização, torna-se necessário que ocorra inicialmente um processo de
redução das categorias, que seja possível a determinação de uma categoria central, conectando-
se assim esta categoria a outras, fazendo-se a conexão entre elas (Penalva et al., 2015; Soneira,
2014). Saldaña (2009) sugere ainda que, a teoria emerge de forma progressiva a partir dos
códigos gerados pela pesquisa de campo, passando para as categorias e subcategorias, e por fim
a teoria que emerge dos dados, como mostra a Figura 12.
Figura 12
Processo de Códigos-para-Teoria para Pesquisa Qualitativa.
Fonte: Saldaña, J. (2009). The Coding Manual for Qualitative Researches. London/UK: Sage Publications.
Na GT, a teoria substantiva é importante na interação sistemática e constante das
categorias, numa mesma classe ou casos que emergem a partir dos dados empíricos. No que se
refere a teoria formal, leva-se em consideração os grupos ou casos não comparáveis em nível
substantivo, mas o pesquisador pode fazer a comparação em nível substantivo mais amplo a
partir de uma investigação sociológica, quando é possível um nível maior de generalização,
ampliando assim o alcance da teoria (Glaser & Strauss, 1967; Soneira, 2014).
Nesta metodologia, diferente de outros estudos no campo quantitativo, não se sabe a
priori qual é o papel da literatura, e se a mesma é relevante até que se avance com a pesquisa
empírica, não apresentando papel de destaque que outras fontes de dados possuem. Aqui, a
literatura é considerada quando se tem uma primeira coleta de dados e a pesquisa possa ser
norteada a partir da categoria central de pesquisa e suas relações com as outras categorias
90
secundárias. É importante salientar que a identificação progressiva da literatura permite que se
faça a comparação com a teoria emergente, numa integração permanente entre a coleta de
dados, a codificação e a redação das notas de campo (Penalva et al., 2015; Soneira, 2014).
Para o desenho da pesquisa, autores como Glaser, sugerem que o desenho emergente
deve ter ajuste e relevância, ou ainda o desenho sistemático sugerido por Strauss e (1997) que
estabelece uma sequência para garantir uma base para uma boa teoria, ou ainda o desenho
construcionista que faz uma crítica aos desenhos anteriores e reconhece que as categorias, os
conceitos, e a análise emergem das interações entre o campo e os dados (Soneira, 2014).
O desenho proposto nesta pesquisa é sugerido por Glaser (1978), que defende o desenho
emergente para a teoria fundamentada, pois sua geração é baseada nos dados da investigação.
Defende ainda que a teoria “deve ter ajuste, relevância e deve funcionar” (Glaser, 1978, p.4).
A GT da presente pesquisa foi desenvolvida conforme mostra a Figura 13.
Figura 13
Desenho da Pesquisa.
Fonte: Dados da Pesquisa, 2017.
No que se refere a analise e interpretação dos dados e evidências qualitativas, Strauss
(1987) afirma que a riqueza e a diversidade proveniente dos sujeitos pesquisados
contribuem para que a compreensão com comportamento e a descriação dos processos tem
como base a experiencia cotidiana e não fatos de natureza hipotética. Por meio das
narrativas é possível construir a história do fenômeno de estudo, por meio da seleção e
recortes do que realmente importa, desenvolvendo-se assim um modelo teórico a partir do
91
campo (Yunes e Szymanski, 2005). Charmaz (2006) salienta que a GD contribui para uma
perspectiva inovadora favorecendo a redação analítica num processo sitematico que abarca
a contrução, controle e organização da coleta como forma de favorecer à originalidade na
formulação da teoria emergente.
Ainda na análise e interpretação dos dados, é importante que o pesquisador tenha
conhecimento teórico sobre o tema, mas tão importante quanto é o modo de olhar a realidade
investigada, pois o investigador constrói em última instância a sua visão acerca dos
fenômenos pesquisados, sendo ele parte importente de todo o processo de coleta e análise
dos dados e evidências (Charmaz, 2006).
Por fim, o próprio investigador por meio de sua visão sobre o tema, que envolve sua
posição, perspectiva e interações afetam significativamente a interpretação do que foi
coletado, interferindo nos resultados obtidos ao longo deste processo, fazendo que a análise
dos dados tenha poder explicativo e contribuam para fortalecimento da metodologia
(Charmaz, 2008).
Para uma postura reflexiva e construção das etapas da teoria, o pesquisador deve
adotar na sua construção uma análisde que deve estar contextualmente situada no tempo,
espaço, cultura e situação pesquisada propriamente dita, num processo reflexivo em relação
as suas próprias interpretações e dos participantes da pesquisa. A autora ainda ressalta que
para a narrativa da teoria fundamentada, requer que o pesquisador utilize estas narrativas
em beneficio da análise com foco na incisividade e na sua utilidade para a teoria, conectando
com outras e que permitam as comparações das evidências empíricas já encontradas
(Charmaz, 2009).
3.3.3 A Análise do Discurso
A Análise do Discurso é uma metodologia que tem por objetivo, não somente verificar
como a mensagem é transmitida, mas também qual é o seu sentido. É por meio da linguagem
que o discurso é possível, e o processo comunicativo entre o pesquisador e seu sujeito, é a fonte
utilizada pelo pesquisador para obter informações que são consideradas importantes,
principalmente para atender aos objetivos da pesquisa (Alonso, 2003; Orlandi, 2015).
A Análise do Discurso (AD) pode ser definida como um conjunto de métodos e
procedimentos baseados em semiótica e estruturalismo. Caracteriza-se por uma variedade de
tradições e práticas, de caráter interdisciplinar, que visa à interpretação da ação social dos
92
sujeitos num determinado contexto, seja ele, social, econômico, político e cultural (Alonso,
2003; Pêcheux, 2006; Penalva et al., 2015).
O discurso tem como finalidade por meio da linguagem a busca de leis gerais de
validade praticamente universal, mas que tenha sentido para os sujeitos envolvidos, envolvendo
além da linguagem, a comunicação não verbal do sujeito (Orlandi, 2015), e como afirma Alonso
(2003), o discurso transborda o texto. Pode-se destacar que a AD, não se limita a estruturas de
linguagem, pois busca-se os significados subjacentes, opiniões, dando reconfigurações ao que
produz sentido, relacionando-se a análise do texto ao cognitivo, social, político e cultural (Van
Dijk, 1997). É o lugar onde se “pode observar a relação entre a língua e ideologia,
compreendendo-se como a língua produz sentido por/para os sujeitos” (Orlandi, 2015, p. 15).
A Análise do Discurso vai além da linguagem, pois outras formas de comunicação não
verbal contribuem para a ressignificação dos signos, “visa compreender como os objetos
simbólicos produzem sentido, analisando assim os próprios gestos de interpretação como atos
do domínio simbólico, pois intervém no real sentido” (Orlandi, 2015, p. 24). A Análise do
Discurso tem como característica a utilização da linguagem como ponto de partida para a
definição dos demais materiais de análise, de modo a ter instrumentos que vão além de
promover intercâmbios significativos. E por fim, a AD na área de Ciências Sociais pode
produzir discursos não desejados, como por exemplo, discurso de censura (Penalva et al., 2015).
O objetivo da AD é fazer com que seja possível decodificar um sistema de linguagem
de forma a produzir sentido a partir da estrutura de elementos que compõem um objeto, o seu
sistema de relações e os seus signos, sejam eles expressados por ideais, ritos, formas de
comportamento ou ainda sinais específicos de um grupo de pessoas. Para a AD, a análise deve
orientar-se de forma que possa articular-se entre os significados próprios de uma sociedade ou
determinado grupo, sobre um tema específico de maneira que possa expressar significados e
fazer efetivas as suas intenções por meio dos discursos, “investido de significância para e por
sujeitos” (Orlandi, 2015, p. 24; Penalva et al., 2015).
Na perspectiva da AD, é importante tratar de temas como enunciado, enunciação,
discurso manifesto. Entende-se por enunciado a decodificação de sinais linguísticos, localiza-
se entre o dito e o implícito (Reyes, 1995). Já para Foucault (2002), os enunciados fazem parte
de uma correlação, como se fosse uma parte mediada em um conjunto, fazendo parte, apoiando-
se ou se diferenciando nesta correlação. Por sua vez, enunciação é a abordagem do fenômeno
enunciado por meio da linguagem, a partir do sujeito, que ao final apresentam recortes
discursivos. É importante também diferenciar os conceitos que há uma tendência em se
93
confundirem, que se trata do texto e contexto. No que tange ao texto, é considerado um material
empírico de origem no campo, organizados de acordo com as regras linguísticas. Já o discurso,
tem a elaboração sob a ótica dos investigadores, com base em textos produzidos com a mesma
interpretação, quem utiliza a linguagem, para que utiliza, quando utiliza, por que e para quem
fazem, com o objetivo de prática social. Cabe destacar que no discurso, tem-se a enunciação
que é onde ocorre a ação que se pretende entender, bem como a descrição do contexto onde ela
ocorre, qual é o contexto social, histórico e ideológico (Orlandi, 2015; Penalva et al., 2015).
Para compreensão do discurso, é premente compreender seus níveis de análise: textual,
contextual e sociológico. O discurso ocorre em nível textual quando ele é descritivo, visa
atender a composição e a estrutura do discurso, com enfoque na análise do conteúdo e
semiótico. Neste nível, busca-se os atributos do texto e a estrutura do discurso, relacionando-se
as temáticas e os tópicos. Aqui se tem o plano do enunciado e descrição de documentos. Já no
nível contextual do discurso, passa-se do plano do enunciado para a enunciação, busca-se neste
nível atender as condições de produção textual, adicionado aí ao espaço social que emerge este
discurso e adquirem sentido, por meio da interpretação das falas dos envolvidos no contexto
social estudado. E por fim, o nível sociológico, que tem por objetivo explicar o discurso, por
meio da conexão entre os discursos, relações com os processos sociais onde é produzido com
foco em produzir conhecimento sobre a realidade social. Neste nível, há a possibilidade de
produção de discursos relacionando-se a estrutura social e cultural, tendo como ponto adicional
a ideologia (Godoi, Coelho, & Serrano, 2014; Ruiz, 2014; Penalva et al., 2015).
Sob a ótica do analista, Orlandi (2015, p. 58) salienta que o ato de escutar do discurso
já é uma interpretação, pois “uma mesma palavra, na mesma língua, significa diferentemente,
dependendo da posição do sujeito e da inscrição do que diz em uma ou outra formação
discursiva.” A autora ainda argumenta que a interpretação ocorre em dois momentos: primeiro
quando se considera a própria interpretação já como parte do objeto de análise, e em segundo
lugar, quando o próprio analista está envolvido no processo de interpretação, necessitando, pois,
o analista deslocar-se desta relação sujeito/interpretação.
A AD tem como pressuposto a dimensão conotativa da linguagem, ou seja, é a
capacidade de determinados sinais de linguagem receber ou ter novos significados, oferecendo
possibilidades dinâmicas dentro de um discurso, comunicando muito mais do que é explicitado,
associando-se a outros sinais que vão se modificando daquilo que realmente se está
comunicando, isto é que se chama correferência, que é a relação existente entre dois ou mais
termos, ou seja, uma palavra pode ser substituída por outra, e mesmo assim guarda o conceito
94
original. A conotação é utilizada para captar discursos, muito utilizada em retórica, ou seja, visa
estudar o deslocamento de sentido que produz. É muito utilizada em figuras de linguagem como
metáforas, metonímias, símbolos. Pode-se também utilizar palavras de outros campos
semânticos com vistas à produção de sentido no discurso (Penalva et al., 2015).
A retórica está intimamente relacionada com a persuasão e na maneira como os
significados mudam para a produção de comoção, sendo que o pesquisador deve estar preparado
para o informante utilizar estas figuras de linguagem, e a análise no discurso vem a ser como
uma explicação dos textos produzidos (Alaminos, 1999; Penalva et al., 2015). Por fim, a
psicanálise contribui para a AD no que se refere à significação dos discursos, a relação entre os
significantes e os significados. Isto se manifesta pela dicotomia presença/ausência, falar/não
falar o que interessa ou não, e estes significados contribuem para geração de um discurso, que
podem ser obtidos pelos informes verbais a partir dos sentidos retóricos captados pelo
pesquisador (Penalva et al., 2015).
3.3.4 Procedimentos de Análise Qualitativo das Informações com ATLAS TI
Para a análise das informações qualitativas de uma pesquisa, deve-se tomar cuidado no
que refere a procedimentos, análises e tratamentos dos dados, pois é muito difícil estabelecer
um padrão na pesquisa qualitativa, devido à grande variabilidade de técnicas e métodos, e há
de salientar o papel do pesquisador neste processo, bem como a flexibilidade inerente a este
tipo de análise, que pode variar de um trabalho para outro (Penalva et al., 2015; Tarozzi, 2011).
A ausência de rigidez é inerente desde a coleta dos dados primários por meio da variação
de técnicas, como também isto se reflete na análise. O desenho da pesquisa, por sua vez, faz
com que a formalização também apresente heterogeneidade, ficando a formalização mais difícil
nesta etapa, ocorrendo de forma simultânea tanto a codificação como a interpretação dos
resultados (Hernandéz et al., 2006; Penalva et al., 2015).
Pode-se estabelecer como primeira etapa de análise, o que se pode chamar de pré-análise
e suas tarefas de apoio. Aqui o pesquisador tem a função de reduzir os dados obtidos, e
configurá-los de forma que tenham significado, e ocorrem processos simultâneos de seleção,
simplificação, abstração, focalização e transformação dos dados oriundos a partir da etapa de
coleta de dados. Na fase inicial do processo de análise, pode-se estabelecer, por meio de
conveniência do pesquisador, que consiste na coleta e organização do material a ser analisado,
pois neste primeiro momento há uma quantidade de ‘massa irregular’ de transcrições,
95
documentos, notas de campo, observações, comentários e outras informações que possam
contribuir para esta etapa. Nesta fase de análise, o uso do software ATLAS TI contribui para a
organização dos dados e informações de forma a “gerenciar, extrair, explorar e reestruturar os
elementos significativos dos dados” (Penalva et al., 2015, p. 127), reconfigurando-os de
maneira a construir as teorias a que se referem os dados e fenômenos estudados. Com o auxílio
do software é possível entender as propriedades dos dados por meio da sua visualização,
integração entre os entre as diversas categorias emergentes criando a Unidade Hermenêutica
(códigos, anotações, memórias e citações), serendipidade que visa as descobertas mesmo que
por acaso, e por fim a exploração, que o programa contribui para estabelecer as conexões e
descobrimento das relações para a construção da teoria (Penalva, 2003).
Faz-se importante salientar a necessidade da redução de dados, bem como a sua
categorização, mesmo que provisória para um olhar mais apurado e o estabelecimento de uma
lógica e sequência do que se pretende interpretar. Nesta etapa, pode-se realizar ainda o
descobrimento das categorias que emergem dos dados, bem como os conceitos considerados
relevantes para a pesquisa, reestruturando-os e dando sentido latente a sua interpretação,
conforme a pretensão do pesquisador (Hernandéz et al., 2006; Martins & Theóphilo, 2009;
Penalva, 2003; Penalva et al., 2015).
Outra parte importante da pesquisa são as transcrições das entrevistas, obtidas no campo
de pesquisa como fonte dos dados e informações qualitativas, porém é uma das partes mais
exaustiva, pois é um processo lento e manual, não tendo muitas tecnologias de apoio para esta
atividade. Entretanto, posteriormente, é de grande valia para a pesquisa, pela facilidade de
manuseio da grande quantidade dos registros, e pela disponibilidade de leitura mais apurada da
informação (Duarte, 2004; Hernandéz et al, 2006, Penalva et al., 2015).
A segunda etapa de análise pode ser nomeada como exposição dos dados, que consiste
em expô-los, de maneira que se possam estabelecer as conexões para sua análise. A descrição
pode ocorrer também simultaneamente com as interpretações dos discursos dos sujeitos, no
estabelecimento de processos, contextos e intenções, bem como a conexão entre elas (Duarte,
2004; Penalva et al., 2015). É neste momento da pesquisa que se separa o relevante do trivial,
num processo que destaca Duarte (2004, p.223) “lido/visto/interpretado”, fazendo a redução de
dados contidos nos documentos primários, citações em fragmentos de textos, códigos gerados
a partir de significados comuns dados pelos sujeitos, geração de famílias, e nos seus
reagrupamentos por códigos semelhantes, ou ainda a separação dos códigos para as análises e
comparações necessárias no processo de pesquisa. É possível por meio dos códigos
96
estabelecerem as categorias teóricas, estabelecendo-se hierarquias, oposições e
complementação da análise. É importante salientar que este processo é aberto, ou seja, pode
mudar, agrupar, alterar na medida em que a análise dos dados evolui (Dey, 1993; Duarte, 2004;
Penalva et al., 2015).
Penalva et al (2015) ainda distingue três níveis de procedimentos com o apoio do
software ATLAS TI: o textual, o conceitual e o organizacional. No nível textual se manipula
todos os dados qualitativos que podem ser: segmentos de textos, citações, comentários e
anotações do pesquisador, marcações dos textos, códigos in vivo, que são as definições dadas
pelos próprios sujeitos. As marcações podem ser feitas por meio de cores, recortes ou as do tipo
post-it, que vão orientar o olhar e o estabelecimento de conexões que o pesquisador pode fazer
e o que é relevante a ser observado nas informações qualitativas. No nível conceitual, espera-
se do pesquisador operações mais abstratas, que podem ser o estabelecimento de relações entre
os fragmentos de textos, produção de modelos por meio de figuras, e a relação entre as
diferentes marcações textuais. E por fim, o nível organizacional, que é a sobreposição entre os
níveis textual e conceitual, e vice-versa. Aqui requer o manuseio intenso dos dados pelo
pesquisador de forma a gerar um contínuo ir e vir entre os níveis, até o atingimento dos objetivos
estabelecidos na pesquisa. Por fim, a exposição dos dados requer que o pesquisador exponha
seus dados de maneira que ocorra uma interação complexa dos conceitos chave empregados e
inter-relacionados, como forma de extrair os significados dos sujeitos (Penalva et al., 2015,
Tarozzi, 2011). Nesta etapa, a pesquisadora utilizou o ATLAS TI como apoio à análise do
grande volume de dados gerados pela pesquisa de campo, como mostra na Figura 14.
Figura 14
Etapas da Análise Qualitativa com Apoio do ATLAS TI.
Elementos Definição Dados e Informações do Campo
Documentos
primários
São dados provenientes de
fontes textuais, imagens, sons e
vídeos, ou outras fontes
consideradas relevantes para a
pesquisa.
Entrevistas, anotações, memorias do
campo, fotos dos empreendimentos,
impressões pessoas, legislação do
pais, sites de internet, documentos
dos empreendimentos pesquisados.
Citação
Segmentos de textos que
possuem significado, com
objetivo de reduzir os dados e
uma interpretação primaria pelo
pesquisador.
Fragmentos ou partes de textos,
documentos, imagens e sons que
contribuíram para a organização dos
dados gerados pelo campo, e que
geram os códigos.
(Continua)
97
(Continuação)
Elementos Definição Dados e Informações do Campo
Códigos
São peças fundamentais para a
análise qualitativa, pois agrupa
o que é semelhante, separa as
pré-categorias, num segundo
nível de redução de dados.
Estabeleceram um nexo das
informações levantadas pelos
documentos primários, contribuindo
para o estabelecimento de relações
para a pesquisa.
Anotações ou
memórias
É o principal trabalho do
pesquisador, pois contribui com
a interpretação no apoio a
construção da teoria emergente.
A pesquisadora possuía um caderno
de campo, onde realização suas
observações, impressões e anotações
relevantes a partir do contato com os
empreendimentos.
Famílias
É o agrupamento dos códigos,
códigos in vivo, citações e
memorias, que contribuem para
a interpretação sobre os
mesmos.
Na pesquisa, os códigos foram
associados por semelhança ou
interação entre eles, de forma a
elaborar as categorias de análise.
Redes
É a associação de famílias, num
nível mais sofisticado e
significativo para a pesquisa,
por meio do estabelecimento de
vínculos e elementos de análise
considerados importantes.
Na pesquisa foram estabelecidas as
redes entre os construtos, atributos e
as famílias, que geraram as categorias
analisadas nos casos estudados.
Unidade
Hermenêutica
(UH)
É o arquivo onde se guardam de
maneira integrada todos os
documentos primários,
citações, códigos, famílias e
redes para uma análise
integrada entre todos os
elementos de análise. Pode ser
associado ainda comentários
que contribuam para a análise
das informações qualitativa.
Foram elaboradas duas UH, uma para
o caso da Associação APSA, e outra
para o Instituto Padre Vilson Groh,
contendo todas as informações
levantadas na pesquisa de campo.
Fonte: Adaptado de Penalva, et al. (2015). La investigación cualitativa: Técnicas de Investigación y Análisis con
Atlas.Ti., Universidad de Cuenca/Cuenca, Equador: PYDLOS Ediciones.
Por meio desta ferramenta de apoio, foi possível a análise dos dados gerados pelo
campo, estabelecimento de redes, gráficos, matrizes de relações de dados, quadros e outras
conexões necessárias para os informes da pesquisa, possibilitando a construção da teoria
proposta por esta tese no capítulo 6, (Duarte, 2004; Flick, 2012; Penalva et al., 2015). As etapas
do processo no software Atlas TI são descritas na Figura 15.
98
Figura 15
Etapas do Processo no Software Atlas TI.
Fonte: Adaptado de Penalva, et al. (2015). La investigación cualitativa: Técnicas de Investigación y Análisis con
Atlas.Ti., Universidad de Cuenca/Cuenca, Equador: PYDLOS Ediciones.
É importante salientar que a análise do discurso não se fecha nesta tese, ela é um
processo em curso e, portanto, a análise é temporal, ou seja, dentro de um período de tempo de
realização da presente pesquisa.
Para apoiar a análise, adotou-se também em duas dimensões, a saber, a análise vertical
e horizontal das informações qualitativas. Na análise vertical, se analisou cada empreendimento
de maneira separada, de acordo com os discursos dos sujeitos da pesquisa, por meio da sua
participação da trajetória nas organizações sociais estudadas. Os resultados foram apresentados
em forma de estudo de caso, divididos em atributos e dimensões/construtos de análise, com
base na narrativa dos discursos e suas interfaces para a compreensão do caso de maneira
conjunta e integrada como resultado da pesquisa. Na análise horizontal, buscou-se verificar as
dimensões estudadas em função da combinação entre os resultados dos estudos de caso, bem
como as consistências dos parâmetros utilizados, com foco na criação de valor social nos
empreendimentos estudados (Amber-Montes, 2016).
A análise vertical foi realizada por meio dos atributos e dimensões propostas no modelo
teórico de cada empreendimento social. Foram utilizadas as falas dos sujeitos como norteador
da análise, a partir da intenção empreendedora social, fatores internos e externos, processo de
inclusão e criação de valor social. A análise horizontal teve como norteador os atributos e
dimensões dos empreendimentos sociais, verificando as semelhanças e diferenças entre ambos,
a partir das categorizações estabelecidas.
99
3.4 TERMOS ÉTICOS DA PESQUISA EMPIRICA
Em ambos contextos, no que se refere aos termos éticos da pesquisa, inicialmente foi
enviado uma correpondencia solicitando autorização para a pesquisa de campo. No contexto
espanhol e brasileiro, não houve necessidade de assinatura de termos de compromisso ou outro
documento correlato, pois ficou implícito e tácito entre os entrevistados e a pesquisadora que
as informações coletadas no campo seriam utilizadas para fins acadêmicos e de aprendizagem,
estabelecendo-se uma relação de confiança entre a pesquisadora e os sujeitos da pesquisa.
No que se refere ao nome dos empreendimentos, foi autorizado de forma tácita tanto a
divulgação dos dados e informações obtidas pelas fontes primárias e secundárias, como forma
de dar veracidade aos fatos relatados pelos sujeitos.
100
4 ANÁLISE QUALITATIVA DOS DADOS E EVIDENCIAS – CASO ASOCIACIÓN
APSA
Neste capitulo, se apresenta a análise qualitativa dos dados obtidas por meio da
triangulação de entrevistas, observação e documentos secundários, realizadas no
empreendimento social Associação APSA localizado na cidade de Alicante/Espanha, buscando
atender os objetivos incialmente propostos neste trabalho.
4.1 ESPANHA
A Espanha é um país europeu localizado na Península Ibérica, sudeste da Europa, tendo
como fronteiras, o Mar Mediterrâneo, Oceano Atlântico, Golfo de Biscaia e Pirineus ao norte,
sudoeste com a França, e oeste com Portugal. É Estado membro da União Europeia (UE) desde
1986. Viveu sob regime ditatorial de Francisco Franco(1936-1975), com duração em torno de
40 anos e uma guerra civil entre os anos de 1936-1939. Após a morte do ditador, restabeleceu-
se a democracia por meio do Regime Monárquico, com o Rei Juan Carlos. Com o
reestabelecimento do estado democrático de direito, chamado de Monarquia Constitucional
Parlamentar, tem Madri como capital. O seu espaço geográfico é composto por 17 comunidades
autônomas, incluindo as Ilhas Baleares e as Ilhas Canárias, duas cidades autônomas, Ceuta e
Melilha, e três territórios ao longo da costa de Marrocos, chamadas de Ilhas Chafarinas, Penon
de Alhucemas e Penos de Velz de la Gomera. As principais áreas urbanas são Madri, Barcelona
e Valência (CIA, 2017).
A população espanhola gira em torno de 49 milhões de pessoas, com predominância de
uma população jovem e economicamente ativa, que concentra 44,91%, entre 25 e 54 anos,
sendo 80% da população urbana (INE, 2017). A língua oficial é o espanhol, consideradas
também línguas oficiais: basco, catalã, galego e o valenciano. A economia tornou-se mais
dinâmica e em evolução, e no início dos anos 2000 registrou por três anos consecutivos o
crescimento do PIB, acima da UE. No ano de 2008 entrou em uma grave recessão econômica,
em virtude da crise financeira global, encerrando um ciclo de crescimento de 16 anos
consecutivos. Devido à crise financeira, a oferta de crédito ao setor privado teve considerável
retração, o governo passou por um processo de austeridade fiscal para combater a alta taxa de
desemprego, por meio de políticas públicas para a reativação da economia. A economia é
representada por 2,6% pela agricultura (grãos, legumes, frutas, como uva e cítricos, produtos
101
lácteos, peixe), 23,4% pela indústria (têxtil, vestuário, alimentos, bebidas, produtos químicos,
construção naval, automóveis, turismo, produtos médicos e farmacêuticos), e em torno de 74%
são serviços, empregando respectivamente, na agricultura em torno de 4%, indústria 24% e
serviço aproximadamente 72% da população economicamente ativa (PEA). Possui atualmente
uma taxa de desemprego de 19% (ano 2016) da PEA. A Espanha apresenta um crescimento real
do seu Produto Interno Bruto (PIB), desde o ano de 2014 com 1,4%, 2015 e 2016 com 3,2%
(CIA, 2017; INE, 2017).
No que se refere à infraestrutura, o governo espanhol fornece eletricidade, água e esgoto
para 100% da população do país. A telefonia fixa tem cobertura de 40 linhas para um grupo de
100 habitantes, e a telefonia celular tem uma cobertura de 107 linhas para cada 100 habitantes,
consideradas com instalações modernas e bem desenvolvidas, aproximadamente 80% da
população espanhola tem acesso à internet. No que se refere às instalações de saneamento, 99%
da população tem acessibilidade, tanto a urbana quanto a rural. As despesas com saúde
correspondem a 9% do PIB espanhol (CIA, 2017), e a renda per capta familiar espanhola gira
em torno de U$ 36.400 dólares (INE, 2017).
Quanto aos índices educacionais, aproximadamente 98% da população espanhola “pode
ler e escrever”, com média de vida escolar em torno de 18 anos, entre o ensino primário e o
nível superior, com gastos estimados em educação por volta 4,3% do PIB. A religião
predominante é a Católica Romana, declarada por aproximadamente 67% da população, e o
restante, 33% divididos entre ateus, não-crentes e outros (CIA, 2017). O IDH espanhol é de
0,876, ocupando o 26º lugar dos 188 países pesquisados, e o Índice de Gini, ano 2016 é de 34,5,
ocupando o 7º lugar entre os países europeus (ONU, 2017).
A primeira legislação que visou a inclusão dos cidadãos foi a Constituição Espanhola
de 1978, onde buscou modernizar o estado espanhol do pós-guerra e ditadura. No seu artigo
10º, são definidos os direitos fundamentais dos cidadãos espanhóis: da dignidade das pessoas,
o livre desenvolvimento da personalidade, bem como o seu desenvolvimento, o respeito à lei e
aos direitos dos demais, considerados fundamentais para a ordem política e a paz. No artigo 14,
assegura a igualdade dos espanhóis diante da lei, sem discriminação por razão de nascimento,
raça, sexo, religião, opinião ou qualquer outra condição pessoal ou social. No artigo 27, que
fala sobre educação, destaca-se: o direito universal à educação, pleno desenvolvimento da
personalidade, bem como aos direitos fundamentais. Já no artigo 49 afirma que os poderes
públicos realizarão uma política de revisão, tratamento, reabilitação e integração dos
102
discapacitados físicos, sensoriais ou psíquicos, por meio de atenção especializada, e que terão
os mesmos direitos de todos os outros cidadãos espanhóis.
Neste sentido, uma das leis mais relevantes e que atende especificamente pessoas com
discapacidade, é a chamada Lei 13/1982, de 7 de abril de 1982, de Integração Social dos
Minusvalidos (LISMI, 1982). Esta lei, combinada com as outras de âmbito nacional e
internacional, visa reconhecer a dignidade dos discapacitados em suas capacidades físicas,
psíquicas ou sensoriais para a sua completa realização pessoal, e total integração social, bem
como assistência e tutela, se necessário. O artigo 38 traz impacto significativo, pois determina
que as empresas públicas ou privadas espanholas com mais de 50 empregados, têm a obrigação
de contratar pelos menos 2% de trabalhadores com discapacidades no seu quadro de
funcionários.
4.1.1 Comunidade Valenciana
A Comunidade Valenciana (CV) é uma das comunidades autônomas espanholas.
Localiza-se a sudoeste na Península Ibérica, banhada pelo Mar Mediterrâneo, e é a oitava
comunidade em extensão territorial. Sua economia está baseada nas áreas agrícola (frutas
cítricas, vinho, arroz), industrial (móveis, automóveis, cerâmica, têxtil, calçados, papel) e
serviços (turismo), representando em torno de 9% do PIB nacional (INE, 2017). Sua população
gira em torno de 5 milhões de habitantes, sendo Valência, sua capital, a cidade com maior
população, em torno de 1,5 milhões de habitantes (INE, 2017). É considerada como uma
comunidade bilíngue, pois além do castelhano, o valenciano é considerado língua oficial
(Estatuto de Autonomia da CV, 2006, art. 6º)
A CV é composta por três províncias, denominadas: Alicante, Castellón e Valência.
Possuem personalidade jurídica própria e autônoma no gerenciamento dos seus interesses. A
Província de Alicante, como parte da CV, possui uma população aproximada de 750 mil
habitantes (INE, 2017). Sua economia está baseada em serviços e turismo, representando em
torno de 85% das atividades econômicas da Comunidade, devido a sua posição privilegiada
junto ao Mar Mediterrâneo. A cidade de Alicante, sede da província, é influenciada pela
imigração, em consequência da sua localização geográfica, além de suas festas características
como as Hogueras de Alicante (Aiyntamiento de Alicante, 2017).
Na perspectiva regional e na busca em desenvolver esta área da economia, a CV por
meio da aplicação dos Fundos Estruturantes no período 2014-2020, busca a integração social e
103
do trabalho mediante a igualdade de gênero, equidade salarial, sustentabilidade e conservação
do meio ambiente, redução da pobreza e exclusão social. Dentre as ações para a implantação
do modelo, a CV pretende atender por meio de políticas públicas que pregam: a Igualdade e
Inclusão Social, o Âmbito Econômico e Igualdade de Gênero (Modelo Econômico da
Comunidade Valenciana-Espanha, 2014; Viesca & Játiva, 2014).
Visando acompanhar a modernização e a inclusão dos cidadãos espanhóis, o Estatuto
de Autonomia da Comunidade Valenciana (CV), referência as leis espanholas e europeias no
que diz respeito à inclusão de pessoas com discapacidade, bem como seus direitos assegurados
no âmbito da Comunidade. As competências para legislar e firmar os acordos trabalhistas foram
transferidas segundo dita o Real Decreto 4105/82 para as Comunidades Autônomas, que neste
caso, a CV cria o Registro da Comunidade Valenciana de Convênios e Acordos Coletivos de
trabalho, na subdireção geral de Relações de trabalho, de 29 de dezembro, e por meio da Ordem
37/2010, de 24 de setembro, do Conselho de Economia, Fazenda e Emprego. Na CV, numa
perspectiva regional e de acordo com a ordem 37/2010, implantou o VII Convênio Coletivo de
Centros e Serviços de Atenção a Pessoas com Discapacidades da Comunidade Valenciana, que
tem por objetivo a integração das pessoas com discapacidade em ambientes laborais, na forma
de emprego protegido, como política pública de integração deste coletivo em espaços laborais,
econômicos e sociais.
4.1.2 APSA – Associação Pro-Descapacitados Psíquico de Alicante
A Associação Pro-Descapacitados Psíquico de Alicante (APSA) foi fundada no ano de
1962 por um grupo de pais, na cidade de Alicante/Espanha com o número de registro provincial
92. Inicialmente a Associação foi denominada como Associação de Proteção dos Subnormais
de Alicante, aprovada pela resolução de 8 de setembro de 1962. Tinha como objetivo principal
atender famílias que apresentassem casos de enfermidades relacionadas aos transtornos
psíquicos e que necessitavam de ajuda ou apoio para desenvolver suas atividades cotidianas.
Em 20 de março de 1971, a APSA foi considerada uma Associação de utilidade pública por
meio do Conselho de Ministros da Espanha.
Então a Associação Pós-Descapacitados Psíquicos de Alicante (APSA), é uma
organização privada, sem fins lucrativos e de utilidade pública. O objetivo é atender familiares
que apresentem casos de enfermidades relacionadas a transtornos psíquicos (síndrome de
down, autismo, paralisia cerebral, entre outros) e que necessitem de ajuda ou apoio para
104
desenvolver atividades cotidianas e laborais, quando possível. Ao longo dos anos foram
criados: Centros Ocupacionais, Centros de Lazer, Residência para 3ª idade, Centro de
Atividades Artísticas, Centros Especiais de Emprego, Centro de Formação Profissional, Centro
de Esportes, instalações de apoio em diversas cidades da província de Alicante. Atualmente o
grupo é composto pelas entidades: Associação APSA e pelos Centros Especiais de Emprego
(Avimar, Limencop e Terramar) (Estatuto APSA, 2012; APSA, 2017).
No ano de 2012, APSA consolida-se como Associação e sua denominação de
Associação APSA, com personalidade jurídica própria e sem fins lucrativos, seu âmbito de
atuação é em nível nacional para o desenvolvimento de projetos relacionados aos fins a que se
destina tanto no âmbito local como nacional, e ainda participa de programas ou fundos da União
Europeia, projetos e programas apoiados ou subvencionados em organismos internacionais do
qual a Espanha é membro, e ainda em convênios realizados com empresas públicas e privadas
estrangeiras que visam atender pessoas com discapacidade ou em risco de apresentá-la (Estatuto
APSA, 2012).
Para desenvolver suas atividades, o grupo APSA elegeu como Missão “a melhoria da
qualidade de vida daquelas pessoas com discapacidade, ou risco de apresentá-la, de suas
famílias e do seu entorno” (Estatuto APSA, art.6). Como Visão, e tendo como base a sua
história, “vocação inovadora e dinâmica em trabalhar com pessoas com discapacidade,
prestando atenção às necessidades dos seus sócios, e das demandas da sociedade, assumindo
novos desafios e sendo fiel à sua missão.” Ainda com base na missão e na visão do grupo, a
APSA deseja ser reconhecida ainda com altos níveis de profissionalismo e qualidade (APSA,
2017). A Associação APSA, por meio dos seus associados e gestores, definiu como princípios
e valores norteadores do empreendimento: a solidariedade, responsabilidade, orientação ao
usuário, respeito, honestidade, não discriminação e igualdade (APSA, 2017).
Um dos compromissos da APSA é com a transparência, um movimento das
organizações sem fins lucrativos espanholas para tornar suas atividades visíveis para os seus
stakeholders. Para atender este compromisso, a Associação mantém um código de boa gestão
e sua política de informação pública, a saber: colocar à disposição a todos, informações sobre
a memória anual de atividades, memória econômica anual auditada por empresa externa e
independente, informando a origem das fontes das atividades; como parte dos recursos é de
origem pública, a gestão de APSA está sujeita a Lei de Subvenções do governo espanhol, e o
controle das Administrações Públicas, sendo sujeito a auditoria de organizamos públicos de
fiscalização do governo autônomo e local; manter a página web atualizada com as informações
105
relevantes para a Associação e seus públicos; informa de maneira periódica aos doadores o
emprego dos recursos; prima pelos pagamentos de suas obrigações fiscais, tributárias e sociais
e todas as contribuições dos sócios e colaboradores são destinadas para a atividade fim da
Associação como manutenção dos programas e projetos de atenção para pessoas com
discapacidade (APSA, 2017). Ainda como princípio e derivado de compromissos da Lei
19/2013, de 9 de dezembro, a Lei da Transparência espanhola, a APSA torna públicas as
informações relativas aos seus contratos, convênios, subvenções recebidas, contas anuais e
orçamento divulgadas nas Memórias de Atividades no seu sítio na Internet (APSA, 2017).
Para a efetiva inclusão das pessoas com discapacidade nos diversos ambientes sociais,
a APSA tem como objetivo geral “a inclusão das pessoas com discapacidade no âmbito familiar,
escolar, laboral e social, assim como a defesa dos seus direitos e interesses, da sua família e dos
seus tutores”, amparado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), a
Constituição Espanhola (1978), o Estatuto de Autonomia da Comunidade Valenciana (2006), e
por fim a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Discapacidade (ONU, 2006).
Para atender o objetivo geral da Associação APSA, foram subdivididos em objetivos
específicos, a saber:
1) Promover, vigiar e gerenciar o ensino, educação, trabalho, reabilitação,
assistência e qualquer outra forma legal de proteção às pessoas com discapacidade intelectual
e em desenvolvimento;
2) Reivindicar seus direitos e interesses e das suas famílias e tutores;
3) Colaborar com entidades públicas ou privadas que perseguem os mesmos fins
do grupo APSA.
4) Participar em projetos específicos relacionados aos seus fins (Memória de
Atividades APSA/2016).
A Associação tem como base o respeito como via de convivência com seus públicos, e
o enriquecimento das relações por meio da igualdade de oportunidades e erradicação de ações
que promovam ou provoquem a discriminação em qualquer âmbito, seja ele por motivos de:
nascimento, raça, sexo, religião, opinião ou qualquer condição ou circunstância pessoal ou
social (APSA, 2017, Plano de Igualdade APSA – 2016-2020). Com o objetivo de melhorar a
qualidade de vida dos usuários da APSA, com níveis satisfatórios de autonomia e normalidade,
bem como integrados numa vida social, econômica e cultural, participando de decisões que lhes
106
afetem como cidadãos. Desenvolve diferentes programas e serviços que dão resposta às
necessidades das pessoas com discapacidade em seu ciclo vital na Província de Alicante.
Visando atender seus princípios organizacionais, a APSA tem uma estrutura de serviços
com o objetivo de atender todo o ciclo de vida das pessoas com discapacidade, que vai desde a
Etapa Educativa, por meio do Centro de Desenvolvimento Infantil e Atenção Inicial (CDIAT)
e os Centros de Recursos e Apoio Escolar (CRAE) até os 16 anos, Centro de Transição para a
Vida Adulta Cami Obert (Centro de Formação e Assessoramento Laboral – COFAL) dos 16
aos 26 anos, Centros Ocupacionais e de Emprego a partir dos 26 anos e a área Residencial a
partir da 3ª idade (APSA, 2017).
4.2 ANÁLISE QUALITATIVA DE DADOS E EVIDÊNCIAS
Na análise das informações qualitativas, buscou evidenciar o processo de criação de
valor para os stakeholders que fazem parte do empreendimento social estudado, aprofundando
o conhecimento do contexto social, econômico, político dos processos de inclusão de pessoas
discapacitadas realizado pela Associação APSA. Usar-se-á o termo pessoas com
discapacidades, pois é adotado pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Discapacidade (ONU, 2006), portanto um sujeito de direito, pois requer uma ação social de
iniciativa coletiva para sua participação completa na sociedade, eliminando-se as barreiras para
que todos tenham condições de igualdade de oportunidade. No contexto espanhol, a partir desta
convenção, as pessoas portadoras de discapacidades física, intelectual, mental ou sensorial, são,
portanto, chamadas de pessoas com discapacidades, visando a sua inclusão nos diversos
ambientes daquela sociedade.
Buscou-se também analisar os fatores que influenciam no desenvolvimento das
atividades do empreendimento social no ambiente institucional, bem como as necessidades
desta parte específica da sociedade para plena inclusão.
4.2.1 Trajetória do Empreendimento Social
A trajetória do empreendimento social, Associação APSA, iniciou por motivação dos
pais ou responsáveis da cidade de Alicante por meio de iniciativas para inclusão dos seus filhos
em espaços em que pudessem se desenvolver. Dentre as diversas motivações, surge a intenção
107
empreendedora (IE), que pode ter sua concepção para atender as demandas de um determinado
coletivo, seja de uma comunidade, região ou grupo de pessoas interessadas na resolução de
problemas imediatos ou soluções duradouras.
A IE que gera inquietudes iniciais em prol de uma organização maior e na busca de que
alternativas sejam encontradas para a solução de problemas emergentes. Os primeiros e
decisivos passos são construídos a partir das intenções e dos desejos na realização de um bem
maior, que por vezes contribui para a sua viabilização. A IE se estabelece a partir das falas dos
entrevistados e participantes do empreendimento quando afirma Ramiro que a “APSA, é uma
associação de pais.” Entretanto, percebe-se ainda que somente a intenção empreendedora por
si só não é suficiente, pois novas necessidades surgem e que demandam novos serviços, como
afirma Santiago, APSA começa com um grupo de pais que têm filhos com discapacidade
intelectual no ano de 1962, “então se criava a associação com grupo de pais e conforme iam
crescendo seus filhos, e vão gerando uma série de recursos, então desde o ano de 1962 a 1983,
o que se gerou foi o centro de adolescentes, e o centro ocupacional”, e desde a criação da
Associação, muitas ações tem sido feitas para que pessoas com discapacidade possam ser
incluídas nos diversos ambientes da sociedade.
Uma ponderação feita pelo Ramom, quando diz: “Porque existem associações que
atendem pessoas com discapacidade, porque existem? Ele mesmo responde, “existem porque
os governos não assumem estes serviços de necessidades sociais, então surgem iniciativas de
cidadãos, de famílias, pais, que têm o problema.” As famílias foram motivadas para criar a
Associação pela necessidade de resolver seus problemas, para que seus filhos fossem integrados
nos diversos campos da vida. Então Ramom ainda comenta que “então surgem os movimentos
sociais.” Para participar como associado da APSA, o participante necessita ter um “certificado
de minusvalia”, como afirma Serena, pois é uma associação que trabalha para este coletivo.
Ao longo de sua história, a APSA se firma como “uma organização que realmente quer
ser uma organização, não um grupo de pais que se juntaram para ajudar seus pobres filhinhos.”
Jade ainda diz que “fizeram isso durante muito tempo [...] e que somos todas pessoas que
estamos há muitos anos no mesmo barco [...] remando na mesma direção.” Entretanto, isto só
não é mais suficiente, pois as necessidades hoje são distintas da época da fundação da APSA,
complementa Jade, “queremos uma organização profissional, de pessoas envolvidas,
profissionais que trabalham bem e fazem as coisas bem, e sair um pouco deste paternalismo,
[...] porque antes as pessoas com discapacidades não eram pessoas, mas sim pobrezinhos, então
nos caberia cuidá-los.”
108
Ao ressaltar a importância da APSA para as pessoas com discapacidade, famílias, e a
sua inclusão de forma plena nos espaços sociais, Santiago salienta que “se a APSA não existisse
teriam que inventá-la, uma organização que se não estivéssemos dirigindo, teria que ser dirigida
por outras pessoas, porque atendemos algo muito necessário e para muitas famílias.” Isto
contribui para a consolidação da intenção empreendedora, pois para a inclusão de pessoas com
discapacidade, tem que ter a vontade e a intenção social de criar um empreendimento que possa
atender as necessidades de pessoas que demandam este tipo de serviço, por meio da sua plena
inclusão e mantê-la ao longo dos anos para que se possa ampliar o atendimento das necessidades
destas famílias.
Outro fator importante que contribui para a intenção empreendedora neste
empreendimento é o ato de escutar, no sentido de escutar as angústias, os problemas, a busca
de soluções para seus filhos e famílias, encontrar alguém que os entenda nas suas dificuldades
diárias ou ainda em lidar de forma apropriada com a discapacidade. Isto fica evidenciado nas
falas de Jade, que afirma que APSA tem “boas orelhas escutadoras, acredito que essas pessoas
estão acostumadas que ninguém os escute.” Uma das maiores dificuldades dos profissionais é
compreender o que as famílias buscam, pois muitas vezes os diagnósticos são imprecisos e
demorados, ou ainda como afirma “por que às vezes é difícil entender o que querem e o que
sentem, porque eles mesmos não o sabem, muitas famílias se sentem incompreendidas ou
isoladas”, como ressalta Jade. Isto é corroborado por Nilda quando afirma que “tenho lutado
muitíssimo, porque quando detectaram o problema de Pepita com sete anos, e eu lutava, eu ia
(aos lugares) e não me diziam nada.” Jade ainda fala que “APSA aporta este valor [...] o que
acontece é que essas pessoas são importantes em algum lugar, ou ainda quando diz que na
APSA encontram pessoas que os atende e os escuta, porque nós temos orelhas escutadoras”.
Já Alma tem um sentimento que se iguala a paixão pelo seu trabalho na APSA, quando
relata a respeito de um presente, um leque confeccionado nas oficinas, que ganhou de um grupo
de associados de APSA, e que está escrito ‘Obrigada pelo seu entusiasmo’, e no mesmo presente
está escrito: ‘A vida é linda’, mas salienta que muitos confundem “linda, com fácil”. Dentre os
desafios, um deles é aproximar o mundo real do mundo da discapacidade, Alma relata que veio
do mundo acadêmico, deixando uma carreira promissora e trabalhando com discapacidade:
“para mim foi um momento de loucura, porque o trabalho aqui não tem horário, calendário,
convivo com várias situações, mas bastante completo em nível pessoal.” Jade diz que sua luta
vem das suas demandas e necessidades, e crê que esse é o melhor do melhor que tem na APSA,
“[...] é a satisfação do dia a dia, a vida vale a pena vivê-la.” Ramiro salienta que seu trabalho
109
na APSA requer muita “responsabilidade, [...] a parte concentrada nas pessoas é o mais
importante, o nosso capital não é este edifício, os veículos, os computadores, o nosso capital
são as pessoas.” Santiago diz que “nós entendemos as necessidades das famílias.”
E este processo é permanente e cíclico, pois se de um lado as famílias buscam apoio e
não o encontram, a APSA como entidade que se especializou em trabalhar com este tipo de
enfermidade contribui para os apoios necessários, quanto para os serviços que estes usuários
podem usufruir por meio da sua estrutura. Os pais encontram apoio e soluções para os seus
problemas vividos no cotidiano, seja por meio de atividades de desenvolvimento quando são
crianças, como ortopedia, fisioterapia, fonoaudiologia ou outros serviços, no reforço escolar
quando ingressam no sistema educacional espanhol, e na transição para a vida adulta,
preparando-se para o mercado de trabalho e no seu trabalho, ou ainda após a aposentadoria,
quando podem continuar a frequentar a estrutura montada pela APSA e que encontram amparo
na velhice.
Ramom afirma que quando as famílias procuram a Associação, “o que as pessoas nos
contam [...] parece um filme... pessoas sem sorte nenhuma, acontecem um monte de coisas
horríveis, continuamente... enfermidades, problemas e situações sociais.” E o maior desafio da
APSA é a integração de pessoas com discapacidade e a dificuldade de integração, “vivemos
numa sociedade que é individual, o mais importante sou eu [...] num individualismo endêmico
[...] por falta de empatia com tudo.”
O processo de escutar reforça a intenção empreendedora da Associação, pois sua criação
teve a motivação de pais que necessitavam de ajuda para os seus filhos, e não encontrando,
fundaram a associação com este propósito. Mesmo atualmente, as famílias ainda se sentem
desamparadas e despreparadas, e muitas vêm de processos exaustivos de diagnósticos, e
encontram na APSA soluções apropriadas para que seus filhos tenham uma vida autônoma e
com independência, como podemos ver na Figura 16 abaixo.
110
Figura 16
Intenção Empreendedora em APSA.
Fonte: Dados da pesquisa (2017).
Para o desenvolvimento e consolidação da Intenção Empreendedora delineada pela
APSA, é imprescindível que se tenha fatores que possam auxiliar e apoiar sua estruturação, e
que possam atendê-la de forma plena. Dentre os fatores, podem-se destacar os fatores internos,
como os componentes estratégicos.
A Missão e a Visão são norteadoras das atividades organizacionais, sejam elas para
organizações com ou sem fins lucrativos. Numa organização sem fins lucrativos, os princípios
norteadores contribuem para situar-se na sociedade, e para atender na sua atividade fim. A
Missão permeia todas as atividades, bem como a ampliação do atendimento das necessidades
dos associados, conforme estabelecido em seus documentos constitutivos, e se firma ainda
como uma importante mobilizadora nas comunidades onde está inserida, como afirma Santiago
quando diz que a Associação prima por atender sua Missão “procurando uma série de recursos
para as famílias, desde seu nascimento até a etapa de residência”, mas ainda afirma que na
APSA eles buscam levar soluções para as famílias.
Ao ser apresentada a APSA por um familiar, Nilda afirma que encontrou na Associação
um ponto de apoio e conseguiu fazer com que sua filha tivesse um tratamento adequado para a
sua discapacidade, “eu não queria que minha filha precisasse de ajuda de dinheiro, quero que
seja útil, e que tenha uma vida normal como a de qualquer pessoa.” Defende ainda que pessoas
com discapacidade devam conviver em todos os ambientes e que “em uma casa não é a solução
não [...] uma pessoa assim é necessário que se trabalhe com eles, que se estimule.”
Santiago ainda afirma que em reuniões com os associados e familiares percebe cada vez
mais a necessidade de entidades de apoio como a APSA, relata que no município de Elche, na
Província de Alicante, não havia recursos apropriados para pessoas com discapacidade, mas
111
“atualmente há 30 famílias, e a maior satisfação é o rosto das famílias [...] que não tinham
nenhum recurso, que seus filhos estavam em suas casas.” Hoje, APSA possui um Centro de
Apoio e Assistência e ainda afirma que “as famílias podem assumir um custo com as suas
economias e a satisfação de ter resolvido um problema para eles.”
Isto também pode ser explicitado pelo argumento de Jade que afirma que “o básico para
isso é que todos tenham a mesma missão e a mesma visão [...] que é trabalhar para melhorar a
qualidade de vida das pessoas com discapacidade e suas famílias.” Entretanto, pondera que
apesar da Missão estar clara para os membros da Associação, “a Visão nem todo mundo a tem
igual, isto é o difícil [...] mas creio que estamos neste caminho, de todos terem a mesma visão.”
Um dos desafios enumerado por Enrique é no que se refere a “a cooperação das
empresas externas que não é suficiente”, afirma que há muitas empresas na Província de
Alicante que colaboram com a Associação “porque tem uma sensibilidade especial”, pois se
propõe a criar condições para que pessoas com discapacidade tenham uma vida dentro das suas
possibilidades, e ainda afirma “os trabalhos que realizamos nos Centros tem a mesma qualidade
como uma empresa de fora”, neste caso, do mercado concorrente (APSA, 2017).
Outro gestor, Ramiro ressalta que há muitas empresas que colaboram visando “a
melhoraria da qualidade de vida das pessoas com discapacidade”, por meio desta modalidade,
muitas empresas contratam os serviços, “pois acreditam no que a APSA faz e nas mudanças na
vida das pessoas com discapacidade.” Outro ponto que consolida o trabalho desenvolvido pela
APSA é a legislação espanhola, bem como as normas de trabalho que são como pontos de
referência para as suas atividades. Neste sentido, a Associação APSA possui uma resolução que
normatiza todas as atividades que exerce para os associados, por meio do seu estatuto. Desde a
sua criação a APSA vem se adaptando no que se refere a atender às necessidades dos seus
associados, bem como o cumprimento dos requisitos para manter-se fiel à sua história e aos
seus propósitos.
A gestão da APSA é alicerçada em cinco pilares: Qualidade (possui a certificação
ISSO 9001:2008 e melhora de forma contínua a qualidade dos seus serviços), Transparência
(as contas são auditadas anualmente e publicadas por meio da Memória de Atividades),
Pesquisa (colabora com Universidade e Fundações na pesquisa para a melhoria da qualidade
de vida das pessoas com discapacidade), Desenvolvimento (desenvolve uma carteira de
serviços para responder as necessidades dos sócios, bem como a ampliação e melhoria da
formação dos seus trabalhadores) e por fim Inovação (incorporação de novos serviços e
intervenções baseadas em evidências científicas na busca de melhores resultados possíveis
112
nas intervenções) (APSA, 2017). Além disso, APSA desenvolve ainda junto aos seus
stakeholders a ferramenta SWOT, com intuito de melhorar seus serviços para os associados.
No que se refere ao seu Estatuto, a Associação descreve sua denominação,
personalidade, âmbito de atuação, endereço da sede, duração do empreendimento, objetivos,
obrigações e direitos dos associados, tipos de sócios, falta e sanções dos sócios, tipo de
gestão adotada pelo empreendimento e suas competências, registro das atividades,
composição dos diversos órgãos da diretoria, comissões de trabalho, como mostra o Anexo
xxx, numa busca constante no atendimento de suas necessidades, pela igualdade de
oportunidades e a erradicação de ações discriminatórias oriundas de sexo, raça, nascimento,
religião, entre outros.
As atividades exercidas pela gestão profissional da APSA também têm as suas
atribuições descritas no regimento da Associação, e Santiago afirma que “nós temos atualmente
no quadro de funcionários em torno de 300 pessoas, e cada uma dessas áreas têm o responsável
e há uma direção técnica e a gerência que tem que prestar contas à junta diretiva (Regimento
APSA, seção 5). Por sua vez, a Junta diretiva da APSA tem papel altruísta, não possui
remuneração e é responsável pela gestão (Estatuto APSA, art.28). Os gestores que são
contratados pela APSA para o gerenciamento das atividades, gestão estratégica, gestão
educacional, devem ter a contratação autorizada pela Junta Diretiva da Associação, por ser uma
das atribuições do presidente da Associação.
A Associação tem uma estrutura assemelhando-se a um guarda-chuva, pois possui
atividades distintas para cada etapa de vida dos associados, sendo que cada etapa tem um papel
específico no desenvolvimento do beneficiário. Ramiro fala que “seus filhos estão em etapas
infantis ou em etapas educativas, tem o Centro de Atenção Inicial, Centro de Apoio de Reforço
Escolar [...] são pessoas que não estão no emprego, trabalhando e que não estão remuneradas,
ou fazendo seus tratamentos de estimulação, ortopedia, de fisioterapia [...] este é o trabalho da
Associação”. Já Paco fala que a APSA tem como base seus Centros e serviços oferecidos aos
seus associados, que tenta cobrir a vida toda, desde a etapa educativa, em diferentes partes da
Província de Alicante. Salienta ainda que a partir do ano de 2006 a APSA começou a crescer
muitíssimo, então num esforço coletivo dentro da Associação, “tentamos, pois homogeneizar
todos os processos, para que todos trabalhassem dentro de um leque comum”, para cobrir a vida
do associado, a associação criou serviços para atender as necessidades de pessoas com
discapacidade, como mostra a Figura 17.
113
Figura 17
APSA e as Etapas de Atendimento.
Fonte: Adaptado Asociación APSA. (2017). Recuperado em 28 de abril, 2017, de http://www.asociacionapsa.com/
Dentre os organismos que a APSA possui filiação e busca referências para a condução
dos seus trabalhos, é a organização “Confederação de Plena Inclusão da Espanha (FEAPS)”,
chamada também de Plena Inclusión, pois é uma entidade que defende os direitos das pessoas
com discapacidade. Plena Inclusión tem sede na cidade de Madri/Espanha, congrega cerca de
900 associações em toda Espanha, além de contribuir para o fortalecimento de ações voltadas
para pessoas com discapacidade, tem por objetivo representar as pessoas com discapacidade na
Espanha ou em organismos internacionais que requeiram esta representatividade. Dentre as
suas atribuições, a organização defende e fomentam os direitos fundamentais, a qualidade de
vida das pessoas com discapacidade ou o seu desenvolvimento, e da sua família (Plena
Inclusión, 2017).
Um documento adotado pela APSA da FEAPS é o Código de Ética (CE), considerado
um instrumento para as pessoas com discapacidade e suas famílias alcançarem em plenitude os
direitos e obrigações com o objetivo na mudança de comportamento da sociedade. Por meio do
CE, os envolvidos com as pessoas com discapacidade são os responsáveis pela tarefa da
114
melhoria da sua qualidade de vida. Para atender este coletivo em suas demandas, o CE tem três
âmbitos de atuação: pessoal, a família e a Organização.
No âmbito pessoal, a APSA por meio do seu Código de Ética visa garantir a dignidade
e a igualdade da pessoa com discapacidade intelectual. A dignidade do sujeito como pessoa, ser
humano, tem valor por si e em si, pois suas limitações e capacidades são essenciais como em
qualquer ser humano, e suas características, interesses e fins são equiparáveis a qualquer outro
ser humano. A partir disso, a busca de qualidade de vida, garante o direito à uma vida digna e
de autonomia, respeitando as diferenças individuais. Esta particularidade leva à ações e atitudes
de respeito à diferença, identidade própria, apoio ao perfil de cada pessoa, em caráter
individualizado, e não como coletividade. Outro valor relevante é a igualdade. Uma pessoa
com discapacidade tem seu pleno direito em viver em comunidade enquanto cidadão pleno,
como necessidades, direitos e obrigações como todas as pessoas na sociedade. Da igualdade
deriva ainda as relações interpessoais baseadas na reciprocidade, empatia, confiança mútua e
competência. As relações são entre pessoas com discapacidade, familiares, pessoas do seu
entorno, profissionais que contribuem para uma vida com qualidade, satisfação em bem-estar e
felicidade (Código de Ética, 2017).
No nível familiar, o CE também tem como base a igualdade e a inclusão. A família tem
a necessidade de participar, interagir, ser beneficiária e beneficiada por uma vida digna, além
da inclusão a recursos semelhantes aos oferecidos a outras famílias do seu entorno. A igualdade
também se reflete em proporcionar adaptações e inclusão em qualquer contexto, desenvolvendo
mecanismos de desenvolvimento do potencial e imparcialidade na destinação de recursos. A
partir da igualdade, a inclusão das pessoas com discapacidade deve permitir a integração na
comunidade, seu ajuste pessoal e como indivíduo. Além disso, a família é o primeiro marco de
referência, seu suporte e socializadora da pessoa com discapacidade, combinado ainda com o
papel de provimento e apoio. Este princípio, associado com a solidariedade, dignidade e
qualidade gera o princípio de autoajuda, pois contrapõe a plenitude da liberdade, de que o seu
direito de igualdade pode exercer ou não, e dispõe de forma natural e comum também para as
pessoas com discapacidade (Código de Ética, 2017).
E no nível Organizacional, as instituições, dentre elas, APSA, visa apoiar as pessoas
com discapacidade intelectual por meio do oferecimento de serviços, apoio mútuo às famílias
e para seus filhos, reivindicação dos direitos, participação plena no âmbito social, gestão sem
lucro e com transparência nas atividades desenvolvidas e qualidade dos serviços oferecidos para
as pessoas com discapacidade. O primeiro valor destacado pelo CE é o Serviço, que tem caráter
115
humanitário, move as pessoas na sociedade a ajudar os semelhantes em situações de sofrimento
ou fragilidade. Este valor também configura o movimento associativo inclusivo, de caráter
universal, altruísta, mas, não paternalista, responsável e com eficiência técnica, independente e
reivindicativo, visando atender as reais necessidades não cobertas pelos serviços disponíveis,
participante e colaborador de iniciativas semelhantes e que tenham os mesmos ideais. Outro
valor de relevância é o Apoio Mútuo, que é um dos pilares do movimento associativo. Ele
expressa a união e solidariedade entre os que se encontram em situações semelhantes, que
juntamente com a ação humanitária contribui para a identidade pessoal e do grupo de acordo
com as circunstâncias que os geram. É fundamental que haja segurança para que esta identidade
se desenvolva de forma adequada. Outro valor é a Reivindicação, pois há necessidade
permanente de exigências junto às organizações parceiras, à sociedade, aos representantes
políticos, na defesa de direitos das pessoas com discapacidade intelectual, apoiando
fundamentalmente o seu progresso e desenvolvimento. Este valor associado à Justiça na
distribuição dos bens sociais, de maneira que todos possam viver no mesmo espaço, com
igualdade de direitos e oportunidade contribui para o permanente estado de vigilância e análise
da realidade social do entorno, motivando as mudanças necessárias por meio de denúncias,
demandas e sugestões a partir da independência e legitimidade em uma liderança
compartilhada. Outro valor é a Participação, considerado como fundamental e elo básico de
desenvolvimento. Sem a participação, as bases do Associativismo da qual faz parte a APSA,
não há transparência, comunicação, sentimento de pertencer e qualidade. A participação é
inerente a este movimento e só se concretiza com a participação de todos (Código de Ética,
2017).
Um dos valores em destaque no CE é a Transparência na Gestão, pois a opção por uma
gestão sem lucro e a transparência como princípio de funcionamento econômico, mesmo que
sem as características próprias dos movimentos relacionados às questões sociais, constituem-se
como os gestores e profissionais ligados às Associações com responsabilidade inerente à sua
gestão econômica, com austeridade na utilização dos recursos econômicos, e alheios de
qualquer suspeita de lucro pessoal, ostentação e má utilização dos meios, cujo único fim
aceitável é a melhor utilização dos recursos com finalidade precípua de cumprimento da missão.
E por fim, o valor Qualidade, que visa garanti-la como referente técnico para melhorar os apoios
e serviços que as entidades prestam, como um valor que por meio da prática favorece os
comportamentos éticos das pessoas envolvidas. Neste sentido contribui para garantias de
negócios e atitudes de respeito, dignidade da pessoa. O processo de acreditação das pessoas,
116
tanto o cliente, membro da associação teme a integração dos desejos e expectativas de
planejamento e prestação dos apoios na melhoria da qualidade de vida, evitando-se sobrepor as
escolhas pessoas em relação às escolhas coletivas, evitando o abuso de poder, bem como a
utilização responsável dos recursos escassos (Código de Ética, 2017).
Outro fator considerado relevante no processo da Associação é a política pública do
Estado para que o processo de criação de valor se consolide numa sociedade organizada. Devido
às mudanças no conceito sobre discapacidade e as visões distintas do que se preconiza
atualmente, passou de uma situação de enfermidade, com um código de doença que o
identificava, para uma visão mais holística, considerando-o como um cidadão em seu direito
pleno. As políticas públicas de inclusão têm um papel importante, pois possibilitaram transpor
de um isolamento total ou parcial para a inclusão na sociedade espanhola.
Um dos pilares da inclusão é a Declaração Mundial dos Direitos Humanos (ONU, 1948),
pois foi um dos primeiros passos para proclamar que todas as pessoas teriam direito à instrução,
trabalho, condições dignas de vida, e principalmente de pertencer em condições de igualdade
na sociedade. Para complementar, a Declaração Mundial dos Direitos da Pessoa Deficiente
(1971) e dos Minusvalidos (1975) da ONU, reforça a política de inclusão em nível
internacional, garantido assim os direitos das pessoas com discapacidade, no que se refere à
atenção médica, educacional, reabilitação e orientação vocacional. Na Espanha, o primeiro
movimento foi na Conferência Mundial sobre as ações e estratégias para a Educação, prevenção
e integração, chamada Declaração de Sundberg (Espanha, 1981), que reiterou a necessidade da
inclusão das pessoas com discapacidade, bem como a adaptação dos itinerários educacionais
visando uma sociedade inclusiva. Ainda nesta perspectiva, a Convenção sobre os Direitos da
Criança (ONU, 1989), reitera os direitos até então delineado nas convenções anteriores. A partir
dos anos 1990, a legislação internacional se consolidou em relação às pessoas com
discapacidade, como a Declaração Mundial sobre a Educação para todos (Tailândia, 1990) e a
Declaração de Salamanca (1994), e as Normas sobre Igualdade de Oportunidades Para Pessoas
com Deficiência (ONU, 1994), que estabeleceu que seus estados membros devem reconhecer
que as pessoas portadoras de deficiências têm seus direitos assegurados, bem como usufruir de
iguais oportunidades nos diversos campos da sua vida (ONU, 1994).
Neste sentido, a União Europeia (UE) assegurou os direitos por meio da Convenção dos
Direitos das Pessoas com Discapacidade no ano de 2005, assinado então pelos 27 estados
membros, e ratificado por 16 deles, dentre eles, a Espanha, no ano de 2007, além de participar
do Plano de Ação do Conselho da Europa e Estratégia Europeia sobre Discapacidade (2010-
117
2020). Nesta Convenção, os estados membros da UE identificaram inicialmente oito grandes
áreas de atuação junto às pessoas com discapacidade, a saber: acessibilidade, participação,
igualdade, emprego, educação e formação, proteção social, saúde e ação externa.
Dentro das políticas públicas do Estado espanhol, há todo um encadeamento de
legislações para consolidar o processo de inclusão, as leis já citadas, visam fomentar às
contratações de pessoas com discapacidade. O governo espanhol estabeleceu subvenções de
apoio, sendo necessária a adaptação das tarefas para estes trabalhadores, bem como pagamento
à seguridade social de acordo com o salário do trabalhador. Devido às características de um
trabalhador com discapacidade, existe também a modalidade de emprego protegido, que
necessitam de apoio para o desempenho adequado das atividades, sejam elas provisórias ou
definitivas, de acordo com suas necessidades e para que possam desenvolver as atividades
laborais em condições habituais e de maneira contínua (Lei 13/1982).
Por fim, as comunidades autônomas espanholas têm por obrigação constitucional
implantar em seus territórios o que determina a Constituição, inclusive acordos, ordens,
regulamentos nas diversas áreas. Os acordos trabalhistas firmados com os trabalhadores
discapacitados são de mesmo teor e conteúdo com os acordados com os trabalhadores sem
discapacidades, como rege o Real Decreto Legislativo 1/1995, de 24 de março de 1995, Real
Decreto 713/2010 (Lei dos Estatutos dos Trabalhadores) de 28 de maio de 2010.
A CV, por meio de suas competências, estabelece a Ordem 37/2010, para o
estabelecimento do VII Convênio Coletivo de Centros e Serviços de Atenção a Pessoas com
Discapacidades da Comunidade Valenciana, no sentido de assegurar também na Comunidade
seus direitos, pois regulam as condições mínimas de trabalho, visando a atenção, assistência,
formação, reabilitação, promoção e inserção no trabalho de pessoas com problemas e alterações
de ordem física, sensorial, psíquico, de personalidade ou transtornos de conduta social. A partir
deste convênio, as organizações que prestam apoio as pessoas com discapacidade, devem
apresentar as condições mínimas de trabalho, bem como a prestação de apoio adequado a este
tipo de trabalhador.
Como afirma Juan, que por meio de convênios específicos com a APSA visam assegurar
a inclusão de pessoas com discapacidade no ambiente universitário, onde “esta política é da
universidade e já faz muitos anos, e é certo que desde que entrou o último governo na CV, há
também uma vice-presidente do Conselho que está responsabilizada desta temática social e está
impulsionando esse tipo de convênio”, a tendência de manter e ampliar convênios com
118
associações que visam à inclusão é uma política pública consolidada e com reforço a esta
necessidade de inclusão nos mais diversos ambientes.
Paco informa que o trabalho que desenvolve conjuntamente com a APSA é um
“convênio mais estruturado, anual e que se repete”, e ele acredita que a relação é excelente.
Afirma ainda que APSA “tem um serviço muito profissionalizado, e muito aperfeiçoado”, e a
integração entre os trabalhadores da APSA com o público interno e externo é total, e “a
trabalhadora da APSA que desenvolve seu trabalho de forma mais estrutural [...] logo a relação
com os profissionais de APSA, enquanto a tutorização é muito profissional, muito bem
estruturada.”
Paco ainda pondera em relação à escassez de recursos da Generalitat Valenciana, o
governo da comunidade autônoma em relação às associações que atendem pessoas com
discapacidade, e salienta “temos que fazer e apoiá-las e apoiar-mos nelas, porque amplifica
atividade e se multiplica por dez”. Como a cidade de Alicante tem sua economia apoiada
essencialmente em serviços e a APSA trabalha com atividades de apoio que podem ser
utilizadas neste ramo da economia, Paco afirma que “nós trabalhamos com um grão de areia,
[...] mas nós não temos os recursos, é uma lástima”, ficando à mercê de uma vontade política
maior para o desenvolvimento de projetos e seu financiamento junto a este coletivo.
Por outro lado, Almerinda argumenta que em seu ambiente de trabalho, os trabalhadores
da APSA “adicionam diversidade [...] porque é necessário, seus olhos só veem aquilo que você
está acostumado a ver, com os padrões de normalidade, [...] virar para o outro lado, e tropeçar
com rapazes da APSA”, nas situações de inclusão proposta pelo convênio APSA e Universidade
de Alicante, e afirma que a inclusão no ambiente universitário “é um método que tem um
modelo diferente, que ao final, é um modelo educativo.” Dentro das limitações de suas
atividades, Almerinda afirma que “isto supõe que socialmente as pessoas com síndrome de
down não estão visíveis, e por que não estão? Há muito pessoas que não sabem que há pessoas
com diversidade intelectual [...] e nós temos muitas coisas por fazer”, e conviver com
trabalhadores da APSA neste ambiente universitário.
Apesar de políticas públicas voltadas para este coletivo, Paco afirma que “por tudo que
passou a APSA, por todas as dificuldades que existiram [...] a agência continuou apoiando,
penso que quase não temos recursos para nós mesmos e seguimos apoiando a APSA, porque
pensamos que valia a pena, [...] os pais, os trabalhadores e as entidades que podem trabalhar
com eles.” Ramiro afirma que a APSA atualmente é “mais forte e melhor posicionada, e com o
reconhecimento por parte dos poderes públicos, da sociedade, ela é uma referência no mundo
119
da discapacidade na Comunidade Valenciana.” Ramiro ainda ressalta que a parceria com a
Universidade, busca desenvolver um trabalho de qualidade, “e não caridade [...] porque na
universidade há uma equipe de pessoas que fazem as coisas fáceis [...] nos apóiam e nos ajudam,
então isto é muito importante”
Percebe-se que apesar dos esforços de política pública, muita coisa ainda tem a se fazer,
seja por parte das empresas contratantes, seja por parte do governo, ou ainda pela APSA. Nos
discursos dos gestores são preponderantes fatores superiores às suas possibilidades, seja na
gestão de recursos, promover a inclusão deste tipo de coletivo por meio de projetos nos diversos
espaços sociais, além de fazer a contratação por longos períodos de tempo, como mostra a
Figura 18.
Figura 18
Processo de Inclusão pela Política Pública.
Fonte: Dados da Pesquisa, 2017.
Para a APSA colocar em prática seus componentes estratégicos, normas, regimentos,
legislação pertinente a este coletivo e as políticas públicas de apoio e inclusão do coletivo que
apóia, a participação dos stakeholders é fundamental para o atingimento dos objetivos
estratégicos, bem como, a colocação em prática das diretrizes e planos de ação, tanto no âmbito
120
interno como externo à organização, pois permitem que os associados sejam apoiados sob óticas
distintas.
O papel dos stakeholders na APSA pode ser desenvolvido por familiares, amigos,
funcionários, professores, voluntários, empresas contratantes, serviços de saúde e de educação,
serviços de lazer e respiro familiar, governo, entidades não governamentais, entre outros. Os
associados são partes integrantes e de participação intensa na organização, pois atuam em todas
as etapas que vão desde o apoio às atividades na atenção inicial, educação infantil, reforço
escolar, atividades de lazer, às atividades laborais até na terceira idade, contribuindo assim para
a plena inclusão dos associados.
O primeiro grupo de stakeholders a ser definido é a “Família” considerada peça-chave
do trabalho da APSA, pois é por meio dos familiares que a Associação tem a sua constituição
e apoio para o desenvolvimento das atividades (Estatuto APSA, art. 8). Como argumenta Nilda
“tudo que lutei, para minha filha estar bem [...] está aqui (bate na mesa) na APSA”, pois para a
família de Pepita, o trabalho da APSA é fundamental, “que venha cansada, ainda que venha
morta, pelo menos sabemos que o trabalho cansa e tudo, pelo menos tem um posto, uma
estimulação, fala com um, fala com outro.” A associada Izabel fala que com seu trabalho na
APSA “ajuda um pouco a família.” Ignez, outra associada, diz que “se falta algo em casa tem
como comprar” O associado Murilo diz que gasta o seu salário no supermercado e em sua casa.”
O trabalho da APSA ao longo da vida dos seus associados contribui para que sejam incluídos,
pois são preparados para enfrentar situação corriqueiras, contribuindo para a autonomia dos
associados, bem como a sua independência em relação aos seus familiares, favorecendo a
inclusão.
No grupo de stakeholders “Amigos”, as amizades são promovidas e incentivadas entre
os associados e pessoas do seu círculo social, no trabalho, nas viagens de grupo, bares,
restaurantes, passeios e em festas diversas. A atividade social é considerada importante pela
Associação, pois contribui para que seus associados se integrem a uma vida mais próxima do
normal possível. A associada Ignes diz que gosta de “sair com os amigos, ir à praia, a piscina.”
Já Paloma fala que gosta de “balançar o esqueleto na danceteria Theatre ou LLum [...] e no
verão eu gosto de ir à praia”. Já Izabel diz que “sai, faz yoga e gosta de tardeo, ‘fazer farras’
com as amigas” ou ainda diz que “se eu preciso comprar uma roupa ou algo assim [...] e quando
saio com as minhas amigas, ou então economizo.” A associada Pepita diz que “no sábado e
domingo, eu saio com os meus amigos [...] vamos para Alicante [...] eu gosto muito de Alicante
[...] vamos tomar algo, tomar um café.” Estabelecer vínculos de amizade é importante para os
121
associados de APSA, pois eles podem ter uma vida social que contribui muito para a inclusão
em outros ambientes, além de se tornarem visíveis para a sociedade.
No grupo de stakeholders “Colaboradores” da APSA, seu número gira em torno de 100
colaboradores (março/2017). Eles estão distribuídos entre as diversas atividades desenvolvidas
pela Associação e desenvolvem seu trabalho por meio da aplicação dos conhecimentos técnicos
nas diversas áreas de atuação, ou ainda na resolução de problemas dos associados. Os
colaboradores estão distribuídos em áreas como a atenção infantil com médicos ortopedistas,
fonoaudiólogos, fisioterapeutas, na etapa educativa com formadores laborais, educadores
físicos, pedagogos. Na vida adulta por meio de formadores laborais, supervisores, assistentes
sociais, psicólogos, advogados, e na 3ª idade com profissionais de apoio como médicos,
enfermeiros, educadores físicos, entre outros.
Trabalhar com este coletivo fez com que muitos profissionais encarem o trabalho de
outra forma, como fala a Serena “começamos a assumir muito trabalho com pouca gente [...]
um momento de muito trabalho e muito bonito ao mesmo tempo”, pois trabalhar com este tipo
de público traz muitos desafios. APSA já desenvolveu uma parceria com a OnG Médico sem
Fronteiras da Espanha, por meio de confecção de kits, e ainda relata que “foi a campanha de
balas, foram milhares e milhares e milhares de caixa de doces [...] e a associação abraçou o
objetivo, poder fazer este trabalho só com pessoas com discapacidade.” O trabalho
desenvolvido nesta parceria era relativamente simples, mas afirma “apesar dos prazos apertados
[...] trabalhávamos felizes”. Ainda ressalta que apesar dos desafios “eu sempre tive muito claro
que queria direcionar minha vida profissional ao coletivo de pessoas com discapacidades.”
Já a colaboradora Jade afirma que “tudo o que tu dás te devolvem multiplicado por
cinco, e o que sai deles é espontâneo, consideras que não fez nada por eles, mas para eles sim,
e aí isso é muito motivador, é muito para mim.” Um dos momentos importantes ressaltados foi
a criação de um método específico aplicado aos associados da APSA “[...] me deram
oportunidade para trabalhar como eu queria [...] eu me senti muito valorizada e muito apoiada.”
Outro colaborador Enrique afirmou que “nós tratamos as pessoas com discapacidade de maneira
diferente, me sinto tranquilo e sobretudo valorizado, eu sinto que a empresa reconhece meu
trabalho.”
No grupo de stakeholders “Gestores”, Santiago se considera “como uma das pessoas
mais privilegiadas do mundo, pois não fabricamos nem parafuso e nem carros, trabalhamos e
intervimos com pessoas [...] e (nosso trabalho) influencia na melhoria das famílias e dos seus
filhos.” Argumenta ainda que “o trabalho da associação é um retorno da cidadania, da família
122
e todo mundo respeita o trabalho que estão fazendo, porque estão fazendo algo em favor das
pessoas.” Já Ramiro argumenta que “a CV, o mundo da discapacidade, nos tem como
referência”, mas para “os pais o que custa é aceitar, acham que todos poderão trabalhar, mas
nem todos chegarão a trabalhar, alguns farão manipulados, eu não quero quantidade [...] eu
quero qualidade para eles.” O gestor ainda afirma que a “APSA está muito bem posicionada, é
uma associação [...] na parte dos centros especiais de emprego, que é das dez, 12 associações a
nível nacional, atendemos a 1700, 1800 pessoas e suas famílias.” A gestora Alma afirma que a
APSA “tem uma dinâmica de trabalho que guarda, sobretudo, uma relação com a prestação de
apoio integral e significativo para pessoas com discapacidade.” Por meio do desenvolvimento
do trabalho, “buscamos a simplificação dos processos, trazemos os problemas para cá para
resolver [...] situações da vida cotidiana com êxito, gerenciar a vida com autonomia.”
No grupo de stakeholders “Governo”, reforça a relação com a APSA por meio da
implantação de políticas públicas que contribuem para a inclusão de pessoas com discapacidade
em diversos ambientes sociais como escolas, espaços públicos de convivência, estrutura de
acessibilidade, legislação específica com foco na inclusão, bem como apoio as atividades deste
coletivo, como o trabalho de manutenção realizado no Castelo de Santa Bárbara, ou na cessão
de espaço para o Centro de Formação Laboral (COFAL), por meio de convênios estruturados e
renovados de maneira sistemática.
No grupo de stakeholders “Empresas Parceiras”, é importante destacar que a parceria
entre a APSA e as empresas que fazem a contratação dos seus serviços. Paco afirma que “a
colaboração com APSA surge ao mesmo tempo, que surge a Agência de Desenvolvimento
Local de Alicante, no ano 2000, como sócios colaboradores obrigatórios”, ainda reforça que “a
sua especialização de trabalhar [...] os processos muito bem desenhados e estabelecidos”
contribuem em muito para um trabalho qualificado na Agência por meio de um convênio
renovado anualmente. A parceria desenvolvida pelas organizações, Agência e APSA, “é muito
fluida, fácil de moldar-se.”
No grupo de stakeholders “Universidade de Alicante”, Juan diz que “a APSA tem um
convênio com a Universidade de Alicante, e que é mantido anos após anos”. APSA é
responsável por manter duas reprografias na UA, localizadas uma no prédio de Ciências Sociais
e a outra instalada na Faculdade de Educação, bem como a limpeza de quatro edifícios. Juan
ainda assinala que “[...] nunca tivemos uma queixa por algum tipo mau uso [...] nunca foi
demandado nenhuma queixa.” No que se refere à duração da parceria, o primeiro convênio foi
firmado no ano de 1997, e “a universidade como entidade pública, que também apóia a
123
sociedade em geral, pensou em seu momento que adoraria uma boa opção apoiar este tipo de
empresa de economia social.” Almerinda afirma que a APSA adiciona diversidade à
Universidade, pois “consolida a inclusão e porque é necessário tropeçar com rapazes da APSA
que estão fazendo um trabalho e os põe numa situação de inclusão, pois reconhecer a
diversidade é aprender sem passar pela aula.”
Vale salientar que o papel dos stakeholders pode alterar ao longo do tempo, pois um
voluntário pode tornar-se colaborador, um professor pode tornar-se gestor, ou ainda a ampliação
do seu papel na rede de stakeholders, e isto ocorre de várias maneiras na APSA. O mapeamento
dos stakeholders de APSA é apresentado na Figura 19.
Figura 19
Mapeamento dos Stakeholders da Associação APSA.
Fonte: Adaptado Freeman, R. (1984). Strategic management: a stakeholder’s approach. Boston: Pitman:
Massachusetts.
124
No que se refere à estrutura, a Associação conta com uma equipe multifuncional que
atende ao seu coletivo de maneira contínua e integrada entre as etapas de vida dentro dos
serviços que oferece. Os profissionais são da área de saúde, social, gestão, direito, educação,
serviço social, entre outros, pois estes são importantes para o desenvolvimento pleno das
pessoas das discapacidade intelectual, e é unânime entre os profissionais, Jade, Anita, Serena,
Enrique, que o trabalho desenvolvido pelos profissionais da APSA têm como objetivo a
melhoria da qualidade de vida das pessoas com discapacidade, além do seu desenvolvimento
pessoal e profissional.
Serena e Ramom iniciaram suas atividades na APSA como voluntários, ambos aos 18
anos, trabalhando com os associados em atividades de manipulados, apoio ao emprego,
atividades artísticas, entre outras atividades, além de auxiliar na formação para a vida adulta.
Os dois estavam em cursos de graduação e encontraram na APSA uma oportunidade de
aprofundar seus conhecimentos junto a este coletivo. Serena afirma que “cada dia aprendes
algo novo [...] e é surpreendente o que normalmente esse novo te ensina.” Fala de forma saudosa
que no início eram poucas horas de trabalho na Associação, mas muito gratificante. Já Ramom
relata que sua experiência inicial estava relacionada à prestação social substituta, alternativa ao
serviço militar obrigatório espanhol, e por esta via iniciou suas atividades na APSA, e
atualmente desenvolve seu trabalho não mais como educador, mas hoje como gestor de
projetos, tomador de decisões, buscando alternativas para as pessoas com discapacidades serem
integradas aos diversos ambientes sociais. Ainda fala que um dos fatores de sucesso da APSA
ao longo dos anos foi “contratar pessoal técnico altamente qualificado e que entenda às
necessidades e as dificuldades dos coletivos de pessoas com discapacidades.”
Já Alma afirma que “para mim está claro o que eu quero, sempre me dedicar aos
discapacitados”, mas quando iniciou sua carreira profissional estava dividida entre a carreira
acadêmica, como docente, e a carreira numa organização do terceiro setor, “gosto muito de
escutar os de fora”, e desde então se dedica ao mundo das discapacidades, tornado a APSA uma
referência na Comunidade Valenciana e na Espanha. Outro Gestor, Santiago relata que sua
vida profissional é na organização, pois “estou trabalhando na organização há 35 anos [...]
praticamente, desde o ano de 1983 [...] todo meu desenvolvimento profissional foi na
organização.” Ainda diz que a “principal missão é atender as pessoas com discapacidade
primeiramente intelectual, procurando uma série de recursos para as famílias, desde seu
nascimento até a etapa de residência”, corroborando com a missão organizacional.
125
O gestor Ramiro iniciou suas atividades na APSA no ano de 2001, “[...] apesar de ter
uma forte experiência laboral de três a quatro anos em outras atividades e [...] aqui eu cresci
profissionalmente e cresci como pessoa também.” Já Anita começou a trabalhar na APSA com
formação na área de jardinagem e paisagismo no ano de 2008, curso da linha de formação do
COFAL, “a oportunidade surgiu e me inscrevi, mas eu estava com muitas dúvidas porque nunca
tinha trabalhado com pessoas com discapacidade [...] a princípio com muito medo.” Entretanto,
desde então, desenvolve atividades laborais com pessoas com discapacidade, principalmente na
tutoria no trabalho.
Os profissionais de APSA iniciaram suas atividades de maneiras bastante diversas, ou
por voluntariado, ou ainda por afinidade de formação, e em momentos distintos da história da
Associação. Um fator comum a estes profissionais é a inquietude, a gratificação em trabalhar
com este coletivo, além de contribuir para a inclusão de pessoas com discapacidade nos diversos
ambientes sociais. Ramom ressalta que os profissionais se especializam e contribuem para que
as pessoas com discapacidade tenham uma vida melhor, “seja na vida cotidiana, hábitos
saudáveis, locomoção, atividades laborais remuneradas em diversas organizações.”
Para que a APSA possa atingir o objetivo de inclusão, formação para a vida e para o
trabalho, adota como parâmetros norteadores os preconizados pela Organização Plena Inclusão
(FEAPS, 2017), e pela Associação Americana de Discapacidade Intelectual (AADI, 2017).
Além da formação para a vida, a APSA utiliza também a técnica de Leitura Fácil, onde os
materiais utilizados na Associação são adaptados para leitura e compreensão dos associados,
como: sítio de internet, material de divulgação e explicativo, material didático, jornais, manuais,
entre outros materiais de comunicação da Associação (APSA, 2017).
Ao longo da vida, uma pessoa com discapacidade pode frequentar uma escola regular,
além de aprender atividades da vida cotidiana, como visita aos museus, passeios, atividades de
lazer. No processo de formação, Ramom salienta que atividades como “fazer a cama, limpar
seu quarto, as coisas que usam, gestionar bem suas roupas, tudo um pouco integrado [...] quando
o seu pai ou a sua mãe não estiverem mais no futuro, eles tenham na medida do possível [...]
capacidade para gestionar [...]”, o objetivo maior da APSA é que seus associados possam
gerenciar “suas necessidades da maneira mais completa que podem.”
Um dos coordenadores da APSA, Enrique, diz que os profissionais da Associação
“tratam as pessoas com discapacidades de maneira diferente, como seguramente não tratariam
numa empresa externa.” E declara ainda que um dos desafios de APSA seja a “formação
contínua para prestar a melhor atenção para as pessoas com discapacidade intelectual que
126
podemos prestar [...] tentar que nosso conhecimento permita que seu desenvolvimento seja
integral, seja completo.” Alma salienta que ao deparar-se com um diagnóstico de discapacidade,
geralmente realizado por um profissional da saúde pública espanhola é um momento de grande
impacto para os pais, pois “isto é o que custa muito para os pais, aceitar [...] e lhes custam
aceitar” e a preparação e apoio dos profissionais da APSA permite uma nova maneira de encarar
a discapacidade e os desafios para uma vida de inclusão.
No processo de formação, o objetivo fundamental e final da formação de pessoas com
discapacidade é com o mundo em geral, “é alcançar autonomia pessoal” como afirma Ramom
quando diz também “ter um trabalho é levantar-se cedo, ir para o trabalho, mesmo que não
tenha vontade, embora esteja cansado, fazer um dia, fazer outro dia, relacionar-se com seus
colegas de trabalho, com seus superiores, manter uma boa atitude, ser produtivo”, além do que
não se espera somente que uma pessoa com discapacidade pela quantidade de trabalho, mas
sim pela qualidade e correção de suas atividades “durante muito tempo, e manter esse ritmo de
funcionamento, correto e durante todo esse tempo é muito difícil.”
Dentre os desafios para que as pessoas com discapacidade tenham uma vida próxima à
normalidade é o desenvolvimento das habilidades adaptativas, referente ao domínio prático.
Nesta habilidade, principalmente no relacionamento interpessoal é que podem surgir os
problemas, pois as competências podem ser desenvolvidas, mas o seu gerenciamento nem
sempre é satisfatório, então se tem o itinerário individualizado de inserção, como afirma Jade,
aonde “a competência susceptível de desenvolvimento vai se trabalhando para compensar o
déficit [...], isto não é da noite para o dia, isso leva anos, até que a pessoa tenha um nível de
competência mínima” para enfrentar as situações de trabalho e da vida.
Outro desafio no processo de formação que os profissionais da APSA encontram é o
desajuste de expectativas entre os associados com discapacidade e seus pais/responsáveis. Há
a vontade que seu filho seja ativo socialmente, mas por outro lado o filho pode não ter o
interesse em desenvolvê-la, então esta dissonância não produz os resultados esperados. Ramom
relata que “contra sua vontade não vai funcionar, e nunca vai funcionar, necessariamente não
vai funcionar.” Uma preocupação sistemática com os associados é o seu bem-estar, físico e
psíquico, principalmente no que se refere ao apoio psicológico para enfrentar as situações
cotidianas e o apoio à frustração. No trabalho, este apoio é desenvolvido principalmente pelos
formadores, como relata Anita “[...] marcamos encontros para que nos contem, para que contem
conosco e que tenham em nós um apoio.”
127
No que se refere aos resultados esperados em relação às pessoas com discapacidade no
empreendimento, um dos problemas é a pressão familiar, pois para que um descapacitado faça
algo que não deseja ou que não tenha necessidade, há algumas vezes o desajuste entre a
expectativa da família e o associado atendido, “mas é um trabalho que eu gosto e vejo
resultados.” Já o Santiago fala que “tem que ter muita responsabilidade e tem que pensar nas
coisas [...] responsabilidade, dependem de mim em torno de 180 pessoas, seus filhos [...] isto
pesa muito.” Atualmente a APSA tem uma equipe em torno de 300 pessoas, divididas entre
técnicos, profissionais da área de saúde, e trabalhadores com discapacidade.
Para que APSA desenvolva suas atividades e atenda de maneira adequada seus
associados e pessoas que buscam orientação, ela desenvolveu ao longo dos anos uma estrutura
e recursos disponíveis para o desenvolvimento do seu trabalho na Província de Alicante,
distribuídos entre atenção infantil, centros de reabilitação, centro de lazer e esporte, centro de
formação profissional, centros ocupacionais, residência, entre outros. Anita ainda afirma que
“APSA tem muitos Centros, temos uma residência e centro ocupacional em San Juan”. Os
processos organizacionais estão claramente definidos pela etapa de vida dos associados,
conforme Figura 19.
A APSA tem seu início com um grupo de pais e seus filhos diagnosticados com
discapacidade intelectual. Santiago afirma que a estrutura formada pela APSA, desde o ano de
1962 está na “criação da associação com grupo de pais e conforme vão crescendo seus filhos,
e vão gerando uma série de recursos (necessidades) [...] gerou o centro de adolescentes, e o
centro ocupacional; no ano de 1983, o número de usuários era de 50 pessoas.” Alma relata que
“a organização é vista nos primeiros momentos muito associada à pobreza, discapacidade não
é pobreza, mas passa por todos os trechos sociais da vida.”
A partir de 2006, Santiago afirma que a APSA cresceu “incorporando uma série de
recursos: atenção inicial, que é de 0 a 6 anos; apoio escolar de 6 a 16 anos; o centro ocupacional,
colocamos em funcionamento duas casas tuteladas, então a Associação cresceu.” Inicialmente
a APSA funcionava como uma associação de uso, e de certa forma cumpria seu serviço à
comunidade. A partir deste ano e com a mudança da Junta Diretiva, “passamos do atendimento
de um pouco mais de 350 famílias, para 2000 nos dias de hoje, porque mudamos um pouco a
estratégia da organização”, como salienta Santiago. Ele ainda afirma que as mudanças
promovidas pela Gestão da APSA fizeram com que tivesse um “crescimento espetacular [...]
nós demos o salto qualitativo e quantitativo, e a possibilidade de aumentar o número de recursos
para as famílias este é o feito mais importante da organização [...] de forma que não põe a perigo
128
a estes dois mil atendidos e a continuidade da associação.” A partir do crescimento da
Associação e da sua consolidação foi possível a ampliação dos serviços em todos os ramos a
que a APSA se propõe atender. Santiago fala do papel de APSA para a Comunidade Alicantina,
“nós atendemos todas as patologias e a todos os ramos e idades, e essa é a obrigação,” o
reconhecimento é tamanho, que o mesmo gestor relata que um dos parceiros afirmou que “se a
APSA não existisse teriam que inventá-la.”
A estrutura da Associação hoje contempla diversas atividades para o desenvolvimento
e adaptação de pessoas com discapacidade na vida cotidiana, com autonomia. Ramiro relata
que os usuários têm à sua disposição Centros para as “etapas infantis ou educativas [...] dois a
três anos, fazendo seus tratamentos de estimulação, ortopedia, de fisioterapia.” Santiago
argumenta que “há um trabalho fundamental na etapa primária das crianças de 0 a 6 anos, se
não tivesse APSA não teriam a possibilidade de melhorar suas necessidades, e quanto mais
cedo trabalhamos com os pequenos, menos problemas terão um futuro”, na perspectiva de
melhorar a qualidade de vida dos associados. Ramiro afirma que uma “organização não
governamental, como uma Associação ou Fundação, se complementam, é impossível pensar
que o Estado pode chegar a todos os rincões e a todas as casas dos administrados, então sim
que há recursos que complementam a ação do Estado”.
Na etapa seguinte, além do reforço escolar, são desenvolvidas atividades de apoio à
aprendizagem como: habilidades adaptativas, fisioterapia, aprendizagem em habilidades
sociais, entre outros. Alma ressalta que “não temos (recursos) é para os gravemente afetados,
não temos recursos a partir dos 18 anos, mas há centros em Alicante especializado neles, e para
os demais, temos todas as etapas para quem tem discapacidade” (APSA, 2017). Outra etapa de
bastante relevância é a transição para a vida adulta, onde são oferecidos cursos, atividades
artísticas e de lazer, apoio psicológico, respiro familiar ou ainda, formação profissional, de
acordo com o itinerário de formação educativa espanhol. Esta etapa tem como objetivo o
desenvolvimento máximo de autonomia considerada possível, bem como apoios para o
funcionamento pleno do associado assistido pela APSA. Ramom argumenta que nesta etapa “o
conhecimento permita que seu desenvolvimento seja integral [...] e a aprendizagem seja
instrumental.” Um dos desafios é fazer com que a aprendizagem seja prática “mediante ações
e simplificação dos processos, trazemos para cá problemas para resolver situações da vida
cotidiana com êxito.” Um dos diferenciais da APSA é a formação para incorporação no
mercado laboral, “a partir deste momento já são mais responsáveis, já tem uma ideia mais clara
do que já querem da sua vida e que direção querem (seguir)”.
129
Esta maturidade é constatada a partir do momento que um associado em situação de
capacitação é capaz de desenvolver as tarefas com autonomia, conseguindo realizá-las com um
grau de satisfação considerado adequado. E o foco do desenvolvimento para o trabalho é na
área de serviços, “porque Alicante é uma cidade de serviços”, destaca Ramom.
A estrutura de Centro de Formação Laboral Camí Obert em Alicante tem como apoio
para funcionamento o Conselho de Educação da cidade de Alicante, e o edifício utilizado é de
propriedade da Universidade de Alicante, que o cederam para a realização dos cursos. Ramom
salienta que “não pagamos aluguel, pagamos a água e a luz, telefone, administrativo e a limpeza
e mais os materiais [...] 15 a 20 mil euros ao ano [...] este é o custo, não estamos falando dos
salários dos trabalhadores [...] que é a cargo da APSA.” E por fim, a última etapa de apoio da
Associação é para a terceira idade, onde dispõe de estrutura para residência e atividades de
apoio para a velhice.
Outro ponto levantado por Ramom no sentido de estimular as atividades com pessoas
com discapacidade, é que para atender este coletivo, “o Estado não assume, há locais que não
se destinam a nenhum uso [...] fazemos um convênio de cinco ou dez anos que permita que
nossos rapazes venham aqui e se formem”, ainda defende que “para cada valor que investes
aqui [...] não colocas valores na polícia, para ir às ruas resolver problemas.” Na perspectiva de
uma política pública de inclusão, Enrique coloca que as “Associações devem existir, e o
governo e o Estado devem contribuir mais, porque nunca é o suficiente.”
As atividades no Centro Especial de Emprego (CEE) começaram por iniciativa de um
projeto do governo de Alicante, em meados da década de 1990, sendo a Universidade de
Alicante a grande parceira nesta empreitada, pois cedeu um espaço para a instalação de um
centro de reprografia para oferecer serviços correlatos para a comunidade acadêmica e para a
própria Universidade. Com a mudança na estratégia de negócios na APSA, os CEEs tiveram
suas atividades redirecionadas, mas mantiveram o nome Avimar, e atualmente uma empresa de
serviços de limpeza e jardinagem, com atividades voltadas para a manipulação e de portaria. A
limpeza e a manutenção das cozinhas dos centros, dos refeitórios passaram a ser desenvolvidas
por Terramar, focando-se a especialização do trabalho. Já Limencop ficou com os serviços de
impressão, reprografia e oficinas de encadernação. Atualmente, os CEEs “são empresas multi
[...] plurais.”, como afirma Ramiro, pois “estão segmentadas por atividades, e isto é importante,
pois as torna mais especializadas e por atividades”.
Atualmente, Ramiro destaca que os APSA/CEE possuem em torno de 180 trabalhadores
(abril/2017), “mas a Administração, os poderes públicos, preferem três pequenas (CEE), e cada
130
uma vai ao seu ritmo de crescimento, uma tem 90 trabalhadores, outra 40 e a outra 50, Avimar
é a que tem mais pessoas.” Para que um associado da APSA possa integrar os CEES é
necessário que “possuam um nível de autonomia bastante alto, requerem apoio e programas de
ajuste pessoal e social, supervisão, técnicos, psicólogos, formadores de trabalho, entre outros.”
O gestor ainda salienta que “são três empresas que se regem porque tenho empresariais de
qualquer outra empresa, só que com a particularidade que são pessoas discapacidades... nada
mais”.
Devido às mudanças, os CEEs se mantêm pela sua própria atividade mercantil,
comercial e de vendas, “mas digamos que a criação e a origem da empresa, quem colocou o
capital social para a criação da empresa (CEE), quem colocou foi a APSA”, salienta Ramiro.
Com a gestão dos CEE por meio da prestação de serviços a empresas públicas e privadas, é
possível ter um faturamento em torno de € 2.800.000,00 de euros (valor em abril/2017) e “nos
mantemos pelo trabalho gerado por nós”, como salienta Ramiro. Na execução das atividades
laborais, os trabalhadores dos APSA/CEE têm dois objetivos como ressalta Enrique “o primeiro
deles é o maior rendimento do colega de trabalho [...] e o outro é a satisfação do cliente.” Um
dos maiores desafios na APSA/CEE de acordo com Ramiro é “além de conseguir um posto de
trabalho, é mantê-lo neste posto por 20 anos, isso é complicado [...] a responsabilidade é muito
grande [...] nosso capital são as pessoas.” Além disso, Enrique afirma que o trabalho
desenvolvido nos CEEs tem a mesma qualidade de outras empresas do mercado “[...] e de fato
nós muito boa reputação”.
Entretanto para que um empreendimento social mantenha sua estrutura, pessoal
qualificado e os serviços prestados, um fator importante são os recursos financeiros para o
funcionamento da Associação. Em seu estatuto, APSA é declarada como uma Organização não
Governamental (ONG) de Desenvolvimento por declaração da Agência Espanhola de
Cooperação Internacional no ano de 2001 e que não tem ânimo de lucro, ou seja, todas as
receitas sejam por subvenção ou por fontes de receitas próprias devem ser reinvestidas na sua
estrutura, por meio de melhoria dos seus recursos para atender a sua missão. Porém, Ramom
ressalta que “isto não significa que não vai gerar sem ânimo de lucro, não deva gerar recursos
econômicos.” Neste sentido, o gestor corrobora com a afirmação que os APSA/CEE “são
empresas, digo entre aspas, e não tem o objetivo de lucro, sim que a sua finalidade é a criação
e manutenção de postos de trabalho para pessoas com discapacidade.
Numa analogia com empresas com fins lucrativos, Ramom argumenta que “deve gerá-
los, o que faz a ONG é repartir benefícios, é como uma empresa qualquer, como os acionistas
131
que repartem os benefícios”, entretanto o gestor ainda afirma que “as ONGs na Espanha [...]
sua situação econômica é muito complicada”. O financiamento de APSA ocorre em duas vias,
primeiramente pelos programas que se financiam pelo governo autônomo da Comunidade
Valenciana e também por cotas dos associados que pagam para receber formação, atendimento
especializado, “é uma mescla entre o público e o privado”, afirma Ramom e que “gera na
associação a necessidade de um ingresso para além da subvenção que é muito importante”,
conforme ressalta Santiago. Ainda salienta que “nós atendemos todas as patologias e a todos os
ramos e idades, e esta é a obrigação.” Dentre os compromissos que a APSA tem com a
sociedade, “[...] temos que gerar recursos em toda a província, recursos de todo o tipo [...] e não
somente as subvencionadas.”
Para Ramiro, a APSA é uma “empresa privada em definitivo com as particularidades
que 90% do quadro de funcionários têm algum tipo de deficiência, mas é uma empresa privada”,
pois se a estrutura não pode ser mantida com os ingressos dos sócios e das subvenções do poder
público, ainda ressalta “estamos em perda [...] teremos que fechar e ir embora como qualquer
outra empresa.” A Associação procura se diferenciar dentre as organizações do terceiro setor,
principalmente pela mudança de estrategia exigida a partir da crise econômica que a Espanha
viveu em meados de 2008, como ressalta Santiago “muitas das características das organizações
é que gestionam subvenções [...] nós demos um passo a diante [...] nós entendemos as
necessidades das famílias [...] e procuramos o melhor recurso possível”, procurando buscar não
o recurso para o atendimento da necessidades dos associados, mas também identificar qual as
demandas que surgem e que necessitam de atendimento por parte de APSA.
O momento mais difícil para a APSA, desde a sua fundação, foi no ano de 2012, quando
a Administração Autônoma da Comunidade Valencia “teve uma retração considerável sobre o
repasse de subvenção.” A crise afetou a Espanha de tal maneira nesta época, pois foi além do
território nacional, impactando internacionalmente, “as entidades financeiras adiantavam o
recurso das subvenções, então chegou um momento de autêntica dificuldade porque ficamos
quatro a cinco meses sem pagar os trabalhadores”, como afirmou Santiago. Apesar disso,
mesmo sem receber pagamentos, a APSA optou por continuar realizando seu trabalho para os
beneficiários dos seus serviços e atividades, “[...] uma associação que se manteve forte e
trabalhando para o seu coletivo, e isso eu acredito que é digno de admirar e pontuar”, salienta
Paco.
Já Ramiro pondera, “nós temos certa dependência das subvenções que recebemos e estas
começaram a atrasar, da própria administração pública”. O atraso nos pagamentos gerou uma
132
crise interna na Associação, pois optaram por manter os trabalhadores em seus postos, mas
“podíamos fazer sem ter que despedir ninguém, a custo de reduzir jornadas, salários [...] ficar
meses sem pagar o salário, e bem no final tudo se normalizou.” Ramiro ainda fala que “se as
coisas não funcionam no plano econômico, não podemos seguir funcionando adequadamente,
pois recebemos algum tipo de subvenção, mas as subvenções não são tudo, é uma parte.” O
gestor ainda salienta que por meio da geração de recursos “temos que ser capazes de gerar
estabilidade, viabilidade e sustentabilidade da empresa e depois tem a parte da subvenção (do
governo).” E APSA tem “certa dependência das subvenções que recebemos e as subvenções
começaram a atrasar, desde própria administração pública”, salienta o gestor. A crise
econômica impactou de tal forma a APSA, que as subvenções começaram a atrasar e isto gerou
um “ponto de inflexão e que nos custou muito seguir adiante”, como assinala Ramiro. Para
superar esta fase, APSA/CEE teve que reduzir jornada de trabalho, salário por meio de
Expediente de Regulação de Empregos (ERE), que é um mecanismo legal “que te permite
durante um ano [...] o ajuste do quadro de funcionários por meio de redução de horas do pessoal,
redução de salário e tivemos que redimensionar a situação”. Ainda neste contexto e somado à
redução de empréstimos dos bancos para o adiantamento das subvenções, Ramiro ainda relata
que “ficamos sem pagar salários durante meses.” Outro impacto sentido pelos profissionais de
APSA é que com “toda a crise tivemos que prescindir não só por pessoas que se foram pela
crise, não somente o pessoal com discapacidade, mas também formadores e as pessoas de
apoio” como corrobora Alma sobre a situação de crise financeira que a APSA atravessou.
Esta crise teve um impacto tão significativo na Associação que Santiago relata que “tive
que convencer principalmente os profissionais, para que acreditassem no projeto da APSA e
que tivessem paciência [...] e nos permitiu sair da crise e consolidar a organização, foi um
problema econômico pontual, mas extremamente grave.” O mesmo gestor ressaltou que
“façamos o que façamos, tem que ter um resultado econômico, não para ganhar dinheiro, mas
para que pelo menos tenha um equilíbrio, não podemos gastar mais dinheiro do que ingressou.”
Reforça ainda que “o que mudou é que fomos crescendo como organização, devagar [...] o que
mudou foi a estratégia financeira [...] não iniciamos nada que não tenha uma conta de resultados
equilibrada [...] do conhecimento adquirido nos anos de bonança e de crise.” Na busca do
equilíbrio financeiro da APSA e para garantir o funcionamento pleno das atividades propostas
pela associação, Santiago afirma que “o fundamental é que façamos o que façamos, tem que ter
um resultado econômico não para ganhar dinheiro, mas para que pelo menos tenha um
equilíbrio, não podemos gastar mais dinheiro do que ingressou.”
133
Para atender as atividades desenvolvidas a Associação possui um volume de recursos
em torno de € 4 milhões de euros, divididos entre subvenções, cotas de pais e famílias, doações,
patrocínios e festas beneficentes, e os CEEs tem uma receita em torno de € 3 milhões de euros,
que são gerados pela venda de produtos e serviços produzidos nas oficinas e centros
ocupacionais, totalizando uma receita anual em torno de € 7 milhões de euros. As subvenções
nos CEE giram em torno de 30% da receita média anual, como afirmam Santiago e Ramiro.
Dentre as parcerias realizadas, a Universidade de Alicante é o seu maior cliente, demandando
bastante volume de trabalho, principalmente na reprografia para a comunidade acadêmica.
Outro parceiro de relevância são os Correios de Espanha, pois APSA/CEE são agentes
comerciais. Alma destaca ainda que a APSA desenvolve projetos com o Ministério da Justiça
de Espanha por meio da Administração Penitenciária, que visa a reintegração de pessoas com
discapacidade que foram condenados pela justiça. Além disso, há projetos com a União
Europeia, que visam à inclusão de pessoas com discapacidade na área de emprego. Outra fonte
importante de recursos é o Sistema Nacional de Emprego (SNE) espanhol e a Comunidade
Valenciana que fomentam e intermediam as vagas de emprego para pessoas que estejam aptas
para o desenvolvimento de atividades laborais (SNE, 2017). Por outro lado, o trabalho realizado
pelos trabalhadores com discapacidade gera receita para as famílias, para o seu sustento e na
promoção de uma vida de autonomia. Entretanto, Selena destaca que “se estão bem fazem [...]
se acomodam na família e não veem o emprego como algo necessário.”
Um dos parceiros, Paco afirma que os recursos municipais são bastante limitados e “[...]
é da autonomia é da Generalitat Valenciana [...] os fundos importantes [...] nós não trabalhamos
com recursos ilimitados, e este trabalho em rede nos ajuda a amplificar nosso trabalho, ser mais
em rede e chegar a mais gente.” criação de uma estrutura em rede poderia contribuir para a
ampliação no atendimento de pessoas com discapacidade, mas salienta que “é um projeto lento
e que nós vamos conseguir consolidar.”
Para a execução das suas atividades na Universidade de Alicante, há ponto de vendas
por meio de cessão de espaço e APSA/CEE mantém sua equipe e seus maquinários necessários
para a prestação de serviços. Os departamentos, institutos, ou seja, as áreas que utilizam os
serviços enviam suas faturas a serem pagas pela universidade. Juan salienta que os contratos
são realizados diretamente com a APSA/CEE e que faz parte da política de inclusão implantada
na Universidade de Alicante e Comunidade Valenciana, “e os preços pagos são preços de
mercado, um preço competitivo de mercado, creio que muito similar ao de uma empresa
privada.”
134
Um fator importante no desenvolvimento das parcerias é a formação de preço dos
produtos e serviços oferecidos pela APSA/CEE para serem competitivos. Na determinação dos
preços pelos serviços prestados, o principal ponto é no que diz respeito ao salário do trabalhador
do CEE, pois “[...] temos um pequeno adicional para o formador, psicólogo [...] então, se um
trabalhador custa 10 euros, então nós cobramos 11 ou 11,50 euros para poder cobrir todos estes
outros apoios que prestamos ao trabalhador, que um trabalhador sem discapacidade não tem as
mesmas necessidades, portanto, não tem este gasto.” Juan fala que a APSA/CEE” tem um preço
de mercado, um preço competitivo de mercado, creio que é muito similar ao de uma empresa
privada.” O Ramiro argumenta que a parte econômica é um ponto crucial para a organização,
“recebemos subvenção, mas as subvenções não são tudo, é uma parte, somos uma entidade
parcialmente pública [...] parcialmente subvencionada, nós temos que ser capazes de gerar
estabilidade, viabilidade e sustentabilidade da empresa e depois a parte está a subvenção.”
Santiago destaca que “estamos no processo de consolidação, não podemos seguir
crescendo, como nos últimos dez anos, [...] porque temos que gerar, sobretudo a nível
econômico”. Para Ramiro, o papel do governo é fundamental, pois “fomenta, ajuda e abona o
terreno para que se possa produzir, mas nós aqui e não o Estado dirigindo e tomando decisões.”
Salienta ainda que “importante são muitas coisas, muitos pilares, antes falamos da parte
econômica, dos custos das pessoas, de que esteja contente e satisfeita no trabalho, que as
pessoas vêm trabalhar contente.”
APSA depois da mudança na gestão estratégica optou por ser uma empresa de serviços,
então a relação com o cliente e fundamental que o cliente receba pelo serviço contratado. O
retorno do cliente é importante para manter a estrutura do CEE e da APSA, pois é uma empresa
de serviços e o “nosso foco é o cliente, pois apesar de sermos uma empresa parcialmente
subvencionada, somos competitivos e nossos preços também, e esta competitividade nos faz ter
qualidade nos nossos serviços”, destaca Ramiro. Ainda ressalta que os CEEs possuem em torno
de 200 clientes na sua carteira, mas “prefere que o cliente venha dez vezes com um contrato de
50 euros do que venha uma vez com um contrato de 5000 euros.” Mas como nem todos estão
ativos, muitos trabalhos ocorrem de forma sazonal, realizado em períodos que antecedem as
datas comemorativas como Dia dos Pais, Dia das mães, Dia de Reis ou campanhas especiais
promovidas pelos contratantes. Ramiro afirma que o mais importante é o prestígio da APSA,
o reconhecimento dos distintos órgãos da província, órgãos governamentais, classe empresarial,
as famílias, os usuários, universidades, todos os agentes sociais, sindicatos, empresas, “temos
uma equipe extraordinária e chegamos até aqui, antes vieram outros [...] fizeram bem e
135
esperamos que no dia de amanhã outros [...] que tenha mais 50 anos”. Para representar a
trajetória de APSA desde a sua fundação, a Figura 20 mostra sua evolução no processo de
inclusão das pessoas com discapacidade.
Figura 20
Evolução da Gestão dos recursos de APSA.
Fonte: Dados da Pesquisa (2017).
A Associação tem desenvolvido um trabalho de forma sistemática e calçada em buscar
o melhor recurso possível para os seus associados. Por meio de sua estrutura, recursos e pessoas
têm buscado alternativas para o processo de inclusão pleno, seja por meio do apoio de políticas
públicas e parceiros, ou pelo profissionalismo da sua equipe de trabalhadores.
4.2.2 O Processo de Inclusão
A diversidade de indivíduos gerada pela diversidade de características contribui para
uma visão melhorada de mundo em relação a isto, pois o indivíduo pode ser diverso no seu
contexto, seja ele familiar, social, econômico ou ainda em relação à coletividade. O foco hoje
nas sociedades é a inclusão, pois se há necessidade de ser incluído, é porque há exclusão, seja
por nascimento, cor, raça, orientação religiosa ou sexual, entre outros. Se há diversidade, ela
pode ser por características físicas, mentais, sociais, sensorial, e o que pode levar à
discriminação, por consequência, leva à exclusão. Nos diversos contextos, os valores humanos
como igualdade, engajamento e inclusão devem ser articulados entre os setores de educação,
saúde, assistência social, políticas públicas para que ocorram as oportunidades de inclusão.
136
No que se refere ao processo de inclusão, os envolvidos direta ou indiretamente da
Associação APSA estão empenhados para que isto ocorra da melhor forma possível, seja por
meio de atividades que possibilitem a inclusão dos seus associados como: atividades artísticas,
culturais, sociais, econômicas ou laborais. O trabalho desenvolvido pelas pessoas
descapacitadas tem a necessidade de um forte apoio de pessoas ligadas à área de psicologia,
serviço social, pedagogia, gestão, direito, entre outros. O trabalho também é uma das formas
utilizadas pela APSA para a inclusão, pois permite que as pessoas possam contribuir na geração
de renda para si e sua família, como forma de geração de independência, autonomia e dignidade.
4.2.2.1 O discurso dos Gestores de APSA
O desafio da inclusão acontece também quando as empresas contratam os trabalhadores,
pois Ramom salienta que “não queremos que contrate as pessoas porque são descapacitados
[...] queremos que contratem pela sua parte de capacidade.” O gestor ainda argumenta que para
que a contratação do trabalhador se concretizada, está ligado diretamente às competências nas
tarefas a serem executadas. No processo de formação para a vida de um associado da APSA
são elaborados itinerários formativos com base na estrutura curricular educacional espanhola.
Os materiais contam ainda com a metodologia de leitura fácil, com o objetivo de orientações
gerais para a vida, ou no curso de autonomia em casa com tarefas que aprendem como cozinhar
com forno e comidas simples, utilização de lavadoras de roupas, entre outras atividades. Para
cada material desenvolvido há um itinerário formativo e um professor, que por meio de aulas
práticas, visitas a ambientes de convivência como centro comercial, espaços culturais, há um
livro texto e livro de atividades, com a participação ativa do associado. Mas mesmo com todos
os esforços, “há rapazes que precisam menos para o desenvolvimento da competência e outros
que estarão em formação contínua em toda a sua vida”, como afirma Ramom.
Numa perspectiva de crescimento da população com discapacidade na Espanha e no
mundo, Ramom salienta que em torno de “9% de qualquer país tem alguma discapacidade [...]
e isto requer recursos sanitários, sociais, e isto ainda incrementa com a privação ambiental,
gerando desacomodo social, então há discapacidade em todos os lugares, e isto é um problema.”
Afirma ainda que associações como a APSA são cada vez mais necessárias numa sociedade
que pretende incluir todos, “pois todos nascem, vão à escola, para o ensino médio, ou aprende
uma profissão, trabalho [...] conhece uma moça ou rapaz, namora, casa, tem filhos, compra uma
casa, fica mais velho, vai para a residência, é como todo mudo, é como tem que ser.” E ainda
137
ressalta que “quando uma pessoa encontra um emprego, melhora sua qualidade de vida [...] não
sou de resultados quantitativos e sim qualitativos, como valorar a vida desta gente [...] em
sociedades avançadas isso já acontece...] tem que incluir as pessoas [...] as oportunidades tem
que ser dadas a todos.” A inclusão de pessoas com discapacidade nos diversos espaços sociais
contribui de maneira efetiva neste processo.
Santiago afirma que no seu trabalho na APSA, o que mais lhe satisfaz “é assegurar para
300 pessoas os ingressos aos postos de trabalho.” Além disso, APSA tem um destaque na
Província de Alicante no que diz respeito “a entrega o mais rápido possível dos recursos
adequados as famílias”, pois “nós não fabricamos parafusos nem carros, trabalhamos com as
pessoas [...] e ver que o trabalho influencia na melhora das famílias e dos seus filhos [...] isso
não tem preço.” A Associação tem um papel importante na vida dos seus associados porque
atende em etapas, dependendo da idade há implicações maiores das famílias, para Ramiro “além
das atividades dentro da etapa adulta, como centros de atividades dia, centros ocupacionais,
residência, e já nos CEE os que chegam ao emprego tem um nível de autonomia bastante alto,
requerem apoios, mas é normal.”
A Associação APSA tem desenvolvido parcerias com as universidades da Província de
Alicante, a primeira foi idealizada por Alma quando afirma “me deixam alimentar minha
loucura [...] falei para o gerente sobre a cátedra é uma cátedra que temos” realizada em parceria
com a Universidade Miguel Hernandéz, com o programa de Formação e Empregabilidade para
pessoas com discapacidade, sendo realizado o curso de auxiliar de loja. Ela ainda fala que
“quero deixar um legado nesta vida que é que todas as pessoas que tenham este tipo de
problemática possam ser ajudadas.”
4.2.2.2 O discurso dos Gestores Parceiros
A parceria com organizações faz com que associações como APSA tenham a
possibilidade de incluir seus associados de forma a ter uma vida autônoma. A gestora parceira
Almerinda afirma que a participação da APSA na Universidade de Alicante (UA) por meio de
convênios “humaniza muito [...] porque estamos acostumados a padrões de funcionamento e
que se rompem por completo quando interagimos com as pessoas de APSA [...] rompem os
esquemas, quebram-se o protocolo.” Ela ainda afirma que o trabalho desenvolvido entre a UA
e entidades do terceiro setor dá um contraponto à Universidade, fazendo com que o ambiente
acadêmico se aproxime mais à realidade social.
138
A UA como um ente público e comprometido na aplicação de políticas públicas, tem
privilegiado ações de igualdade entre homens e mulheres para promover a inclusão. Um assunto
que tem despertado muita atenção na UA é o assédio sexual, porque existe a proposta de incluir
a comunidade acadêmica nesta sensibilização, inclusive os trabalhadores da APSA, e o desafio
é o de desenhar o tema de forma apropriada, e Almerinda afirma que quem tem “autoridade e
o lugar para que isto aconteça, é a Universidade”, chamando para si a responsabilidade de fazê-
lo. A gestora ressalta ainda que a UA tenha um papel social importante na inclusão, pois suas
ações adicionam diversidade, importante na sociedade atual, e o trabalho realizado pela APSA
atende os requisitos de colocá-los em situações de inclusão, principalmente pelo “rompimento
de padrões, tens que mudar muito em ti.” A gestora afirma que a nova Reitoria, tem dado
atenção especial a este tipo de trabalho, incorporando-o ao mercado laboral e atendendo a
política pública que remete à inclusão, por meio de empregos sociais, que são categorias sub-
representadas nos espaços laborais na Espanha, neste trabalho, os associados da APSA.
Juan afirma que pessoas com discapacidade têm maior dificuldade de acesso ao
trabalho, e o papel da Universidade é incluir, promovendo a independência econômica destes
trabalhadores, “de fato a aposta é com APSA e com a incorporação de trabalhadores sociais.”
A principal diferença na contratação da APSA, que devido à peculiaridade da Associação, não
é por meio de licitação, e sim por meio de convênio, o que contribui em muito para a inclusão
nos espaços da Universidade. O gestor ressalta que o trabalho desenvolvido pela APSA nas
dependências da UA acontece nos padrões de normalidade e que “nunca tive nenhuma queixa
[...] nem pela qualidade do trabalho, nem pelos usuários, nem nos edifícios [...] eu entendo que
o trabalho se desenvolve dentro da normalidade.” Outra organização que apóia as atividades de
APSA é a Agência de Desenvolvimento Local de Alicante, que desenvolve parceria com a
APSA desde os anos 2000, por meio de sócios colaboradores, com o objetivo de inserção deste
coletivo no trabalho em diversos setores econômicos da Província. Como na UA, a Agência o
trabalho também se desenvolve por convênio de maneira continuada. O gestor Paco afirma que
a APSA “desenvolve seu trabalho de maneira especializada, com trabalhadores qualificados,
em rede que para nós custa muito a realizar e de criar uma estrutura que adiciona valor a este
coletivo.” Na perspectiva de uma política pública que promova a inclusão, Enrique afirma que
as “Associações devem existir, e o governo e o Estado devem contribuir mais, porque nunca é
o suficiente.” Um dos maiores dificultadores da inclusão das pessoas com discapacidade é a
sensibilidade para a causa e a destinação de recursos públicos e privados para o fortalecimento
e efetiva inclusão.
139
4.2.2.3 O discurso dos Técnicos de APSA
Para que haja inclusão das pessoas com discapacidade, Serena afirma que é
imprescindível que creia no projeto e “que mais e mais empresas e mais serviços possam
integrar cada vez mais pessoas [...] e que daqui a uns dez ou 15 anos em vez da Associação ter
três CEEs, possa ter seis e seguir crescendo, assumindo novos projetos.” O maior desafio na
inclusão é a contratação de trabalhadores com discapacidade quando surgem novas vagas e não
temos um associado com o perfil, “temos que contratar alguém, seja da ‘rua’, dos nossos centros
ou da própria Associação.” A inclusão é uma realidade tão presente na APSA, que uma empresa
de nome Suavinex, contratou trabalhadores com discapacidade, e hoje, passados dez anos,
Serena afirma que “pessoas com deficiência produzem o mesmo que um grupo de pessoas sem
a mesma, isto é uma realidade.”
Outra técnica, Anita, no que se refere à inclusão afirma que “os trabalhadores mantêm
seu trabalho por si mesmo, porque cumprem suas obrigações, mantém uma higiene, cuidam do
seu uniforme de trabalho, materiais e ferramentas”, pois o trabalho faz parte de suas vidas e das
suas obrigações, num processo permanente de reforço. Ainda ressalta que um dos desafios do
seu trabalho é fazer com que nas empresas os trabalhadores tenham um tratamento adequado,
como adultos, pois como são pessoas com discapacidade, “não tem porque tratá-los como
meninos, então trabalhamos isto.” Salienta que reforça comportamentos para a melhoria da
qualidade de vida como tempo para lazer, tempo livre, vida social, a relação entre eles e com
as outras pessoas, bem como no trabalho também.
A preocupação com a inclusão também é manifestada por Jade, que espera que uma
nova geração de profissionais com boa formação e boas ideias, e que venham a trabalhar com
pessoas com discapacidade, pois “ser uma boa pessoa já não é mais o suficiente para trabalhar,
tem que ter um mínimo de formação especifica e experiência.” Enrique ainda afirma que dentre
os desafios que encontra no seu trabalho, o maior é de coordenação da equipe, “entre eles, se
coordenam, me afastei uns 20 dias e tudo funcionou bem, quanto aos trabalhos que faço [...] me
ligavam e eu delegava, eles sabem muito bem o que tem de fazer, e entre eles se encaixa muito
bem.” Corroborando com a fala, por meio de observação da pesquisadora no ambiente de
trabalho com a coordenação de Enrique, percebeu-se que os trabalhadores de APSA
desenvolvem seu trabalho de forma autônoma, tomando decisões sobre a sua realização e de
acordo com as solicitações dos clientes, atingindo assim seu objetivo que é inclusão das pessoas
com discapacidade nos âmbitos familiar, escolar, laboral e social.
140
4.2.2.4 O discurso dos Familiares
O desenvolvimento de atividades cotidianas e a sua superação também são reforçados
por Nilda, que exalta os desejos de sua filha, “ela mudou muito, porque o que ela queria era
trabalhar. Ela me pediu muito porque queria trabalhar [...] necessitam estar ocupados.” O
desafio da inclusão é sentido pelas famílias, e o engajamento também é necessário no processo
de inclusão, pois as “lutas das pessoas [...] creio que as famílias estão dispostas a brigar e lutar
por eles.” Salienta que Pepita sempre quis uma vida independente, “como qualquer pessoa, ela
gostaria mais, mas penso que seria positivo com o tempo”, considera-a como uma filha normal,
“se faz uma coisa boa eu digo, se faz mal também digo, sempre [...] para nós é normal como
outro filho.” A autonomia também é imprescindível e defendida por Nilda, pois “sempre me
disseram para que ela fosse autônoma, ela pega o ônibus sozinha, ela é autônoma de tudo desde
muito pequena, eu faço o mínimo para que ela faça, ela lava o cabelo, se veste todos os dias.”
Nas rotinas domésticas, Nilda afirma que “ela faz muitas coisas [...] me ajuda na cozinha, é
muito organizada e limpa, em seu quarto não tem nada espalhado, ela gosta das coisas
controladas.”
Em momentos de lazer familiar relata que como gostavam de acampar pela Espanha,
viagens de cruzeiros ou viagens pela Europa, “isto a motiva muitíssimo desde pequena [...] já
viajamos muito [...] quer viajar sozinha, mas se para nós é difícil, imagina para ela [...] mas
sempre se protege mais, não sei o porquê.” Sobre os desejos de Pepita, Nilda fala que “sempre
quis trabalhar, ser independente economicamente, até viver sozinha [...] o que ela pode fazer,
ela quer fazer [...] esta inquietude veio depois de grande.”
Ainda na busca de garantir as conquistas e direitos das pessoas com discapacidade ela
afirma que “creio que as famílias estão dispostas a continuar com esta briga e lutar por eles.”
No que se refere às questões econômicas afirma que sua filha deseja “ter sua vida, comprar sua
casa, ir viver sozinha, em casa não lhe pedimos nada do seu dinheiro, ela economiza, porque
ela tem a ideia de comprar a sua casa.” Em relação à vida amorosa de Pepita, Nilda afirma que
já teve namorados, “mas gostaria que ela saísse mais, mas eu creio que ela está bem sozinha
[...] gosto que ela saia [...] fazer coisas também é bom para distrair-se [...] é uma moça que
precisa estar ativa, para mim, assim é melhor.”
A inclusão é importante numa sociedade que pretende ter cidadãos conscientes do seu
papel, como destaca Nilda, “hoje em dia é o contrário, tem que tirá-los de casa, tem que falar
com as pessoas, tem que falar que tem um problema, e sempre tem alguém que pode te ajudar,
141
eu acredito que esconder uma pessoa com discapacidade não é nada bom.”
Sua maior preocupação é com o futuro, a necessidade de amparo que a filha precisará
na velhice, como diz “se ela ficar sem trabalho, o que seria dela se não, tem este amparo [...]
creio que os políticos têm que fazer coisas para eles ficarem encobertos, pois os pais não são
eternos [...] penso que associações como estas não vão nos desamparar”, ressaltando que o
trabalho de APSA faz diferença na sua vida e da sua família.
4.2.2.5 O discurso dos trabalhadores com discapacidade
O trabalho é um importante instrumento de inclusão, pois iguala os diferentes. Os
trabalhadores da APSA têm consciência disso, conforme afirma Paloma “APSA e os Centros
Especiais de Emprego te encaminham, mas manter um trabalho está em nossas mãos.” Ignez
afirma que “APSA nos ajuda, você se ajuda, você tem que se esforçar”, o que demonstra
também o papel do associado com discapacidade da APSA, que tem que fazer sua parte no
processo de inclusão. Izabel tem consciência do seu papel no trabalho e afirma “me dão muito
apoio e que estou muito contente”. Por outro lado, Anita diz que “a empresa está muito contente
com o trabalho dela, de Izabel.” Apesar do trabalhador discapacitado ser resistente às mudanças,
isto não se reflete na fala de Paloma que afirma “eu estou gostando muito, desde que me
mudaram de área, melhor que onde eu estava, estava sozinha [...] passava frio e calor, sempre
estava me queixando, agora eu estou muito bem com meus companheiros e vamos lanchar no
sol.”
A inclusão se manifesta em falas como a de Castillo, que trabalha no Castelo de Santa
Barbara, ponto turístico de Alicante, “eu gosto da vista, dos caminhos que tem lá, não posso me
queixar dos meus companheiros, gosto dos meus companheiros.” e corroborado Anita afirma
que “ele e os seus companheiros nunca se queixam se tem frio e nem que passam calor”. Izabel
também se manifesta em relação ao seu trabalho “eu também estou muito contente com todos.”
Paloma também manifesta que “eu estou bem com todos.” Entretanto nem todos estão
satisfeitos com o seu trabalho, como afirma Eduardo, “eu venho como se viesse para a guerra”,
demonstrando que apesar de vir para o trabalho, não está satisfeito com o que faz. Já Pepita
afirma que está trabalhando em APSA, “porque não tem outra coisa [...] eu gostaria de fazer
mais coisas [...] eu quero fazer coisas diferentes.”
No que se refere aos apoios na execução das atividades, Ignez ressalta que “podemos
contar com os formadores, se eu tenho um problema falo com Anita ou com Serena, porque
142
você tem que se abrir, porque senão o rendimento do trabalho não é igual, porque tens que fazer
o trabalho.” Já Paloma afirma que os formadores fazem assessoramento, se tem algum
problema, os formadores são pontos de apoio, “você tem que se abrir para o seu responsável de
trabalho, para ajudar a resolver os problemas [...] você se ajuda.” Os trabalhadores são
preparados para realizar tarefas por repetição e apoio de formadores de trabalhos tem papel
fundamental no desenvolvimento das atividades, que os orientam, reforçam procedimentos e a
utilização das ferramentas necessárias para o desenvolvimento adequado do trabalho, bem
como ajustes de comportamento quando necessário.
Quanto às atividades de lazer, os associados da APSA afirmam que possuem uma vida
ativa. Pepita relata que aproveita a vida, faz esportes, cozinha algumas coisas. Já Paloma diz
que no verão gosta de ir à praia, “gosto de balançar o esqueleto.” Ignez gosta de sair com os
amigos, ir à praia e a piscina. Izabel gosta de sair, fazer yoga e tardeo2, ‘fazer farras’ com as
amigas.”
No que se refere à vida pessoal, o dinheiro recebido pelo trabalho nos CEE/ APSA,
contribuem para a gestão da vida pessoal dos associados, Ignez afirma que usa seu dinheiro
“com meu carro, seguro, gasolina e se me falta algo”. Já Castillo afirma que “gasto um pouco,
pago água, luz, telefone, [...] se falta algo em casa, faço compras.” Izabel afirma que “eu uso
um pouco, se eu preciso comprar uma roupa, senão economizo.” Murilo afirma que “tenho uma
companheira e uma filha, minha família nos ajuda um pouco”, e que geralmente suas despesas
são para a manutenção da família, “gasto em supermercado e na minha casa.” Paloma diz que
“meu dinheiro é para guardar, só quando preciso de algo, eu saio todo sábado, vou com meus
pais para jantar, também economizo.” Eduardo diz que vive sozinho, e sua casa já está paga,
“então os seus gastos no consumo de luz, água, no final de mês economiza e também vou para
a minha cidade.” Pepita diz que utiliza o seu dinheiro “gosto de ganhar minhas notas, gosto de
viajar, compro roupas, vou à cabelereira [...] eu me cuido.” A relação que os associados
possuem com o dinheiro que provem do seu trabalho, contribui para a sua independência e
gerenciamento por meio de autonomia de sua vida cotidiana.
Quanto ao trabalho desenvolvido, percebe-se que os trabalhadores entrevistados
desenvolvem atividades autônomas em seus ambientes. Ignez afirma que “eu já fiz várias coisas
de limpeza, manipulados, com doces, reprografia, agora faço manipulados.” Castillo trabalha
com jardinagem e realiza as atividades de manutenção: troca de lâmpadas, limpeza de
2 Sair para fazer festas com as amigas no Mercado Central de Alicante, geralmente aos sábados.
143
banheiros, proteção das plantas quando há vento, limpamos os passeios e as lixeiras todos os
dias. Izabel realiza trabalhos de auxiliar de escritório na empresa de Construção Ecisa, na praia
de San Juan de Alicante. Murilo trabalha na UA, com limpeza dos vidros, banheiros, exteriores
e entrada do edifício de Ciências Sociais. Paloma também realiza atividades ligadas à limpeza.
Eduardo trabalha na reprografia do prédio de Ciências Sociais da UA, e diz que “meu trabalho
é atender ao público, encadernar, atividades de reprografia.” As atividades desenvolvidas por
Pepita são “limpar os banheiros, os escritórios, lavar a cozinha, os banheiros dos refeitórios, o
que me mandam.”
Nas atividades laborais, os trabalhadores têm suas preferências ou não das atividades
desenvolvidas. Quanto às preferências, percebeu-se que se sentem satisfeitos com as atividades
desenvolvidas. Entretanto, todos relatam que algumas atividades não lhes agradam, como
assinalam, Ignez diz que “não gosto de limpar os vasos sanitários”. Já Castillo não “gosta de
tirar as ervas daninhas”, e o clima, que no seu local de trabalho é afetado por fortes ventos.
Murilo afirma que “eu não gosto é de limpar os banheiros das mulheres, não gosto porque fico
com vergonha.” Paloma diz que “o que menos eu gosto e limpar são os vasos sanitários.”
Eduardo afirma que não gosta de atender o público da reprografia, “prefere trabalhar sozinho.”
Já Pepita afirma que não gosta muito de limpeza, mas que “faço o que me mandam.” Dentre as
atividades desempenhadas fica claro a sua preparação, preferências e o que não lhes agrada no
ambiente de trabalho. A limpeza dos banheiros é a mais penosa para os sujeitos, seja pelo
constrangimento, pela situação em que vão encontrar o recinto ou ainda por ser uma atividade
com baixo nível de autonomia. A discapacidade dos trabalhadores não os limita nas situações
de convivência, pois na Espanha há um alto grau de tolerância e compreensão nos criados por
políticas publicas de inclusão.
4.3 CRIAÇÃO DE VALOR SOCIAL EM APSA
A Associação APSA por meio dos seus documentos norteadores, como por exemplo,
código de ética, estatuto, memória de atividades, processos de trabalho, pessoal, estrutura,
recursos, estabelece diretrizes para o funcionamento das atividades, bem como os valores que
perpassam a organização como forma de humanizar o atendimento e promover a inclusão plena
das pessoas com discapacidade. A criação de valor na APSA é percebida nos seus diversos
produtos e serviços oferecidos aos seus associados e na Província de Alicante. A Associação
APSA, por meio dos seus associados, definiu como princípios e valores norteadores do
144
empreendimento: a solidariedade, responsabilidade, orientação ao usuário, respeito,
honestidade, não discriminação e igualdade. Esta política tem como base o respeito como
caminho de convivência e enriquecimento das pessoas, trabalho pela igualdade de oportunidade
e erradicação de ações discriminatórias na organização (Modelo Econômico da Comunidade
Valenciana/Espanha, 2014; Plano de Igualdade APSA, 2016; APSA, 2017).
4.3.1 Valores sob a ótica dos Gestores de APSA
Os valores gerados por uma organização que visa a inclusão de pessoas com
discapacidade no mundo, fazem com que o desenvolvimento do trabalho pelos gestores seja
inerente aos valores e propósitos organizacionais. Santiago afirma que na sua visão de mundo,
ele se tornou um espaço global e “eu sou uma pessoa liberal de ideias [...] acho que sou
privilegiado por viver num país democrático com elevados padrões de vida”. O mesmo gestor
ainda afirma que “nós entendemos as necessidades das famílias”. Depois de muitos percalços
na gestão de APSA ao longo dos últimos anos, principalmente a partir da crise financeira na
Espanha, o gestor se sente privilegiado com a consolidação da gestão, bem como com a
profissionalização alcançada pelo grupo, além da expansão da rede e da ampliação do
atendimento, proporcionado pela Associação. Neste sentido, afirma que o valor gerado por
APSA para seus usuários é a busca permanente pela melhoria da qualidade de vida, além da
importância de se consolidar como associação criada pelos movimentos sociais, que busca o
resgate da cidadania, porque por meio do trabalho desenvolvido em favor deste coletivo e isto
gera como valor compromisso com a causa das pessoas com discapacidade.
Para Ramiro sua visão de mundo está ligada a injustiça, principalmente quando a origem
é o lugar de nascimento, pois justifica que em regiões abastadas, onde as condições de vida são
melhores, as pessoas têm melhores perspectivas de vida, condições apropriadas para
desenvolver seu potencial. Entretanto, num “povoado remoto de um país centro africano [...] eu
creio que seja uma batalha perdida.” Mas ressalta que o que pode desenvolver socialmente,
principalmente no que diz respeito ao trabalho, do tipo de trabalho desempenhado, distintos
lugares e agentes sociais e que se pode participar, “você pode fazer coisas para mudar para
melhor.” O gestor afirma que diante do nível de responsabilidade e da quantidade de
profissionais que tem sob sua subordinação tem como valores a responsabilidade na gestão do
APSA e que dependem dos seus empregos para manter-se e manter suas famílias. Além do
145
compromisso gerado pelo trabalho desenvolvido, que requer acompanhamento e
estabelecimento de novas parcerias para a continuidade dos trabalhos.
Ramom iniciou suas atividades na APSA como voluntário, aprendeu as atividades
realizadas pelos profissionais com discapacidade “fazendo o mesmo que eles”, ou seja,
desenvolvia as mesmas atividades como forma de aprendizagem. Salienta que sua visão de
mundo está ligada às características globais, mas que “as pessoas estão cada vez mais ligadas a
seus assuntos cotidianos [...] a ideia global não a temos”, ainda ressalta que “da vida não quero
grandes coisas, mas sim, ter grandes momentos.” Afirma que é “muito importante na hora de
seguir adiante, um não segue sozinho adiante, seguimos de maneira coletiva [...] a ideia de que
o mundo, vive-se nele e tenta se sobreviver nele.” O gestor argumenta que o valor que a APSA
adiciona é serenidade, pois “diante dos problemas que encontramos, devemos encontrar ajuda
[...] tem coletivos ou pessoas que tem mais dificuldades, tentar viver numa sociedade
normalizada [...] podemos sair às ruas com relativa tranquilidade”.
Já Alma afirma que tem especial sensibilidade pelo coletivo atendido por APSA, e seu
desejo sempre foi trabalhar com pessoas com discapacidade, pois “sempre me dedico aos
discapacitados porque eu tenho uma tia com síndrome de dowm.” Afirma que isto sempre a
motivou a trabalhar e buscar soluções para os associados da APSA, “não queremos que
ninguém fique sem tratamento, nenhuma pessoa, temos que unir forças para tentar com que
pessoas que tenham dinheiro paguem por seu tratamento, e famílias que não tenham recursos
sejam atendidas gratuitamente.” Na sua visão de mundo afirma que “sou um grão de areia e
sempre tem que tentar ser maior.” Seu compromisso com a causa dos deficientes é tão
emocionante que como valor acredita que a APSA adiciona é fortaleza, compromisso “é a força
de ser [...] e a luta pelos ideais.”
4.3.2 Valores sob a ótica dos Técnicos de APSA
A parte técnica da APSA é muito comprometida pelo trabalho desenvolvido, seja pelas
atividades desenvolvidas nos CEE, Centros Ocupacionais e de Formação, Residências ou em
outras áreas de atendimento de APSA.
Dentre os técnicos, Serena afirma que iniciou suas atividades na APSA como voluntária,
na época em que estava no curso de graduação na Universidade de Ali cante, e que sempre teve
interesse em trabalhar com este coletivo e que “aprendeu e aprende muito a cada dia de
trabalho.” Dentre os aprendizados de maior relevância, destacou que “aprendeu a gerenciar seu
146
nível de stress”, tornando-se uma pessoa calma e tranquila. Sua visão de mundo está ligada
diretamente ao desafio dos objetivos do seu trabalho, “pois cada trabalhador integrado a uma
empresa ou posto de trabalho é um desafio, porque não sabemos como vai ser.” Além deste
desafio, o seu trabalho tem proporcionado “a experiência de conhecer pessoas maravilhosas.”
No desenvolvimento do trabalho por uma pessoa com discapacidade, um desafio adicional é
quando um associado da APSA está numa situação de trabalho e acontecem incidentes, “uma
empresa te chama e [...] disseram a Manolo dez vezes a mesma tarefa e esquece”, seu argumento
principal neste tipo de situação é afirmar a condição do trabalhador e reforçar que “[...] tens que
saber que uma pessoa com discapacidade necessita de muitíssimos reforços e muitíssimas
repetições cada dia.” Ressalta que o valor adicionado pelo seu trabalho na APSA está ligado à
aprendizagem, “aprendes algo novo, cada dia... cada dia, e o surpreendente é que normalmente
esse novo te ensina [...] te ensina uma pessoa com discapacidade intelectual [...] te ensinam
lições de humildade.”
Jade, quando participou da pesquisa, estava num momento muito complicado de sua
vida, pois estava em profundo processo de mudança em sua vida pessoal, e declarou que sua
vida até aquele momento era uma mentira, tudo o que tinha vivido não existia mais. Sua visão
de mundo é “que estamos aqui e aprendi a viver o dia a dia, a ver o que tem hoje, que sou o que
valho, e acabou o dia e aí vamos para o dia seguinte. E assim tem sido.” No seu trabalho anterior
e combinado com momentos pessoais, encontrou na APSA um ressignificado do trabalho em
sua vida, pois as famílias quando vêm para APSA precisam de alguém que as compreenda em
seus problemas e desafios, pois “muitas famílias se sentem incompreendidas ou isoladas [...]
estão acostumados que ninguém os escute.” A APSA por meio dos seus profissionais, as
famílias com seus problemas “não são apenas números, são pessoas e acredito que isto seja um
valor, e eu acredito que muitas pessoas aqui na APSA não sabem que importante que é este nós
temos esses valores.”
Enrique vem de um trabalho que o deixava exausto, pois sua jornada de trabalho era
praticamente 12 horas por dia em sete dias por semana. Encontrou na APSA um apoio para o
desenvolvimento do seu trabalho, com mais tranquilidade e serenidade. Sua visão de mundo
está baseada em que por mais que se faça por pessoas com discapacidade, “nunca será o
suficiente”, há empresas que apóiam a causa deste coletivo por uma sensibilidade especial. O
objetivo maior do seu trabalho, pois coordena uma equipe de trabalhadores com discapacidade,
é “que os trabalhos que realizamos nos centros, tenham a mesma qualidade de uma empresa
competente.” Neste sentido, sua visão de mundo está ligada diretamente à competividade e que
147
“a empresa grande vai querer ‘comer’, pegar as menores, e ao final sobreviverão às grandes.
Afirma que num passado recente “nossa qualidade de vida era muito melhor, agora eu não
estaria dizendo isso, pois era tudo, o trabalho, a alegria das pessoas nas ruas, está como
mecânicos, todo mundo vai ter que se adaptar.” No que se refere ao valor de APSA afirma que
é “confiabilidade e fidelidade”, pois sua equipe conseguiu dar sua personalidade no trabalho,
“são especializados, trabalham muito bem de frente para o público [...] por isso que digo o que
há confiabilidade nestas pessoas, eu posso colocar a mão no fogo que essa pessoa não vai
falhar.”
Por fim, dentro da equipe técnica, Anita iniciou seu trabalho como professora no
COFAL, onde apesar do medo em trabalhar com pessoas com discapacidade e sua pouca
formação em sala de aula, encontrou uma equipe que a apoiava e a realização do seu trabalho
com este coletivo foi muito gratificante. Tem como visão de mundo “me dei conta que temos
que aproveitar a vida com carga total, porque de um momento para o outro se tira as pessoas
que mais gostas [...] Aproveitar sempre com o que tens e com as pessoas que estão ao seu redor
e ser feliz.” No que diz respeito ao valor que a APSA agrega, ela acredita que “a associação
contribui muito para a melhora da qualidade de vida para as pessoas com discapacidade.”
Afirma ainda que muitos dos associados já não têm mais familiares, então “APSA é a sua
família, então nós temos que fazer algo.” Além do acompanhamento nas atividades laborais, a
equipe de APSA ressalta a importância de atividades sociais como o tempo livre, reforçando o
propósito da APSA que as pessoas com deficiência tenham uma boa qualidade de vida, não só
no trabalho, mas também nos outros campos como o pessoal social, lazer, econômico e cultural.
4.3.3 Valores sob a ótica dos Gestores Parceiros
Dentre os gestores parceiros, Paco externou que sua visão de mundo está associada a
um mundo cada vez melhor, “maior qualidade de vida para as pessoas, mas devem ter medidas
globais para pacificar os países em guerra, evitar novas desigualdades sociais, econômicas e
nutricionais [...] pensamento proativo, positivo e confiante é sempre necessário.” Ele é bastante
otimista em relação ao trabalho da APSA na cidade de Alicante, pois acredita que este coletivo
merece ser inserido no ambiente social e econômico da comunidade, “sua especialização de
trabalhar de uma maneira determinada [...] os processos muito bem desenhados e estabelecidos,
e esta especialização adiciona valor na hora de trabalhar com o seu coletivo.” Como o gestor
tem papel importante no desenvolvimento da cidade, APSA é considerado um parceiro tanto
148
para a inclusão das pessoas com discapacidade, como também profundo conhecedora desse
coletivo, que gera um diferencial para quem trabalha com pessoas com discapacidade.
Juan, outro gestor público e que há muitos anos acompanha o trabalho da APSA na sua
organização, afirma no que se refere à visão de mundo que “e tem que aproveitar viver o melhor
possível, consegue mesmo e com todas as pessoas com quem trabalhas e vives, uma parte desse
mundo, e tentar ser feliz [...] trabalhar o melhor possível, e eu penso que trabalhamos para o
cidadão, com administração pública.” O gestor, como administrador de uma Universidade
Pública espanhola e com respeito aos preceitos de uma gestão que visa a inclusão, afirma que
a APSA traz de valor para seus trabalhadores com discapacidade intelectual, a independência
do tipo econômica, pois este coletivo tem maior dificuldade de inserção no mercado laboral, e
por outro lado a Universidade pratica “a responsabilidade social que uma organização pública
tem de incorporar no mercado de trabalho qualquer tipo de pessoa.
Almerinda, gestora e pesquisadora da mesma organização, tem como visão de mundo
que no espaço pode-se fazer muitas coisas, construir e crescer, por meio das lições que se tem
ao entrar em contato com pessoas com discapacidade, além de ser um dever e obrigação, pois
a organização tem desenvolvido um forte comprometimento com este coletivo, quando afirma
“promover muitas mudanças que estão pendentes para fazer [...] estou agora é para promover a
mudança dentro da universidade, que ao final é uma mola muito difícil de mover, [...] nós
queremos nos relacionar com as instituições e é uma mudança importante que não estão
acostumadas.” Como a organização em que é gestora já tem parceria com a APSA há muitos
anos e emprega pessoas com discapacidade num movimento de inclusão promovida pela
sociedade espanhola, acredita que a Associação “adiciona diversidade, por concretizar a
inclusão e porque é necessário, é muito difícil quando tu não pode ver o mundo com os seus
olhos.” A gestora ainda fala sobre os padrões de normalidade que “seus olhos só veem aquilo
que você está acostumado a ver [...] te custa muito ver, virar para o outro lado e tropeçar com
rapazes da APSA que estão fazendo um trabalho e os põe numa situação de inclusão.” Salienta
ainda que ao conhecer a diversidade promovida pela inclusão permite “aprender sem passar
pela aula, quer dizer com o manual das desigualdades sociais e da diversidade [...] e
aprendizagem das desigualdades sociais.”
Pode-se perceber também que a criação de valor também se dá pela institucionalização
das políticas públicas, numa ação articulada entre APSA e as organizações parceiras, por meio
de oficinas de capacitação, cursos de qualificação, parcerias e outras formas de realizar o
trabalho de inclusão dos associados.
149
4.3.4 Valores sob a ótica da Família
Nilda já participa há muitos anos da APSA, desde quando sua filha era adolescente, e
está sempre disposta a apoiar e cooperar com este coletivo, já que encontrou apoio para o
desenvolvimento de atividades de inclusão na Associação de sua filha. Afirma que sempre
lutou muito, e que já se sentiu enganada por falsas promessas de melhoria da condição de
discapacidade, “nós ficamos lá (antiga escola) por cinco anos, eu trabalhava, limpava como
uma ‘negra’ para poder pagar tudo lá”, pois com um diagnóstico parcial e na busca de
alternativas, há pessoas que buscam vantagem sobre a desgraça alheia. Muitas vezes, as famílias
se esforçam para dar o melhor possível para seus filhos, empenham-se, procuram viabilizar
alternativas para inclusão, entretanto, nem sempre há o compromisso por parte de terceiros,
levando à sua exploração econômica e sem uma perspectiva na mudança de sua situação em
que se econtram. Encontrou em APSA a resposta para anos de angústia e falhas no diagnóstico,
pois um dos seus maiores medos “é deixá-la sozinha, meu maior medo é deixá-la sozinha”, e
se emociona muito em pensar em tal situação e externaliza seu nervosismo com tal pensamento.
Afirma que como em sua casa todos são trabalhadores, sua filha Pepita também sempre quis ter
uma vida ativa e a trata como uma filha normal”. Esta fala demonstra que a integração,
autonomia e independência de uma pessoa com discapacidade é importante, pois a faz se sentir
integrada na comunidade em que vive. Ainda ressalta que “a família faz a sua parte, e os demais
tem que fazer também, o Estado também tem que fazer, tem que dar mais ajuda para todos para
que possam ir adiante, porque é um desafio ao mundo, estes meninos têm que estar ocupados,
e quanto mais ocupados estão suas mentes, se abrem.” Esta fala mostra os horizontes de pessoas
que convivem com pessoas com discapacidade, por mais difícil que seja, a integração
proporcionada pela APSA é o que os torna cidadãos que reinvindicam seus direitos, tornando-
os capazes de gerenciar suas vidas e suas escolhas.
4.3.5 Valores sob a ótica dos Trabalhadores com Discapacidade
Dentre as etapas que a APSA atende, na vida adulta um dos programas de inclusão é o
trabalho por meio dos APSA/CEE. Na Espanha, este tipo de trabalho é o chamado emprego
com apoio ou apoiado, que visa a integração de pessoas com discapacidade no mercado de
trabalho por meio da adaptação de postos de trabalho, porém nas mesmas condições que os
trabalhadores sem discapacidade, seja na jornada de trabalho ou no regime previdenciário.
150
Para a adequação do trabalhador com discapacidade num posto de trabalho, são
necessários requisitos como: aprendizagem da rotina diária de vida, aceitação da sua
discapacidade, aceitação pela família da limitação do trabalhador, aprendizagem de uma
atividade ligada ao APSA/CEE (Lei da Minusvalia - LISMI-13/1982 e suas atualizações). A
sociedade espanhola contribui em muito para a integração das pessoas com discapacidade no
cotidiano social, seja pela acessibilidade nos meios de transportes, calçadas, ruas, acesso à
saúde, educação, seguridade, apoio em atividades como as da Associação APSA por meio de
subvenção, atividades integradoras nos espaços públicos de lazer, entre outros.
Para que os trabalhadores de APSA desenvolvam seus trabalhos de forma integrada, a
Associação optou por atender a área de serviços com atividades ligadas a gestão, reprografia,
portaria e limpeza, e por fim jardinagem e limpeza de espaços públicos. No desenvolvimento
destas atividades, há a necessidade de uma estrutura com equipe especializada com: assistentes
sociais, psicólogos, formadores laborais, que os acompanham sua rotina, jornada de trabalho,
planejamento e visitas aos locais de trabalho, atividades a serem desenvolvidas, bem como o
apoio e acompanhamento das tarefas pelo supervisor local da organização contratante. Devido
às suas limitações intelectuais, não ficou explícito para os entrevistados quando questionados
sobre sua visão de mundo, o que pensam sobre a vida ou ainda suas pesrspectivas em relação
ao futuro.
Dentre as tarefas realizadas, pode-se destacar a rotina nos trabalhos executados pelos
trabalhadores, observado na fala de Paloma: “O que eu faço? Eu varro, limpo os banheiros, os
escritórios e os toaletes... e acabou”. Já Castillo trabalha no Castelo de Santa Bárbara, um dos
pontos turísticos mais visitados de Alicante: “fazemos de tudo como jardinagem, e também
trocamos lâmpadas, limpamos os banheiros, ajudamos a proteger as plantas quando tem vento,
e limpamos os passeios e lixeiras de papel todos os dias.”
O trabalhador Murilo, que trabalha na Universidade de Alicante, diz que “assim como
minha colega Paloma, eu trabalho na limpeza, se falta algum colega de trabalho, eu ajudo lá,
limpo os vidros, limpo as lixeiras, limpo os exteriores, as entradas dos edifícios têm que mantê-
las limpas e outras coisas.” Ignez trabalha no Galpão destinado a trabalhados manipulados do
CEE e afirma que: “gosta de trabalhar com Levantina, na montagem de kits de demonstração.”
Izabel trabalha no escritório de uma Construtora na cidade de Alicante, como auxiliar de
escritório e afirma que “eu gosto de tudo”. Eduardo desenvolve suas atividades no Centro de
Reprografia de APSA na UA e afirma que: “Gosto do meu trabalho, mas gostaria de trabalhar
com tecnologia”.
151
Nesta etapa da pesquisa, Pepita demonstrou ser a mais crítica em relação ao seu trabalho
que desenvolve no Galpão APSA como auxiliar de limpeza, e diz: “eu limpo a cozinha, eu
limpo os banheiros [...] os escritórios, e as madeiras também, lavo a cozinha, limpo as coisas
da cozinha, os banheiros dos refeitórios, eu faço o que me mandam, sou muito feliz aqui.” No
que se refere à vida cotidiana, os trabalhadores relatam sua vida como sendo de um jovem
espanhol, com preferências e atividades que realizam quando não estão no trabalho. Ignez
afirma que quando não trabalha “gosta de sair com os amigos, ir à praia, a piscina.” Já Paloma
que gosta de dançar, e Izabel afirma que “que gosta de sair com as amigas. Pepita diz que como
lazer gosta de sair “vamos para Alicante[...] eu gosto muito de Alicante[...]”
Quanto aos valores que a APSA desperta em cada trabalhador na execução do seu
trabalho e no impacto na vida cotidiana, foram categóricos que a Associação é importante nas
suas vidas e que os ajuda a conseguirem a manter seus empregos. Os trabalhadores Ignez,
Castillo, Izabel e Paloma são realizados profissionalmente, e Ignez ainda complementa, sobre
a autonomia, e Paloma ressalta ser independente. Os trabalhadores Eduardo e Pepita afirmam
que o trabalho os deixa independentes, e Murilo afirma que gosta de trabalhar. A Figura 21
apresenta a perspectiva de vida “Antes e Depois” de APSA, sob a ótica dos associados.
Figura 21
Valores sob a ótica dos trabalhadores de APSA/CEE.
Fonte: Dados da pesquisa (2017).
O trabalho e o apoio têm importância significativa na vida dos trabalhadores da APSA,
eles têm consciência de suas limitações e reconhecem o papel da organização e o seu papel no
processo de trabalho por meio dos apoios. Isto fica claro com a fala do trabalhador Murilo, que
afirma: “se não fosse a APSA, eu não [...] eu tenho um trabalho, por APSA, graças a Deus estou
152
aqui [...] a todo vapor, por causa da discapacidade, por ser sozinho, não teria um trabalho aqui
na Universidade.” Ignez afirma que “APSA nos ajuda [...] se você se ajuda, você tem que se
esforçar.” Já Paloma “eles nos empurram, mas tens que ir para cima.” O trabalho, bem como
os outros papéis desempenhados pelos associados de APSA faz com que eles se sintam parte
dos diversos aspectos na vida cotidiana. Sem a participação de APSA, os associados conseguem
perceber que ficariam limitados a atividades como ver televisão ou ficar em casa. Já por meio
da sua participação na Associação, percebem que há apoio, estarão amparados quando não
tiverem mais familiares na terceira idade, podem se socializar e participar de atividades no
trabalho e na sua comunidade.
No que se refere à criação de valor dos sujeitos da pesquisa e da APSA, são apresentados
na Figura 22, divididos entre: Gestores APSA, Gestores Parceiro, familiar, técnicos de APSA,
trabalhadores de APSA, passando por uma diversidade de valores, tanto da organização como
das pessoas que são afetadas pelo empreendimento social.
Os valores explicitados mostram que todos os que interagem com a APSA reconhecem
seus valores e como isto pode ter impacto em suas vidas. A criação de valor social promovida
pela Associação APSA junto aos seus associados e stakeholders, pode ser identificada na Rede
de Valores no processo de criação de Valor, como mostra a Figura 22.
154
Dentro desta perspectiva, de um lado, os valores organizacionais preconizados pela
APSA visam a melhoria da qualidade de vida das pessoas com discapacidade e os trabalhadores
que têm objetivos para seus trabalhos e suas vidas, e consegue criar valor social para os seus
participantes e para a comunidade, por meio da sua Missão, Visão, princípios e valores e é
reconhecida pela comunidade. Neste sentido, um diferencial da APSA é a participação em toda
a vida do associado, desde seu nascimento até seus últimos dias. Os valores elencados pelos
participantes da pesquisa, com base na Teoria de Valores de Schwartz (1992), e no locus de
valor nos sujeitos pesquisados, sob a ótica de indivíduo, são explicitados na Figura 23.
Figura 23
Valores dos Sujeitos da Pesquisa em APSA.
Fonte: Adaptado de Schwartz, S. H., Cieciuch, J., Vecchione, M., Davidov, E., Fischer, R., & Konty, M. (2012).
Refining the theory of basic individual values. Journal of Personality and Social Psychology, 103, 663-688. e
Dados da pesquisa (2017).
Dentre os valores encontrados sob a ótica dos sujeitos, pode-se destacar primeiramente
a combinação dos valores ligados ao universalismo, destacando-se os valores de
responsabilidade, honestidade, qualidade de vida, qualidade nas ações desenvolvidas,
felicidade, diversidade, confiabilidade e fidelidade, que está relacionado diretamente à
tolerância, compreensão e promoção do bem-estar de todos e da natureza. A seguir os valores
ligados a autodeterminação que é a independência do pensamento e da tomada de decisão, na
155
busca de valores ligados a solidariedade, respeito, igualdade, não discriminação, aprendizagem
e responsabilidade, tanto para o sujeito da pesquisa, como também para as pessoas que são
afetadas pelas ações propostas pela Associação.
Outro destaque de grupo de valores está ligado à benevolência, é no que diz respeito à
preservação e reforço do bem-estar em relação às pessoas próximas com que se tem contato
frequente e de forma não-casual, os valores destacados na pesquisa foram: Compromisso,
Escutar, Companheirismo e Serenidade. A seguir os grupos de valores que se destaca é a
realização que está ligada diretamente ao êxito pessoal como resultado de competência segundo
as normas sociais consideradas aceitáveis, sendo elas: realização no trabalho, profissionalismo
e independência pessoal e econômica. Dentre os diversos valores que os sujeitos da pesquisa
externalizaram, pode-se ver resumidos na Figura 24.
156
Figura 24
Quadro comparativo das diferentes percepciones de Valor, segundo os atores.
ATORES
Gestores
Técnicos APSA
Parceiros
Familiar
Associados
PERCEPÇÕES
San
tiag
o
Ram
iro
Ram
om
Alm
a
Ser
ena
Jade
Enri
que
Anit
a
Pac
o
Juan
Alm
emri
nda
Nil
da
Ignez
Cas
till
o
Izab
el
Pal
om
a
Eduar
do
Pep
ita
Muri
lo
Responsabilidade X
Compromisso X X
Serenidade X
Fortaleza X
Aprendizagem X X
Escutar X
Confiabilidade X
Fidelidade X
Qualidade de Vida X
Especialização X
Independência X X X X
Diversidade X
Integração X
Autonomia X
Realização Profissional X X X X X
Gosto pelo trabalho X Fonte: Dados da Pesquisa (2017).
157
Com a evolução das sociedades após o período pós-guerra, os valores considerados
tradicionais como a segurança, o emprego e a estabilidade foram migrando para outros valores
condizentes com a nova ordem mundial. Inglehart e Welzel (2005) defendem que o
desenvolvimento chamado de pós-industrial, principalmente a partir da década de 1970 nas
sociedades ocidentais, promoveu mudanças nos valores dos cidadãos por meio da melhoria nas
suas condições de vida, como a proteção social, promoção da paz, matérias primas disponíveis
para a produção de bens de consumo, contribuindo de forma significativa para a mudança de
valores nestas sociedades.
As mudanças promovidas por estes novos valores levam em consideração as mudanças
de prioridade pela melhoria no bem-estar subjetivo, considerando-se as novas prioridades dos
cidadãos. Pode-se considerar que estes câmbios fizeram com que estes cidadãos
desenvolovessem uma postura mais crítica a respeito de instituições publicas e privadas, bem
como a reinvindicação na modernização de normas de convivência diante destes valores
considerados mais contemporâneos (Ribeiro & Borba, 2010).
Neste sentido, a criação de valor apresentado pelos sujeitos da pesquisa realizada na
Associação APSA, e pelas características da sociedade espanhola por meio dos indicadores
apresentados como: IDH, Índice de Gini, escolaridade, acesso a serviços públicos universais
como água, luz e telefone, políticas de igualdade de gênero, com estabilidade política e
economica, a posição no ranking como país desenvolvido. De acordo com a teoria de Inglenhart
(2009), por ter estas características, os valores so sujeitos são considerados como pós-
materialista, pois sua concepção é de uma sociedade de inclusão de todas as pessoas,
independente da sua condição física, intelectual ou sensorial. O pós-materialismo também pode
ser percebido na visão de mundo e na criação de valor do empreendimento, percebida pelos
multi stakeholders, reforçando valores ligados ao desenvolvimento humano ligado a valores de
conhecimento e autoajuda. Assim, pode-se fazer uma intersecção entre a Teoria de Valores de
Scwhartz e a teoria de Valores Culturais de Inglehart.
Os valores expressados pelos sujeitos da pesquisa vão desde o materialismo como:
independência, o profissionalismo e a especialidade desenvolvida pelos associados de APSA.
Numa perspectiva pós-materialista, pode-se verificar valores como honestidade, diversidade,
confiabilidade, fidelidade, responsabilidade e por fim, qualidade de vida, o que significa valores
que transcendem a ótica pessoal e vai para um exspectro mais amplo, valores importantes dentro
de um contexto social, com a perspectiva pós-materialista dos sujeitos pesquisados, como
mostra a Figura 25.
158
Figura 25
Criação de Valor sob a ótica dos Sujeitos.
Fonte: Dados da Pesquisa (2017).
O desenvolvimento de uma sociedade depende de como seus cidadãos são tratados e
quais os mecanismos utilizados para a sua inclusão nos diversos espaços sociais. A Espanha,
por ser uma sociedade que busca a plena inclusão dos seus cidadãos por meio de mecanismos
de estabilidade social, econômica, política, cultural, garantindo a inclusão, seja por meio de
políticas públicas inclusivas, subvenções sociais ou ainda incentivos a adesão às novas formas
de inclusão, faz com que seus cidadãos compreendam a necessidade de incorporar a diversidade
de pessoas em seus espaços sociais. Pode-se perceber que durante a pesquisa, pelo nível social,
econômico e cultural dos envolvidos com as causas referentes à inclusão realmente querem
fazer a diferença em suas ações em prol deste coletivo e de outros que possam efetivamente
incluir.
159
5 ANÁLISE QUALITATIVA DOS DADOS E EVIDÊNCIAS – CASO IVG
Neste capítulo, se apresenta a análise qualitativa dos dados obtidos por meio da
triangulação de entrevistas, observação e documentos secundários, realizada no
empreendimento social Instituto Padre Vilson Groh, localizado na cidade de
Florianópolis/Santa Catarina, buscando atender aos objetivos inicialmente propostos neste
trabalho.
5.1 BRASIL
O Brasil é um país democrático, com a capital na cidade de Brasília/DF, localizado na
América do Sul, tendo como fronteira dez países da fronteira: Argentina, Bolívia, Colômbia,
Guiana Francesa, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai, Venezuela e o Oceano Atlântico.
É membro fundador do Mercado Comum do Sul (Mercosul), juntamente com Argentina,
Paraguai e Uruguai, datado em 26/03/1991 com a assinatura do Tratado de Assunção no
Paraguai. Também faz parte do G20 (África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina,
Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia,
Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia e Países membros da União Europeia) e
dos BRICS formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (CIA, 2017).
O Brasil é uma República Federativa, depois de mais de três séculos sendo colônia
portuguesa. Sua independência do reino de Portugal foi proclamada no ano de 1822, e sua
República no ano de 1889. Ao longo dos anos, o Brasil passou por governos republicanos da
chamada República Velha até o ano de 1930, pela Era Vargas até 1945, depois o advento do
Estado Novo e pôr fim a ditadura militar até 1989. A partir de 1990, o Estado brasileiro
restabelece o Estado Democrático de Direito, por meio de eleições diretas para os diversos
níveis de governo. O Brasil é regido atualmente pela constituição promulgada no ano de 1988,
e é formado pela união de 26 estados, o Distrito Federal, distribuídos em 5570 municípios
(IBGE, 2017a).
Na economia, o Brasil durante o século XX passou de uma economia rural e de
monocultura, para expansão da fronteira agrícola e interiorização para ocupação do território.
Atualmente o Brasil é considerado um mercado emergente com possibilidades de contribuir
para o crescimento global, considerada a oitava economia mundial. Sediou importantes eventos
mundiais, como a Copa do Mundo de Futebol no ano de 2014, e Jogos Olímpicos no ano de
160
2016. Entretanto desde o ano de 2013, a economia brasileira enfrentou revezes por meio do
crescente desemprego e aumento da inflação. O PIB brasileiro gira em torno de R$ 1,8 trilhões
de reais, sendo que impostos e receitas representam em torno de 35,9% do PIB. O PIB brasileiro
teve retração de crescimento de -3,6% no ano de 2016, -3,8% no ano de 2015 e 0,5% em 2014,
e é representado pela agricultura, cerca de 5,8%, indústria aproximadamente de 20,9% e
serviços em torno de 73,3%. A renda média anual do brasileiro representa US$ 15.200,00
dólares americanos. A crise econômica brasileira se agravou a partir da queda de preços dos
commodities no mercado internacional, o que prejudicou o seu nível de investimento com a
redução das receitas fiscais. Estas reduções impactaram no aumento da dívida pública, e
também no investimento em áreas prioritárias como saúde, educação e segurança. O Brasil tem
atualmente em torno de 3,7% abaixo da linha da pobreza, sendo que aproximadamente 4% da
população estão abaixo da linha de pobreza "extrema" (CIA, 2017).
A população brasileira gira em torno de 207 milhões de habitantes, dividida em urbana
com 86 % e rural em torno de 14 % da população total, com extensão territorial de 8.515.770
km², sendo o maior país da América do Sul, incluídos o Arquipélago de Fernando de Noronha,
Atol das Rocas, Ilha da Trindade, Ilhas Martin Vaz e Penedos de São Pedro e São Paulo. A
língua oficial é o português, mas também são línguas faladas: espanhol, alemão, italiano,
japonês, inglês e um grande número de línguas menores de origem indígena. A maior ocupação
da população brasileira é ao longo do litoral brasileiro, sendo que a maior densidade
populacional se encontra nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília,
Fortaleza e Recife, e suas regiões metropolitanas. Sua população é dividida nas seguintes raças:
branco 47,7%, mulato (branco e preto) 43,1%, preto 7,6%, asiático 1,1% e indígena 0,4%. O
Estado brasileiro é considerado laico e professa diversas religiões, a saber: Católico Romano
64,6%, outro Católico 0,4%, Protestante 22,2% (inclui Adventista 6,5%, Assembleia de Deus
2,0%, Congregação Cristã do Brasil 1,2%, Reino Universal de Deus 1,0%, outros Protestantes
11,5%), outros Cristãos 0,7%, 2.2% Espírita, outros 1,4%, nenhum 8%, não especificado 0,4%
(IBGE, 2017a).
O Brasil tem sido destinatário de muitos imigrantes, principalmente para o sudeste
brasileiro. Durante o período do Brasil Colônia, foi um dos principais destinos de escravos
negros, com Lei Áurea no ano de 1888, o Brasil tornou-se atrativo para italianos, portugueses,
espanhóis e alemães para trabalharem na agricultura em substituição à mão de obra escrava, e
no início do século XX atraiu asiáticos, principalmente para a cultura de café (CIA, 2017).
161
Seus principais recursos naturais são a bauxita, ouro, minério de ferro, manganês,
níquel, fosfato, platina, estanho, elementos de terras raras, urânio, petróleo, energia
hidroelétrica, madeira. A agricultura é representada por produtos como café, soja, trigo, arroz,
milho, cana-de-açúcar, cacau, cítricos; carne, e a indústria tem representação nos segmentos de
têxteis, sapatos, produtos químicos, cimento, madeira serrada, minério de ferro, estanho, aço,
aeronaves, veículos a motor e peças, outras máquinas e equipamentos
Seus problemas territoriais estão ligados a secas recorrentes no nordeste do país, e
inundações e geadas na região sul. O clima predominante do Brasil é o tropical, se subdividindo
em equatorial, tropical, semiárido, tropical de altitude, temperado e subtropical. Devido a sua
grande extensão territorial, o Brasil possui diversos problemas ambientais como o
desmatamento na bacia amazônica, por meio da destruição de espécies de vegetais e animais,
bem como da população indígena, poluição do ar e da água no Rio de Janeiro, São Paulo e
várias outras regiões metropolitanas, degradação da terra e poluição da água causada por
atividades de mineração inadequadas, degradação das zonas úmidas, derrames de óleo severos,
entre outro (CIA, 2017).
Seus principais recursos naturais são a bauxita, ouro, minério de ferro, manganês,
níquel, fosfatos, platina, estanho, elementos de terras raras, urânio, petróleo, energia
hidroelétrica e madeira. A agricultura é representada por produtos como café, soja, trigo, arroz,
milho, cana-de-açúcar, cacau, cítricos; carne, e a indústria tem representação nos segmentos de
têxteis, sapatos, produtos químicos, cimento, madeira serrada, minério de ferro, estanho, aço,
aeronaves, veículos a motor e peças, outras máquinas e equipamentos.
A faixa etária predominante é a entre 25 e 54 anos, representando 43% da população,
seguida pela 0 a 14 anos, que representa aproximadamente 22%, após a faixa de15-24 anos,
representada por 16%, a população de 55-64 anos por 9%, e por fim 65 anos ou mais, em torno
de 8% da mesma. O crescimento populacional em 2017 foi de 0,73%. A taxa de natalidade
brasileira é cerca de 14 nascimentos para cada mil habitantes. A expectativa de vida alcança 73
anos para a população total (IBGE, 2017a).
No que se referem a indicadores sociais, as despesas com saúde representam 8,3% do
PIB. Quanto ao acesso à água potável 87% da população urbana com abastecimento diário de
água e 87 % da população rural. Quanto ao acesso às instalações de saneamento, 88% da
população urbana e 51% da população rural. O país ainda enfrenta doenças infecciosas
transmitidas pela água como diarreia bacteriana e hepatite A, por vetores como dengue e
malária, doenças de contato com a água como a esquistossomose. No ano de 2016, o país
162
enfrentou a epidemia do vírus Zika, sendo a população de grandes cidades afetadas pelo risco
de transmissão. O Brasil ainda enfrenta problemas ligados a alimentação, como a obesidade na
população adulta, cerca de 22 %, e problemas com subnutrição em crianças abaixo de cinco
anos, em torno de 2% (CIA, 2017).
As despesas com educação no Brasil giram em torno de 6% do PIB, e 92% da população
acima de 15 anos ou mais sabe ler e escrever. O tempo de escola em média atinge 15 anos. Um
dos problemas sociais que atinge a infância brasileira é o trabalho infantil, que representa em
torno de 3% das crianças nesta idade (IBGE, 2009). A taxa de desemprego no Brasil representa
12,4%, e devido à crise econômica, muitos trabalhadores buscam geração de renda por meio da
informalidade (IBGE, 2017a).
No que se refere à infraestrutura, 99% da população urbana e 97% da população rural
tem acesso à energia elétrica, porém cerca de 800 mil pessoas não têm acesso a este serviço.
Em relação aos serviços de telefonia, 20 a cada 100 habitantes têm acesso a assinatura do
telefone fixo, e 119 a cada 100 habitantes possuem acesso a telefonia móvel. E aos serviços de
internet, em torno de 59% da população têm acesso a rede (CIA, 2017).
Um dos problemas enfrentados pelo Brasil são as drogas ilícitas. É considerado o
segundo maior consumidor de cocaína do mundo, além de produzir outras drogas ilegais como
a cannabis e o cultivo de coca na região amazônica. É considerado ainda um corredor de tráfico
para a cocaína boliviana, colombiana e peruana, principalmente para a Europa. O aumento da
violência no país está relacionado principalmente pelo tráfico de drogas associado ao de armas.
O país ainda tem sido utilizado como um importante mercado para lavagem de dinheiro,
principalmente pela falta de controles das autoridades brasileiras (CIA, 2017).
5.2 ESTADO DE SANTA CATARINA
O Estado de Santa Catarina (SC) situa-se na Região Sul do Brasil, ao norte tem limite
territorial com o Estado do Paraná, e ao sul com o Rio Grande do Sul, ao leste com o Oceano
Atlântico, e ao oeste faz fronteira com a Argentina. O estado possui uma população estimada
em torno de 6.700.000 habitantes, divididos em 295 municípios (IBGE, 2014). Tem como
capital a cidade de Florianópolis. Sua economia é diversificada e baseada em atividades ligadas
à agricultura, indústria e serviços como o turismo. É composto por nove macrorregiões:
Extremo Oeste, Foz do Itajaí, Grande Florianópolis, Meio Oeste, Norte, Oeste, Serra
Catarinense, Sul e Vale do Itajaí (IBGE, 2017a). No Norte do estado tem o polo tecnológico,
163
moveleiro e metal-mecânico. O oeste do estado concentra atividades ligadas à produção
alimentar e móveis. No Planalto Serrano tem atividades relacionadas à indústria de papel,
celulose e madeira. No Sul do estado destacam-se os segmentos de vestuário, plásticos
descartáveis, carbonífero e cerâmico. E no Vale do Itajaí, destacam-se a indústria têxtil,
vestuário, indústria naval e tecnologia. Um segmento forte da economia é o Turismo, que atrai
muitos turistas (SC, 2017). O PIB do Estado de Santa Catarina é considerado o sexto do Brasil,
totalizando R$ 129,8 bilhões, ou 4% da economia do país (SINDIFISCO, 2017).
A Grande Florianópolis é uma das macrorregiões de Santa Catarina, composta por 16
municípios, a saber: Águas Mornas, Alfredo Wagner, Angelina, Anitápolis, Antônio Carlos,
Biguaçu, Florianópolis, Garopaba, Governador Celso Ramos, Palhoça, Paulo Lopes, Rancho
Queimado, Santo Amaro da Imperatriz, São Bonifácio, São José, São Pedro de Alcântara. A
população de Florianópolis é estimada em torno de 485 mil habitantes, na cidade de Palhoça a
população é estimada em 165 mil habitantes e a cidade de São José possui 240 mil habitantes
(IBGE, 2017c, 2017d).
No ano de 2014, a renda per capita de Florianópolis era de R$ 37.546,32, o IDH de
0,847, e a população ocupada em torno de 67%. Na cidade de Palhoça, a renda per capta era
de R$ 34.012,00, IDH de 0,757, e a população empregada aproximadamente 30%. E em São
Jose, a renda per capta era de R$ 34.935,00, o IDH de 0,809, e população com ocupação cerca
de 52% (IBGE, 2017b). Esta região se destaca pelo seu potencial turístico focado no turismo
de verão, composto por importantes balneários, o que potencializa as áreas de serviços como
restaurantes, hotéis, aluguel de temporada, serviços pessoais, bem como o comércio varejista
da região (SEBRAE, 2013).
5.3 REDE IVG – INSTITUTO PADRE VILSON GROH
O Instituto Padre Vilson Groh (IVG), foi constituído no ano de 2011, tendo seu estatuto
social registrado em 5 de novembro de 2013. É uma Associação sem fins lucrativos, com fins
assistenciais e autonomia patrimonial, administrativa e financeira, atendendo à legislação
brasileira vigente (Estatuto IVG, art. 1º).
Para desenvolver suas atividades, o IVG possui como Registro no Conselho Municipal
de Assistência Social da cidade de Florianópolis de número 13/2013, como função de
assessoramento e garantia dos direitos. Em 16 de julho de 2012 é reconhecido como Utilidade
Pública Municipal de Florianópolis pela lei de no 9013/2012, e no dia 25 de abril de 2013, é
164
reconhecido como Utilidade Pública no Estado de Santa Catarina pela lei 19.562/2013. A
formação de uma Rede, conhecida como também Rede IVG, tem como objetivo o
assessoramento, a defesa e garantia de direitos sem qualquer discriminação, tendo como
referência inicial a Constituição Federal, em seu artigo 5º que visa garantir o direito à vida, à
liberdade e a igualdade, e as leis em níveis estaduais e municipais que apoiam suas ações
(Estatuto IVG, art. 2º). Ainda de acordo com o seu estatuto, as finalidades do IVG são: apoiar
técnica e financeiramente organizações sociais, desenvolver e capacitar profissionais, oferecer
assessoria contábil e jurídica para as organizações parceiras, prestar serviços, executar
programas e projetos voltados para as populações vulneráveis (Estatuto IVG, art. 3º).
Para desenvolver suas atividades, o IVG possui norteadores estratégicos que atendem
seus objetivos e finalidades. Como missão, o IVG pretende “prestar serviços de assessoramento,
defesa e garantia de direitos, sem qualquer discriminação, tendo como marco referencial a
Constituição” (IVG, 2017). Na perspectiva de longo prazo e dentro da gestão estratégica, o IVG
tem como visão “tornar-se referência como propositor de políticas públicas, na gestão de
recursos e assessoria às Organizações da Sociedade Civil que atendam e defendam os direitos
fundamentais de populações em vulnerabilidade social” (IVG, 2017).
O Instituto por meio dos seus parceiros, associados e participantes dos
empreendimentos, definiu como princípios e valores norteadores, a saber: cuidado com a vida,
a desconstrução e ressignificação das relações centro/periferia, atuação a partir das margens,
accountability, valorização do capital social, controle social (IVG, 2017).
O IVG tem como características ser uma associação pluralista, autônoma e independente
de instituição de qualquer natureza, seja ela partidária governamental ou religiosa, podendo
estabelecer parceria ou convênio e parcerias com empresas, órgãos e entidades públicas e
privadas, nacionais ou internacionais, além de receber quaisquer tipos de doações que atendam
suas finalidades (Estatuto IVG, art. 5º, § 1). Dentro da concepção de Governança, o Instituto
tem como componentes estratégicos: a Assembleia Geral, o Conselho Deliberativo, o Conselho
de Presidentes e o Conselho Fiscal. A parte de Gestão é composta pela Diretoria Executiva,
Diretoria de Relacionamento Institucional, Diretoria Administrativa e Financeira e Diretoria
Político-Pedagógica.
Para desenvolver suas atividades, o Instituto Pe Vilson Groh, trabalha em Rede com as
sete organizações: Associação João Paulo II (AJPII), Centro Cultural Escrava Anastácia
(CCEA), Centro de Educação e Evangelização Popular (CEDEP), Associação de Amigos da
Casa de Criança e do Adolescente do Morro do Mocotó (ACAM) e o Centro Social Elisabeth
165
Sarkamp, além das unidades do Centro Educacional Marista São José e Lucia Mayvorne. A
Rede IVG localiza-se estrategicamente em comunidades que necessitam de assistência e
educação, por meio de atividades educacionais, esportivas, culturais, entre outras, na região da
Grande Florianópolis. Os municípios atendidos são: Florianópolis nos bairros do Monte Cristo,
Morro do Mocotó, Estreito, Monte Serrat e Alto da Caieira (Maciço do Morro da Cruz), São
José no bairro do Jardim Zanelato, e na Palhoça no bairro chamado Ponte do Imarium. Por meio
das organizações parceiras, a Rede IVG desenvolve atividades com crianças a partir de 2 anos,
com educação formal, projetos como Jovem Aprendiz e Pró-Jovem, contraturno escolar, ou
ainda escola em tempo integral, entre outros projetos de inclusão.
Um projeto desenvolvido em forma de parceria é o Projeto Educacional na Região de
Empada/Guiné Bissau. Tem como objetivo principal a educação formal na região de Empada,
sul de Guiné Bissau/África. É um país com baixo nível de IDH (Índice de Desenvolvimento
Humano) de 0,420, sendo classificado em 178º, dentro do ranking de 188 países
(http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/rankings/idh-global.html).
Visa criar condições para o desenvolvimento daquela região africana, por meio da
educação e sem vinculação religiosa, sendo o principal critério de escolha as questões
socioeconômicas das famílias. Dentre as ações desenvolvidas são oferecidas bolsas de estudo,
material escolar e alimentação no período letivo que compreende entre outubro e junho. No
período de férias são oferecidas colônias de férias como forma de acesso às atividades
esportivas e culturais, numa região carente de recursos estruturais, conforme Figura 26.
166
Figura 26
Mapa de Guiné Bissau.
Fonte: Guia Geográfico Guiné Bissau (2017). Mapa político. Recuperado em 25 de novembro, 2017, de
http://www.africa-turismo.com/mapas/guine-bissau.htm
No ano de 2016, o projeto beneficiou 1224 crianças e adolescentes com investimento
em torno de R$ 110.000,00. Um fator importante introduzido a partir deste ano letivo foi a
alimentação, pois muitas crianças não tinham desempenho escolar adequado, pois vêm de
famílias carentes e sem os recursos necessários para itens básicos, como alimentação (Rede
IVG, 2017). Atualmente o projeto atende a Educação Infantil, no Jardim das Irmãs da
Consolata, a Educação Fundamental (1ª à 6ª série) nas escolas: Comunitária Katiobá,
Comunitária de Mui e Comunitária de Kudon. Já a educação do 7º ao 12º ano é oferecida no
Liceu Dom Settímo Arturo Ferrazeta. Para o desenvolvimento das atividades educacionais,
houve necessidade ao longo dos anos de reformas na infraestrutura predial, compra de carteiras
escolares, alimentação, materiais escolares, além de subsídio financeiro para pagamento de
professores. Em virtude dos níveis de pobreza, um mesmo beneficiário pode receber mais de
um benefício, ou ser partilhado pela mesma família (Rede IVG, 2017).
5.4 TRAJETÓRIA DO EMPREENDIMENTO SOCIAL
Devido às particularidades do empreendimento, a motivação para sua criação foi a partir
de movimentos sociais, na década de 1980. A intenção empreendedora inicialmente não foi
formalmente declarada, pois o movimento de luta por condições de vida digna para as pessoas
167
que moraram nas proximidades dos empreendimentos continua até os dias de hoje. O papel do
empreendedor social, por meio seu papel foi de fundamental importância na gestão dos
empreendimentos. Sua motivação e sua participação contribuem para a manutenção das
atividades, como foi pensando no início da criação dos primeiros empreendimentos.
Francisco, o empreendedor social, fala que sua formação sempre esteve voltada para as
questões sociais, “desde casa, desde o primário, do secundário, desde todas as minhas leituras
sempre foram voltadas para a área social.” Ele tem um papel importante na região da Grande
Florianópolis, pois além de morar na periferia da cidade, ainda convive diariamente com os
desafios das regiões pobres de um país em desenvolvimento. Ele ressalta como empreendedor
pioneiro, que a atuação dos empreendimentos tem como foco a “articulação, é articular um
pouco toda essa realidade de trabalho em Rede, e das Redes em território, tanto no território
das Comunidades empobrecidas, como no território da cidade.” Seu trabalho é pautado em
documentos normativos da Igreja Católica, primeiramente o documento do Medellín
(Colômbia, 1968), que na época era o olhar dos bispos latino-americanos para a realidade latino-
americana e caribenha. Depois a Igreja Católica institui o documento de Puebla (México, 1979),
que trata especificamente sobre as questões dos empobrecidos na mesma região. A seguir, o
foco também se desloca para as questões da juventude, que trata o documento de Santo
Domingo (República Dominicana, 1992) e Aparecida (Brasil, 2007), que tratam “dos
mecanismos do sistema capitalista na América Latina [...] e com identidade cultural, [...] muito
guiado pelo olhar conjuntural da igreja latino-americana [...] teologia latino-americana, a
teologia da libertação, esse é o plano de fundo.” Gabriela, também uma empreendedora pioneira
ressalta que seu trabalho “só pensava em fazer o bem, [...] eu tava assim disposta a ajudar,
ajudar alguém naquela época no começo, nós atendíamos as famílias, nós visitava as famílias,
tinha grupos de reflexão.”
Um dos participantes do empreendimento, Conrado afirma que os empreendimentos
sociais foram criados a partir dos movimentos sociais, pois “o Estado está cada vez mais
minguando a sua participação”, neste sentido, a importância e participação do Estado em
funções de apoio, “as pessoas que vivem nas periferias das grandes cidades [...] as necessidades
das famílias vão crescendo”, e “eles vão criando corpo e as pessoas vão se envolvendo.”
Percebe-se que no Brasil, nem sempre as demandas sociais são atendidas pelas ações do Estado,
principalmente no que se refere a saúde e educação. Ao longo dos anos e com advento da crise
financeira que enfrenta o Estado brasileiro, muito do que poderia ser oferecido foi prejudicado,
então as pessoas enfrentam a escassez dos serviços oferecidos em áreas básicas e buscam lutar
168
por seus direitos das mais diversas formas. Cristina, moradora do morro, afirma que já
participou de muitas manifestações para as reivindicações de direitos, “a Prefeitura mais ali no
Centro, até de se jogar e ficar deitada lá na frente da Catedral (de Florianópolis).” Afirma ainda
que “a gente luta [...] tudo que a gente tem aqui, a gente luta, a gente foi lá bater latinha, panela
na frente daquela prefeitura lá”.
Numa crítica às políticas públicas implantadas no Brasil nos últimos anos, Francisco
afirma que os movimentos sociais esperavam mais, e que o Estado “fez pouco, [...] acho que o
Estado criou consumidores e pouco exercício de cidadania [...] é uma população empobrecida,
mas qual o nível de consciência política que essa população tem?” Por meio das ações dos
empreendimentos, Heitor afirma que é possível fazer com que “as pessoas vão se empoderando
e o grupo se empodera por essas somas, e as pessoas reconstroem a sua história pessoal, isso é
o que eu acho legal.” Entretanto, para ocorrer este processo de empoderamento defendido por
Heitor, torna-se necessário que entidades como a Rede IVG, contribuam para a melhoria das
condições de vida desta população, e que o Estado faça seu papel de gestor das necessidades da
sociedade. Tales, morador de comunidade afirma que ainda há estigmas ligados aos problemas
sociais, econômicos e ambientais, num distanciamento entre a periferia e as cidades, e que por
vezes são tolhidos dos seus direitos enquanto cidadão, e ressalta que “os abismos que se formam
entre a cidade e o gueto”, pois os moradores na comunidade não se sentem acolhidos e nem
representados como moradores da cidade.
Gabriela ressalta que sua intenção com o empreendimento era “salvar as crianças [...] a
gente sarava o sarampo numa semana [...] no final de semana a gente entregava bem as
crianças.” A situação na comunidade na década de 1980, não tinha estrutura de saneamento
básico, e doenças infectocontagiosas afetavam a população, “era pulga, era sarna, era piolho,
era feridas, sarampo [...] doenças que se pegam na sujeira”, mas Gabriela mantinha-se firme em
seu propósito, como ressalta “então era uma meta [...] e não consigo ainda dizer eu não estou
mais cuidando das crianças [...] como vou abandonar essa criançada toda[...] e a gente não
abandonou mesmo porque a gente tem muitas coisas positivas.”
Conrado, considerado morador da cidade, argumenta que muitas barreiras são criadas
entre os habitantes da periferia e os cidadãos mais abastados da cidade, afirma que “quem passa
pela Mauro Ramos, não conhece aquela verdade que está ali e é uma verdade que afeta essa
realidade aqui”. A partir desta afirmação, é possível compreender que as cidades, especialmente
onde atua a Rede IVG, estabelecem parâmetros com base em padrões que não necessariamente
se referam àquela realidade, tornando necessário que os habitantes desta cidade “se cruzem, se
169
vejam, se olhem, se interessem mutuamente”, como ele afirma. Heitor, também morador da
cidade, corrobora com Conrado quando afirma que “um dos problemas que as regiões de
periferia enfrentam no Brasil é o processo sistemático de corte de direitos, pela falta de verbas
a serem destinadas a área social.” Argumenta ainda que estes empreendimentos, como Rede
IVG, “tem papel reivindicatório das populações desfavorecidas, de forma que tenha garantido
o atendimento mínimo de suas necessidades pelo Estado, que para eles é o provedor.”
Conrado ressalta que a gestão da Rede IVG está alicerçada na “caridade, compaixão, e
no carisma, [...] toda a atividade que executados tem que estar alicerçada nesses princípios.”
Ainda afirma que o trabalho desenvolvido pela equipe não apenas “a mente, a razão mais o
coração das pessoas estejam encharcadas dessa verdade [...] a gente tem que ser mais carisma
e menos gestão, outros momentos mais gestão e menos carisma, [...] é um jogo no dia a dia, são
funções mutuamente dependentes.” Ainda neste sentido, Conrado afirma que Francisco “tenta
juntar as pontas, então o trabalho no fundo [...] juntar as pontas, esse problema não é só da
polícia, não é só do governo, esse problema é nosso, pô!”.
Um problema referente à questão urbana brasileira é em relação ao empobrecimento das
populações, a migração por melhores oportunidades de vida, tem contribuído para situações de
inchamento das grandes cidades. A região da Grande Florianópolis atrai muitas pessoas de
diversas partes do país, e o desafio é integrar estas pessoas, que por razões econômicas, são
marginalizados ou excluídos por morar na periferia. Um dos desafios relacionados à intenção
empreendedora é em relação aos problemas sociais enfrentados nessa região. Cristiano,
colaborador da Rede IVG, também ressalta que “Francisco é um sonhador [...] ele quer salvar
o mundo, acho bonito até da parte dele, porque alguém precisa sonhar.” Na manifestação de
sua intenção empreendedora, como gestor de uma rede de empreendimentos sociais, Francisco
ressalta que “para mim todo dia é um dia, o importante é que a gente viva bem cada dia e assuma
tudo aquilo que é possível ser assumido naquele dia, com os olhos abertos enfrentando essa
realidade”, no sentido de transformá-la, de maneira que os beneficiários da Rede possam ter
outra perspectiva de vida. O empreendedor tem um olhar crítico a respeito da realidade que
vive, e afirma que existem tantas coisas a fazer “como que a gente pode fugir dessa realidade
[...] acho que o fato de compreender que a vida passa por um processo extremamente prazeroso
[...] acho que a gente lida com fadiga e prazer direto.” Para o desenvolvimento do trabalho na
Rede, Bruno, colaborador da Rede IVG, afirma que o empreendedor Francisco “tem uma vida
ilibada [...] transparente, é uma das características dele como líder [...] saber delegar [...] a
pessoa acaba descobrindo forças e capacidades que ela nem sabia, então isso incentiva muito.”
170
Cristiano ainda argumenta sobre a capilaridade que a Rede IVG tem na Grande
Florianópolis, porque “parece que a gente consegue reunir as pessoas pra discutir algo que é
útil, então me parece que o IVG por algum motivo tá em vários lugares, é um negócio
impressionante, tu vai num lugar tu fala.” O trabalho desenvolvido pela Rede IVG tem tal
importância nesta comunidade, que Cristiano afirma “somos um ponto de referência”, e este é
o principal indicador quando as pessoas têm algum tipo de problema, o IVG ainda é um ponto
de apoio, sejam problemas com a reivindicação de direitos, ameaças contra a vida, reintegração
social, ou outra forma de resgate necessária.
Francisco é reconhecidamente referência na Grande Florianópolis, e encara sua missão
com tal afinco e determinação que afirma “enquanto no mundo houver alguém destituído de
direito, a minha vida te sentido [...] eu me vejo no outro [...] eu me coloco no lugar dele também
[...] essa é a mística que a gente tem, enquanto Mística Cristã.” Ele ainda afirma que “o caminho
é esse [...] pessoalmente esse olhar de assumir esse grito da vida do outro [...] nós somos capazes
de ouvir o grito de Deus e não ser surdo ao grito de Deus.” Cristiano diz que “consegue ao
mesmo tempo estar lá no morro com uma família que não tem nada, [...] os mais ricos aí da
Grande Florianópolis, também que por algum motivo se relacionam com ele.” O trabalho em
conjunto e articulado por meio dos diversos sujeitos que participam da Rede IVG contribui para
atender a intenção empreendedora. Sua história teve início nos movimentos sociais e
reivindicatórios de direitos, e ao longo do tempo esta intenção empreendedora foi se expandindo
na Grande Florianópolis. Atualmente possui uma rede articulada e ainda luta pela população
empobrecida e pobre da periferia. Há que se ressaltar, que o foco dos empreendedores sociais
brasileiros é o presente, ou seja, mudar a realidade enquanto ela acontece, por meio da
perspectiva de uma nova realidade, na transformação da realidade, seja pela cultura local ou na
reinvidicação dos direitos dos marginalizados ou excluídos socialmente. O processo da intenção
empreendedora encontra-se na Figura 27.
171
Figura 27
Intenção Empreendedora da Rede IVG.
Fonte: Dados da Pesquisa (2017).
A Rede IVG, por meio dos seus empreendedores, na busca da consolidação da intenção
empreendedora, tem como apoio em fatores internos que contribuem para a consolidação dos
empreendimentos. Dentre os fatores, pode-se destacar os fatores internos, como os
componentes estratégicos.
Sua missão e visão têm como norteadoras a garantia e a defesa dos direitos de pessoas
vulneráveis, garantindo assim o cumprimento do art. 5º da Constituição Brasileira (1988), que
fala da igualdade de todos perante a lei, partindo deste princípio constitucional, o IVG tem
como missão a prestação de serviços de assessoramento, defesa e garantia de direitos, como
norteia a sua intenção empreendedora (Estatuto IVG, art. 2º). No que se refere a sua visão, tem
como propor políticas públicas que garantam estes direitos, junto aos órgãos e entidades que
trabalham em comunidade de periferia na Grande Florianópolis. E os valores norteadores,
baseados em documentos da Igreja Católica, destacam-se: cuidado com a vida, desconstrução
e ressignificação das relações centro/periferia, atuação a partir das margens, prestação de conta
e transparência na gestão e nos recursos, valorização do capital social e controle social (Estatuto
IVG, art. 3º). Outro documento norteador das ações do IVG é a Lei 8.069, de 13 de julho de
1990, também conhecido como o Estatuto da Criança e do Adolescente. No seu artigo 3º que
fala a respeito dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, com o Estado responsável
por sua proteção integral.
A partir da soma de esforços dos sete empreendimentos que hoje compõem a Rede IVG,
tornou-se necessária a mudança estratégica de gestão, sendo criada a partir um Sistema de
Governança Corporativa, com o objetivo de profissionalização da estrutura, atender os
requisitos legais e disseminar entre os gestores responsabilidades inerentes às necessidades dos
novos formatos dos empreendimentos. Apesar da preocupação com os componentes
172
estratégicos, a Rede IVG tem uma sensibilidade quando o assunto é a continuidade na gestão
dos empreendimentos, pois a partir das novas configurações de gestão, Francisco ressalta
“continuidade do empreendimento além da figura dos empreendedores criadores.” Francisco
ressalta que com a mudança do seu papel na gestão dos empreendimentos, ainda como
presidente da Rede IVG, porém as atividades como assinatura de cheques, prestação de contas
foram substituídas, para atividades mais estratégicas como a discussão e o planejamento dos
empreendimentos, reivindicações de direitos junto aos órgãos representativos nas esferas de
governo.
Para Conrado, o conceito de Governança “é o que acaba dando sustentabilidade e
perenidade para as organizações”, sua preocupação também é que “por meio da transparência
das ações possa ingressar mais recursos, para que possam ser atendidas mais pessoas.” A
profissionalização da gestão é um dos principais fatores relatados por Conrado, pois a partir daí
“será possível a sistematização dos processos entre os empreendimentos, bem como adequar-
se à legislação brasileira voltada para organizações sociais.”
Conrado ainda afirma que o conceito de Governança não pode ser verticalizado, acredita
que por ser uma rede de organizações sociais, é necessário que “haja uma construção, um
entendimento da importância disso, que é um movimento que acaba nascendo de uma
estratégia.” Ressalta que atualmente a Rede criou um modelo, e dividem a estrutura de uma
governança central, e “acabou trazendo para um ambiente mais institucional [...] nós criamos
um ambiente de estratégia e um ambiente de gestão.” O modelo de Governança ainda não está
consolidado, como afirma Conrado, “porque ainda estamos trabalhando nisso [...] tá vendo se
vai funcionar, a gente tá fazendo uma experiência.” Cristiano ainda afirma que no que se refere
à Governança “tem uma outra questão também, que mais estratégica [...] a governança é um
trabalho de seis anos.” Aurora também afirma que “o Instituto, é uma organização que tá
consolidada, eu acho que ele não tem problema que ele vai permanecer por muito tempo, e a
ideia justamente que ele permaneça inclusive com a ausência de Francisco.”
Dentro do Sistema de Governança do Instituto, há o Conselho Deliberativo, órgão
máximo da sociedade formalmente constituída, composto pelos presidentes dos sete
empreendimentos da Rede, que atualmente tem em torno de 20 pessoas, mais dois conselheiros
independentes. Para Conrado, estes conselheiros contribuem na medida em que tem “uma visão
de fora, de como é que se vê a organização [...] pessoas que têm networking e expertise.” Ainda
dentro da estrutura do IVG, tem a diretoria executiva, que operacionaliza as questões decididas
pelas organizações que integram a Rede. Esta diretoria é composta por um CEO (Chief
173
Executive Office), que é exercida por Francisco, e mais quatro diretores, divididos em: diretor
administrativo, financeiro, pedagógico e institucional, que engloba planejamento e controle.
Esta diretoria tem a responsabilidade de “dar vazão [...] razão às estratégias propostas pelo
Conselho.” O planejamento foi organizado de forma que “possamos ter objetivo, ela tem que
saber por que ela existe [...] ela tem que existir por uma causa.” Ainda afirma que a Rede precisa
ter “perenidade [...] as pessoas passam, mas as organizações ficam, hoje nós estamos aqui
conversando e amanhã outras pessoas estarão no nosso lugar.”
Aurora corrobora com Conrado e afirma que a Rede tem um propósito de continuar a
existir por meio de mecanismo de governança, “tem que ter uma estratégia bem definida, pra
que a gente consiga permanecer mesmo na ausência dele”, neste caso é Francisco, o
empreendedor e motivador da Rede IVG. Conrado ainda afirma que “toda e qualquer
organização seja ela de que tamanho for, da esfera pública ou privada, organização social [...]
ela tem que ter um objetivo [...] uma empresa não pode simplesmente existir pra ter lucro, ela
tem que existir por uma causa”, para que mesmo sem a presença do empreendedor, os
empreendimentos por meio da Rede possam continuar sua missão. Estela concorda com
Conrado quanto à necessidade da formação da Rede, quando diz “Francisco era presidente de
todas as [...] era presidente do Centro Cultural, da ACAM, do CEDEP... a Rede nasceu.”
Dentro da história da Rede, os empreendimentos foram nascendo a partir das
necessidades das comunidades vulneráveis, “não tem uma hierarquia”, como afirma Estela. Ao
constituir a Rede IVG, se teve como finalidade precípua o apoio estratégico, financeiro e de
recursos aos sete empreendimentos, entretanto quando surge algum problema numa das
organizações, a diretoria executiva auxilia no processo de reestruturação estratégica, política e
financeira, como ocorreu no CCEA. No ano de 2016, o CCEA passou por problemas de gestão,
mas como “desenvolve um trabalho lindo, mas em certo momento, a forma como foi conduzida,
não soube lidar com a conjuntura econômica e política [...] daí o IVG teve que intervir, a gente
conseguiu dar a volta por cima e ter uma série de conquistas dentro disso.”
A nova configuração da Rede IVG trouxe aspectos positivos em relação a sua
participação como organização atuante no 3º setor da região da Grande Florianópolis, como
confirma Aurora “que por conta da formação do Instituto, a estrutura auxiliou na captação de
grandes projetos [...] a gente consegue através da estrutura do Instituto, marcar uma reunião
com o governador pra falar sobre o tal projeto.” Sem esta configuração, as organizações perdem
oportunidades e ainda salienta que “antes era muito mais difícil, porque era fragmentado, hoje
não [...] é uma estrutura maior quando a gente vai, a gente vai com um número maior a gente
174
vai com uma força maior.” Sofia ainda afirma que a constituição de uma rede, “em tese [...] é
uma ideia fantástica [...] você pode compartilhar alguns recursos de gestão, custos financeiros
inclusive de pessoas, de redes de voluntariado, de doadores, que podem ser mobilizados e assim
potencializar os recursos existentes.”
Dentro desta nova perspectiva, a Rede IVG realmente se tornou uma rede, onde as
organizações sociais envolvidas são beneficiadas por uma estrutura de apoio, que até então não
tinham, um comprometimento maior das lideranças em explorar as potencialidades de cada um
dos empreendimentos, bem como as experiências podem ser compartilhadas como forma de
aprendizado para uma gestão mais próxima das necessidades das comunidades, “unidos nós
somos fortes”, afirma Conrado. Cristiano faz uma comparação sobre o IVG, como “se fosse
uma rede de pesca, que no momento que você se abala, ele te segura”, e a concepção de rede
também pode ser feita com uma analogia de Francisco, onde fala “que movimento social é como
uma maré, vai e volta”, fazendo com que as organizações não percam suas referências de origem
nos movimentos sociais, e quando necessário se reorganizem de forma a contribuir com o
desenvolvimento das outras da Rede IVG. Conrado afirma ainda que hoje a Rede IVG
“funciona como uma holding social [...] em torno dele tem sete organizações não
governamentais, cada organização atua de forma independente com seus estatutos, com as suas
características e peculiaridades.”. A concepção de rede, proposta pelo IVG encontra-se na
Figura 28.
175
Figura 28
Rede IVG e as organizações sociais.
Fonte: Dados da Pesquisa (2017).
As organizações sociais contribuem para a articulação estratégica das políticas públicas,
por meio da participação em Conselhos e Fóruns, Conselho de Assistência, Conselho da
Criança, da Habitação, População em Situação de Rua. Bruno diz que “a gente tem o
reconhecimento de todos na discussão de uma política pública de interesse coletivo [...] a gente
participa na cidade [...] para ajudar a fazer a política pública.” Francisco afirma que os
movimentos sociais contribuíram para um desdobramento, uma divisão de políticas públicas,
num olhar da importância de construir mecanismos de controles de gestão pública, além de nos
ter dado uma visão de cidade.”
A Rede IVG atua em regiões da Grande Florianópolis consideradas carentes e
vulneráveis socialmente, nas periferias, com apoio em políticas públicas nas regiões onde está
instalada. Seu trabalho é apoiado por políticas públicas, principalmente ligadas as áreas de
educação, saúde e segurança. Para se ter credibilidade em regiões como esta, é fundamental o
176
cumprimento da legislação, bem como a transparência das ações, com objetivo de dar
credibilidade a que se propõe os empreendimentos. Pelos pressupostos do Marco regulatório,
Lei 13.109/2014, Conrado afirma que “a cobrança está cada vez maior em relação aos órgãos
de controle”, além disso, afirma que “a própria sociedade, comunidade está mais crítica, as
redes sociais, e a gente precisa estar estruturado exatamente para isso”. Pelas atividades
desenvolvidas pela Rede IVG, “o CCEA foi a primeira organização que teve um convênio com
o Estado dentro da lei”, afirma Cristiano.
No papel das organizações sociais, Bruno defende que as políticas públicas deveriam
ser “dos interesses da população e não da cabeça de um gestor público, e de amarras que ele faz
na época de campanha para poder se eleger. Francisco corrobora com este pensamento quando
afirma que “cada vez mais nós possamos pensar políticas públicas orçamentadas e estatais e
não de governo [...] a política pública nasce das demandas deste público, senão, o resto não
acontece.”
Ainda sob a ótica de Francisco, colocar em prática políticas públicas que atendam quem
realmente precisa é um desafio, pois “depende de quem são os atores do poder público.” No
Brasil, o poder econômico ainda tem prevalência na defesa de interesses, e argumenta que “se
tem um gestor público, vai com mais facilidade, mas se você tem um gestor público aliado aos
grandes grupos econômicos, tem dificuldade”, ressalta Francisco.
Uma crítica por parte de Bruno em relação às políticas públicas brasileiras é de que “o
problema é que como o estado não faz investimento na área social, mas as ONGs (Organizações
não Governamentais) acabam assumindo muitas funções que o Estado deveria assumir.” Ele
enumera algumas razões que levam o governo a contratar organizações sociais: “primeiro o
governo investe porque ele é obrigado [...] o custo de contratar servidores públicos é alto, além
do que o nível de entrega (dos servidores) é muito baixo.” Dentre as vantagens do trabalho das
das organizações sociais pode-se destacar o conhecimento das comunidades em que trabalham.
Brubi ainda destaca que “o valor cobrado por elas é muito mais baixo que se os governos
investissem numa estrutura para o atendimento destas necessidades”, salienta ainda que “os
projetos sociais contribuem de forma positiva em situações de violência entre jovens, impacto
na gravidez na adolescência, resgate de pessoas cooptadas pelo tráfico de drogas, entretanto
ainda não conseguimos mensurar quanto.”
Os financiamentos das atividades das organizações sociais estão passando por um
momento de escassez devido a mais uma crise financeira que atinge o Brasil, e questiona “como
uma ONG se sustenta através de editais pontuais? Através de parcerias com empresas ou do
177
financiamento do Estado, seja ele por ‘n’ incentivos”, afirma Bruno. Entretanto, apesar dos
editais, muitas vezes os repasses ficam comprometidos ao longo da execução, “tu fechas
parcerias, você executa, planeja, desenha o plano de trabalho, começa a executar, o problema é
quando fura o plano de trabalho, o Estado combinou te repassar 12 parcelas, na 3ª parcela, para
de repassar o recurso.” Muitas consequências ocorrem a partir desta interrupção “você manda
os jovens para casa? Não tenho dinheiro, logo não posso atender, dou férias coletivas aos
funcionários?”, que pelo nível de comprometimentos com as comunidades “uma ONG como a
nossa jamais vai fazer isso”, afirma Bruno. Este problema tem acontecido de forma sistemática
na região de atuação da Rede IVG, “vários meses de atraso e levam a um estouro de caixa das
entidades e um problema gigantesco”, e ainda ressalta que apesar de tudo, “estamos
conseguindo passar por esses momentos.”
Depois da atuação do IVG na sua comunidade, Silvia, moradora e líder comunitária,
destaca que “sem a atuação do IVG com essa pobreza de políticas públicas que as nossas
comunidades convivem”, a situação seria muito pior, pois ao longo dos anos há uma tendência
de perda em relação às políticas públicas em comunidades consideradas vulneráveis
socialmente, seja pela falta de recursos, ou ainda pelo desinteresse dos gestores públicos. Se
não for realizado um trabalho com seriedade, muitos dos jovens brasileiros continuarão
marginalizados ou excluídos dos espaços sociais, pois o Estado não tem uma política pública
eficiente e não atende as necessidades desta população vulnerável.
Uma parceria desenvolvida pela Rede IVG e a Prefeitura Municipal de Florianópolis,
responsável por implantação e operacionalização de políticas públicas voltadas para a Educação
Infantil e Fundamental (com idades entre cinco e 14 anos), e que constam no Plano Municipal
de Educação e no Plano Nacional de Educação do Ministério da Educação do Brasil,
proporciona a ampliação no atendimento integral nas instituições com quem tem parceria. A
gestora Zanira afirma que “os recursos provenientes do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(Fundeb), e um pouco de recursos próprios, do Programa Nacional de Alimentação”, que
contribuem para a manutenção da proposta de escola em tempo integral com jornada ampliada,
“as crianças estão, até porque a política de educação integral ela disse sete horas de atendimento,
no caso das instituições parceiras nós temos oito a nove horas de atendimento”, onde em um
turno a criança ou adolescente frequenta a escola próxima de sua casa e de caráter formal, e no
outro turno a criança participa de programas de atividades para o seu desenvolvimento,
enquanto “participante de uma comunidade.” Na sua definição, esta política pública está voltada
178
a pensar no “sujeito na sua integralidade, no desenvolvimento das múltiplas dimensões
humanas, pensando que a criança e o adolescente que está conosco não é só a cabeça, mas ela
também ela é corpo, ela é sentimento, então pensar.” Ressalta que o objetivo não é a criança ou
adolescente permanecer no espaço dos parceiros, como se fossem um depósito, mas sim como
espaços de acolhimento e desenvolvimento integral destes sujeitos, “se elas não estivessem lá
realmente essas crianças não teriam essa oportunidade de ter um direito seu assegurado”, afirma
Zanira.
Para que o empreendimento tenha assegurado o convênio, é necessário que seja
elaborado o plano de trabalho, oferecidos espaços adequados para a realização das atividades.
Entretanto ela ainda ressalta que um dos problemas é que “esta política pública não atende
adolescentes maiores que 14 anos, e crianças com deficiência, é um desafio que precisa ser
pensado.” Heitor, gestor governamental, afirma que instituições como esta têm impacto nas
localidades onde estão, pois “muitos ignoram que têm uma realidade no dia de hoje que precisa
ser socorrida.” Afirma que em lugares como este, de grandes carências, “precisa trocar o pneu
com o carro andando.” Os problemas são tão emergentes e urgentes, que muitas vezes
estabelecer planejamento do tipo “curto, de médio e longo prazo” não é o suficiente, afirma
Heitor, pois há a necessidade de ações mais imediatas e assistenciais como “casa de passagem,
local para receber adolescentes, dar comida para as populações de rua, acabam tendo caráter
emergencial [...] mas naquele momento atenua o sofrimento das pessoas.” Argumenta que “os
papéis das organizações sociais nestas comunidades contribuem para a implantação de
estratégias do poder público [...] em lugares onde há dificuldade de acesso a serviços ligados às
áreas básicas do Estado.” Pode-se verificar a desarticulação das políticas publicas no contexto
brasileiro, seja pela falta de interesse do poder publico em sua efetiva implantação, ou ainda
pelo trabalho pontual e ssem continuidade de organizamos de apoio, sendo necessário a
sensibilização para esta necessidade nos empreendimentos sociais.
Nos discursos dos sujeitos, foi possível verificar que a disponibilização de recursos
combinados com as políticas públicas, consegue promover a integração de diversos atores para
que possam manter o maior período e possibilitar realmente a inclusão, como mostra a Figura
29 abaixo.
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Figura 29
Processo de Gestão da Política Pública.
Fonte: Dados da Pesquisa (2017).
A estrutura e os recursos disponibilizados pelos empreendimentos da Rede IVG nas
comunidades, transcendem ao físico, porque muitas relações são construídas a partir da
participação dos beneficiários nos empreendimentos. Para atender estes objetivos, é de grande
importância o desenvolvimento e aprimoramento dos processos do Instituto, com ênfase ao
processo de trabalho destacando-se a importância da estrutura, dos recursos, das ferramentas,
das pessoas para que a organização atinja seus objetivos. A necessidade da profissionalização
da organização social foi defendida por Conrado, pois como eles são responsáveis pelo
encaminhamento de muitas crianças, adolescentes e jovens, pode-se perceber que a
responsabilidade do Instituto vai além de dar uma formação, mas também uma perspectiva de
vida para os atendidos, tendo como objetivo maior a formação de cidadãos. Atualmente a Rede
tem em torno de 5000 beneficiários, “temos uma responsabilidade muito grande, não dá mais
para ser um amador naquilo que a gente faz.” Afirma ainda que toda a estrutura que a Rede
“tem à disposição pessoas, recursos, erros humanos, materiais, financeiro, vai aumentando a
importância e a responsabilidade também aumenta.” Dentro da estrutura ainda afirma que “a
gente precisa coordenar tudo isso de maneira que não acabe se perdendo, porque hoje os
desafios são muito grandes.”
Devida a forma peculiar de crescimento da Rede, primeiro foram criados os
empreendimentos, para posteriormente a criação do Instituto. Cristiano ressalta que “a gente
180
ainda não se acertou, o que é o IVG tanto que a gente fala sete ONGs mais o IVG, é uma ONG,
também são oito ONGs e o IVG, ele é mais filho do que pai”, porque foi criado a partir das
necessidades dos empreendimentos, como ponto de convergência entre os empreendimentos.
Aurora, participante da Diretoria do Instituto, ressalta que o Instituto está caminhando, “ele tem
uma estrutura organizacional [...] muito bem definida, a gente vem construindo, [...] o relatório
social em 2011, [...] ferramentas de transparência de comunicação com os parceiros, [...] de
institucionalizar a instituição.” Para apoiar as atividades desenvolvidas pela Rede IVG,
Francisco tem uma articulação positiva nos diversos níveis sociais, o que faz com que diversos
tipos de recursos sejam disponibilizados para a Rede, seja por meio de parcerias, voluntários,
trocas, permutas e muitas outras formas de se obter acesso a recursos. Heitor afirma que quando
Francisco participa de algum evento e tem a oportunidade de falar da Rede IVG, “não deixa de
ser uma forma de atuação e ação que acaba direcionando, que se não é um holofote, é uma
lanterna para as questões da cidade que são importantes, e que podem desembarcar em projetos
que juntam os interesses dos dois.”
A ideia de Francisco ao formar este grupo por meio desta estrutura de apoio é com o
objetivo de que surjam novas lideranças nas comunidades, dispostos a gerenciar os
empreendimentos e que mantenham a estrutura até então organizada, como forma de apoio
contínuo nas comunidades. Tales, morador da uma comunidade, afirma que a partir do
momento em que a Rede IVG assumiu a escola que estava para ser fechada pelo Governo do
Estado, e sendo tomada pelo narcotráfico, muita coisa mudou, “mas eu vejo que muita coisa
ainda está em processo de mudança.” Afirma que a comunidade ainda não tem consciência da
importância da estrutura que tem a sua disposição, nem dos recursos que podem ser gerados a
partir dela, pois “ela foi muito acostumada principalmente nós aqui dessa região a projetos,
sempre tinha projeto aqui, ONGs trabalhando, então acho que a comunidade se acostumou um
pouco em receber, em ganhar as coisas, em ter direito.”
Estela relata que pelo nível de carência da comunidade, no primeiro ano de instalação,
foram fornecidos “mochila, cadernos, agenda [...] eles perderam tudo [...] as crianças nem
tomavam banho para vir para a escola, dava sinal, eles só vinham, porque a escola não tinha
sentido.” Depois de montada toda a estrutura e com o apoio dos Irmãos Maristas/PUC-PR,
Francisco e da Rede IVG, Estela relata que a mudança de cultura da comunidade reflete hoje
nos alunos, “a criança chegando antes do horário, banho tomado, o pai comprou uma mochila,
não precisou dar, ele sabe o que é uma agenda, eles usam agenda”, mostrando o
empoderamentos tanto dos beneficiários, como das familas e da própria comunidade. Cada
181
conquista é comemorada pelos integrantes dos empreendimentos, este especificamente, Estela
ressalta com ar de felicidade a fala de Francisco, “dá um orgulho né Estela! é a escola presente
no território, a escola fazendo movimento, então é essa coisa bonita.” Ressalta que é nestes
pequenos detalhes que a Comunidade necessita aprender, não pela questão de dinheiro, mas
também pelo envolvimento na manutenção dos recursos e da estrutura disponibilizada.
Considera que os recursos disponibilizados são excelentes, “como uma escola em nível
particular, tem sala informatizada [...] sala de criação com lousa digital [...], tem tablet, tem
notebook, biblioteca, todos os recursos que se precisa para uma escola.” Estela corrobora com
a fala de Tales, quando confirma que a escola em que trabalham é filantrópica, e que ela está
instalada em “locais onde o estado não está, onde o município não está.” Afirma que a opção
dos Irmãos Maristas é instalar toda uma estrutura em comunidades “enquanto a escola for
necessária”, e quando não for mais necessário, quando a Comunidade compreendeu que é
protagonista da sua história, “e que a gente venceu todos os desafios aqui, a gente entrega
novamente pro Estado ou pro Município, e vai pra outro local que precisa recomeçar isso [...]
então eles assumem outros compromissos em comunidades mais vulneráveis.”Neste sentido, é
importante ressaltar que as ações da Rede IVG extrapolam o meio, pois as famílias, os
educandos, professores, até a mesmo a própria comunidade valorizam suas ações e percebem o
valor gerado para os beneficiários diretos e indiretos.
Bruno destaca que na Rede IVG “sempre envolve uma escassez de recurso gigantesca
[...] não é só dinheiro, pessoas, tempo, equipamentos, muitas vezes tinha uma ideia brilhante,
mais não tinha dinheiro, não tinha onde executar e com quem fazer.” Um fator que motiva
Bruno e sua equipe é quando estava à frente de um desafio, “se com nada de recurso a gente
conseguia fazer um monte de coisa, imagina o dia que tivesse recurso de fato.” O desafio na
maioria das vezes em organizações sociais é captação de recursos para a montagem de estrutura
adequada para desenvolver as atividades, “nosso último desafio agora é escrever um projeto
pra poder ter algumas salas que não tem projetor, pra poder fechar todas as salas aqui do prédio
salas de aula e de formação em geral, cada uma ter individualmente seu projetor sua tela”.
Uma das estruturas da Rede IVG, onde atualmente o CCEA tem sua sede é o antigo
prédio do Instituto Médico Legal de Florianópolis, que por meio de uma concessão, o IVG pode
utilizá-lo por 25 anos, mas ressalta que “só empresta o prédio, o resto a gente paga tudo, água,
luz [...] mas só emprestar o prédio já tá bom [...], mas tem que cuidar um pouco, você começa
pedir [...] acaba virando uma espécie de clientelismo.” André, um ex-beneficiário, relata que
quando participou do empreendimento CEDEP, não percebia a dificuldade de recursos, mas
182
salienta que “talvez não tivesse uma quadra de esportes estruturada e tudo mais [...] eu não me
recordo de ter faltado nada [...] tinha material, estrutura, iluminação, internet, sempre teve o
essencial.” Bruno destaca que trabalhar em organizações sociais tem aspectos positivos, “achei
um ambiente muito propício para quem tinha novas ideias mais principalmente pra quem queria
executar essas ideias e sempre a nossa execução de ideias.” A facilidade em trabalhar em rede
contribui no sentido de partilhamento de recursos e alinhamento de necessidades, como fala
Cristiano “semana que vem a gente vai participar de um encontro do ICOM sobre o novo Marco
Regulatório, agora você tem um ordenamento jurídico.”
Além do compartilhamento de conhecimento entre os empreendimentos, é possível
também compartilhar as rotinas, fazendo um “alinhamento dentro das questões financeiras
administrativas, terem a mesma rotina dentro da captação, comunicação, da secretaria, do
pedagógico, né que acho que é uma linha importante.” É possível para uma criança entrar aos
dois anos na Rede, podendo ficar até o Ensino Superior que terá condições de fazê-lo, como
destaca Francisco. Bruno afirma ainda que “os recursos são escassos e o desafio é gigantesco
[...] tu tem que trabalhar de uma maneira muito eficiente, tem que ter pessoas muito boas, tem
que pagar no mínimo o mesmo valor que o mercado paga por esses profissionais.”
Gabriela afirma que quando resolveram criar uma estrutura “recurso nunca tinha”. Para
construir a sede que realizam as atividades da ACAM no Morro do Mocotó, fizeram uma
parceria com a antiga Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente
(FUNABEM), “nós queríamos a casa, fiz um rabisco em cima de uma folha de caderno, e eles
levaram isso e não demorou muito e já veio a resposta”, mas afirma que “sempre tava por trás.”
Para o desenvolvimento das atividades, Aurora ressalta que “questão de relacionamento com
doadores, com parceiros, com empresas parceiras, [...] essa articulação entre às organizações
[...] tem a parte de comunicação então rede sociais, sites e comunicações de maneira geral,
assessoria de imprensa tudo isso é comigo.”
Gabriela ainda ressalta que foi bem difícil no começo, depois de conseguirem o terreno,
“a casa foi construída com quatro paredes [...] tinha também o último, antes do telhado era uma
laje, mas não tinha nada dentro.” Para a montagem da estrutura, ela ressalta que teve muita
dificuldade, pois ter sede numa comunidade pobre, muitas coisas eram doadas, ou compradas
a partir de venda de artesanato, como relata “as cadeiras nós ganhamos [...] aqueles armarinhos
que tinha coisa pra pendurar roupa, e outro cheio de gavetinha [...] quando a gente tinha um
pouquinho de dinheiro, já comprava um armário [...] uma vez eu comprei [...] tudo que cabia
dentro.” Iara que é beneficiária da Rede IVG, afirma que “a estrutura [...] na ACAM [...] boa
183
estrutura, [...] dar mais carinho pros beneficiários, alunos e os professores, também eram os
melhores professores, tinham paciência pra dar aula pra gente.” Fala que seu momento preferido
na ACAM era na hora do café e do almoço “porque tudo era muito gostoso, era um pão com
presunto e queijo e nescau, na minha casa não tinha isso então isso a gente gostava bastante.”
Como estratégia para atrair os jovens, o CCEA trabalha com “atendimento dos jovens
aqui no prédio, inserção no mundo de trabalho e também por meio de práticas esportivas, o
Central sempre trabalhou práticas esportivas como chamariz né, a não quer estudar, mas vai
surfar e a partir do surf [...] tem rapel.” Para desenvolver as atividades e garantir a participação
dos jovens em programas da Rede, Cristiano ressalta que “a gente vai lá, vai lá buscar, vai com
o ônibus lá” nas comunidades para que o adolescente ou jovem atendido tenha estrutura para
fazer as atividades.
Zanira destaca que os empreendimentos “têm essa oportunidade com esse recurso de
contratar esses diferentes atores [...] maior são as opções e as possibilidades para cada criança
e adolescente, e as duas têm esse trabalho muito bem estruturado, muito bem desenvolvido." O
empreendimento tem uma estrutura adequada para o atendimento que se propõe, como afirma
“este cuidado existe muito, todos eles têm aquele recheaud, [...] eles servem, o que tem de
alimento é o que tem de melhor [...] e este cuidado, esta atenção de que, isto é importante.”
Ressalta que o trabalho desenvolvido pelos empreendimentos nestas comunidades, “faz a
diferença [...] essas crianças conseguem ter seus direitos assegurados, [...] é o único
equipamento social que aquelas famílias acabam indo lá.”
Para atender aos objetivos a Rede IVG conta com uma complexa organização. As
entidades são independentes e cada empreendimento tem organização própria, tanto no
gerenciamento dos seus recursos como da equipe de trabalho. Atualmente, o papel de Francisco
tem migrado de gestor operacional, para um papel mais estratégico e de articulação, como
ressalta Estela, “ele começou como presidente do IVG [...] foi formando as diretorias [...] ele
saiu do operacional que ele era muito operacional [...] e agora no Instituto ele pensa
estrategicamente ele pensa articulando”, a gestão dos empreendimentos e da Rede como um
todo. Seu papel foi migrando ao longo do tempo em virtude das novas realidades que os
empreendimentos assumiram, transformando o papel do empreendedor. Aurora ressalta ainda
que no papel desenvolvido pelas lideranças do IVG, “tem conselho de presidentes, que são
representantes de todas as instituições [...] pra pensar na gestão, na nossa estratégia [...] mais a
gente tem pessoas que pensam sobre o financeiro, por exemplo, sobre os convênios, sobre
capacitação de recursos.”
184
Cristiano salienta que apesar da estrutura que a Rede IVG possui, há a necessidade de
equipes multidisciplinares e com boa formação para auxiliar estes jovens a lidar com situações
de conflito nas comunidades, sejam elas por transgressão à lei, ou por conflitos internos. A
Rede por meio de seus empreendimentos, procuram assegurar os direitos dos cidadãos,
atenuando os conflitos sociais ans comunidades de periferia em que atuam. Conrado ainda
afirma que apesar da equipe ser preparada para o desenvolvimento de atividades, o papel do
voluntário para a Rede é preponderante, “eu tô nisso há seis anos e nós tínhamos 200
voluntários, agora são quase 400”, argumenta, o voluntário deve participar e “fazer o que sabe,
porque pra minha alma isso é um voluntariado.” A diversidade de voluntários na Rede é tão
grande e atrai profissionais de diversas áreas, “hoje nós temos voluntários juízes, médicos,
voluntários de organismos públicos, voluntários empresários, voluntário pedreiro, então existe
uma multidisciplinaridade de relações ali”, Conrado vislumbra que “se a gente consegue reunir
a inteligência, reunir as relações e fazer com que essas pessoas se apoiem no carisma eu acho
que a gente tem tudo pra fazer com que essa obra permaneça.”
O Centro de Voluntários (CV) é um instrumento importante de apoio a toda Rede IVG.
Em reuniões para sistematizar atividades, por meio de trabalhos em grupo, o CV pretende: fazer
a acolhida do voluntário, por meio de sensibilização das atividades já desenvolvidas na
organização, coordenação das atividades nos empreendimentos, mapeamento das necessidades
de ações de voluntariado, direcionamento das necessidades junto às organizações do IVG,
criação de mecanismo para cadastro de voluntários por meio de ferramentas, facilitando o
ingresso dos voluntários na Rede. Em agosto de 2017, a Rede IVG tinha em torno de 300
voluntários cadastrados e prontos para iniciar as atividades nos empreendimentos. Francisco
salienta que “o voluntariado do IVG necessita um caminhar junto, as competências somadas,
partilhadas, construídas e que traga felicidade.” Afirma ainda que o papel do voluntário é “não
dar meu tempo de sobra, é entrar numa causa que é a minha causa, e que a causa de cada um
integra e interage com o outro na busca de justiça social, paz e justiça são almas gêmeas.”
Os voluntários da Rede são profissionais das mais diversas áreas, moradores das
comunidades, voluntários dos empreendimentos, aposentados, profissionais liberais e
assalariados, colaboradores da Rede, e para muitos é a primeira experiência com o voluntariado,
mas apresentam motivação em participar da Rede IVG e fazer seu trabalho da melhor forma.
Os voluntários desempenham um papel fundamental nas atividades do Instituto, seja para dar
suporte em eventos, seja para ajudar no desenvolvimento de tarefas, seja para promover
atividades com os parceiros, “sempre a gente teve muita gente pra ajudar”, afirma Aurora. As
185
parcerias também têm papel fundamental para o Instituto, pois por meio delas eles conseguem
desenvolver atividades, como por exemplo, o transporte de crianças para os eventos que
promovem. Dentre os eventos que contam com a participação de voluntários, Aurora destaca
que “a Benefest funciona praticamente inteira com trabalho voluntário, a Massa Solidária
também, os eventos do João Paulo, isso ainda é muito maior se a gente conseguisse mensurar a
quantidade de pessoas que ajudam nos eventos mais pontuais e nas festas porque muita gente
faz.” Aurora argumenta ainda a “necessidade de estruturar o programa de voluntariado pra que
a gente tenha real noção do que nosso RH voluntário.”
A Rede IVG, por meio de projetos e parcerias contribui com empreendimentos em
diversos locais, mas o mais frutífero é o realizado em Guiné Bissau, país africano com altos
níveis de pobreza. A parceria é destacada por Melchior, onde são realizadas formações para os
professores, “são dá área pedagógica, porque lá não tem aquela reciclagem, é um pouco difícil
uma vez que o professor sai da carteira, escola de formação praticamente não recebe mais
nenhum outro tipo de aperfeiçoamento”, destaca ainda que muitas vezes a única formação que
o professor tem é quando estava na faculdade ou em processo de formação e que muitas
necessidades só são percebidas em sala de aula em contato com os alunos, “veem pouco a
pedagogia educacional, como o professor se relacionar com o aluno nas salas de aula, isso tudo
é uma prática que os nossos lá tem pouco [...] pouca prática”, além disso, numa missão que
ocorreu naquele país, um juiz brasileiro contribuiu para “estabelecer uma relação com os juízes
de lá por causa da defensoria do direito da criança, então isso já é uma boa coisa
Conrado afirma que “700 pessoas trabalham diretamente” nos sete empreendimentos,
“fora aqueles mais pontuais”, que trabalham em atividades com o intuito de arrecadar dinheiro
em festas e eventos que ocorrem em toda a Rede IVG. Percebe-se que apesar da cultura
individualista, “há pessoas cada vez mais tentando se envolver.” O mesmo participante ainda
afirma que pelas características que possui a Rede, os funcionários das organizações, “mais de
70% tem curso superior, nós temos graduados, pós-graduados, mestrando, mestres,
doutorandos, doutores”, isto faz com que “uma massa trabalhadora de muita qualidade, não é
qualquer empresa que tem hoje 70% de seu quadro de funcionários (com esta qualificação)
exceto uma universidade.”
O maior desafio que Cristiano tem é “entender que nesse mundo por mais que a gente
tenha dificuldades tem um monte de gente disposta a te ajudar, então acho que isso é uma das
coisas mais importantes que eu aprendi”, lembra com saudosismo de uma antiga gestora que
afirmava “isso aqui não é uma repartição pública, se tocar o telefone atendam e tentem resolver
186
[...] se chegar alguém aqui, parem tudo que vocês tiverem fazendo e atendam a pessoa da melhor
forma possível.” Aurora afirma que seu aprendizado na Rede IVG é norteado pela perspectiva
de “não importa se só atendo jovens, se chega uma pessoa que tem necessidades, eu vou atender
também, independente do perfil que ela seja.” Zanira corrobora quando fala sobre o retorno
para as comunidades quando existem atividades relacionadas ao que o Instituto promove “é
muito bom, [...] tanto para a educação quanto para a comunidade [...] as duas instituições têm
um corpo técnico muito qualificado.” Bruno salienta que aprendeu muito com os parceiros e
voluntários, pela dinamicidade do trabalho, ressalta que “todo dia aqui a gente aprende um
monte de coisa legal, tive oportunidades excelentes.” Seu papel não se restringe a captação de
recursos, mas também “de apresentar projetos, defender situações junto aos grandes
empresários, junto aos altos escalões do governo ao Judiciário”, represetando os interesses dos
cidadãos desfavorecidos junto a outras instâncias. Acredita que o desenvolvimento de
competências contribui para a formação profissional, “eu acho que sinto que eu pude crescer
bastante [...] pude desenvolver várias competências que precisavam ser desenvolvidas,
consegui avançar, eu tenho uma relação boa assim com este trabalho.” completa Bruno.
Cristiano salienta também que o papel dos profissionais que trabalham na Rede muitas vezes
transcende o seu papel, pois “independente da dificuldade de trabalhar numa ONG, de saber se
você vai receber e não saber se vai ser contratado, não saber se alguém faz alguma coisa errada,
então um monte de pessoas que acreditam naquilo, que sobrevivem daquilo e que tão aí pra te
ajudar.”
A escolha para compor o grupo profissional da Rede é por meio de processos seletivos,
com descrição do perfil necessário para a ocupação da vaga, e aberto tanto para o público
interno quanto externo. Devido à necessidade de profissionalização de toda a Rede IVG, muitos
processos são feitos por meio de parcerias com empresas de recrutamento. Um processo seletivo
relatado por Bruno para a contratação do gestor para o CCEA, “pra vaga de gestor aqui a gente
teve mais de 400 escritos [...] o processo seletivo contratei um novo gestor e devolvi a
instituição com uma nova cara, uma nova estratégia.” Ele destaca ainda que no momento da
contratação de um profissional,” não importa se ele gosta de ONGs, não importa nada se ele é
do partido A, B ou C, se é da religião A, B ou C, qual a opção sexual dele isso não importa, o
que importa é tu ter profissionais que tenham princípios e valores alinhados a instituição.” Outro
fator importante considerado no momento da contratação é que “tenha competência técnica pra
executar aquela função, se possível cada função teria que ser ocupada pela melhor pessoa da
Grande Florianópolis.”
187
A Rede IVG por si só já tem visibilidade “isso é um movimento interessante, porque
hoje você recebe muita ligação de pessoas ou visita de quem não conhece o Francisco, mas que
conhece o IVG”, afirma Cristiano. A Rede já tomou proporção tal que “já não é o projeto do
Francisco, acho que hoje é menos, ele é a principal liderança, é o principal captador, mas hoje
vejo que a gente se relaciona com muitas pessoas que não conhecem ele”, acrescenta o gestor.
Sua preocupação maior é fazer com que o Instituto tenha recursos e que de forma gradual, não
dependa tanto do Estado. Cristiano ressalta que, o orçamento destinado para a manutenção dos
empreendimentos e projetos gira em torno de 18 milhões ao ano, sendo que metade deste valor
é proveniente da filantropia, e a outra metade vem de recursos públicos e doações. Francisco
ressalta que “a gente sempre desde o início trabalhou muito com as parcerias, com outros
grupos, rediscutindo, fazendo projeto, então sempre trabalhamos buscando formas de captação
de recursos”, salienta ainda que “trabalhamos muito com captação de recursos a vida inteira”,
para garantir a continuidade dos trabalhos afirma que “trabalha com recursos em três níveis,
nós trabalhamos com recursos públicos, recursos privados e de organizações religiosas e
recursos de pessoas que também fisicamente, fazem doações para esse processo.” Conrado
quando fala sobre a origem dos recursos, destaca que “nós temos pessoas físicas [...] a questão
do dinheiro sempre foi uma coisa muito problemática [...] a falta de dinheiro não é privilégio
de uma organização.” Para a manutenção das atividades dos empreendimentos, os recursos
oriundos de diversas fontes são importantes, pois permite assegurar a defesa de interesses dos
beneficiários atendidos, por meio da garantia a direitos básicos como a educação, por exemplo.
Quando da criação da Rede IVG, por volta de 2011, o Estatuto estabelecia a necessidade
da criação de um fundo, segundo Cristiano “isso era a meta”, que por meio dos relacionamentos
de Francisco, “eram cotas de 100 e 200 mil reais”, juntamente com uma voluntária e liderança
chave para a criação do IVG. Cristiano relata que pelo Estatuto “não podemos usar o principal
(do fundo), essa é nossa estratégia de venda, tenho 200 mil não vou usar garanto pra você que
não vou e vou tentar sobreviver da renda desse fundo né, então essa tem sido um pouco a política
de viver da rentabilidade desse fundo e de doações de pessoas físicas e jurídicas.” Este fundo
foi criado com doações de forma e pode ser questionado por todas as organizações. Para ter
acesso a este fundo, cada empreendimento deve enumerar quais são as suas dificuldades, o
Instituto envia a um funcionário do IVG para fazer os ajustes necessários nas contas do
empreendimento solicitante. A partir do saneamento das finanças do empreendimento, os
gestores, corroborado por Conrado, afirmam que “com relação à questão do equilíbrio
financeiro [...] a gente tem que fazer as coisas com dinheiro, não é porque é uma organização
188
social.” A partir da criação do fundo, seu montante principal não pode ser utilizado, somente
os rendimentos das aplicações geradas por este recurso podem ser utilizados para atividades no
Instituto.
Na captação de recursos, Cristiano ressalta que Francisco “consegue ao mesmo tempo
em que tá lá no morro com uma família que não tem nada, tá com a pessoa sei lá, os mais ricos
aí da grande Florianópolis, também que por algum motivo se relacionam com ele.” Conrado
faz um detalhamento em relação à receita da Rede IVG, “temos hoje mais da metade do dinheiro
que vem pra essa Instituição é dinheiro público, então a gente precisa prestar conta desse
dinheiro público, não porque é público que não precisa prestar conta, e a gente vive da
credibilidade”, mas ressalta que na gestão financeira dos empreendimentos” a gente precisa
equilibrar as nossas contas, não precisa sobrar dinheiro, mas também não tem que faltar, nós
precisamos pagar salários, nós precisamos pagar todos os insumos.” Pela própria natureza dos
empreendimentos da Rede IVG, a destinação de dinheiro publico contribui para a manutenção
dos mesmos, e a prestação de contas contribui para a continuidade das parcerias, bem como a
credibilidade das ações desenvolvidas.
Ainda no que se refere à captação, cada empreendimento por meio de sua estrutura,
busca recursos para o atendimento das suas necessidades, seja por meio de festas, doações,
convênios ou parcerias. De uma maneira geral, os recursos da Rede IVG “usa outro modelo [...]
são fontes variáveis que se complementa”, afirma Conrado. Francisco demonstrou uma
articulação muito grande na cidade, fazendo com que muitas doações sejam realizadas para o
Instituto. Bruno ressalta que o importante para a Rede é que as fontes de recursos “se
complementam [...] quanto mais diversificado for uma organização melhor, a organização que
depende só de uma fonte o risco de ela fechar a qualquer hora dessas é gigantesco.”
Bruno informa que o trabalho desenvolvido por toda Rede tem uma relevância
significativa, pois “o que a gente faz não é caridade, não é filantropia, não é assistencialismo o
que a gente faz é um trabalho muito inteligente com custo benefício excelente pra quem tá
financiando nosso trabalho.” Ainda afirma que “a gente faz coisas muito legais com muito
pouco dinheiro e quase nada de estrutura, imagina a escala que o Estado tem capacidade de
investimento a capilaridade de atingir poderia resolver muito dos problemas replicando as
nossas ações ou até de outras ONGs.”
Ele acredita que “tem que cuidar um pouco, você começa pedi, pedi, pedi muito, você
acaba virando uma espécie de clientelismo.” Cristiano ainda afirma que uma das maiores
dificuldades para a prestação de contas de projetos e financiamentos é a comprovação destas
189
junto aos órgãos governamentais, “comprovar a inserção dos jovens foi uma coisa difícil tinha
que comprovar, e comprovar é cópia da carteira de trabalho.” Ele salienta ainda que “dentro de
um conceito de transparência, de accountability, o teto é de vidro, Francisco fala muito isso, se
tiver qualquer problema dentro de uma organização provavelmente vai recair sobre ele, e vai
recair sobre as outras ONGs.”
Bruno afirma que o maior compromisso da Rede é pela ótica do beneficiário, “em
primeiro lugar eu tenho que fazer o melhor possível, (porque) eu tenho uma responsabilidade
com quem eu tô atendendo” é o que ele chama de “responsividade, fazer o melhor possível sobe
a ótica do beneficiário”, ressalta ainda que “respeitando o que os órgãos de controle [...] não
com quem tá me financiando ou quem tá me fiscalizando.”
Um dos desafios dos empreendimentos é a escassez de recursos pondera Bruno, “não é
só dinheiro, pessoas, tempo, equipamentos, muitas vezes tinha uma ideia brilhante, mas não
tinha dinheiro não tinha aonde executar e com quem fazer.” Aurora afirma que “no ano passado
foi o ano [...] mais difícil que nós tivemos, mas isso começou em 2016, finalzinho de 2015, foi
o pior ano e esse ano que as coisas começaram, mas a gente ainda enfrenta problemas.” A
questão da alimentação é tão séria na Rede IVG e geralmente é um dos maiores valores a serem
destinados nos empreendimentos, e Cristiano ressalta que “ainda tem muito caso de criança que
é a única refeição”, esta é uma situação tão importante nos empreendimentos, que os
funcionários começaram a observar que “você viu que a criança não almoça, depois viu que a
criança não janta”, daí a preocupação em oferecer alimentação de qualidade. No ano de 2016
foram servidas em torno de 850 mil refeições, divididas entre café da manhã, lanches, almoços
e jantares nos empreendimentos da Rede.
Estela ainda enumera as diversas campanhas de arrecadação da Rede IVG, “Centro
Cultural [...] tem as festas juninas, Vamos Fazer o Bem [...] vem quase 40 a 50 mil de lucro pro
Centro Cultural, a Massa Solidária, os Bingos Solidários, a Ação entre Amigos, o Chocotone
Solidário no final de ano.” Salienta que há outras fontes de recursos, que são vinculadas a “renda
de pessoas físicas que doam [...] de receitas que vêm de multas, de doações [...] o IVG já tem
um caixa fixo de doadores desde o início e pra ajudar nessas ONGs que não tem recurso.”
Outras campanhas pontuais são realizadas pela Rede IVG com o objetivo de arrecadação de
fundos como “o Troco Solidário da Havan que recentemente deu 30 e poucos mil, o Vamos
Fazer o Bem que foi uma festa de uma cerimonialista deu 50 mil, tem alguns doadores também
pontuais”, relata Cristiano.
190
Um projeto que mantém uma ligação direta com a Rede IVG, é o projeto na Vila de
Empada, em Guiné Bissau, firmado em 2013. Ele tem como objetivo o desenvolvimento de
atividades naquele país, tendo como o principal foco a educação. O projeto é financiado por
meio de padrinhos e doações. Melchior, gestor do projeto no país africano, afirma que “por
meio de cadastro no Instituto, então tudo que entra, a partir de uma conta própria do Banco do
Brasil”, aqui no Brasil. Afirma ainda que “a parceria, o compromisso não é definitivo que eu
posso dizer ou por toda a vida, temos crises econômicas por todo lado hoje, eu posso ser
padrinho hoje e amanhã não ter a possibilidade de ajudar.” O envio de dinheiro ocorre pelas
vias legais entre os dois países, e com parceria e apoio de organizações religiosas no Brasil e
em Guiné Bissau. Cada criança do projeto é adotada por um padrinho brasileiro e Melchior
afirma que “são 300 reais por ano, talvez para as pessoas daqui 300 reais, é muito pouco, mas
para nós [...] conseguimos manter uma criança durante um ano letivo.” Dentre as inovações que
o projeto trouxe a Comunidade, Melchior destaca que foi “a cantina escolar que não tinha, não
é somente nessa escola, na Guiné-Bissau, praticamente não se pode falar das cantinas [...] é a
primeira e a única que eu sei até hoje na Guiné-Bissau.” Devido às condições de pobreza em
Guiné Bissau muitas crianças vinham para escola sem se alimentar, “a partir do ano passado
começou a funcionar e 828 alunos incluindo os professores, cada um tem um lanche que é meio
pão mais um copo de suco, todos os dias de segunda à sexta.” Atualmente Melchior ressalta
que “temos mais ou menos 1300 alunos, que são mantidos pelo projeto, são apoiados a partir
daqui do Brasil.”
Apesar dos empreendimentos possuírem a sua receita própria, seja por meio de eventos
ou pela doação de apoiadores, muito da captação ainda está centrada na figura de Francisco.
Sofia como participante da Rede IVG, salienta que o “recurso financeiro é meio, ele não é fim,
ainda mais nessas organizações, e ele é um meio importante de que confere certa autonomia,
confere também perspectiva de conseguir trabalhar no médio prazo, longo.” Como conhecedora
da realidade da Rede, ela afirma que é importante a organização no levantamento de recursos,
para que os projetos sejam operacionalizados, pois não podem “ficar tão refém de quando faltar
o recurso, ter certa estabilidade financeira.” Isto é reforçado por Bruno, Conrado e Estela e
afirmando que o recurso financeiro “é o meio necessário que deve ser cuidado pelas
organizações de uma forma inteligente, de uma forma estratégica, [...] quando busca uma
doação [...] até para apagar incêndios [...] necessidades emergenciais.”
Sofia ressalta também que “a gente também precisa ter recursos para pagar as pessoas,
eles também se preocupam com isso [...] dar uma boa condição de trabalho para os seus
191
colaboradores, e garantir que os salários não atrasem.” Num processo de preocupação com as
organizações sociais, ela afirma ainda que “o próprio Estado deveria garantir esta estabilidade,
não garante, muitas vezes atrasa repasses, então é muito injusto, muito desigual essa relação.”
É possível perceber que apesar da preocupação com o dinheiro para a sustentação dos
empreendimentos, o desenvolvimento de atividades com as crianças é a prioridade de toda a
Rede IVG. A Rede IVG tem sua estrutura apresentada na Figura 30.
Figura 30
Evolução da Gestão dos recursos da Rede IVG.
Fonte: Dados da Pesquisa (2017).
A Rede IVG possui uma rede importante para colocar em prática seus componentes
estratégicos, por meio do seu regimento, marco regulatório, legislação de apoio do governo
municipal, estadual e federal. Aqui também como o empreendimento espanhol, a participação
dos stakeholders é importante para o atingimento dos objetivos estratégicos, bem como na
manutenção dos empreendimentos, que são desenvolvidos por meio da Diretoria Executiva do
IVG, pelo gestor local dos empreendimentos, permitindo assim atender um número cada vez
maior de beneficiários e pessoas vulneráveis, em situação de risco na periferia da Grande
Florianópolis
Os stakeholders da Rede IVG são compostos por um grande número de parceiros, mas
também podem ser desenvolvidos por familiares, gestores, colaboradores, voluntários,
parceiros, familiares/comunidade, governo, entre outros. As atividades desenvolvidas estão
192
voltadas principalmente para a inclusão de crianças, adolescentes e jovens de forma plena nos
espaços sociais. Conrado afirma que a Rede IVG possui a perspectiva com “relação às partes
interessadas [...] nós precisamos das respostas das partes interessadas, os pais das crianças, dos
jovens, os próprios jovens, o governo, as empresas que nos financiam.”
O primeiro grupo de stakeholders definido na Rede são os Gestores. Francisco afirma
que no início dos empreendimentos “a gente iniciou com boas ideias, talvez as boas ideias sejam
fundamentais no processo de construção de caminho coletivo [...] a capacidade de mobilização
em cima de ideias concretas, que nasçam das demandas e a partir disso se constrói processos.”
Já Gabriela diz que “a casa é aberta para todos, não tem distinção, para todas as crianças que
vêm que são do Morro [...] gostam muito daqui [...] é o único trabalho de resistência no Morro,
não tem outro trabalho assim.” O papel destes empreendedores, mesmo que no início teve
motivação da Igreja Católica, hoje a participação estã bastante diversificada, envolvendo desde
empresários, funcionários públicos, trabalahdores da iniciativa privada, ex-beneficiários,
contribuindo para o desenvolvimento do trabalho e fazendo a diferença na Comunidade.
Estela afirma que “numa mudança (do regime) estadual para privado (parceria), [...] o
Governo está largando, o que é uma obrigação, e o privado está avançando, eu sempre penso,
seu Marista não pegasse, teria fechado.” Ainda afirma que pelo trabalho desenvolvido no
empreendimento, ela lembra que “já veio todos aqui, governador, prefeito, secretários, outros
prefeitos, pessoal fora [...] a ministra da educação dos Estados Unidos.” È importante que uma
estrutura como esta esteja nesta comunidade, pois contribui para mudanças sociais, tanto nas
famílias como no seu perfil.
Existe também o grupo de stakeholder, chamado de Colaboradores, como ressalta
Bruno, que destaca a participação do IVG nas comunidades, “é que tem em nível territorial
local tem bastante inserção, reconhecimento, a comunidade participa [...] tem criança que tá lá,
a mãe já passou por lá [...] avós já passaram por lá, isso cria um vínculo com a família
gigantesco.” Cristiano fala da importância dos parceiros para a manutenção dos
empreendimentos, “um negócio bonito de ver, a opção do Estado de não recolher o imposto e
deixar que o Marista assuma é a melhor escolha, porque o Marista podia simplesmente pagar
imposto e falar: pago meus impostos tá tudo certo.” O envolvimento de cada vez mais atores
para apoiar a Rede é importante sob a ótica dos colaboradores, pois contribui para a manutenção
dos empreendimentos e garante um mínimo de qualidade para uma população considerada
vulnerável. Bruno destaca que “como é possível resolver uma série de problemas de interesse
193
público [...] através da atuação em rede, através da atuação envolvendo realmente os
stakeholders, mas que eles façam alguma coisa de fato.”
Outro grupo de stakeholders da Rede IVG são os Parceiros. As parcerias neste caso
podem ser de duas formas: a primeira o IVG como apoiador de projetos com aderência aos seus
princípios organizacionais, e a outra perspectiva, ser apoiado por instituições que tenham
competências para aprimorar sua atividade e atender aos seus princípios organizacionais. Na
primeira perspectiva, O IVG apoia projetos em outros territórios com problemas semelhantes
aos enfrentados na Grande Florianópolis, como é o caso da Vila de Empada em Guiné Bissau.
Quando Melchior foi desafiado para a elaboração de um projeto pelos gestores do IVG, ele
ainda não tinha ideia da proporção que iria tomar. Após a aprovação e lançamento, ele relata
que “fomos para lançar o projeto em Brusque, eu e Francisco, [...] nesse encontro, com alguns
empresários de Brusque”, e para sua surpresa “hoje conseguimos (manter) as crianças durante
o ano letivo.” Ressalta que as crianças e adolescentes da sua localidade na África, “muitos já
descobriram o valor desse projeto, agradecem, mandam cartas [...] e entreguei aqui no Instituto,
descobriram que conseguiram talvez inesperadamente algo que vai ficar para toda vida.” Na
outra perspectiva, Sofia ressalta que a Rede IVG consegue fazer uma “conexão entre os meios
e os fins [...] percebo que eles convocam muito os voluntários, os apoiadores, os próprios
colaboradores, a se engajar, [...] você quer melhorar o mundo, então está aqui vamos fazer algo,
tem uma possibilidade concreta.” Afirma ainda que a principal diferença do IVG por meio de
Francisco “é saber dialogar, e promover a articulação entre os diferentes”, oferecendo condições
para que possam ter um futuro melhor. A aproximação entre a Academia e o IVG, como afirma
Sofia é “envolver os alunos da graduação em algumas ações junto ao IVG [...] na capacitação
de jovens, e mostrar para os jovens que estão em formação no Centro Cultural que a
Universidade é uma possibilidade para eles.” Visando assegurar as atividades dos
empreendimentos, o papel de articulador desempenhado por Francisco é de vital importância
para a Rede IVG, pois além de buscar recursos, ele também desempenha o papel de articulador
de uma rede de valores para a sociedade, consolidando a importância dos empreendimentos
sociais.
O grupo de stakeholders dos Beneficiários também faz parte da Rede. Este grupo é
composto por jovens que já participaram da Rede IVG, e que ainda são beneficiários de alguma
forma, ou desempenham outro papel importante para os empreendimentos. André já participou
dos empreendimentos da Rede IVG, e afirma que “alguém ter acreditado que com o vestibular
eu conseguiria prestar para fotografia, ter entendido que eu era capaz de fazer alguma coisa e
194
me motivado para eu seguir outros caminhos.” Outra beneficiária chamada Helena afirma que
“O IVG em si ele é um campo de oportunidades [...] eles incentivam com projetos, cursos [...]
e isso aí pra mim hoje é muito importante [...] E o conhecimento que eu adquiri vai ser pra vida
toda.” Antônia, beneficiária da Rede IVG, também concorda com Helena, “é uma grande
oportunidade [...] pra mim abriu muitas oportunidades e principalmente pros meus filhos [...] o
meu filho toca guitarra, violão através dessa oficina de música.” Beatriz outra beneficiária
também concorda com Helena e Antônia, “nossa é importante [...] tô aproveitando e depois que
entrei aqui nossa abriu bastante minha cabeça, meus pensamentos são totalmente diferentes,
mas corretos, pensando mais alto, pensando num futuro melhor.” Iara fala que mora “numa
comunidade num dos bolsões de pobreza da capital de Florianópolis, que fica no Centro”, mas
apesar de tudo afirma que sempre quis “ter uma formação, porque quando era pequena eles
davam muito exemplo de duas pessoas da comunidade que se formaram, uma é médica e a outra
também é advogada, então aquilo me enchia assim o olho de luz.” Afirma ainda que “o IVG é
para mim é uma super referência assim de um trabalho continuado, assim mais de 30 anos dessa
história [...] eu entendo a liderança dele, a pessoa que ele é, toda a dedicação, coerência com
que ele conduz o seu trabalho.”
Existe também o grupo de stakeholders definido como “Família/Comunidade”, formado
por mães, pais, avós, tios e primos que contribuem para o desenvolvimento das atividades na
Rede IVG, por meio da participação do público alvo nas organizações sociais, além de
desempenhar papéis simultâneos tanto dentro, como fora dos empreendimentos. Iracema fala
que seu filho participa da ACAM, que faz parte da Rede desde pequeno “eu acho bom [...] eu
trabalho o dia todo, eles têm o reforço ali, tem dança, tem várias coisas, tem café, tem o almoço,
então como eu fico trabalhando o dia todo, não me preocupo nessa parte.” O suporte dado pelos
empreendimentos às famílias é de suma importância, pois muitas vezes é o suporte que as
famílias têm para seus filhos, como ainda fala “tem comida feita, ele sai da ACAM vem direto
pra casa tomar banho e tá pronto pra ir pra aula, daí fica mais lá dentro do que fora, aí ele não
vê as coisas que tem pra ver.” Em virtude da vulnerabilidade das comunidades onde estão os
empreendimentos, as famílias encontram nestes locais o amparo e suporte para seus filhos na
realização de atividades complementares e que não há necessidade de pagamentos, sem
comprometer o orçamento familiar. Silvia que mora na comunidade de Monte Serrat e também
exerce o papel de líder comunitária, afirma que “o IVG representa a vida da nossa Comunidade,
representa o socorro [...] encaminha na vida, a força e a coragem que Francisco tem de subi e
desce morro [...] eu sei que eu tô falando da minha, mas de todas as comunidades.” Isto é
195
ressaltado por Cristina quando fala que “eu vejo que a felicidade é quando as crianças os jovens
estão bem encaminhados, a escola é um exemplo disso a comunidade é assim, a gente luta.”
Cristina relata que “momentos felizes foi quando Francisco disse que vinte e poucos passaram
no vestibular, vinte jovens no vestibular [...] conseguiu tanto pra gente arrumar um parquinho
pras crianças, que a gente quer fazer esse lado integral da escola.” A Rede IVG por meio de
seus empreendimentos contribui para que as comunidades tenham suporte para a reivindicação
dos seus direitos, de forma que seja garantido o atendimento de suas necessidades, como saúde
e educação por exemplo.
A Rede IVG também tem o grupo de stakeholders Voluntários, que participam de
diversas formas nos empreendimentos, seja no Instituto por meio de apoio de suas
competências, doação ou ainda como parceiro nas diversas organizações. Conrado afirma que
o reconhecimento de todo o trabalho realizado como voluntário do IVG foi quando “a revista
Época lançou um prêmio da melhor ONG do Brasil e nós somos um dos finalistas [...] O IVG
nasceu de movimentos populares, na necessidade de integração de pessoas de baixa renda a um
melhor acesso à educação, e por consequência resgate da cidadania dessas famílias.” Por meio
do reconhecimento, é possível ver a representatividade que a Rede tem para toda a comunidade
onde está inserida, por meio da participação de pessoas de níveis sociais distintos, empresários,
simpatizantes com a causa, isto leva cada vez mais a credibilidade das ações de toda Rede como
forma de contribuir para uma cidade melhor de se viver. André ressalta que hoje é voluntário e
“eu só tenho gratidão à Rede IVG de, tanto que hoje eu escolhi a Rede, eu atendo alguns projetos
sociais, eu atendo boxe solidário, que ajuda duas ou três instituições, gera lucro com evento e
entrego para essas instituições.”
Outro grupo de stakeholders da Rede IVG é o Governo. Heitor diz que os
empreendimentos “impactam na minha área, que é a área de segurança pública, é algo que ainda
não foi medido.” Ressalta que estas ações voltadas para comunidades de periferia na Grande
Florianópolis, “são decisivas para mudar o perfil de uma comunidade [...] temos consciência de
que boa parte da criminalidade ligada a estas comunidades mais empobrecidas e violentas na
nossa cidade, e dá para extrapolar para a maioria das cidades do Brasil.” Zanira, gestora pública
que apoia projetos da Rede, afirma que estes espaços de acolhimento [...] podem propor outras
possibilidades para aquelas crianças e adolescentes, outras possibilidades de lidar com conflitos
[...] de aprender [...] então muitas vezes na escola elas não conseguem fazer isso, mas aqui elas
aprendem.” Este stakeholder contribui para que o Estado garanta pelo menos, a aplicação
adequada de recursos destinada a atender esta população, bem como a garantia de aplicação das
196
políticas públicas básicas, por meio da diminuição dos índices de violência, criar perspectiva
de vida para os moradores, bem como potencializar carreiras e caminhos para uma nova vida.
A Rede IVG tem cumprido seu papel junto às comunidades que atua, conseguiu por
meio dos empreendimentos mudarem a trajetória, dar esperanças e que mudanças podem
ocorrer, principalmente em novas perspectivas de vida. Os stakeholders da Rede IVG estão
dispostos na Figura 31.
Figura 31
Mapeamento dos Stakeholders da Associação APSA.
Fonte: Adaptado Freeman, R. E. (1984). Strategic management: a stakeholder approach. Boston, MA: Pitman.
Ainda na perspectiva dos fatores externos, os problemas estruturais que as comunidades
da Grande Florianópolis enfrentam não são diferentes da maioria das grandes cidades
brasileiras. Neste estudo ficou caracterizado que o narcotráfico está presente na maioria destas
comunidades, locais com concentração da população financeiramente pobre e carente de
serviços públicos, como saúde, educação e segurança. Este problema se agrava, muitas vezes,
pela falta de perspectiva em relação ao crescimento pessoal e profissional, e necessidade de
suportes mais efetivo no desenvolvimento de competências para enfrentar situações da vida
cotidiana, como emprego, habitação, escola, transporte público, entre outros. Heitor ressalta
que “a busca pelo crime é uma falta de alternativa, a gente acha que é uma escolha consciente,
197
conduzida por fatores que estas pessoas não dominam, mas é uma escolha, a falta de opções
acaba, pode tornar esta escolha a única escolha.”
Iara corrobora com Heitor quando afirma que o tráfico envolve “os próprios pais das
crianças, que tão traficando, mães também tão traficando, [...] muitas vezes pode ser que eu
tenha oportunidade e eles não tiveram oportunidade ou já entram nessa vida e não conseguem
mais sair dessa vida”, salienta que o dinheiro que provém do tráfico “é uma fonte de renda [...]
vem rápido e também vai muito rápido.” Silvia ressalta que o distanciamento entre as
comunidades e as forças policiais está em tal estágio que “antigamente [...] quando eu era
criança se acontecia um fato você chamava a polícia, agora nas comunidades chegamos numa
fase que você corre da polícia.” O nível de confiança nestas comunidades é tão baixo nas forças
policiais que ainda afirma “as crianças estão crescendo e não enxergam mais a polícia, o policial
como aquela pessoa que salva não, eles enxergam como um agressor.”
Francisco informa que o problema com o tráfico de drogas nas comunidades da Grande
Florianópolis está ligado ao processo de formação destes jovens, “esses rapazes não foram
jogados por um helicóptero dentro do Morro [...] foi se formando ao longo da história, falta
escola de qualidade, falta de oportunidade, falta de profissionalização”, e ainda afirma que estes
jovens são frutos do acúmulo de faltas do Estado, “eles são humanos, entender que eles são
filhos das nossas mães de Morro, que eles também são frutos de um contexto [...] histórico de
negação de direitos.” Heitor afirma que devido à geografia, principalmente da cidade de
Florianópolis ser muito parecida com a do Rio de Janeiro, o Maciço do Morro da Cruz, por
exemplo, que “fica bem no centro da cidade dos maiores mercados consumidores, Centro de
um lado, Beira-mar de outro, região universitária [...] no outro, morro da Costeira fazendo
conexão com o sul, acesso do aeroporto e ponte, com o acesso ao norte da ilha”, isto fez com
que esta região se tornasse ponto estratégico de distribuição de drogas e a realidade do tráfico
carioca fosse reproduzido na cidade. A convivência com o tráfico, salienta Iara, “é uma situação
bem delicada.” e a boca de fumo fica bem próxima da ACAM”, e isto a deixa apreensiva e
preocupada, pois “agora o tráfico subiu e ficou bem no meio do morro, então fica bem onde as
pessoas passam, as crianças passam e ali eles usam arma, a arma fica exposta, fumam”, ainda
ressalta que “a gente tenta dentro das escolas ensinar outras coisas pras crianças, só que o
problema também é em casa ou é a própria comunidade que não ajuda.”
Heitor afirma que a ampliação do tráfico de drogas, principalmente na região da Grande
Florianópolis, está ligada diretamente à “alteração na legislação de toda uma estratégia para
lidar com a questão das drogas ilegais, valorizando a redução de risco, despenalizando o
198
usuário, atenuando o estigma sobre os usuários e gerando liberalidade a respeito do tema.” Esta
alteração na legislação brasileira (Portaria n º 1028, de 1º de julho de 2005 do Ministério da
Saúde do Brasil) provocou por “expandir o mercado consumidor numa escala sem precedentes
em Florianópolis, e num crescimento gigantesco na rede de varejo para a distribuição de drogas
ilegais.” Salienta ainda que dentre os principais problemas enfrentados em relação à legislação,
é que ela criou uma sensação de impunidade em relação ao envolvimento com o tráfico, ele
ainda salienta que isto ficou conhecido no jargão policial como “dá nada”, ou seja, a cultura
que não dá nada”, acabou criando uma cultura de permivissidade e que por ser menor de idade,
ou por ser réu primário, nada vai acontecer, não haverá punição pelos seus atos, “dá nada.”
Gabriela corrobora com Heitor, que com o passar dos anos, a questão do tráfico de drogas se
intensificou na região “aumentou muito porque no começo quase não tinha, pouquíssimo, a
gente não via, era muito camuflado”, afirma que pela sua experiência na comunidade “nos
últimos anos aumentou muito [...] porque quanto mais a polícia prende, mais parece que vem,
consegue passar [...] eles tem um jeito de passar, é tudo camuflado, tudo com sigla.”
Esta é uma guerra sem vitoriosos ou vencedores, Heitor salienta que “perdi a conta de
quantos moleques a gente viu pequeno, a gente viu crescer, viu que ia dar problema, deu
problema, e acabou morto [...] nunca você conseguiu mostrar nessas comunidades a letalidade
da atividade.” Francisco por outro lado afirma que em seu trabalho há a intenção de resgate,
buscar estabelecer “uma relação de conversa, de bate-papo, de sensibilidade, e de aproximação,
e de não medo, e de desmistificação [...] uma relação de desmistificação com esse processo [...]
porque a gente não tem medo, de entrar, de trabalhar, de conversar, de atuar.” Tales afirma que
muito do que acontece é porque as “comunidades que são um pouco deixadas de lado assim
pelo poder público [...] é um território de guerra onde é o tráfico querendo ganhar, a escola
tentando o lugar dela, o poder público quando precisa de voto, então é um território sempre em
disputa.”
Uma dificuldade que impera nestas comunidades é o pacto de silêncio, Gabriela afirma
que por questões de segurança “ninguém vê, ninguém descobre e também ninguém pode
denunciar, se denunciar no outro dia eles sabem quem foi e daí eles acabam, ninguém se mete.”
Há uma espécie de silêncio generalizado, para que os moradores da comunidade não sofram
represália. Heitor ressalta que os meios de comunicação no Brasil têm papel importante na
disseminação e glamourização cultural do Morro, por meio da popularização desta “cultura de
Morro ligada ao funk [...] como toda a estética [...] estereótipo do crisp and blue [...] de Los
Angeles tal, importado com a gíria.” Iara afirma que a relação com o tráfico também é
199
influenciada pelo “status, eles querem é muito tênis de marca, é carrão, mas a casa tá caindo
aos pedaços, é um barraco caindo aos pedaços [...] mas tem carrão, tem as roupas de melhores
qualidades.” Ela ainda diz que “é muito fácil de tá entrando no crime, eu digo assim porque as
minhas amigas tiveram as mesmas oportunidades que eu [...] crescemos todos juntos [...] só que
alguns seguiram por outros caminhos.” Heitor ainda afirma que o trabalho desenvolvido pelas
forças de segurança e “pela quantidade de apreensões, o que a gente percebe é que o tráfico de
drogas tem um papel econômico fortíssimo nessas comunidades.” Salienta ainda que esta nova
forma de comércio “acabou afastando as polícias das comunidades e como os encontros
acabaram sendo mais conflituosos, a gente foi diminuindo a frequência da presença [...] para
evitar confronto, acaba entrando só quando dá problema”, no que ele chama de “para resolver
o problema, aquela eclosão e saindo, com isso a gente se afastou.”
Além dos morros de Florianópolis, o tráfico de drogas também é presente em outras
comunidades, Heitor afirma que este é um problema tão presente que se o “cara aqui lá na Vila
Aparecida, por exemplo, da parte de baixo não pode ir na parte de cima, e parte de cima não
pode ir na parte de baixo [...] se aparecer aqui, vai morrer”, este tipo de poder que o tráfico tem
nas comunidades contribui para o aumento da “autoridade do tráfico local [...] desse poder
paralelo, a capacidade de exercer o medo.” André afirma que na sua comunidade apesar de não
ser tão visível, mas “eu sei que é visível nos horários que eu chego dos eventos na madrugada
[...] não é tão visível, é, as pessoas comentam, as pessoas falam, se dá um tiroteio de vez em
quando, as pessoas do próprio bloco comentam.” Quando fala sobre as perspectivas de vida
para os trabalhadores do tráfico, Gabriela afirma que por sua experiência “eles querem ter
dinheiro e os pais não têm, então no tráfico eles começam no tráfico [...] nós temos uma porção
na cadeia dos nossos.”, fala com pesar de ex-alunos dos projetos da ACAM que hoje estão
presos por envolvimento no tráfico, mostrando que nem sempre a solução está nos projetos
sociais, pois eles tem uma limitação em sua ação frente aos problemas das Comunidades.
Heitor afirma que as comunidades enfrentam uma “situação que tá bastante drástica,
que é da guerra entre as facções, se não fosse isso estaria o índice de criminalidade que já vem
alguns anos muito parecidos assim.” Iara ressalta que um ponto importante na comunidade é a
falta de estrutura familiar das crianças e adolescentes, e seu próprio exemplo, “não tem a
presença do pai perto, meus pais são separados, muitas famílias também são assim, a mãe é
solteira que cria a criança desde pequena, e às vezes tem que ter uma estrutura familiar” para
que possa auxiliá-la nas escolhas, o que as torna vulneráveis. Numa visão capitalista e por meio
da repressão das forças policiais, Heitor afirma “que o tráfico transforma um risco em lucro [...]
200
você tenta prender tanto, pegar tanta droga, tira o dinheiro do cara, que chega uma hora que a
grama, talvez que a grama da cocaína custa R$ 10.000,00 reais para compensar o risco.”
Cristina acredita que o tráfico “já atraiu mais, hoje não [...] já mudou essa realidade, graças a
Deus.” Heitor conta que depois na morte de um dos maiores traficantes da cidade, fez com que
os morros se tornassem inimigos e “disputa por novos clientes e pontos de vendas mais
lucrativos, gerou uma onda de homicídios gigantesca, a qual a gente acabou nunca se
recuperando”. Ele ainda destaca que os níveis de homicídios na década de 80 e 90 “eram em
números absolutos entre 12 a 16 em Florianópolis”, depois desta nova configuração do tráfico
“deve fechar o ano em torno de 120 mais ou menos.” Para a mudança deste panorama social,
Francisco argumenta que a relação com a comunidade em que vive e que participa ativamente,
“a presença é um fator importante nos processos da vida de comunidade, o diálogo também,
dialogar é fundamental, [...] o diálogo é uma relação de sujeito a sujeito, [...] não perder o
diálogo com ninguém, por mais conflitivo que seja [...] acho que o diálogo não dá de se perder.”
Francisco ainda afirma que nesta relação de comunidade, que o narcotráfico faz parte, “gente é
nunca ter usufruído nada do narcotráfico, nem uma agulha”, e por fim salienta que “eles nos
conhecem, nós o conhecemos, eles sabem o que eu penso, ele sabe o que eu também penso
deles.”
Heitor afirma que estas ações de produção de capital social “são decisivas para mudar o
perfil de uma comunidade, na verdade as polícias já dizem isso há um bom par de décadas.”
Francisco salienta que para mudar o panorama e quebrar este círculo vicioso é a abertura de
processos de intervenção “dentro dos nossos territórios, uma outra alternativa a juventude [...]
o tino do trabalho ou uma peculiaridade do nosso trabalho é que quem entra com seis anos ele
pode chegar à Universidade e deslumbrar esse processo.” Beatriz ressalta que “se não fosse o
projeto, acredito que nem estariam aí, também porque o lado do tráfico [...] tem mais
oportunidade do que os próprios projetos que tem [...] tem que entrar bem na mente da pessoa
pra conseguir mudar os pensamentos [...] não consigo me ver sem esse projeto.” Tales conta
que na sua vida já “perdi alguns amigos tanto pro tráfico, tantos pra estão presos assim, mais
eu não sei o que me diferenciou deles,” ressalta que sua mãe sempre cobrou pelos estudos,
“depois no Ensino Médio comecei a me interessar [...] a profissão de professor, não é o que a
gente escolhe, parece que a gente é escolhido, pra isso eu sempre me interessei em ensinar as
pessoas.”
Silvia destaca que o tráfico na sua comunidade “não atrapalha, porque o filho do
traficante também frequenta a escola, o filho do traficante também frequenta o IVG, e o
201
traficante também quer o melhor pro filho dele”, e isto destaca o desafio e a dicotomia entre o
resgate de pessoas promovida pela Rede e o caminho sem volta que o tráfico muitas vezes
oferece. Esta aparência de que o trafico não atrapalha por vezes é uma ilusão dos moradores
que tentam vier pacificamente com este comércio ilegal, pois sua ameça é real no sentido de
trazer o estigma para a comunidade ligado ao tráfico, ser um lugar perigoso ou ate mesmo
promover o distanciamento entre a periferia e o centro da cidade. Esta a dicotimia entre quem
exclui e é excluído ainda é um problema a ser resolvido. Ela fala que a realidade é diferente,
“a escola é aberta a comunidade e a comunidade participa ativamente da escola, pra você ver a
mudança.” Ressalta também que aos longos dos anos o tráfico “diminuiu bastante [...] você não
vê mais ninguém, se tem é lá muito escondido, mas não ficam mais abertamente.” Por meio da
fala de Silvia, é possível perceber que aqui ocorre o limite da ação dos empreendimentos
sociais, pois eles não podem atender a tudo e a todos, e neste impasse, muitas vezes não
conseguem atender seu objetivo de inclusão, seja pela vontade ou não em participar pelos
moradores destas comunidades. Francisco ressalta que em virtude do trabalho desenvolvido
junto às comunidades, principalmente do Monte Serrat, “em 20 anos, foram dois assassinatos
[...] nas primeiras décadas tinha uma presença muito forte de assassinatos [...] acho que
investimento social é importante porque faz transformação social.” Bruno informa que o IVG
tem um a metodologia que faz uma transição que “apoia e ajuda a distensionar e amenizar toda
essa confusão que envolve o crime e o tráfico nas comunidades e tira muitos jovens dessa
situação de criminalidade [...] já ganhamos em 2013 o prêmio da CUFA (Central Única de
Favelas) como melhor projeto social de Santa Catarina.”
Há que se ressaltar que este fator externo ligado aos fatores ambientais, mostra o risco
que este tipo de contexto pode apresentar, pois muito além do risco econômico enfrentado pelos
empreendimentos sociais localizados nas periferias das cidades brasileiras, o risco social é de
extrema importância, e muitas vezes está além de seu alcance de resolução, tendo que conviver
com situações de enfrentamento e embates entre as forças policiais e as ações do próprio tráfico
das comunidades.
5.4.1 O Processo de Inclusão
A exclusão é um fator premente nas sociedades sejam elas desenvolvidas ou não, sejam
por problemas sociais, econômicos, políticos ou culturais. Muitos fatores contribuem para que
os indivíduos sejam marginalizados ou até excluídos do ambiente em que vivem, como
202
precárias condições de saúde, falta de acesso aos serviços de apoio a família, escolas precárias
em estrutura física e de pessoal, bem como condições adversas na comunidade que os rodeiam,
como a falta de saneamento básico. As populações empobrecidas brasileiras, especificamente
na região da Grande Florianópolis, sofrem com a falta de apoio no atendimento de necessidades
básicas, como educação, saúde e segurança, que acaba agravando este quadro.
O processo de inclusão ocorre quando os cidadãos têm seus direitos assegurados,
podendo usufruí-los plenamente. A Rede IVG por meio dos seus empreendimentos, busca
garantir a inclusão nas comunidades, visando o desenvolvimento das potencialidades dos seus
moradores como gestores de suas próprias vidas. O alcance de objetivos de vida é uma das
metas do IVG, para que cada um seja protagonista das suas escolhas, contribuindo e apoiando
para que os sujeitos possam sonhar, dando apoio e suporte no desenvolvimento de estudos
técnicos e superiores, ou em atividades que contribuam no crescimento pessoal e profissional
de forma a alcançar a independência comunitária, rompendo os ciclos de pobreza gerados por
políticas públicas deficitárias ou ainda por um estado ausente.
5.4.1.1 O discurso dos Gestores da Rede IVG
Os gestores da Rede IVG têm consciência do seu papel no desenvolvimento das
comunidades da região da Grande Florianópolis. Francisco afirma que na sua opção de vida “a
partir dessa escolha de caminho é que se rediscute todas as questões [...] como se compreende
uma sociedade que pode ser inclusiva, uma cidade que a gente escuta o bem comum [...] que te
ponha como foco, e pelo olhar da justiça social, enquanto presença de vida.” A partir da
instalação de equipamentos sociais e da participação do empreendedor, Estela afirma que “a
comunidade agora briga por uma creche, não tem creche, tem uma creche privada, o IVG está
junto, quando está se falando de política pública [...] quando está se falando de conselho de
direito o IVG, tá junto”, afirma com a certeza de quem conhece a Comunidade em que trabalha
e ressalta que todo este movimento é “esperança [...] Francisco ainda é uma pessoa chave para
isso.”
O processo de exclusão, como afirma Francisco é promovido pelo “modelo de produção
capitalista [...] moer o processo do mundo dos empobrecidos e da exploração desse universo do
mundo do trabalho [...] e te permite trabalhar na perspectiva do ponto de vista de não
acomodação e te permite produzir conhecimento.” Francisco ainda ressalta que os
empreendimentos visam melhorar as condições “no seu processo de vida, ter condições de
203
caminhar com as suas pernas, e tem condições de se empoderar, o conhecimento é um processo
de empoderamento.” Ainda argumenta que “as pessoas eram excluídas [...] quando eu vim
morar aqui, não tinha nenhuma casa de alvenaria, só tinha uma, duas ou três”, e que com novas
perspectivas de vida e oportunidades conseguiram “forjar os próprios espaços para serem
incluídos”, pois muitas muitas vezes as pessoas vão morar em regiões de periferia por falta de
políticas públicas de habitação, ou a inclusão em espaços que agregam as pessoas, e por fim
acabam encontrando nestas regiões um lugar para morar e criar seus filhos, mas que nem sempre
oferecem condições suficientes para que isto aconteça.
O processo de exclusão ainda acontece pelo desenho da cidade, como na cidade de
Florianópolis, há uma grande avenida chamada Mauro Ramos, ela delimitava espaços e também
os territórios da cidade, como afirma Gabriela, “no começo a Mauro Ramos fazia divisão, os
pobres eram nos morros e os ricos eram lá e hoje não”, numa tentativa de aproximar estas
realidades, e contribuir para a integração dos habitantes da mesma cidade, Francisco busca na
perspectiva do “olhar de baixo pra cima do centro pra periferia [...] é muito diferente da periferia
pro centro [...] você tem experiência do centro pensando na periferia e quando você tá na
periferia pensando e fazendo é outra coisa né é um choque de realidade.” Francisco relembra
que no início seu trabalho junto às comunidades estava ligado a um “processo de
conscientização [...] a gente se conscientiza nas relações e numa mediação com o mundo.” Além
disso, na “reestruturação desse espaço físico, a gente aproveitou os interesses para discutir todas
as questões da comunidade, saneamento, moradia, educação, todas as problemáticas, que
envolviam este território.” Salienta ainda que “não há uma relação com a relação mercadológica
[...] o capitalismo produz muitas relações mercadológicas, muitas relações líquidas [...] e
poucos estabelecem contatos de vínculos, ou seja, que rompa com a questão das indiferenças,
para ver o outro como ser humano.” O reconhecimento comunitário reforça o papel da Rede no
processo de inclusão, pois melhora as condições de vida das pessoas das comunidades
marginalizadas e faz com que contribua no seu fortalecimento e reivindicação dos seus direitos.
Gabriela afirma que no seu empreendimento aceita “todas as crianças [...] não deixamos
nenhuma, religião, igreja, não tem nada, a nossa casa é aberta para todos, não tem distinção, pra
todas as crianças que vêm [...] porque é o único trabalho de resistência no morro não tem outro
trabalho assim.” Afirma ainda que o trabalho desenvolvido busca ser “uma casa de proteção,
de acolhida para as crianças serem cidadãos do amanhã.” Francisco afirma que dentre as
motivações do seu trabalho está a “visão do Evangelho [...] o Evangelho te leva a mundos
empobrecidos, não tem outra saída, porque essa foi a saída de Jesus.” Numa perspectiva de fora
204
da comunidade, ressalta Estela que “é tão fácil contabilizar, é tão fácil se recriminar”, quando
se começa a vivenciar as situações, “começa a conviver com essa outra realidade [...] a entender
as dificuldades, você começa a ser uma pessoa diferente.” O trabalho desenvolvido junto as
comunidades têm um papel importante, mas também os próprios gestores ao longo do tempo
começam a ter uma outra perspectiva, outro entendimento acerca desta realidade vivenciada.
As mudanças não são unilaterais, tipo centro-periferia, mas de direções múltiplas, e os próprios
gestores tem sua perpecção alterada, seja polo convívio em comunidades ou pelas novas
perspectivas de realidade que são oferecidas aos beneficiários pelos empreendimentos da Rede.
Dentre as dificuldades no início do trabalho, Estela destaca que a Comunidade teve
dificuldade em “aceitar essa parceria público-privada, mas a gente sabe que aqui foi o ideal para
aquele momento, alternativa, não tinha outra alternativa, então tudo isso são as situações difíceis
que essa escola passou, mas que hoje ela já está em um novo movimento.” Afirma ainda que a
Comunidade tem um jeito próprio de relacionamento, pois no início das atividades da escola,
muitas coisas aconteciam em relação às crianças, como “não entendiam o que eles queriam, são
crianças hiperativas, é o jeito Monte Serrat de ser, é uma energia, eles gritam, eles falam alto,
é jeito da relação deles.” Atualmente, Estela ressalta que a participação da família tem um papel
diferente na escola, “a gente vê a família como um apoiador, hoje quando a gente faz entrega
de boletins, é um dia muito importante para eles, vem pai, mãe e filho [...] eles querem saber
como é que está o filho [...] aquilo ali passa a ter sentido”. Ela ainda afirma que ao iniciar o
trabalho da escola, propriamente dito, no ano de 2012, “foi bastante difícil, primeiro ano a gente
tem uma história assim, de 2012 de cadeira voando, tudo que tu podia imaginar aqui dentro”.
Porém ressalta que “já no segundo a coisas começou a se acalmar, e hoje [...] longe de ser a
escola que a gente quer, mas já num caminho muito bonito”. Dentre os desafios elencados pela
gestora, “temos aqui o processo de crianças do sétimo e oitavo ano sem estar alfabetizados, e a
gente herdou tudo isso, isso é um processo, essa criança está sendo acompanhada”.
Para ela, o desafio hoje é mais presente, pois “o nosso adolescente sabe que ele não se
sente bem lá embaixo, por mais próximo que esteja do centro, não dá um quilometro, mas ele
sabe o que espera lá embaixo, ele tem que ir muito forte pra enfrentar o povo lá de baixo como
eles dizem”. Francisco afirma que a metodologia de trabalho utilizada nos movimentos sociais
que participa e nos empreendimentos, tem a perspectiva de “fazer com as pessoas e não para as
pessoas, com todos os desafios da metodologia [...] porque requer de ti um trabalho de
resiliência, e um trabalho de paciência histórica que não é pacifismo, nem frouxidão”.
205
Na luta por melhorias na comunidade, Francisco afirma que “a gente batalhou, para
serem feitas, para serem concluídas, como o ônibus no morro, postos de saúde, como o
saneamento básico, como a reestruturação toda da malha viária”, e que tudo o que foi construído
até agora tem o objetivo de “criar instrumentos que possam ser futuros instrumentos de
perenidade para que outros se apropriem deles [...] continuar com as suas próprias pernas”. O
principal resultado deste processo de construção, como afirma Francisco, “tu encontra essa
juventude que já fez faculdade, passou por nós, que fez a universidade, está bem, está por aí
trabalhando, redimensionando a sua vida, tendo suas perspectivas de vida, acho que essas coisas
te animam a dar continuidade sempre”.
A Rede IVG tem impresso um ritmo no que se refere às parcerias com a comunidade da
Grande Florianópolis, Estela ressalta que “onde a gente vai a gente é respeitado [...] que tem
clareza, transparência[...] porque está nas discussões, está se posicionando [...] o IVG se quiser
falar com o governador, com o prefeito, com quem for, ele tem espaço, então ele tem força”.
No que se refere ao seu trabalho, Francisco ressalta que ele cumpre um papel “até o Estado ser
um estado digno, com justiça social, com políticas de estado, em todos os campos, que a gente
não tenha mais um processo de sequela, como a gente tem hoje nesse país, então nós cumprimos
um papel de fermentação”.
5.4.1.2 O discurso dos Colaboradores da Rede IVG
Os colaboradores da Rede IVG trabalham nos diversos empreendimentos na região da
Grande Florianópolis, dentre as atividades desenvolvidas destacam-se a de coordenação
escolar, professor, recepcionista, gestão de projetos, captação de recursos, comunicação com
os públicos da Rede.
Em virtude da comunidade ser na periferia de uma grande cidade, Tales ressalta que tem
uma região “que é meio que é gueto parece ser fechado, eles têm receio com lá embaixo, e como
eles sabem que lá embaixo tem receio com eles, então eles”, A exclusão se remete às relações
entre os de baixo, da cidade e os de cima, da periferia versus os da cidade, levando a
preconcepções de estereótipos. Questionado sobre exclusão, Tales afirma que “até hoje me sinto
excluído, até hoje meus traumas maiores foi dizer que morava no morro, pelo fato de eu ter o
cabelo mais liso, se eu tô onde pessoas negras se encontram, eles me consideram branco”, ele
enfrenta o dilema de não pertencer a nenhum lugar, nem do Morro e nem da cidade. Cosme
corrobora com Tales, e ressalta que um dos maiores problemas enfrentados é “que a
206
comunidade tem de uma autoestima baixa, que é implantado nas comunidades de periferia [...]
então o meu querer é por conta da possibilidade de transformação que a gente pode e deve
fazer”.
Bruno afirma que o trabalho realizado pelo IVG “é uma baita de uma provocação pro
Estado e pra sociedade, de que é possível sim fazer um trabalho profissional, fazer um trabalho
com o pé no barro junto às comunidades”. Ainda afirma que “a organização social trabalha por
um valor muito baixo [...] o impacto gera uma série de externalidades positivas [...] redução da
violência [...] gravidez na adolescência, o jovem que você tira do crime e vai pro mercado de
trabalho”. Aurora afirma que já presenciou momentos difíceis nos empreendimentos, um deles
ela conta que “a gente tava trabalhando [...] e de repente entrou um jovem armado e se trancou
na sala do lado com a coordenadora e apareceu aqui armado [...] a gente tava na sala do lado
apreensivo sem saber o que ia acontecer”, como era um ex-beneficiário e conhecia o trabalho
do IVG, ela afirma que este processo que ocorre, de idas e vindas dos ex-beneficiários pois
sabem que vão encontrar apoio, “convivo com pessoas que vão e que vem há 10 anos e elas
continuam indo e voltando e a gente ainda não conseguiu fazer o resgate dela [...] isso é um
processo”, mostrando muitas vezes que o processo de emancipação é longo, fazendo com que
os sujeitos resgatados podem ter recaídas ao longo do processo, fazendo com que muitas vezes
o processo de resgate tenha que ser reiniciado tantas vezes quantas forem necessárias, até a sua
efetiva inclusão. Cristiano ressalta que muitas vezes Francisco foi a lugares para acertar dívidas
de jovens que se envolveram no crime, “eles indo pagar arma que jovem tinha perdido e aí ia
morrer, lembro era R$250,00”. Cosme afirma que quando iniciou seu trabalho na escola, “numa
época que os meninos não estavam habituados a estudar, eles não estavam habituados a (ter)
limites, a diálogos, a se relacionar com outros de maneira amorosa, de maneira respeitosa tudo
era no embate, na pancadaria aí voava carteira, vai levando tudo pra outro lado, estudar nem
pensar.” Para reverter a situação de marginalização, Cosme estabelece um propósito para os
alunos, chamado projeto de vida, “a gente fica cutucando e conversando, traz palestra e vai em
universidades [...] na perspectiva de ter uma profissão com nível superior [...] profissionais que
vêm conversar com os alunos principalmente os do 3º ano e 2º sobre as profissões que existem”.
Ressalta que “nossos meninos [...] precisam querer alguma coisa [...] e em 2015, meninos que
entraram, o que tu quer fazer? Vigilante [...] no final do ano quando eles saíram o mesmo
menino, eu quero fazer Administração”. A mudança de perspectiva de vida por meio da
educação, faz com que haja mudança no próprio pensar dos alunos de forma a almejar outras
oportunidades que não sejam de nível de escolaridade baixo e pouca expectativa de futuro.
207
Destaca ainda que o objetivo da escola na comunidade é “fazer uma relação entre a comunidade
e a escola, e a gente quer que os guris convivam um com o outro [...] e a educação vai possibilitar
pra eles uma mudança aqui na comunidade, eles não precisam sair daqui da comunidade”.
Na perspectiva de inclusão, Bruno ressalta que “ o que a gente faz não é caridade, não é
filantropia, não é assistencialismo, o que a gente faz é um trabalho muito inteligente com custo-
benefício excelente”. Aurora afirma que o IVG é uma “instituição de atendimento [...] a gente
também já teve outros cursos como o curso de vigilante [...] era uma outra instituição que dava
formação, a gente atendia essas pessoas, a gente atende moradores de rua quando bate (à)
porta”. Ela ainda afirma que a atuação do IVG tem por objetivo atender demandas que não
necessariamente as organizações sociais da Rede possam “atender [...] aparecia uma
necessidade, essa necessidade o IVG começou a fazer a gestão desses projetos como Guiné-
Bissau, pré-vestibular, curso de vigilante [...] a gente acaba abraçando porque alguém tem que
fazer, então opa!!! Deixa que a gente faz”.
Bruno afirma que dentre os momentos de um momento importante foi quando da
abertura de uma oficina para capacitação de jovens e adolescentes na região da Grande
Florianópolis, “tem coisas muito pequenas, de jovens que a gente apoiou e no dia que entra na
universidade liga pra gente chorando e contando histórias”, é o que ele chama de “pequenas
revoluções [...] rompeu o ciclo de pobreza [...] pra um ciclo mais virtuoso”. Cosme corrobora
que seu trabalho está ligado a transformação social proporcionada à comunidade que trabalha,
“porque é uma mudança de cultura, então é uma felicidade, é uma gratificação, é uma realização
pessoal, porque tu sabe que tudo isso aqui causa mudança, é um propósito de vida”.
5.4.1.3 O discurso dos Parceiros
A Rede IVG tem parcerias desenvolvidas para apoiar empreendimentos sociais que
necessitem de suporte para desenvolver suas atividades. Uma das parcerias desenvolvidas pelo
IVG é com uma comunidade de Guiné Bissau, por meio de apoio a escolas de autogestão
existentes naquele país. Melchior afirma que para a realização do projeto “o Instituto aqui
mantém essa mesma ligação com os padrinhos”.
No seu país, Melchior afirma que os serviços públicos, no seu caso, a educação, o
governo local “transforma a escola em escola de autogestão [...] são escolas públicas do estado
mais que os estados como não pagam o salário [...] então a comunidade [...] cada pai dá uma
contribuição no final do mês.” Devido ao nível de pobreza do país em que vive, Melchior afirma
208
que os “incentivos no final do mês que é para o professor se puder manter que a maioria dos
professores [...] puder manter que a maioria dos professores, né da cidade ou do meio rural vêm
de fora então deixam a família e vão para o trabalho em outro lugar.” Um dos problemas
enfrentados naquela região africana é que muitos pais “não conseguem levar os filhos para a
escola, porque para manter os filhos tem que dar essa contribuição [...] no nosso caso temos
problemas de refeições.” Muitas famílias em Guiné Bissau “vivem com menos de dois euros
[...] nove reais diários, então a preocupação dos pais é garantir pelo menos uma refeição por dia
para os filhos [...] é preferível manter uma refeição do que pagar a escola”, ou seja, muitos pais
não têm condições de fazer as contribuições mensais, pois tem que optar entre a alimentação da
família ou fazer pagamentos para a escola. Melchior destaca que na região em que vive a
“grande inovação que fizemos é a cantina escolar que não tinha, não é somente nessa escola, na
Guiné-Bissau praticamente não se pode falar das cantinas por lá [...] é a primeira e a única que
eu sei até hoje.” Atualmente, as refeições são fornecidas num espaço construído para este fim,
“colocamos mesas, tudo que é necessário e a partir do ano passado começou a funcionar e
nesses 828 alunos, incluindo os professores.”
Depois da implantação da escola de autogestão, Melchior afirma que hoje “nossas
perspectivas são boas, porque antes muitas crianças não iam à escola porque os pais não
mandavam, ou também porque a criança não queria.” Outro problema enfrentado é em relação
“as meninas porque as meninas são classes mais desfavorecidas lá, que não iam à escola, hoje,
por exemplo, nessa escola quase metade, os rapazes, diferença de dez por cento”. A escola já
está colhendo frutos, pois muitos dos seus alunos “que já terminaram o Ensino Médio tem
alguns que já estão na escola de formação de professores e na área de medicina”, as duas
principais carreiras no país. Melchior considera que o seu desafio é que “o projeto continue
mesmo com a minha ausência lá [...] quero que continue, mas sabemos também que para
continuar depende de cada situação, se a situação política estiver bem e a econômica, penso que
o projeto vai continuar.”
Outra parceria desenvolvida pela IVG é com a Universidade do Estado de Santa
Catarina, por meio do curso de Administração Pública. Sofia fala que “ter essa relação de
confiança tem nos ajudado a avançar [...] a gente tem que melhorar muito nossa capacidade de
aprender com as organizações, produzir conhecimento com as organizações [...] ter uma postura
um pouco mais comprometida, mais responsável [...] de modo geral faz muitas ações pontuais,
com problema de continuidade [...] mas eu acho que a gente está melhorando, tá aprendendo
sobre isso.” Afirma que “eu admiro tanto o trabalho do IVG ao longo do tempo, esta questão
209
da continuidade e da coerência [...] em diferentes cidades, em diferentes lugares [...] a razão
principal [...] esta conexão [...] diferentes segmentos da sociedade.”
Ela destaca que a “relação de confiança tem nos ajudado a avançar [...] a gente tem que
melhorar muito nossa capacidade de aprender como as organizações [...] estudantes, ter uma
postura um pouco mais comprometida, mais responsável também.” Neste sentido ainda destaca
que a academia poderia fazer mais por estas organizações, inclusive da Rede IVG, “a gente
ainda [...] de modo geral faz muitas ações pontuais, com problema de continuidade, mas eu
acho que a gente está melhorando, tá aprendendo sobre isso [...] esta questão da continuidade e
da coerência.” Apesar dos empreendimentos ligados ao IVG terem surgido de movimentos
sociais e por religiosos, ela percebe que os empreendimentos têm uma postura “muito destacada
[...] diferenciada [...] talvez seja justamente esta conexão que eles fazem em diferentes
segmentos da sociedade.”
No que se refere à questão financeira, Sofia destaca que o papel de Francisco em toda a
Rede “quando ele busca uma doação [...] fez isso ativamente [...] mas ele não pede só dinheiro,
ele pede também o engajamento [...] o envolvimento na causa, [...] está atrelado ao propósito,
ao engajamento das pessoas, a legitimidade da organização.” Em relação à equipe de
colaboradores, ela afirma que “são pessoas com uma postura crítica, questionadora da realidade
[...] têm muitas dificuldades, não são perfeitos, vem enfrentando dificuldades [...] vários
programas que foram descontinuados, a gente sabe que está num momento muito difícil para
as organizações, o país está no momento muito difícil.”
A academia está presente na Rede IVG quando Sofia afirma que Francisco é o grande
incentivador da equipe, “se capacitem, façam mestrado, façam doutorado, façam pesquisa, que
a gente traga um conhecimento, mas de ponta para organização, mas sem deixar de estar no
chão”, ainda informa que “percebo que eles fazem isso sistematicamente com os voluntários e
parceiros, a ideia de que os parceiros não são alguém que contribuem só financeiramente ou
eventualmente, querem chamar as pessoas para ação, para estar na ponta, estar em contato [...]
são poucas organizações que eu vejo que conseguem isso.” Sofia destaca que o IVG enquanto
uma rede, “convocam muito os voluntários, os apoiadores, enfim aos próprios colaboradores, a
se engajar, então, de novo né, naquela tensão entre o idealismo e o pragmatismo, tentar explorar
isso de uma boa forma, ok! você quer melhorar o mundo, então está aqui vamos fazer algo, tem
uma possibilidade concreta.” Ela ainda ressalta que “ao participar de atividades com a Rede
IVG [...] eles me dão essa essência de possibilidade, fazer com o que você tem e dar valor a
210
cada pequena contribuição, isto eu tenho aprendido com a questão de catar roupa [...] cada
pequena contribuição [...] já é bastante valorizado.”
5.4.1.4 O discurso dos beneficiários da Rede IVG
Uma das maiores dificuldades dos moradores de periferia é a falta de estrutura familiar,
pessoal e de recursos para iniciar projetos de vida desde a infância. É necessário um suporte,
pessoal qualificado, estrutura de apoio para contribuir no desenvolvimento pessoal e
profissional destas crianças, adolescentes e jovens por meio de perspectiva de vida e de futuro.
Beatriz, uma das beneficiárias, ressalta que depois que voltou a estudar [...] sou uma
pessoa mais educada, era bem revoltada [...] eu fui criada sem meu pai [...] era uma vida muito
tumultuada, passamos por crises no sentido de falta de comida, falta de roupa.” Acredita que
agora sua vida está diferente e aproveita para “ter conhecimento, tem interesse, tem que vim de
lá pra cá e quem vem nossa, e é interessante porque Francisco se integra lá no meio.” A
participação de Francisco é tão importante para a comunidade que “traz os jovens, tipo o meu
caso, ele me convenceu a voltar a estudar, tô aproveitando”, ressalta ainda que “depois que
entrei abriu bastante minha cabeça, meus pensamentos são totalmente diferentes, mais corretos,
pensando mais alto, pensando num futuro melhor [...] quero continuar.” Afirma ainda que “tô
dando um jeito de correr atrás e fazer, porque como tá difícil essa crise de emprego e ‘essas
paradas toda aí’, então é bem importante ter algum tipo de conhecimento algum tipo de curso
preparatório.” Conta ainda que “já teria terminado meus estudos, foi por falta de incentivo [...]
tem uma certa rivalidade com o pessoal da Caieira [...] então isso dificultou um pouco pra nós.”
Helena afirma que por ser moradora do morro já foi discriminada e salienta que na Rede
“eles tentam trabalhar isso que querendo ou não existe preconceito de tudo quanto é, é racial, é
de profissão, de gênero é onde tu mora, é a roupa que tu usa e o IVG ele é a diferença.” Iara
ressalta que sem o apoio do IVG “não teria condições de fazer faculdade, e que suas amigas
que são moradoras do Morro do Mocotó são muito orgulhosas das suas conquistas.” Beatriz,
por sua vez, diz que já sofreu preconceito, “eu tinha que fugir do colégio [...] porque o pessoal
não gostava de nós branca, me chamavam de branquela [...] por eu ter cabelo liso [...] sempre
aquele grupinho querendo brigar [...] incentivar ir pro lado ruim.” Confessa ainda que não faltou
oportunidade em se envolver com o tráfico, “já dei treinamento de tiros por eles, e se não fosse
por esse projeto aqui eu acho que não taria nem viva.” Helena corrobora com Beatriz que sem
participar dos projetos do IVG “não teria perspectivas, não teria futuro [...] seria tão mais difícil
211
eu acho que eles iriam acabar desistindo e seguindo outros caminhos”, num diagnóstico da
situação em que sua comunidade poderia viver, afirma que “você não tem formação, tu não
estudou, não vai trabalhar [...] começaria a roubar talvez, procurar outros caminhos.”
Antônia afirma que Francisco “sempre teve a frente, sabe e faz uma grande diferença na
minha vida [...] me senti mais importante de saber que eu tenho um papel dentro da sociedade
[...] a gente passa a ter outro olhar sabe, eu faço parte dessa sociedade eu tenho meu papel, eu
sou importante e eu tenho condições de chegar por mais que digam que tu não vais conseguir
chegar em tal lugar.” Devido à região que mora em Florianópolis, Antônia afirma que “a gente
sabe que tem a questão da discriminação racial que a gente carrega com agente e sabe que é
difícil, meio que a gente desde pequena sabe que é colocado na cabeça da gente que tu és
excluído mesmo sabe como se tu não faz parte dessa sociedade,” e ela ainda completa que o
“mais importante pra mim é o futuro dos meus filhos [...] a oportunidade que eles tão tendo de
ter essas portas abertas futuramente [...] uma expectativa de vida [...] são oportunidades.”
Sobre as oportunidades que teve após participar dos projetos do IVG, Iara quer retribuir
da mesma forma, “na hora que eu tive oportunidade e dinheiro, capital, dar essa oportunidade
também pra outras pessoas, jovens, crianças [...] vim aqui pra saber como tá as coisas, o que
tão precisando, tá sempre tentando ajudar de alguma forma.” Afirma que hoje já tenta contribuir
“como voluntária pro Instituto independente de dinheiro [...] eu ajudo, lavo a louça, eu faço a
comida, eu vendo a rifa.” Helena, como é moradora da comunidade percebe que “então tu vê a
diferença que pode ter, eu acho que a Rede IVG é mudança na comunidade”, e pelas
oportunidades que já recebeu do IVG completa, “tu tem que fazer a diferença [...] tem que pegar
aquela oportunidade e abrir pras outras pessoas.” Beatriz ainda ressalta que sua vida começou
a ter significado, pois “eu tinha vergonha de falar em público, já tô perdendo [...] até meu modo
de falar eu falava muitas gírias bem maloqueira [...] pedi pra eles me ajudarem a corrigir a
minha maneira de falar [...] porque eu falava muito, mas muito, muito errado mesmo.” Numa
nova perspectiva de vida, Beatriz afirma que “tá mudando bastante minha vida, tanto que eu tô
aqui em vários projetos, tô aí como representante da comunidade, então isso daí é um passo
muito grande na minha vida.”
Em relação a perspectiva futura, a formação de profissionais por meio de bolsas
universitárias tem como objetivo a formação de gestores para os empreendimentos da Rede,
bem como incentivar a melhoria do capital social das comunidades, dar testemunho para os
jovens da comunidade das novas possibilidades de vida e ampliação de espaços para atrair mais
jovens da rede pública de ensino para os vários projetos da Rede. Atualmente participam deste
212
projeto alunos dos cursos de odontologia, ciências contábeis, medicina, educação física,
nutrição, engenharia civil, entre outros, todos moradores de comunidade de periferia. Iara
ressalta que o IVG “tem um peso muito grande em qualquer comunidade aqui da Grande
Florianópolis [...] dá oportunidade pra todo mundo,” e como moradora de uma comunidade que
o narcotráfico tem um grande peso, “deixar a porta aberta pra quem precisar e todo mundo
respeita até mesmo o pessoal do tráfico [...] todo mundo respeita o Instituto, isso é muito
gratificante, é de um valor imenso pra todos.” A Figura 32 apresenta a perspectiva de vida
“Antes e Depois” da Rede IVG, sob a ótica dos beneficiários.
Figura 32
O Processo de Inclusão sob a ótica dos beneficiários.
Fonte: Dados da pesquisa (2017).
5.4.1.5 O discurso dos Familiares e Comunidade da Rede IVG
A região onde estão instalados os empreendimentos sociais da Rede IVG é considerada
regiões carentes de recursos e aparelhamento social. A situação agrava quando as crianças e
adolescentes são expostos a fatores que nem sempre as famílias conseguem evitar, como o
narcotráfico, o que gera insegurança familiar quanto ao futuro dos seus filhos. Neste sentido, a
Rede visa criar uma estrutura que dê atenção a este público alvo, bem como criar mecanismos
de proteção, como por exemplo, o contraturno escolar ou a chamada educação integral,
alimentação, atividades que atendam às necessidades dos beneficiários, como futebol, capoeira,
música, dança, tendo por objetivo o desenvolvimento de habilidades e competências deste
público.
213
Cristina, aqui no papel de mãe e avó de beneficiário, afirma que quando as atividades
dos empreendimentos estavam em fase de criação, “a preocupação era muito grande dos pais
do que fazer com meu filho, com minha filha depois dos 14 anos, porque eles adoravam que os
filhos ficassem ali nos projetos porque eles tavam aprendendo [...] em segurança, não tavam
indo pra outros caminhos.” Para atender crianças e adolescentes, ela destaca que o “Projeto
Travessia começou aqui pra acolher as ‘crianças’ [...] vieram pra ali, arrumaram o espaço que
é da comunidade, que antigamente a Escrava Anastácia era aqui, aí nessa época o tráfico era
muito grande.” A própria comunidade, por meio da sua organização e com apoio de Francisco,
busca alternativas que permitissem ocupar o tempo com atividades que contribuíssem com seu
desenvolvimento.
Já Iracema afirma que obteve muitas conquistas, inclusive seu trabalho atual, “o curso
que eu ganhei, a minha outra filha Maria, o primeiro foi por eles também, e a Iara também [...]
ela paga e aí tem mais uma ajuda de uma madrinha [...] esse curso que ela faz de Engenharia
pago, ela não iria conseguir não.” Se não tivesse participado do projeto, Iracema afirma que “ia
continuar na limpeza, eu não sei se ia continuar estudando (Iara), fazendo faculdade.” Silvia,
outra moradora, avó de beneficiário e líder comunitária, ressalta que “o IVG representa a vida
da nossa comunidade, representa o socorro da nossa comunidade, você não imagina as pessoas
que Francisco encaminha na vida, a força e a coragem que ele tem de subir e descer o morro”,
e salienta que Francisco tem papel decisivo “não só da nossa comunidade, eu sei que eu tô
falando da minha, mas de todas as comunidades, mas dentro da nossa comunidade.”
Silvia completa que atualmente, as crianças por meio da participação dos
empreendimentos na comunidade “são umas crianças que já estão saindo empoderadas e umas
lideranças que serão terríveis no futuro [...] eu me sinto empoderadas com o IVG [...] eu me
sinto valorizada como pessoa e como liderança.” Cristina afirma que “se não tivesse esses
empreendimentos o que seria das nossas crianças? da nossa juventude? o que seria dos nossos
projetos? eu sempre falo [...] que a gente tem de agradecer os projetos que a gente tem, o que
seria da nossa criança, da nossa comunidade se não teria esses projetos.” Silvia corrobora com
Cristina, que “o IVG não só na minha comunidade, mas em todas as comunidades, a preparação
da criança, do adolescente, do jovem para o futuro, principalmente o lado profissional.”
Cristina, Iracema e Silvia são mulheres batalhadoras, cada uma na sua multiplicidade de papeis
e querem contribuir para uma comunidade melhor e com condições para que as crianças,
adolescentes e jovens tenham um futuro digno, como de qualquer cidadão brasileiro.
214
5.4.1.6 O discurso dos Gestores Públicos para a Rede IVG
O governo tem papel de destaque em organizações sociais, seja por meio de poio aos
empreendimentos, pela implantação de política pública, ou ainda dar suporte aos
empreendimentos como forma de garantir sua segurança e integridade de que as atividades
aconteçam com regularidade e em padrões de normalidade. Heitor, gestor público na área de
segurança pública, ressalta que os projetos sociais “ultrapassam a fronteira do assistencialismo,
e que constrói capital social, aumento da resiliência, produzem fatores de proteção, acabam
fazendo toda a diferença.” Afirma que a empregabilidade gerada pelos empreendimentos, por
meio de capacitação, contribui de forma decisiva na “capacidade de entrar, de maneira digna,
no mercado de trabalho [...] se você não tiver do ponto de vista econômico uma alternativa para
esta fonte de renda [...] a gente vai verificar que não há como você acabar ou você reduzir
envolvendo essas comunidades com o tráfico de drogas que há nelas.” Afirma ainda que cria
valor para a cidade, pois a partir do momento que “você pega um desembargador, um
empresário bem-sucedido, quando você pega, um médico subindo a comunidade, interagindo,
cidade como um todo está agregando valor”, pois servem como paradigma de comportamento,
um bom referencial para as pessoas a seguirem estes exemplos.
Zanira ressalta com veemência que “nosso modelo de sociedade é excludente [...] não
tem lugar para todo mundo, ele seleciona, exclui, e não dá para achar que a instituição tá fora
disso né, ela está [...] as instituições têm um cuidado muito grande para não excluir, para acolher
todos.”. Ainda afirma que projetos e empreendimentos como os do IVG, têm a contribuir na
possibilidade de oferecer um “leque de opções [...] fortalecendo a resistência da comunidade à
entrada no crime [...] as pessoas que passaram pelos projetos [...] você está mudando a vida
daquela pessoa [...] vida daquela família [...] e daquela comunidade.” Um dos problemas
ressaltados por Zanira é no que diz respeito “ao não financiamento da faixa etária após os 14,
então isso é uma coisa séria, por que fez 14 anos, quem acolhe essa criança? para onde vai? que
atividade fará? então esse é um problema.” Estas atividades que deveriam ser oferecidas para
esta faixa etária, mas que não há uma política pública clara a este respeito, acaba contribuindo
para a entrada de jovens no narcotráfico, gerando assim maior dificuldade em escolarização e
oportunidades em outros campos da vida, como mercado de trabalho por exemplo. Um desafio
destacado por Zanira é o “desafio da permanência deles, porque não adianta só garantir o acesso
para incluir, eu preciso apresentar atividades, ter oficinas que venham ao interesse deles, [...]
215
passa por aceitar a diferença [...] a gente olha muito a partir da criança e do adolescente, muitas
vezes a gente esquece um pouco de olhar esse adulto que está fazendo isso’.
Afirma que os empreendimentos sociais da Rede IVG “contribuem para a inclusão [...]
porque não adianta eu pensar a inclusão para alguns e outros ficarem de fora [...] há outras
possibilidades de a gente conviver.” Ressalta com pesar que “eu acredito numa sociedade
diferente [...] que não seja natural morrer aos 16 anos por uma bala, que não seja natural que a
polícia entra na casa das pessoas de qualquer jeito, que não seja natural passar fome [...] eu estar
com umas crianças e a polícia chegar com aquelas metralhadoras, com aquelas coisas
horrorosas.” Afirma que espera que nos espaços sociais seja “natural, o movimento social poder
se manifestar [...] o momento que nós estamos vivendo é um momento muito delicado [...], mas
que a gente sempre possa sempre poder falar [...] ouvir muito, mas também poder pensar junto
numa sociedade diferente.”
5.4.1.7 O discurso dos Voluntários da Rede IVG
A Rede IVG, além da estrutura interna, composta por pessoas, recursos, conta também
com o apoio dos voluntários que contribuem para realizar as atividades cotidianas com crianças,
adolescentes e jovens, bem como na arrecadação de fundos para o desenvolvimento das
atividades. Os voluntários são parte importante da Rede, e contam com uma estrutura de apoio
para a integração entre as necessidades dos empreendimentos e as competências pessoas e
profissionais. Os voluntários são de extrema importância para toda a Rede, porque atuam nas
direções dos empreendimentos, apoio no Conselho Consultivo do IVG, pelo estabelecimento
de parcerias, bem como na integração das atividades da Rede com a comunidade. Em reunião
realizada pelos voluntários e membros da Rede IVG em setembro de 2017, foram discutidas as
formas de atuação deste grupo para que contribuam para um objetivo maior que é fazer com
que os atendidos pelos projetos ‘levantem e andem por si’, com visão do potencial dos jovens,
pelo capital social que eles representam, materializando seus direitos em se alimentar, estudar
e viver. A grande discussão que norteou o grupo, não foi fazer pelos beneficiários, mas sim
colocar-se no lugar do outro, com proposta diferente do assistencialismo, tendo a preocupação
em não dar o que sobra, mas sim o voluntário oferecer o que tem de melhor e contribuir com
suas competências num melhor desenvolvimento das propostas da Rede.
O grupo de voluntário fez um mapeamento das atividades junto à Rede IVG, sendo que
os maiores desafios são: transformar o voluntário pontual em contínuo, ter uma área específica
216
na Rede para receber e designar atividades, estabelecer termos para a prestação de serviços
voluntários por meio de formalização, descrição das atividades passíveis de ser realizadas pelos
voluntários, entre outros. Dentre as motivações em ser voluntário o grupo destacou a
possibilidade de aprendizado com esta forma de trabalho, a aproximação entre os voluntários e
beneficiários, uma maior participação de todos neste processo de organização, a possibilidade
de trabalhar de maneira conjunta nos empreendimentos, sentir-se parte o que gera
comprometimento por parte dos voluntários, além da realização de um sonho que é fazer parte
da Rede.
Pelo papel desenvolvido pelo grupo é de fundamental importância que os jovens tenham
referências num trabalho, que encontrem apoios que possibilitem chegar ou ajudá-los a chegar
como protagonistas de sua vida. O papel do Estado é importante, o 3º setor é importante, mas
que existam políticas públicas efetivas e que atendam aos jovens, como forma de fazer parte da
sociedade por meio de apoios e esforços que mudem esta realidade vivida nas comunidades de
periferia da Grande Florianópolis. Neste papel, Conrado destaca que “todo mundo tem que
passar e deixar uma colaboração [...] eu gostaria de terminar os meus dias colaborando com
isso.” Atualmente ele é um gestor voluntário da Rede, e afirma que as ações do IVG têm por
objetivo fazer com que os beneficiários tenham “uma visão de futuro [...] que ele se empodere
de tal maneira que ele possa sair cidadão do mundo [...] uma perspectiva de futuro.”
Seu maior desafio é “me manter conectado com essa realidade [...] sobre essa relação
das injustiças, o que provoca isso, que tipo de visão a gente tem.” Salienta que “a mim não me
mudou, ela reforçou, refinou [...] de estar envolvido com a dor do outro [...] dor da injustiça,
dor pela cor, dor pelo não ter, o mundo é cruel [...] a gente passa a valorizar as coisas que
realmente importam.” Conrado enfatiza que o trabalho desenvolvido na Rede IVG “é um
trabalho que ele contempla todas as crenças [...] e que não tem crença alguma [...] exige da
gente bastante [...] gente passa a olhar mais pra dentro de si, mas passa a ter um olhar mais
periférico assim, o mundo não é só o meu mundo.” Considera ainda que na sua profissão, na
sua vida e no seu trabalho como voluntário, tem que “ser um agente de mudança [...] como é
que eu posso transformar a vida dessas pessoas como eu ajudo a transformar lá, então isso me
dá uma certa angústia[...] A sua participação nos empreendimentos contribuiu para ter “a
capacidade da gente se indignar [...] quando a gente perde a capacidade de se indignar a gente
olha só pro umbigo da gente [...] aquilo passa a fazer parte da paisagem da cidade.”
André, outro voluntário e ex-beneficiário da Rede, afirma que hoje só tenho gratidão a
Rede IVG de, tanto que hoje eu escolhi a Rede, eu atendo alguns projetos sociais, eu atendo
217
boxe solidário [...] gera lucro com evento e entrega para essas instituições.” Ele afirma que seu
contato com a Rede “acho que com nove anos, talvez e foi o primeiro contato que eu tive com
a Rede, com a instituição, depois do CEDEP eu fui para o rito de passagem, que é antes de ser
jovem aprendiz.” Destaca que se não fosse o IVG “teria dificuldade para me inserir nas coisas.”
Afirma ainda que desenvolvia atividades no CEDEP “de cidadania [...] como viver em
sociedade, conviver com as pessoas, o que tu precisa fazer para conquistar um passo a mais [...]
informática [...] aprender a conviver com as pessoas.” Este tipo de empreendimento localizado
na periferia da cidade de Florianópolis, contribui para “perceber que isto é possível alcançar e
sair e entender que não é onde tu mora, por que normalmente as regiões são de vulnerabilidade
social, não é essa região que vai te impedir de alcançar alguma coisa.”
André afirma que até o empreendimento do IVG se instalar na sua comunidade, “era
uma comunidade muito ‘alvoroçada’ [...] dispersa, de não ter propostas, as pessoas da
Comunidade não ter clareza nas coisas que faziam, não tinha apoio entre a comunidade [...] não
existia projetos sociais para melhoria”, mas depois sua comunidade mudou “de comportamento,
de educação [...] criar vínculos entre ela, para cooperar todo mundo e conseguir alguma coisa,
talvez melhorias na saúde, na educação, conseguiu melhorar nesse sentido.” Ressalta que “todo
o processo é significativo de alguma maneira, tem aprendizados [...] ter escolhas diferentes
daquela realidade criada para a gente [...] foi muito marcante.” Um dos aprendizados de André
neste processo de participação da Rede IVG foi “dar valor as coisas mais simples, e não tanto
aos materiais [...] eu sempre me esforcei para fazer tudo o que eu quis, tudo o que eu quero, eu
ainda me esforço, hoje até porque para mim, são coisas de valor.” André destaca que o IVG
contribuiu também profissionalmente “contribuiu em tudo [...] dar uma qualidade de vida
melhor para minha família”.
5.5 CRIAÇÃO DE VALOR DA REDE IVG
A Rede IVG, por meio de seus documentos norteadores estabelece diretrizes para o
funcionamento das atividades. Seus valores em âmbito organizacional, bem como as diretrizes
norteadoras da Igreja Católica, contribuem para garantir a inclusão de pessoas vulneráveis das
comunidades de periferia. A criação de valor na Rede IVG é percebida nas suas diversas ações
e atividades promovidas aos seus beneficiários e atendidos de forma indireta por meio dos
empreendimentos sociais instalados na região da Grande Florianópolis.
218
A Rede IVG, por meio dos seus gestores e participantes, definiu como princípios e
valores norteadores do empreendimento: o cuidado com a vida, a desconstrução e
ressignificação das relações centro/periferia, atuação a partir das margens, Accountability
(prestação de contas e transparência), valorização do capital social e o controle social. Muito se
tem feito para a inclusão de pessoas vulneráveis nos diversos ambientes, sejam eles sociais,
econômicos, políticos ou culturais, tornando-os plenos dos seus direitos e deveres na sociedade
brasileira, e por meio da legislação brasileira, a partir da Constituição, busca-se a garantia dos
direitos fundamentais da pessoa humana, bem como a garantia de que todos são iguais perante
a lei (Constituição Federal do Brasil, 1988; Estatuto Rede IVG, 2011; Rede IVG, 2017).
5.5.1 Valores sob a ótica dos Gestores
A Rede IVG visa a inclusão de pessoas que estão à margem ou excluídas da sociedade
brasileira, por meio de inclusão nos espaços sociais. Francisco, o empreendedor que contribuiu
para a formação da Rede IVG, afirma que sua visão de mundo está ligada ao “entendimento de
uma releitura dos tempos de hoje do Evangelho para o mundo contemporâneo [...] nós nos
acostumamos com as injustiças sociais [...] não é possível naturalizar sistemas que produzem
opressões ou naturalizar a cultura da injustiça social.” Devido à sua formação religiosa, faz uma
análise mais profunda sobre as disparidades que acontecem no mundo em desenvolvimento, “o
mundo hoje [...] tá perdendo a beleza da criação, sobretudo há muita desigualdade social,
pessoas que comem mais de três, quatro, cinco vezes e outras que nem têm para comer uma
vez, há uma desigualdade muito grande e não foi Deus que criou essa desigualdade.” Na sua
visão “fomos nós que criamos essa desigualdade [...] o que acontece no mundo não dá prazer
de estar nele, mas por fim temos que lutar e nós temos que transformar o mundo.” Ressalta
ainda que “a América Latina hoje é um continente com disparidades sociais profundas [...] a
gente naturaliza achando que esse mundo é assim mesmo [...] a mensagem do Evangelho é uma
boa notícia do ponto de vista que a esperança, não é um discurso vazio [...] tem que materializar
a esperança em oportunidade.” Como parte integrante da sociedade, argumenta que o problema
das disparidades sociais é mais amplo e merece ser discutido numa agenda, “no ano passado
nós perdemos 60.000 jovens do Brasil assassinados [...] pelo mundo do narcotráfico”, por meio
dos empreendimentos sociais, “gera-se oportunidade, perspectiva onde os valores [...] em
políticas públicas, os valores da ética, os valores da solidariedade, os valores da justiça social,
ou valores de rediscutir o papel do bem comum.” Resume a sua visão de mundo “que recupera
219
a questão da dignidade humana.” Para resgatar estas pessoas de processos de marginalização e
exclusão, Francisco afirma que por meio dos empreendimentos o valor que cria “é o valor da
vida [...] respeito à vida, gerar oportunidades para quem não tem, significa ter que fazer
processos de caminho conjunto, de tolerância, para que o outro também seja [...] o estudo como
um valor.” Francisco argumenta que para que ocorra mudança, é necessário que ela se faça
“pelo caminho da educação, penso que aqui está um grande valor do nosso trabalho, ter a
educação como um valor, talvez para muitos a educação não é o valor, mas para nós a educação
é um valor.”
Gabriela, quando questionada sobre sua visão de mundo, argumenta que “pra mim a
vida sempre é bonita, sempre positiva, tem essas coisas negativas, mas isso o povo faz, acontece
porque o povo não consegue se entender e fazem aquelas ladroagens e tudo, não chegam a um
denominador comum e não vão chegar nunca né?” Afirma que ocorreram mudanças na sua
vida, que mudou sua perspectiva de vida, “antes quando eu era irmã a gente ficava longe do
povo, longe das coisas, a gente só fazia os pedidos e rezava muito [...] comecei a pensar
diferente, agir diferente, ser mais do chão, com as pessoas, com o povo.” Quando iniciou seu
trabalho na comunidade, Gabriela ressalta que “eles eram muito dependentes [...] dependência
total, era dia e noite pedindo remédio”, pois eram muito carentes de recursos financeiros, falta
de estrutura na comunidade, as famílias eram desestruturadas. Ela acredita que com o passar do
tempo e o empreendimento se consolidando contribui para o crescimento da comunidade, “a
gente ajudou encaminhar eles pro trabalho pro emprego, ajudava a procurar emprego, a indicar
lugares onde tavam chamando.” Salienta que tudo o que foi feito teve como objetivo “pra
melhorar, pra gente ver o progresso e ver que é possível as famílias mudarem [...] um valor que
Deus colocou no meu caminho e eu acho que foi uma benção.”
A gestora Estela participa dos empreendimentos da Rede IVG a pelo menos dez anos,
afirma que a sua visão de mundo é “sempre sou muito positiva [...] a gente tem que fazer o
melhor possível aqui para que eles tenham oportunidades [...] é através da Educação, não tem
um outro jeito de chegar, de transformar, dar oportunidades.” Ressalta que o Brasil está num
momento complicado nos âmbitos político e econômico, “nosso país não investe em educação,
não investe em saúde, não investe em nada [...] está nos indicadores mais baixos possíveis [...]
se o próximo governo não colocar como foco a educação e a saúde, a gente não sai do ponto
que está.” Afirma que a comunidade em que trabalha teve mudanças substanciais e acredita que
“é através da educação a transformação, eu acho que é isso que vai poder modificar qualquer
coisa.” Ainda nesta perspectiva, acredita que o valor adicionado que a Rede IVG traz para as
220
pessoas sob sua ótica é o trabalho em Rede, “a gente tem a certeza que sozinho não faz nada
[...] sem essa articulação toda a gente não chega a lugar nenhum [...] essas sete Instituições que
compõem o Instituto sabem que uma necessita da outra, e que a gente junto é mais forte.”
5.5.2 Valores sob a ótica dos colaboradores
Para gerenciar os empreendimentos nas suas atividades diárias, a Rede IVG conta com
uma equipe de colaboradores para o desenvolvimento das ações realizadas nas diversas
comunidades da Grande Florianópolis. Muitos foram ou são moradores das comunidades e
conhecem a realidade, o que facilita a integração, além de conseguir promover mudanças
positivas nestes espaços.
Cosme, participante como colaborador dos empreendimentos em torno de menos 18
anos, afirma que sua visão de mundo pautada na “convicção que a gente tá aqui numa pequena
passagem [...] estou aqui pra tá fazendo alguma coisa [...] não é fazer mal [...] é fazer bem [...]
às vezes é dar um ‘chacoalhãonzinho’, é cutucar, é provocar [...] é desafiar as outras pessoas”,
considera que as situações que lhe são colocadas no seu dia a dia são oportunidades de “tá
amadurecendo [...] crescendo, evoluindo [...] na tua forma de lidar com as situações ou contigo
mesmo [...] que é de contribuir com os outros.” Em seu papel como educador considera que “as
coisas estão sempre conectadas [...] contra o viés da educação ao tradicionalismo, onde as coisas
são fragmentadas, é uma caixinha pra cada coisa.” Diante destas considerações, Cosme acredita
que o empreendimento conduz à transformação social da comunidade, “porque é uma mudança
de cultura, é uma gratificação, é uma realização pessoal, porque tu sabe que tudo isso aqui causa
mudança, é um propósito de vida.” Ele se considera um privilegiado, pois para ele todas as
situações são oportunidades para ensinar valores para os educandos, as famílias e a comunidade,
pois a “construção dos valores acontece no todo [...] a nossa ideologia é de uma educação
democrática, participativa e emancipatória.”
Outro colaborador da Rede IVG, Tales afirma que já houve muitas mudanças na
comunidade em que vive. Considera-se um privilegiado, pois conseguiu estudar e mudar a sua
realidade pessoal. Tem como visão de mundo, apesar dos problemas enfrentados pelo Brasil,
“positivista com relação a tudo, quanto ao mundo, quanto à vida [...] as melhores expectativas
possíveis, talvez por ser alguém que direciona pessoas, que orienta [...] me sinto nessa obrigação
de sempre de pleitear e imaginar um mundo melhor.” Ressalta que no seu trabalho, a realidade
221
é diferente, as condições de vida são diferentes e que precisa compreender que às vezes é mais
importante “o ser humano [...] bem mais que conteúdos, do que matéria.”
Bruno, pelas suas características pessoas e profissionais, afirma que apesar de “ter um
padre como presidente, como mentor, a nossa instituição ela é laica na sua prática [...] me seduz
porque a gente trabalha em prol de outro ser humano, independente da religião, da crença, da
ideologia partidária, de qualquer coisa.” Sua visão de mundo está muito atrelada a isso, “tenho
um pouco de espiritualidade, acredito mesmo que a solução das quais não seriam Deus nem
nada, quem cria os problemas somos nós, quem vai ter que resolver os problemas somos nós.”
Como sua formação está ligada à área econômica afirma que faz “bastante reflexão, só que
junto com isso, eu tenho pragmatismo de ação”, questiona ainda que o discurso sem prática,
pois há “muita reflexão na área social, um discurso brilhante, mas uma prática que não
acompanha esse discurso.” Bruno considera que o valor criado pelos empreendimentos nas
comunidades são como “sementes [...] você vai plantando sementes e vão nascendo flores,
plantas ou oportunidades [...] algumas delas, as colheitas são rápidas [...] outras a colheita
demora um certo tempo e há outras que a colheita é de muito longo prazo.” Afirma ainda que
pelo público alvo dos empreendimentos, “principalmente os jovens [...] tem um impacto muito
grande e eu acho que sim é reconhecido.”
Cristiano, outro colaborador que trabalha a pelo menos 10 anos nos empreendimentos
da Rede IVG, já enfrentou muitas dificuldades neste período, mas sempre manteve a esperança,
“me vejo como uma pessoa que tá pra viver pra ser feliz, mas que entende que a gente não vive
sozinho no mundo [...] o que você faz impacta na vida das pessoas, tem que tentar viver de um
jeito que o que você faz não vá atrapalhar na vida dos outros.” Tem uma visão compartilhada
da vida, que “você consiga contribuir com a vida dos outros, porque não adianta chegar em
primeiro, ganhar, se não tiver alguém do meu lado.” Neste sentido, sob sua ótica, o valor gerado
pelos empreendimentos da Rede IVG, é o valor “que gera aprendizado nas pessoas, isso pra
mim foi o principal valor.” Ressalta ainda que o “incentivo ao estudo [...] Iara é um caso [...]
hoje faz engenharia, não conseguia pagar faculdade se deu jeito [...] outro valor que pra mim
[...] de que a gente pode confiar, acreditar nas pessoas.”
Aurora, outra colaboradora da Rede, afirma que “cresci muito pessoalmente, amadureci
muito, aprendendo a lidar com o sofrimento do outro [...] passei a ter muita resiliência [...]
porque realmente não é fácil.” Pelo trabalho desenvolvido, tem como visão de mundo,
principalmente vendo o sofrimento do outro, “passei a ver o mundo de outra forma, lidar com
criança com as necessidades que a gente lida é muito difícil, nos endurece.” Pelas suas
222
experiências e para poder lidar com as dificuldades do dia a dia “a gente acaba endurecendo
pra poder lidar com isso, a gente lida com questões muito tristes, delicadas, difíceis, a gente
lida com a fome diária dessas pessoas.” No que se refere aos valores gerados pelo
empreendimento, sob sua ótica, acredita que “a gente agrega muito valor à vida das pessoas,
oferece oportunidades, que talvez elas não tivessem se a gente não tivesse lá”, a dificuldade
principalmente de sair das condições de marginalização ou exclusão, faz com as “organizações
da sociedade civil [...] é estar onde infelizmente o Estado não está e oferecer o que o Estado
não oferece.” Quando visita algum empreendimento da Rede, percebe que há “o cuidado com
a vida, aquelas crianças estão sendo cuidadas, tendo seus direitos respeitados [...] gente tem
esse cuidado com a vida isso que eu percebo, cuidado com a vida.” Ressalta ainda que a
presença de instituições como a que ela trabalha, “traz uma segurança pras famílias, [...]
segurança alimentar [...] pra muitas crianças, a refeição é a principal do dia [...] segurança física,
porque eu sei que o filho não vai tá na rua enquanto tiver trabalhando [...] questão educacional.”
5.5.3 Valores sob a ótica dos Parceiros
A Rede IVG, além do trabalho realizado na região da Grande Florianópolis, também
tem parceiros em regiões vulneráveis, como a Vila de Empada na Guiné Bissau. A parceria
realizada por meio de projetos que incentivam a educação e independência econômica dos
educandos, e operacionalizadas por Melchior, sua equipe local e por meio de apadrinhamento
econômico no Brasil, e atualmente é o gestor local com formação religiosa, exercendo seu
Ministério Sacerdotal naquela região da África. Quando questionado sobre sua visão de mundo,
afirma que “o mundo é uma beleza da criação, temos que agradecer a Deus porque ele criou o
mundo e tudo que se encontra no mundo [...] infelizmente nós os homens transformamos o
mundo numa outra forma, não a que foi criado”, fala com tristeza a respeito da desigualdade no
mundo, e corrobora com Francisco, pois “há muita desigualdade social no mundo, tu vê pessoas
que comem mais de três, quatro, cinco vezes e tu vês que outras que nem tem para comer uma
vez, [...] não foi Deus que criou essa desigualdade, fomos nós os homens.” Pela sua experiência
com a fome e a pobreza, afirma que “no mundo até não dá prazer de estar nele, mas por fim
temos que lutar e nós que temos que transformar o mundo.” Pelos desafios que assumiu nos
projetos em parceria com a Rede IVG, acredita que “me ajudou a crescer como pessoa, como
homem, como padre [...] pensar mais nos outros, dar possibilidades para os outros [...] esse é o
grande valor que através desse projeto me ajudou a crescer muito.” As crianças que participam
223
dos projetos, “muitos já descobriram o valor desse projeto, eles agradecem, mandam cartas [...]
eles estão desfrutando e conseguiram talvez inesperadamente algo que vai ficar para toda vida.”
Outra parceira da Rede IVG, Sofia, faz trabalhos com apoio da sua Universidade,
principalmente para os projetos que têm como foco os jovens encaminhados para o primeiro
emprego, desenvolvimento de competências e habilidades para o mundo do trabalho, bem como
o envolvimento dos alunos da referida universidade para oficinas de relacionamento
interpessoal, além de campanhas pontuais, como a lojinha de roupas para jovens do primeiro
emprego, localizado no CCEA. Quando questionada a respeito da sua visão de mundo, afirma
que “o ser humano é um ser indefinido de extensão, do bem do mal, vida e morte [...] eu tendo
muito para o lado de acreditar nas coisas, ter confiança, de ter fé na vida [...] de achar que a
gente sempre é capaz, de superar as dificuldades, por mais que haja desafios.” Ainda nesta
perspectiva, “meu primeiro passo é o de acreditar, da confiança, de olhar mais para as
possibilidades do que para os limites, é importante saber reconhecer os limites, saber lidar com
eles, e explorar criativamente essa atenção.”
Afirma ainda que a integração entre estes mundos diferentes, da academia e da periferia,
“quando a gente senta para conversar, enfim, é todo mundo ser humano, têm seus sonhos,
frustrações, dúvidas, medos [...] desmistificar preconceitos que a gente tem sobre mundos que
estão relativamente próximos, mas que a gente não conhece.” Diante destes desafios e sob sua
ótica, a “aprendizagem pela diversidade, pela conexão, diferentes conhecimentos, diferentes
mundos [...] botar as pessoas que têm diferentes conhecimentos, diferentes capacidades para
conversar, isso é criação de valor.”
5.5.4 Valores sob a ótica dos beneficiários
Dentre os beneficiários, a maior expectativa é ter um futuro digno, ter condições de se
sustentar, sustentar sua família e poder levar adiante a sua vida. Dentre suas preocupações é
com relação à sua comunidade, o local onde vivem, deixar de ser vulneráveis e aproveitem as
oportunidades que são oferecidas pela Rede IVG. Helena, participa da Rede desde criança,
moradora do Morro de Monte Serrat, hoje consegue perceber diferença, “as pessoas já
conseguem ver o futuro, ver à frente, não é sair de casa, voltar e acabou [...] uma família pra
cuidar [...] ter uma profissão [...] ter uma carreira”, na sua comunidade ela já percebe que as
pessoas já se permitem sonhar “vou ser um professor, vou ser um doutor”, muito destes sonhos
se deve a própria Rede IVG “que incentiva o pessoal da comunidade a estudar.” Como valor
224
que a Rede IVG cria para si, Helena afirma que “é o amor em si, o amor que tem ali, se não
fizer com amor não funciona.”
Antônia, mãe de três meninos, aluna da Rede e moradora do Morro de Monte Serrat,
considera que por meio do IVG teve oportunidades “principalmente pros meus filhos [...] hoje
eles não ficam em casa, eles estudam de manhã [...] sabe que ele tem o projeto à tarde, então
eles tão sempre ocupados”, afirma ainda que seus filhos “tão aprendendo muitas coisas, com
certeza isso já tá abrindo várias portas e oportunidades pra eles [...] mas ele já tem outra
dimensão, uma visão diferente de futuro, pra eles mesmos.” Como valor, o IVG “representa
pra mim hoje um futuro, uma expectativa de vida melhor [...] um futuro diferente que eu iniciei
na idade deles [...] eu idealizo pra eles e que realmente representa tudo isso pra mim, é vida, é
oportunidade.”
Beatriz, também participante, beneficiária da Rede e moradora da Caieira, veio de uma
família numerosa e pobre, “somos dez irmãos [...] foi uma dificuldade bem grande”, afirma que
não tinha expectativas da vida “meu pensamento era só trabalhar, ter minha casa e deu [...]
então não tinha muito futuro, eu achava que não tinha chance de crescer na vida, até que eu
resolvi me separar”, foi quando teve uma conversa com Francisco, ele a incentivou, “me deu
umas ideias, que eu era jovem, dava tempo, nunca é tarde [...] eu resolvi entrar e ver como é
que era [...] e realmente mudou minha vida.” No que se refere à Rede IVG e o valor que cria
sob sua ótica, Beatriz afirma que “agora eu sou uma pessoa mais educada.”
Iara, participante e beneficiária da Rede IVG, moradora da comunidade, afirma que na
região em que mora “é que ali é muito fácil de tá entrando no crime [...] crescemos todos juntos
[...] só que alguns seguiram por outros caminhos, teve amiga minha que se casou com traficante,
que até hoje vive uma vida difícil, não tem sua liberdade.” Afirma que desde criança, “tive um
pensamento de estudar [...] de ter uma formação [...] eu vou ser a primeira pessoa (da família)
que vou ter uma formação.” No que se refere à criação de valor, afirma que o “valor é mostrar,
dar oportunidades pras pessoas, mostrar que todo mundo tem direito de ter acesso a qualquer
lugar e ter direito, acesso à educação e também resgatar as pessoas tentar tirar essas pessoas de
até mesmo do tráfico.” Ressalta ainda que até para as pessoas que estão envolvidas no
narcotráfico, “mostrar que tem área de trabalho pra eles, podem tá se ocupando com outras
atividades, é um valor imenso.”
A partir da ótica dos beneficiários, a busca de novas perspectivas começa pela mudança
da realidade de hoje, seja pela busca da educação formal ou técnica a partir das oportunidades
cursos oferecidos pela Rede. Esta mudança de realidade no presente permite um futuro
225
diferente, seja pela qualificação, por oferecer uma nova visão de mundo, ou ainda, em
vislumbrar um futuro diferente do que é prescito por uma sociedade que exclui.
5.5.5 Valores sob a ótica da Família e Comunidade
O papel da Comunidade e da família é entrelaçado com o trabalho desenvolvido pela
Rede IVG, pois além de participantes da Rede, são beneficiários dos empreendimentos,
trabalhadores da Rede ou ainda participam como liderança comunitária.
Cristina, participante da Rede como familiar e colaboradora de um dos
empreendimentos, afirma que como visão de mundo, “a vida é bela, Deus nos deu a vida e deu
esse mundo maravilhoso pra gente viver nele [...] a gente tem que vê o mundo olhando pro
outro [...] é nosso irmão, e a gente em qualquer momento pode ajudar”, na sua simplicidade de
mulher do morro diz ainda que “mundo é dividido, a gente sabe, poucos tem muito e muitos
não tem [...] eu acho triste, mas a gente tem que ter sempre esperança.” E ainda muito devota,
afirma que “acredito num ser superior que é Jesus, Jesus e Maria, a gente tem que viver com
eles, pra gente ter força pra gente lutar, pra gente ser mais irmãos.” No que se refere ao valor
que a Rede IVG cria, ela afirma “que faz muita diferença, diferença pra família saber que eles
são importantes, que eles têm capacidade [...] que os projetos tão ai pra dá força [...] pra ouvir,
pra ajudar no que for necessário”, ressalta que devido a vulnerabilidade que são expostos nas
comunidades, a Rede IVG é importante “pra que esse jovem não se perca, ele se perceba que
ele é um ser humano, que ele tem capacidade, que ele possa ir além do onde ele mora [...] poder
sonhar.”
Iracema, outra familiar, participante e integrante da Rede como ex-beneficiária, afirma
ser muito preocupada com os filhos, para que tenham um futuro. No que se refere à visão de
mundo, afirma que “tá mais difícil né, mas tem que ter esperança.” Quanto ao valor que cria a
Rede, diz que depois das oportunidades de emprego e o apoio que dão a sua família, é “mais
feliz e até mesmo mais respeito”, por ter oportunidade de ter um emprego, quanto na sua
comunidade, por conseguir sustentar dignamente a sua família.
Silvia, que tem múltiplos papéis na comunidade, mãe e avó de beneficiário de
empreendimento, líder comunitária, voluntária do Centro Social Elizabeth Sarkamp, quando
questionada sobre a sua visão de mundo, afirma que “eu vejo o mundo de uma forma muito
triste, totalmente desigual às pessoas, hoje eu vejo principalmente desse governo que estamos
agora, eu não tenho lado partidário nenhum, o meu lado é o povo.” Considera ainda que no
226
Brasil, “estamos naufragando na política, nas políticas públicas, o povo tá perdendo vez e voz
[...] eu vejo colegas meus lutadores que são presidentes de comunidades [...] juntos somos mais
fortes, porque se a Silvia vai à prefeitura, a porta não abre.” No que se refere à criação de valor
que a Rede cria para as comunidades, afirma que “o IVG ajuda a gente ver, vê os dois lados,
porque ajuda o menino bom a continuar no caminho, ele ajuda o menino do traficante ou aquele
que já está tráfico a melhorar a vida, e não julga porque se fosse julgar não ajudaria, aposta,
acredita [...] ter esperança.”
5.5.6 Valores sob a ótica dos Voluntários
O papel dos voluntários ainda não é suficientemente explorado na Rede IVG, apesar da
participação de muitos nos empreendimentos da Rede. Os voluntários estão presentes em áreas
como gestão, direção de empreendimentos, apoio em atividades dos empreendimentos, como
nas oficinas do CCEA, em áreas específicas como na saúde, assessoria jurídica, entre outros.
Conrado, é empresário na região da Grande Florianópolis e voluntário que participa
ativamente na gestão do IVG, ele ocupa o cargo de vice-presidente do Instituto e apoia também
em atividades de assessoria aos empreendimentos. Devido a sua participação na vida econômica
da cidade, consegue ter uma visão ampla dos problemas sociais e econômicos da região, e atua
principalmente na articulação entre a Rede e as diversas esferas de governo. O seu trabalho no
IVG está ligado ao seu propósito pessoal, “eu gosto de um desafio [...] eu acho que eu sempre
quis fazer uma coisa dessas [...] Francisco, não me coloque pra fazer nada que eu faça de
organização [...] foi justamente onde ele me colocou.” No que se refere a sua visão de mundo
afirma que “eu acho que ninguém vem no mundo por acaso [...] alguma coisa que desse mais
sentido pra minha vida, que pudesse dar um tempero, eu vi nesse trabalho a possibilidade e a
proximidade a Francisco.” Faz uma analogia entre a gestão e o carisma com o ferro e o fogo,
“o ferro longe do fogo é uma estrutura dura, fria, escura, sem vida [...] quando o ferro vai pra
perto do fogo ele fica mole, ele fica incandescente, ele fica flexível”, da mesma forma considera
a gestão e o carisma “o fato de eu estar perto do carisma, acaba dando sentido pra vida, porque
se for analisar o mundo tá muito vazio, sem sentido.” Ainda afirma que “antes eu olhava Deus
numa perspectiva vertical [...] hoje eu olho Deus numa perspectiva horizontal [...] tô cada vez
mais espiritualista.” Quando questionado sobre a criação de valor da Rede IVG, Conrado afirma
que pensa sob duas óticas, “primeiro da ótica do IVG enquanto uma organização que visa criar
condições ou melhores condições para as pessoas [...] com algum direito usurpado pela da
227
própria sociedade”, e sob um segundo aspecto é o que o IVG cria para a sociedade, “que é a
questão da solidariedade, despertar o espírito solidário nas pessoas [...] os relacionamentos se
estabelecem de uma maneira muito rasa [...] benefícios muito individuais [...] a solidariedade
autêntica exige a gratuidade”, e afirma ainda que este seja o maior valor que o IVG cria para a
sociedade.
André, um ex-beneficiário, microempresário individual e aluno da Univali, atua como
voluntário na arrecadação de fundos para os empreendimentos da Rede. Afirma que a Rede
contribuiu em muito para ser o que é hoje, por meio da participação nos diversos projetos.
Afirma que por “alguém ter acreditado em mim, que era possível [...] me mostrar possibilidades
de que é possível fazer alguma coisa [...] eu não consigo pensar em alguma coisa sem a Rede.”
Reforça ainda que “ela foi fundamental para o meu crescimento, pessoal, profissional, para o
meu entendimento de vida, para ajudar nas minhas escolhas.” Aprendeu que para ter a visão de
mundo que tem hoje, a “vida é um aprendizado constante [...] perceber que algumas conquistas
te fazem correr, ir atrás de coisas maiores, com o apoio das pessoas, com honestidade, com
caráter, com valores, tratando bem as pessoas, pensando no próximo.” No que se refere à
criação de valor da Rede IVG, afirma que “contribuiu com propósito de vida, entender que é
muito mais que estas coisas de ter [...] a gente tem que pensar nos outros, pensar em ajudar as
pessoas [...] a gente pode ter a família e as pessoas que estão na nossa volta.”
5.5.7 Valores sob a ótica dos Gestores Públicos
O Governo atua em parceria com a rede IVG por meio de deliberação e implantação de
políticas públicas para o atendimento da população vulnerável da região da Grande
Florianópolis, seja por meio dos municípios, do estado, ou pelo governo federal, com aplicação
local. Os empreendimentos localizados nesta região são afetados pelo narcotráfico, o que leva
a intensificação de ações do governo, porém nem sempre conseguindo atingir os objetivos.
Heitor, responsável pela área de Segurança Pública do Estado de Santa Catarina, mas já
trabalhou na região da Grande Florianópolis, nas áreas de atuação da Rede IVG, no comando
de forças policiais, sendo conhecedor profundo das dificuldades provocadas pelo narcotráfico.
Quando questionado sobre sua visão de mundo, afirma que por estar num papel de comando e
destaque dentro de uma corporação policial, ressalta que “alguém que vive, que ensina o que
prega e cobra dos outros, valores de respeito aos outros [...] respeito à coletividade, ao meio
ambiente, um papel familiar, no papel de filho, de pai, de irmão, de esposo, e que também é um
228
papel de dar e receber.” Ressalta que procura “tornar o teu entorno melhor, ser alguém
confiável, de ser que ajuda a disseminar coisas boas, que é um facilitador e não complicador,
né, o que é um mediador e não um cobrador.” Em seu papel social, destaca que “no meu caso
acaba se confundindo muito o profissional com o papel do cidadão [...] o desafio é torná-lo
paradigma e convergente com os outros dois.” Acredita que sua contribuição seja “ser útil, ser
do bem, servir de exemplo, deixar os legados, acho que é um resumo dos valores que eu
acredito.” No que se refere aos valores que a Rede IVG cria sob sua ótica, valor para as pessoas,
“estabelece um horizonte de perspectiva para pessoas que não tinham perspectiva como opção,
identidade cultural, de empregabilidade, de status, de reconhecimento, constrói um novo ser
que se percebe digno de visibilidade”, além disso contribui “na autoestima das comunidades,
agrega valor individual [...] a menina que hoje é acadêmica de medicina, agregou valor, é uma
história que faz diferença”, destaca ainda que a comunidade do Monte Serrat, que na década de
80 e 90 era uma das mais violentas de Florianópolis, “conseguiu controlar a questão da violência
de uma maneira bem significativa.”
A outra representante do Governo é Zanira, gestora municipal e conhecedora da Rede
IVG desde a década de 1990, pois apoiou a elaboração dos primeiros projetos para os
empreendimentos no município de Florianópolis. Quando questionada sobre sua visão de
mundo, afirmou que “uma sociedade que não consegue resolver seus problemas básicos [...]
condições de vida das pessoas [...] é uma sociedade doente [...] estamos vivendo um momento
que está forçando a gente pensar alternativas de organização dessa sociedade”, afirma que como
sociedade, temos que ter a “capacidade [...] de mudar essa história, de pensar o lugar [...] onde
a gente consiga o respeito [...] que eu consiga conviver com outro, como o outro.” Se considera
uma sonhadora, e “enquanto a gente tiver capacidade de sonhar, de pensar formas de
organização social diferente, vale a pena estar aqui, eu quero um mundo mais justo, o mundo
que as pessoas se respeitem, o mundo em que eu possa ser quem eu sou.” Devido ainda a
diversidade racial existente no Brasil, em sua luta diária, defende que “se a gente conseguir esse
respeito, ser o que a gente é, conseguir distribuir melhor essa renda, onde a gente consiga
desnaturalizar” os comportamentos, achar tudo muito natural a morte de adolescentes, o
“hecatombe dos jovens negros, é porque algo não está certo [...] onde essas situações não
aconteçam [...] certamente nós vamos ter um mundo melhor para todos.” Como é profunda
conhecedora da realidade das periferias da cidade de Florianópolis, acredita que tanto a ACAM
quanto CEDEP, na mudança de realidade que os empreendimentos promovem, “eu penso que
a gente ganhou o trabalho.” No que se refere ao valor, Zanira destaca que a criação de valor
229
proporcionado pela Rede IVG é a “proporcionar as crianças, o acesso a bens culturais que elas
não teriam se não fosse ali, numa oficina de violino, por exemplo”, além de que elas tem a
“possibilidade de aprender, de conhecer, de se apropriar dos espaços da cidade, eu penso que
caminha um pouco por aí, e aí isso não dá para medir , é intangível, mas faz a diferença.”
Os valores explicitados sob a ótica dos participantes da Rede IVG, mostram como
ocorre à interação entre os diversos stakeholders, por meio de reconhecimento dos valores, e as
transformações que ocorrem nas vidas destes participantes. A criação de valor social promovida
pela Rede IVG pode ser visualizada na Rede de Valores no processo de Criação de Valor, como
mostra a Figura 33.
230
Figura 33
Rede de Valores da Rede IVG com apoio do software Atlas TI.
Fonte: Pesquisa de Campo (2017).
231
A Rede IVG, apresenta na sua estrutura seus princípios e valores organizacionais que
norteiam as atividades e ações de toda a Rede, tendo como objetivo principal a “encontrar
respostas criativas para os problemas da população [...] na construção de um futuro melhor para
as pessoas destituídas de direitos (Rede IVG, 2017). Pode-se verificar ainda, que de um lado,
os valores organizacionais têm o cuidado com a vida, de forma que permitam às populações
vulneráveis de forma a inclui-los na vida das cidades, na busca permanente da desconstrução e
ressignificação das relações entre centro e periferia, transformando a exclusão em inclusão por
meio da sua missão, visão, princípios e valores, criando valor para estas comunidades e seus
moradores. O diferencial que a Rede IVG promove na vida das populações vulneráveis por
meio da educação visa promover a inclusão nos diversos espaços sociais de forma a desenvolver
e integrar as comunidades de periferia na vida da cidade. Os valores elencados pelos sujeitos
da pesquisa, com base na Teoria de Valores de Schwartz (1992), e no locus de valor nos sujeitos
pesquisados, ou seja, sob a ótica de individuo, são explicitados na Figura 34.
Figura 34
Valores dos Sujeitos da Pesquisa na Rede IVG.
Fonte: Adaptado de Schwartz (2012). An Overview of the Schwartz Theory of Basic Values. Online Readings in
Psychology and Culture, 2(1) e Dados da Pesquisa, 2017.
Dentre os valores encontrados na pesquisa de campo na Rede IVG, pode-se destacar
primeiramente os valores ligados à conservação, pois as pessoas estão mais preocupadas em
sair de condições de vulnerabilidade em que se encontram, buscam a segurança que ainda não
232
possuem e que almejam. Os valores destacados pelos sujeitos sob a perspectiva pessoal foram:
crescimento pessoal por meio da educação, que se tornou um valor, empoderamento, identidade
cultural, oportunidade aliada ao propósito de vida, reconhecimento pessoal associado ao status
adquirido com a nova condição social, o que gera valores associados à perspectiva social como:
a felicidade, futuro melhor, a possibilidade de poder ajudar contribuindo para que as outras
pessoas da comunidade tenham as mesmas oportunidades, a segurança propriamente dita, bem
como, a rede gerada pelos envolvidos contribui para a transformação social. A seguir os valores
ligados a autotranscedência como: aprendizagem proporcionada pelas ações da Rede, empatia
de colocar-se no lugar do outro, missão pessoal e solidariedade em contribuir para uma vida
melhor, e por fim o valor da vida, o bem maior que uma pessoa pode ter independente da sua
condição social, econômica, política ou cultural. E por último o reconhecimento de um trabalho
pela sociedade que está inserida, além da identidade cultural proporcionada a estas pessoas, o
valor de pertencer a um lugar que é seu por direito. Dentre os diversos valores que os sujeitos
da pesquisa externalizaram, pode-se ver resumidos na Figura 35.
233
Figura 35
Comparativo das diferentes percepções de valor, segundo os sujeitos.
Gestores Colaboradores Governo Familiar
Comunidade Beneficiários Voluntário Parceiros
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So
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Valor da Vida x
Oportunidade x x x x x
Missão pessoal x
Rede x
Transformação Social x x
Aprendizagem x x x x x
Segurança x
Solidariedade x x
Empatia x
Felicidade x
Futuro Melhor x x
Reconhecimento x x
Acreditar x
Empodeiramento x
Crescimento Pessoal x
Status x
Empregabilidade x
Conquista pessoal x
Propósito de vida x
Ajudar x
Fonte: Dados da Pesquisa (2017).
234
Na teoria de Inglehart (1977, 2009), a mudança de valores numa sociedade acontece de
forma lenta e gradual, sendo a escassez e a socialização são dois pontos cruciais para a mudança
de valores, tanto nos indivíduos como nas sociedades. A realidade brasileira tem se mostrado
ao longo dos anos dentro a perspectiva de escassez principalemnte de recursos materiais para o
atendimento das necessidades básicas como educação, saúde e segurança. Os indivíduos
buscam assim superar situações ligadas a violência, devido à sensação de insegurança
provocada pelos constrangimentos em relação a si e aos seus. Neste sentido, há uma tendência
de privilegiar o desenvolvimento material e objetivo como forma de se obter meios de proteção,
seja ela pessoal ou patrimonial, ou seja, os valores priorizados pelos indivíduos está ligado
diretamente ao meio em que vive, sendo ele um dos principais fatores influenciadores destes
valores (Inglehart 1997, 2009; Ribeiro, 2007).
Na perspectiva de criação de valor do empreendimento brasileiro, sob a ótica dos
sujeitos da pesquisa, e pelas características dos indicadores como: IDH, Índice de Gini, nivel
de escolaridade da sua população, acesso aos serviços públicos como água, luz, telefones,
políticas públicas de inclusão, o Brasil não possui estabilidade social e econômica, sendo
considerado ainda em desenvolvimento. Apesar de alguns dos indicadores apresentados serem
considerados bons, isto não se aplica, muitas vezes à periferia das grandes cidades, pois nem
sempre o acesso aos itens básicos que deveriam ser universalizados, impactando nos
indicadores medidos em regiões mais estáveis social e economicamente.
Fazendo uma correlação com a teoria de Inglehart (2009), os valores apresentados pelos
sujeitos são considerados materialista, pois ainda buscam colocação nos espaços sociais, sendo
muitas vezes marginalizados e/ou excluídos, necessitando de movimentos reivindicatórios para
assegurar o acesso a direitos básicos e nem sempre disponibilizados, bem como as políticas
públicas deficitárias e um Estado que não promove a garantia de direitos básicos à sociedade.
Corroborando com a perspectiva materialista também é explicitada pela visão de mundo e na
criação de valor gerado pela rede IVG, sob a ótica dos multistakeholders, reforçando os valores
de conservação e autoproteção definidos por Schwartz (2012). Assim, a combinação das duas
teorias por ser comprovada na perspectiva materialista dos sujeitos pesquisados na Rede IVG,
como mostra a Figura 36.
235
Figura 36
Criação de Valor sob a ótica dos Sujeitos.
Fonte: Dados da Pesquisa (2017).
Para Inglehart (2009) e Ribeiro (2007), as condições socioeconômicas dos indivíduos
afetam seus valores, pois a sobrevivência é fator determinante influenciados diretamente pelos
faores sociais, econômicos e políticos. Para os autores, o Brasil ainda se econtra na fase
industrial de desenvolvimento, que tem por consequência a burocratização e a secularização,
que remetem ao conservadorismo e manutenção do status quo. Eles ainda argumentam que
programas de redução da pobreza e elevação dos níveis educacionais já contribuiriam para uma
mudança nas habilidades cogniticas dos indivíduos, levando-os à independência intelectual e
por consequência sua autonomia.
Para o desenvolvimento de uma sociedade, é imprescindível a inclusão de todos nos
espaços sociais, garantindo-lhes direitos e deveres para o pleno desenvolvimento da cidadania.
O Brasil, ainda tem muito o que avançar para ser uma sociedade que inclui plenamente seus
cidadãos. Ainda faltam mecanismos que assegurem, desde estabilidade social, política
econômica, geração de emprego e renda principalmente nos níveis mais baixos da população,
a melhoria na distribuição de renda, além de garantia de acesso aos serviços de saúde, educação
e segurança, considerados básicos, para podermos assim ser considerados uma sociedade mais
justa e inclusiva.
236
6 MODELO TEÓRICO DE CRIAÇÃO DE VALOR
Este capítulo tem por objetivo a apresentação do modelo teórico de criação de valor
social gerado a partir da pesquisa de campo em empreendimentos sociais realizadas no Brasil
e na Espanha. Por meio das informações qualitativas e com base nas teorias utilizadas, espera-
se verificar como a trajetória impacta na perenidade dos empreendimentos e contribuem para a
inclusão de pessoas consideradas vulneráveis e passíveis de exclusão social. São apresentadas
etapas do modelo teórico que emergem a partir da teoria e procedendo-se à definição do modelo
para estes empreendimentos, esperando-se assim que se possa contribuir para uma maior
discussão do tema e promover o aprofundamento da teoria neste campo de pesquisa.
6.1 APRESENTAÇÃO DO MODELO
O modelo teórico ora proposto surgiu da aplicação metodológica da Grounded Theory
em empreendimentos sociais no Brasil e na Espanha, atendendo critérios estabelecidos no
capítulo 3 desta tese. As etapas foram estruturadas por meio das informações qualitativas
obtidas por meio de técnicas de pesquisa que contribuíram para a elaboração do modelo teórico,
levando em consideração os fatores que criam valor social nos empreendimentos, sob a ótica
dos sujeitos.
Para o atingimento dos objetivos propostos neste trabalho, sugere-se estabelecer as
seguintes etapas para o modelo teórico:
6.1.1 1ª Etapa - Intenção Empreendedora Social (IES)
Esta etapa é caracterizada por ser a base do processo de criação de valor social e teve
como origem a sensibilidade e vontade dos empreendedores sociais, que em contato com a
realidade das comunidades ou pelas próprias necessidades, movem-se no sentido de
empreender esforços e desejos que resultem na criação de empreendimentos em regiões de
vulnerabilidade ou com sensibilidade social para a criação de organizações do terceiro setor.
A IES pode ser associada também a movimentos sociais provenientes de grupos que
reivindicam a ocupação e a participação nos espaços sociais nas comunidades, bem como
assegurar direitos garantidos em legislações nacionais e regionais, acesso à educação, saúde e
237
segurança e outros direitos assegurados às populações vulneráveis. Os empreendimentos foram
criados e desenvolvidos por meio de parcerias com pessoas da comunidade, entes públicos,
organizações dos diversos setores da sociedade sensíveis as suas causas e comprometidos com
a melhoria das condições de vida destes coletivos. Os empreendimentos sociais, APSA e Rede
IVG, tiveram como objetivo inicial o atendimento de necessidades de grupos vulneráveis e com
o risco de exclusão social, que por meio de movimentos sociais reivindicatórios, foi possível
permitir a inclusão, mesmo que, muitas vezes, parcial destes coletivos.
No Brasil, os empreendimentos foram criados por empreendedores que tinham contato
com a realidade de periferia a partir da década de 1980, excluídos dos seus direitos básicos de
acesso aos serviços oferecidos obrigatoriamente pelo Estado. Os empreendimentos que
compõem a Rede IVG tiveram como apoio os movimentos sociais reivindicatórios, tornando-
se bandeira para a inclusão de pessoas à margem da sociedade e que só por esta via conseguem
ter “voz e vez”, como afirma Francisco. Ao longo dos anos e por necessidades locais, outros
empreendimentos foram criados para a ampliação deste atendimento, o que hoje forma uma
rede. Para garantir este funcionamento, os empreendimentos são norteados pela Constituição
Federal Brasileira (1988), Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), Marco Regulatório
(2014) e suas atualizações, bem como decretos de reconhecimento de utilidade pública em
âmbito municipal e estadual, com concessões inerentes às organizações do terceiro setor.
No contexto brasileiro, Conrado afirma que a IES da Rede IVG tem a finalidade de
contribuir para a sociedade da Grande Florianópolis, um trabalho que “no fundo ele (Francisco)
quer juntar os fios entendeu? Tecer os fios”, numa tentativa de atender as necessidades
prementes das pessoas mais desfavorecidas, como forma de melhorar as condições de vida e
por consequência, seu fortalecimento como cidadãos. Francisco ressalta que suas motivações
sempre foram ligadas a “releitura dos tempos do Evangelho para o mundo contemporâneo [...]
Evangelho da Alegria, do Papa Francisco [...] a esperança não é um discurso vazio, tem que
materializar a esperança em oportunidade.” Afirma que seu compromisso é com a geração de
oportunidades para a juventude desfavorecida, “como se compreende uma sociedade que pode
ser inclusiva, uma cidade que a gente escuta o bem comum, uma cidade que te ponha como
foco, e pelo olhar da justiça social enquanto presença de vida.”
Pelas características dos empreendimentos, as necessidades são buscadas por meio de
movimentos reivindicatórios das populações de periferia das grandes cidades, pois nem sempre
são atendidas pelo Estado, sendo necessários empreendimentos deste tipo para que se possa ter
o mínimo de dignidade assegurada a estas pessoas.
238
Na Espanha, a ISE também teve como base o movimento social organizado pelos pais
de pessoas com discapacidade e apoiado pela sociedade civil espanhola na década de 1960.
Naquele país tiveram apoio ainda na Constituição Espanhola (1978), a Lei de Minusvalia
(1982), bem como pela legislação específica voltada para o terceiro setor espanhol e outras leis
complementares na Comunidade Valenciana.
No contexto espanhol, a ISE é ressaltada por Santiago quando diz que “APSA começa
com um grupo de pais que têm filhos com discapacidade intelectual no ano de 1962, então se
criava a associação com grupo de pais e conforme iam crescendo seus filhos vão gerando uma
série de recursos”, criados com o intuito de atender as necessidades dos seus associados. Ramiro
por sua vez salienta que a APSA, por meio da sua ISE, visa atender “os pais [...] seus filhos que
estão em etapas infantis ou em etapas educativas [...] (crianças) muito pequenas, dois a três
anos, fazendo seus tratamentos de estimulação, ortopedia, de fisioterapia, este é o trabalho da
Associação.” Nilda, como participante da associação e mãe de descapacitado e na sua luta por
condições dignas para sua filha Pepita, afirma que “se acontece alguma coisa aos pais, eles
ficam desamparados, e aí o que acontece com essas pessoas? E isso é muito ruim, penso que as
associações como esta não vão nos desamparar, oxalá.”
No que se refere à intenção social empreendedora, tanto a Rede IVG como APSA não
a tiveram inicialmente declarada, mas hoje apresentam sistemas de governança próprios, e a
luta pela inclusão nos espaços sociais ainda é uma realidade, pois as condições de vida digna
ainda é uma necessidade para os públicos atendidos pelas Associações. A motivação e
participação efetiva dos seus membros, sejam eles associados, colaboradores, gestores,
voluntários contribuem para a manutenção das atividades, como foi pensando no início da
criação dos primeiros empreendedores, seja também pela escassez dos serviços oferecidos ou
pela busca de garantia dos direitos das mais diversas formas.
O desdobramento da ISE por meio da criação de empreendimentos em lugares distintos
é decorrente da omissão ou até mesmo ausência do Estado, corte de direitos ou ainda falta de
recursos, que por meios reivindicatórios pretende-se assegurar os direitos destes coletivos,
encontrando nos empreendimentos as respostas para as suas necessidades. A capilaridade dos
empreendimentos em diferentes pontos da região em que estão localizados, bem como a sua
articulação com a Comunidade, mostraram-se relevantes para ISE, pois contribuíram para
ampliar a rede de atendimento dos públicos alvo das Associações estudadas. Além disso, o
processo de escuta contribuiu para o aperfeiçoamento e inovação na prestação dos serviços
oferecidos pelos empreendimentos em diferentes contextos, mostrando-se relevante para a ISE.
239
Os empreendimentos, por sua vez, tiveram intenção social empreendedora diferente, motivada
principalmente pela origem dos empreendedores. No Brasil, a principal motivação dos
empreendedores da Rede IVG tem fundo religioso ou princípios ligados às crenças religiosas
brasileiras, seja pela formação sacerdotal do empreendedor principal, ou ainda pelo
engajamento promovido pela ligação com a Igreja Católica Romana, por meio de missas,
sensibilização nas comunidades de periferia, reinvindicação de direitos, movimentos sociais e
religiosos ou ainda simpatizantes com a causa de inclusão na sociedade. Já na Espanha, a
principal motivação dos empreendedores foi por meio de movimento social liderado por pais e
simpatizantes com a causa de pessoas com discapacidade, que por uma necessidade de incluir
seus filhos nos espaços sociais, movimentaram-se no sentido de valer seus direitos enquanto
cidadãos.
6.1.2 2ª Etapa - Fatores Internos dos Empreendimentos
Para a ISE ser concretizada, os empreendimentos sociais necessitam de uma estrutura e
organização interna para atingir estes objetivos. Para que isto seja possível, as Associações
possuem fatores internos que contribuem para o desenvolvimento das atividades. O primeiro
fator interno que se pode estabelecer são os componentes estratégicos como a missão, visão,
valores e objetivos organizacionais, estatutos constitutivos, regimentos de trabalho, bem como
documentos norteadores contribuíram para a estruturação dos empreendimentos, tanto no Brasil
como na Espanha. No que se referem aos componentes estratégicos, ambos os
empreendimentos possuem missão, visão, valores organizacionais, e também regimentos
internos ou estatutos que norteiam as atividades.
No empreendimento brasileiro, a missão da Rede IVG é definida como “prestar serviços
de assessoramento, defesa e garantia de direitos, sem qualquer discriminação, tendo como
marco referencial a Constituição”, e sua visão é “tornar-se referência como propositor de
políticas públicas, na gestão de recursos e assessoria às Organizações da Sociedade Civil que
atendam e defendam os direitos fundamentais de populações em vulnerabilidade social”. As
finalidades do empreendimento, norteados pelos valores organizacionais são definidos como
“cuidado com a vida, a desconstrução e ressignificação das relações centro/periferia, atuação a
partir das margens, accountability, valorização do capital social, controle social”. Para dar bom
funcionamento aos trabalhos dos empreendimentos da Rede, cada organização tem sua diretoria
própria e regime de trabalho amparado nas leis da República Federativa do Brasil, como a
240
Consolidação das Leis do Trabalho, Código Civil e Penal, projetos políticos pedagógicos,
planos de trabalhos, entre outros. No que se refere ao IVG, o instituto tem estatuto próprio que
norteia o funcionamento de suas atividades, bem como documentos norteadores da Igreja
Católica Romana para amparar suas atividades.
No empreendimento espanhol, os componentes estratégicos foram também norteados
para dar perenidade ao empreendimento. APSA tem como missão “a melhoria da qualidade de
vida daquelas pessoas com discapacidade, ou risco de apresentá-la, de suas famílias e do seu
entorno” e como visão “vocação inovadora e dinâmica em trabalhar com pessoas com
discapacidade, prestando atenção às necessidades dos seus sócios, e das demandas da
sociedade, assumindo novos desafios e sendo fiel à sua missão.” Os valores organizacionais
definidos por APSA são a “solidariedade, responsabilidade, respeito, honestidade, não
discriminação e igualdade”. Para amparar suas atividades, a organização adota o código de ética
da FEAPS, bem como as legislações específicas espanhola e da União Europeia, da qual faz
parte. APSA possui estatuto próprio que norteia suas atividades, bem como a responsabilidade
da Junta Diretiva, associados e parceiros.
Os empreendimentos sociais podem sofrer influência dos processos estruturais, como o
modelo de gestão, que devem se adaptar às contingências e necessidades organizacionais. Na
Rede IVG, a criação do Sistema de Governança foi considerada um avanço na gestão como
destaca Sofia, “a ideia da rede é fantástica”, pois além de atuar em empreendimentos de forma
isolada, ainda é possível o compartilhamento de experiências entre os membros da Rede,
“alguns recursos de gestão, você pode, cursos financeiros, inclusive de pessoas, de redes de
voluntariado, de doadores que podem ser mobilizados, e assim potencializar os recursos
existentes.” Aurora ainda afirma que “depois da criação do Instituto a gente conseguiu [...] deu
grandes passos no sentido da formação de profissionais que trabalhavam aqui conosco, uma das
missões do Instituto.” O IVG, como rede e pelo grande número de atividades e serviços
oferecem, salienta Aurora, que é necessário “capacitar, formar, cuidar de quem cuida [...] o
nosso olhar é muito voltado pra cuidar de quem cuida das nossas crianças, quem cuida do nosso
público atendido [...] acho que grandes passos, avançou muito.” A decisão da união em rede
veio a partir da mortalidade das organizações sociais, e igualmente da necessidade de
profissionalização dos empreendimentos, como afirma Conrado, “os sete empreendimentos se
juntaram, tentando potencializar seus serviços, áreas de atuação e competências, para
sobreviver eu preciso me juntar a alguém”, e ainda argumenta que “o conceito da Governança
é o que acaba dando sustentabilidade e perenidade para as organizações.” O trabalho
241
desenvolvido no IVG tem como característica a estrutura em rede, pois cada empreendimento
tem sua estrutura própria e atende a um público específico, mas todos unidos num ponto de
convergência que é o IVG. A importância de se trabalhar em rede, foi destacada pela
necessidade de fortalecer os empreendimentos de forma que possam contribuir mutuamente no
atendimento da sua atividade-fim, bem como se fortalecer para dar continuidade ao trabalho
desenvolvido.
No empreendimento espanhol, o Sistema de Governança apoiou na profissionalização
requerida pela Associação, sendo hoje realizada por profissionais contratados para este fim.
Santiago afirma que a Junta Diretiva “é totalmente altruísta, e a composição da junta por uma
parte é de pais, que tem algum filho dentro da organização”, contam ainda com o apoio de
pessoas da sociedade civil “que colaboram com a associação dentro desta Junta Diretiva, nos
apoiando com seu conhecimento.” No caso da APSA, ficou evidenciada que a estrutura que
atende suas necessidades é em forma de um guarda-chuva, que abarca todos os serviços
oferecidos dentro de uma estrutura própria, desde o nascimento quando detectado que a criança
necessita de apoios e que podem encontrar na associação, até a sua morte, quando o associado
não possui mais familiares para ampará-los. Esta organização foi considerada importante, pois
contribui como forma de apoio mútuo e compartilhamento dos recursos, que se ajustam às
contingências e necessidades organizacionais, e das comunidades que apoiam, fazendo com
que os empreendimentos atinjam seus propósitos. Independente da estrutura do
empreendimento, é importante ressaltar que ela é relevante para o atingimento dos seus
objetivos organizacionais, e cada organização deve ponderar qual a melhor forma de manter
suas atividades.
A forma de organização dos empreendimentos também impacta na sua estrutura. No
caso de APSA, ficou evidenciada que a estrutura que atende suas necessidades é em forma de
um guarda-chuva, que abarca todos os serviços oferecidos dentro de uma estrutura própria. Já
o IVG tem como característica a estrutura em Rede, pois cada empreendimento tem sua
estrutura própria e atende a um público especifico, mas todos unidos num ponto de
convergência que é o IVG. Esta organização foi considerada importante pois contribui como
forma de apoio mutuo e compartilhamento dos recursos, que se ajustam as contingências e
necessidades organizacionais, e das comunidades que apoiam, fazendo com que os
empreendimentos atinjam seus propósitos. Independente da estrutura do empreendimento, é
importante ressaltar que ela é relevante para o atingimento dos seus objetivos organizacionais,
e cada organização deve ponderar qual a melhor forma de manter suas atividades.
242
Ambas as organizações tiveram num determinando momento de sua trajetória que fazer
adaptações nos seus sistemas de gestão, tendo como objetivo fim a profissionalização e a
manutenção dos empreendimentos na sua área de atuação. A forma de organização dos
empreendimentos também impacta na sua estrutura. Ainda neste sentido, mesmo que de formas
diferentes de atuação ou por suas características distintas enquanto empreendimento, isto foi
necessário para a manutenção dos empreendimentos, mostrando a importância de uma gestão
profissional na continuidade e perenidade das organizações. Cabe ressaltar que a forma
encontrada pelos empreendimentos em potencializar sua estrutura contribui de forma
significativa na coordenação das atividades que são desenvolvidas, bem como o apoio mútuo
entre elas para que os resultados sejam alcançados.
Outro fator interno observado pelos sujeitos foi a estrutura necessária para o
funcionamento dos empreendimentos, divididos em: estrutura física, pessoas por meio dos
profissionais e os recursos financeiros. No que se refere à estrutura física pode-se considerar os
prédios, equipamentos, materiais, entre outros insumos, necessários para o atendimento dos
propósitos estabelecidos pelos empreendimentos, tal como para o atendimento das necessidades
dos beneficiários. No contexto brasileiro, a Rede IVG possui escolas, prédios cedidos pelo
governo ou ainda sedes próprias para o desenvolvimento das atividades. No contexto espanhol,
APSA também possui prédios próprios ou cedidos pelo governo local para o desenvolvimento
de suas atividades, bem como galpões destinados para as atividades dos Centros Especiais de
Emprego, e residência para a terceira idade.
Um fator interno importante para o funcionamento dos empreendimentos são as pessoas,
composto por profissionais com formação específica para o atendimento das diversas
necessidades dos beneficiários dos empreendimentos, sejam eles gestores, técnicos, analistas e
assistentes. Este fator está ligado diretamente à profissionalização dos empreendimentos, pois
por meio dela é possível a criação de projetos específicos para o atendimento das necessidades
do público atendido. Apesar das duas Associações reconhecerem que a estrutura para apoio das
atividades, bem como a parte financeira são importantes para a gestão dos empreendimentos,
afirmam que o conjunto da estrutura coloca à disposição para o desenvolvimento das atividades
também são importantes.
No contexto brasileiro, Bruno afirma que no que se refere aos recursos “não é só
dinheiro, pessoas, tempo, equipamentos [...] tinha uma ideia brilhante, mas não tinha dinheiro,
não tinha aonde executar, com quem fazer.” No contexto espanhol, Santiago ressalta que muito
do crescimento da estrutura da APSA foi por conta de investimentos da administração
243
provincial, “uns dois anos uma residência que construiu a assembleia e cedeu para que nós
usássemos [...] as prefeituras, “a nível de” infraestruturas, crescemos pela mão da
administração.”
No contexto brasileiro, os profissionais contratados pelos empreendimentos possuem
qualificação para o desenvolvimento das atividades, como ressalta Conrado, os “funcionários
nessas sete organizações [...] mais de 70% têm curso superior, nós temos graduados, pós-
graduados, mestrando, mestres, doutorandos, doutores [...] é uma massa trabalhadora de muita
qualidade.” No contexto espanhol não é diferente, Jade afirma que o trabalho é desenvolvido
pelos profissionais da APSA que são “pessoas jovens com boa formação com as ideias novas
[...] ser uma boa pessoa já não é mais o suficiente para trabalhar, tem que ter um mínimo de
formação específica, geral também, e experiência.” Percebe-se que as organizações são
profissionalizadas e atraem profissionais com formação para o desenvolvimento de suas
atividades, para que assim possam desenvolver um trabalho adequado e alinhado com os
objetivos organizacionais, bem como contribuir para a sua permanência no terceiro setor.
Pode-se considerar a qualificação profissional como um fator propulsor da ISE, pois por
meio dos profissionais, é possível realizar diagnóstico de novas necessidades, atendimento de
outros segmentos sociais, e que possa ser oferecido pelos empreendimentos, bem como a
ampliação de produtos e serviços para os associados ou beneficiários. Um destaque no
empreendimento brasileiro é o carisma inerente aos empreendedores sociais que iniciaram os
projetos na décade de 1980, no sentido de promover a ligação entre o centro e a periferia por
meio do carisma, como afirma Conrado, “tens que fazer isso com humildade, com compaixão,
com espírito solidário [...] o nosso trabalho é justamente fazer com que não apenas a mente, a
razão, mas, o coração das pessoas esteja encharcado dessa verdade.” Além disso, um fator
propulsor da ISE é por meio dos profissionais, é possível realizar diagnóstico de novas
necessidades, atendimento de outros segmentos sociais, e que possa ser oferecido pelos
empreendimentos, bem como a ampliação de produtos e serviços para os associados ou
beneficiários.
Outro fator considerado relevante pelos sujeitos da pesquisa são os recursos financeiros
necessários para a manutenção da estrutura física e de pessoal dos empreendimentos. Os
recursos podem ser oriundos de entes públicos e privados, subvenção, recursos oriundos de
projetos de responsabilidade social de organizações privadas, parcerias, doações, editais de
financiamento, projetos de captação de recursos, festas beneficentes, e também de filantropos
sensíveis às causas sociais, bem como produtos e serviços gerados pelo próprio
244
empreendimento. Um dos objetivos é a sustentabilidade financeira dos empreendimentos, por
meio de receitas que permitam a prestação contínua de serviços aos seus beneficiários ou
associados.
No contexto brasileiro, Bruno ressalta que “preciso contratar pessoas que sejam
profissionais que tenham competência pra aquela situação que ela vai ser contratada que
consiga ter resultado e que tenha princípios e valores alinhados ao da Instituição.” No contexto
espanhol, Ramiro salienta que para manter a estrutura da APSA, “temos que acompanhar com
o resultado econômico, porque tudo é muito bonito, mas se os números não saem temos que
fechar e irmos para nossas casas [...] é uma responsabilidade é muito grande.” Para atender aos
requisitos de publicidade das atividades exercidas pelas organizações sociais, e o destino do
dinheiro destinado à sua manutenção, as associações publicam relatórios que no caso do Brasil,
o nome é Balanço Social publicado anualmente na página web do Instituto Pe Vilson Groh
(Rede IVG, 2017). No contexto espanhol, são publicadas as Memórias de Atividades, também
na página web da Associação APSA (APSA, 2017), onde os parceiros, associados e
beneficiários podem acompanhar a aplicação e os resultados alcançados pelas associações ao
longo do período.
A escassez de recursos é um fator limitador no desenvolvimento das atividades nas
organizações do terceiro setor, entretanto Bruno ainda ressalta que a sustentabilidade financeira
para a continuidade das atividades no empreendimento é um fator determinante, “existem
muitas falácias na área social, falta dinheiro porque faltam bons projetos [...] deveriam investir
o tempo em captar recurso, gastar menos dinheiro e menos tempo e inteligência no dia a dia”,
entretanto ainda afirma que as ONGs “existem não é pra captar recurso, executar ações que tão
dentro da sua missão, a sustentabilidade financeira”, pois se quiser manter seu nível de serviço
para a população, deve gastar seus recursos com inteligência de maneira a ter continuidade.
Conrado corrobora com esta afirmação quando diz que “a gente precisa equilibrar as nossas
contas, não precisa sobrar dinheiro, mas também não tem que faltar, nós precisamos pagar
salário, nós precisamos pagar os insumos etc. e tal.” A questão financeira é tratada com
preocupação, como afirma Conrado, “a questão do dinheiro sempre foi uma coisa muito
problemática [...] a falta de dinheiro não é privilégio de uma organização”, pois a realidade
brasileira e a limitação de recurso financeiro por parte do Estado são consideradas um fator
limitador para o desenvolvimento das atividades das organizações do terceiro setor. Bruno
salienta que “o Estado não faz investimento na área social [...] as ONGs acabam assumindo
muitas funções que o Estado deveria assumir”, e que pelo empreendimento ter assumido o
245
equilibro das contas como missão da organização fez com que tenha “conseguido passar por
esses momentos de grande turbulência na economia e da política brasileira que impactam
diretamente as ONGs.”
No empreendimento espanhol também há a preocupação com a sustentabilidade
financeira do empreendimento, Santiago afirma que para a criação de serviços para os
associados torna-se necessário que seja “nivelado a conta de resultados, não temos nenhum
centro que tenha déficit importante e que não podemos assumir.” Este fator assume tal
importância na gestão do empreendimento que ele ainda afirma que “tem que ter um resultado
econômico, não para ganhar dinheiro, mas para que pelo menos tenha um equilíbrio, não
podemos gastar mais dinheiro do que ingressou.” Ramiro corrobora com este pensamento e
ainda afirma que “se as coisas não funcionam do plano econômico não podemos seguir
funcionando [...] temos que ser capaz de gerar estabilidade, viabilidade e sustentabilidade da
empresa e depois a parte está a subvenção.” Salienta que para desenvolver as atividades de
APSA é imprescindível que “tem que ser muito cauteloso e pensar nas coisas [...]
responsabilidade, de mim depende em torno de 180 pessoas.” Ramom afirma que no que se
refere a sustentabilidade de toda APSA, os recursos são oriundos em duas frentes, por um lado
há “programas que se financiam desde o governo autônomo”, e por outro lado “temos cotas,
cotas de usuários que pagam para vir aqui para receber formação [...] Uma mescla entre o
público e o privado.” Santiago salienta que a crise econômica que atingiu a Espanha em 2012
não chegou a comprometer os empreendimentos, entretanto “produziu-se uma retração
considerável no que se refere a cobrança das subvenções [...] foi um momento muito
complicado [...] foi um problema econômico pontual, mas extremamente grave.” Afirma ainda
que os recursos financeiros para o gerenciamento de APA têm origem em “subvenções, cotas
dos Pais e família, e doações, patrocínios.” Alma afirma que nesta questão “nosso objetivo é
que podemos viver o mínimo possível da administração.” Ramon ainda destaca que “de todas
as maneiras, as ONG na Espanha sua situação econômica é muito complicada”, mas ainda
poderá que no desenvolvimento das atividades “não significa que não vai gerar, sem ânimo de
lucro, não deva gerar recursos econômicos, deve gera-los, o que faz a ONG é repartir
benefícios.” Afirma ainda que com os recursos gerados pelos projetos e atividades dos CEEs,
“geramos superávit [...] compramos computadores, tablets, compramos um quadro digital ou
habilitamos o wifi, ou oficinas para que os rapazes possam trabalhar, aqui a geração de recursos
permite consolidar o que já existe”, já numa perspectiva de continuidade e consolidação do
trabalho desenvolvido ao longo dos anos.
246
É importante destacar que os empreendimentos são fortemente impactados pela
limitação e/ou escassez de recursos, sejam eles de estrutura, de pessoas ou financeiro, apesar
dos empreendimentos terem uma estrutura própria para realização das atividades, e terem apoio
em diversos segmentos da sociedade. Entretanto há que se ressaltar que o empreendimento
brasileiro ainda tem uma forte dependência de recursos e subvenções do Estado. No
empreendimento espanhol, há um movimento de gerar independência dos empreendimentos em
relação ao repasse de subvenções, gerando receita a partir dos Centros Especiais de Emprego,
parcerias com organizações públicas e privadas, bem como o pagamento dos serviços
oferecidos pela Associação.
6.1.3 3º Etapa - Fatores Externos aos Empreendimentos
A partir da IES e da estrutura interna dos empreendimentos, os fatores externos
impactam de forma significativa na gestão dos empreendimentos, pois atendem um público
específico com necessidades nem sempre atendidas pelo Estado. Um fator externo importante
são as políticas públicas, que por meio dos movimentos sociais reivindicatórios têm papel
importante para a garantia da sua aplicação, por meio da atuação dos afetados e participantes
dos empreendimentos e que visam a garantia de sua aplicação.
Na implantação e execução de políticas públicas no Brasil, o Estado é um dos
principais parceiros da Rede IVG na Grande Florianópolis, Bruno salienta que a partir do
marco regulatório “conseguimos termo de fomento [...] fechar convênios [...] fechar editais,
parcerias [...] você planeja e desenha um plano de trabalho e começa a executar.” Ainda na
perspectiva de gestão em organizações sociais, Bruno também destaca que “a gente
conseguiu aprovar o primeiro termo de fomento de Santa Catarina, algo bastante inovador,
fomos pioneiros nisso [...] eu acabei atuando como gestor direto de projetos.” Numa crítica
às políticas públicas implantadas no Brasil nos últimos anos, Francisco afirma que os
movimentos sociais esperavam mais dos governos populares, e que o Estado brasilei ro por
conta disso, “fez pouco, eu acho que quando analiso isso, e do ponto do Estado, acho que o
Estado criou consumidores e pouco exercício de cidadania [...] é uma população
empobrecida, mas qual o nível de consciência política que essa população tem?” Argumenta
ainda que os movimentos sociais dentro de “uma sociedade capitalista [...] romper com um
processo do consumismo, da cultura consumista, acho que isso é um grande desafio, porque
247
tens que trabalhar com a formação de valores [...] o que segura é a formação de valor, não
é?”
Neste sentido, as políticas públicas brasileiras ainda estão aquém na garantia dos direitos
para a população de periferia, seja pela instabilidade econômica e política, pela reinvindicação
de direitos considerados básicos e não garantidos, fazendo com que a população fique cada vez
mais empobrecida e vulnerável.
Em contraste, a Espanha, com altos índices de IDH e com as prerrogativas do Estado de
bem-estar oferecidos para a sua população, e atendimento das necessidades básicas em saúde,
educação e segurança, bem como oferta de bens culturais e acesso à infraestrutura para o
atendimento das necessidades da sua população. As políticas públicas de Estado têm uma
melhor estruturação e com aplicação de forma efetiva em diversos âmbitos tanto no país, como
na Comunidade Valenciana.
Devido a estas características, o Estado espanhol consegue atender sua população de
forma mais efetiva que o Estado brasileiro, seja por meio do atendimento de necessidades
básicas, como por meio de necessidades especiais como requer o público atendido pela APSA.
Seja pelo recebimento de subvenções, como acontece com a Associação, eles conseguem
manter o nível de serviço necessário para o atendimento deste grupo.
Além do recebimento de subvenções, a APSA ainda mantém seus Centros Especiais de
Emprego como uma forma de levantamento de fundos para a manutenção das suas atividades.
Neste sentido, a partir deste consegue-se manter a estrutura, pagamento de colaboradores,
ampliar a rede de atendimento na província de Alicante, além de promover a inclusão de pessoas
com discapacidade nos espaços sociais por meio de atendimento especializado.
Com amparo na Lei de Minusvalia é possível fazer com que os associados da APSA
tenham acesso a emprego, como forma de contribuir para a manutenção da estrutura. Serena
afirma que os CEE “são um diamante a explorar”, pois muitas empresas na Espanha ainda não
conhecem o potencial deste tipo de organização e os benefícios que podem ser gerados a partir
deste tipo de contratação, seja pela inclusão de pessoas com discapacidade no emprego, ou
ainda pela redução de impostos neste tipo de contratação, como ressalta Anita, “uma forma de
colaborar com a associação e com a sociedade, também tem as empresas que colaboram para
obter benefícios fiscais”, pondera que muitas empresas “farão também por benefício, uma
forma de colaborar com a associação.” Ramiro salienta que por meio da APSA, a política
pública de atender pessoas com discapacidade pode ser contemplada, pois “é impossível pensar
que o Estado pode chegar a todos os rincões e a todas as casas dos administrados da população.”
248
Santiago afirma que no trabalho desenvolvido pela APSA, além de fazer a gestão das
subvenções, “nós demos um passo adiante, nós entendemos as necessidades das famílias, e o
que procuramos é buscar o melhor recurso possível.” Ressalta ainda que os recursos gerados
para os atendimentos das famílias nem sempre é o suficiente e que a APSA busca auxiliar as
famílias por meio de atendimento privado, “isto gera na associação a necessidade de um
ingresso para além da subvenção que é muito importante.” Ressalta que com base na política
pública vigente, “trabalhar com pessoas por que é muito difícil para uma pessoa com
discapacidade trabalhar no mercado normal [...] nós temos orientado os nossos esforços para o
emprego protegido”, salienta que na província de Alicante, “pontualmente pode haver poucas
(empresas) na província que tenham gerado emprego para pessoas com discapacidade
intelectual, com discapacidade física sim, mas intelectual é mais complicado.”
Uma das políticas públicas apoiada pela Conselheira da Província de Alicante são
oficinas de inserção laboral chamada de FIL (Formação e Integração Laboral), que são
compostas por dez candidatos, e que APSA/CEE tem “um compromisso de contratação de 40%,
e teremos que integrar a quatro pessoas”, ainda há outras formas de contratação que pode ser
de forma temporária, chamada de ETTs (Empresas de Trabalhos Temporários), que os
empresários podem fazer contratação, bem por meio do Serviço Valenciano de Emprego, que
oferece vagas para trabalhadores com e sem discapacidade, mas como ressalta Serena, “falta
muito por fazer neste sentido, muita promoção e difusão do CEEs.”
Outra política pública em vigor na Comunidade Valenciana é o que diz respeito à
igualdade de gênero e condições de ingressos em postos de trabalho nas organizações públicas
e privadas, como afirma Juan, e no intuito de estabelecer relações com seus públicos, “a
universidade como entidade pública, também apoia a sociedade em geral”, por meio de
contratação “tanto “a nível” de minusvalia, como a incorporação em maior medida das mulheres
nos serviços, pois estão sub-representadas.” Ainda sob esta perspectiva, para que a
Universidade de Alicante contribua para a inclusão de pessoas com discapacidade, a
contratação da APSA/CEE é por meio de convênio específico e que atende a uma legislação
própria, mas salienta que “a diferença principal é que os contratos externos são feitos por
licitação pública”, e no caso do serviço prestado pela APSA, “não há concorrência com outras
empresas.”
Pode-se verificar que em ambos os contextos, há a preocupação de implantação de
políticas públicas de inclusão, entretanto no Brasil, ainda há necessidade de atendimento das
necessidades básicas como educação, saúde e segurança, que estão aquém do necessário,
249
principalmente para população de periferia. Já na Espanha, há o estado de bem-estar e políticas
públicas básicas praticamente universalizadas, e esforços para a inclusão de coletivos
marginalizados ou excluídos dos espaços sociais.
Outro fator relevante, e considerado determinante nos empreendimentos são os
múltiplos stakeholders, que por meio da participação destes é possível apoiar a IES, incrementar
os recursos internos e também a cobrança de aplicação da política pública para os atendidos nos
empreendimentos. Podem ser considerados múltiplos stakeholders: familiares, gestores,
associados, entes públicos e privados, comunidade, voluntários, parceiros, colaboradores,
sócios, entre outros. Os múltiplos stakeholders podem variar de acordo com a atuação dos
empreendimentos bem como variar de acordo com a interação dos empreendimentos com a
sociedade. Por meio da atuação dos múltiplos stakeholders é possível o oferecimento de
perspectiva de vida aos seus beneficiários e associados, buscando oferecer oportunidades e
ocupação dos espaços sociais.
No que se refere aos fatores externos, um ponto de convergência entre os
empreendimentos são os múltiplos stakeholders, tanto no empreendimento brasileiro como no
empreendimento espanhol a participação de vários segmentos da sociedade é considerada
importante para que seja possível atender aos objetivos estabelecidos na ISE, destacam-se entre
eles: familiares, governo, parceiros, colaboradores. No empreendimento brasileiro, Conrado
afirma que a Rede IVG “tem uma boa rede de parceiros, tem parceiros que doam muito dinheiro
por mês, então isso também ajuda.” Estela afirma que no seu empreendimento, a participação
dos pais é bastante efetiva e afirma que “quando a gente faz entrega de boletins, que é um dia
muito importante para eles, vem pai, mãe e filho, a gente atende 90% num dia, eles querem
saber como é que está o filho.”
No empreendimento espanhol, a participação dos stakeholders também contribui para o
desenvolvimento das atividades. Para este desenvolvimento, a APSA conta com o apoio do
governo de Alicante, Universidade de Alicante por exemplo. Na Universidade de Alicante as
atividades são desenvolvidas por meio de convênio entre as duas organizações, com a prestação
de serviços de limpeza e reprografia, “esse convênio é mantido ano após ano” como afirma
Juan. Paco, da ADL de Alicante destaca que “a colaboração com APSA surge [...] no ano 2000,
como sócios colaboradores obrigatório [...] a colaboração tem sido continuada, através de um
convênio anual.”
Outro fator que impacta nos empreendimentos são as dificuldades ambientais, que aqui
representados pelas crises financeiras por qual passam os países onde estão instalados os
250
empreendimentos sociais. No contexto espanhol, este fator teve bastante relevância, e atingiu
aquele país entre os anos de 2012/2013 e as organizações do terceiro setor de forma bastante
incisiva. No caso da APSA, a falta de repasse das subvenções, bem como a falta de
financiamento das atividades pelos bancos, provocaram incerteza no que se refere aos repasses
para a organização. Como consequência, APSA teve que fazer ajustes na sua estrutura como:
cortes de postos de trabalho pela falta de repasse de subvenções para as organizações do terceiro
setor, redução da jornada de trabalho dos colaboradores, por meio da chamada ERE (Expediente
Regulador de Emprego), que é um instrumento que as organizações podem adotar em situações
de dificuldade financeira.
Este momento foi difícil para a APSA, como afirma Santiago, “em 2012 e 2013,
produziu-se uma retração considerável no que se refere pagamento das subvenções, foi época
da maior crise dentro da Comunidade, nacional e mundial”, esta situação fez com que a
Associação tivesse dificuldade em desenvolver suas atividades, e ressalta que “isso nos deu um
ponto de inflexão que nos custou muito para seguir adiante.” As dificuldades em relação à crise
financeira fizeram com que APSA reduzisse a jornada de trabalho dos seus colaboradores,
redimensionamento das atividades por colaborador, demissão de trabalhadores, entre outras
medidas de ajuste que se tornaram necessárias para que continuasse com suas atividades.
Para enfrentar esta fase, Santiago afirma que “chegou um momento de autêntica
dificuldade, porque dos 300 trabalhadores, ficamos quatro a cinco meses sem pagá-los, porque
a administração não pagava e as instituições financeiras tampouco adiantavam o dinheiro.”
Ramiro corrobora com Santiago quando ressalta que “temos uma certa dependência das
subvenções que recebemos e as subvenções começaram a atrasar.” Ele ainda diz que para
atravessar este momento de turbulência a Associação teve que tomar diversas medidas
impopulares, “isso foi muito custoso, tive que negociar muito com os sindicatos, negociar com
cada família [...] todos os dias tinha quatro reuniões [...] com três ou quatro famílias distintas
para explicar como iriamos atuar, como que iríamos fazer.”
Jade afirma que seu trabalho também foi afetado, pois teve que mudar de área para se
manter no emprego, atualmente desenvolve seu trabalho em duas áreas da Associação,
“trabalho um dia na área de emprego e quatro dias no centro ocupacional.” A situação estava
tão crítica que as medidas tomadas pela Junta Diretiva visavam a garantia de permanência da
APSA, e ainda relata “com o ERE, com os problemas econômicos, pensamos que APSA
fechava, eu acredito que aí foi como um click, e isto não pode ser.” Serena também foi afetada
pela crise, e com os ajustes promovidos, “reduziram a jornada e comecei a buscar trabalho,
251
porque como não sabia como iria terminar, eu tive medo de ficar sem trabalho [...] pelo corte
das subvenções, muito duro.” Entretanto ela comemora, que apesar da crise e dos ajustes que
as empresas espanholas precisaram fazer para se adequar à nova realidade, a Suavinex, uma
organização que é parceira de APSA, “foi um lugar [...] que um grupo de pessoas com
discapacidade podia chegar a produzir o mesmo que um grupo de pessoas sem discapacidade
[...] houve demissões e os nossos rapazes e moças continuam lá.”
Ramon também se sentiu afetado pela crise, e afirma que “as ajudas do governo
autônomo chegavam tarde [...] se perderam postos de trabalho [...] houve um retraimento no
mundo associativo”, ressalta ainda que “foi uma situação de dificuldade grande, foi algo que
veio um pouco mais de fora, porque o movimento associativo sempre está no limite do seu
orçamento.” Entretanto afirma que apesar de tudo, considera que tiveram pontos positivos e
que a APSA pode ter um aprendizado com esta situação, “aprendemos a ser mais rigorosos,
empreender as leituras o que podemos combinar com êxito, a não arriscar mais do que a conta,
a empreender novas iniciativas, sabendo desde o início a até onde podemos chegar.” Alma por
sua vez afirma que apesar da crise, “sempre vêm as oportunidades, estamos vivendo um
momento de mudança, de limpar um pouco a casa [...] não sei se voltaremos a aguentar essa
situação, isso demonstrou quem vale a pena trabalhar conosco.”
No contexto brasileiro, um fator externo de impacto no empreendimento brasileiro é o
narcotráfico nas comunidades em que estão localizados os empreendimentos da Rede IVG. O
Brasil é um país em desenvolvimento, com IDH que varia entre baixo e alto desenvolvimento,
inclusive agravado por problemas regionais, como por exemplo, o Sul e o Norte do país. Na
região Sul, onde foi realizada a presente pesquisa, o IDH é considerado relativamente alto, mas
com problemas estruturais oriundos de recessão e pela falta de planejamento de longo prazo, e
sem oferecer condições básicas de saúde, educação e segurança para que a sua população tenha
melhores condições de vida. Neste sentido, a Rede IVG, por meio dos seus empreendimentos
visa garantir a implantação de políticas públicas nas regiões vulneráveis da Grande
Florianópolis.
Um dos fracassos de política pública foi a chamada redução de danos, proposta pelo
Ministério da Saúde no Brasil. Se por um lado, o Estado reprime e tenta reduzir a procura, por
outro lado, a política de redução de danos no Brasil “virou uma piada, o efeito prático terrível,
tanto que doenças contagiosas que já estavam controladas no Brasil voltaram, muitas delas no
público consumidor de drogas.” Esta situação está tão drástica que “o consumo aumentou, a
252
idade de entrada baixou, todos os indicadores relacionados a diminuir o consumo baseado em
educação e políticas de saúde foram um fracasso absoluto”, afirma Heitor.
Heitor, por sua vez afirma que a partir desta nova configuração do narcotráfico no Brasil
modificou “totalmente as comunidades de Florianópolis”, porque trouxe um novo elemento
para este tipo de comércio ilegal, “jovens adultos, adolescentes e a presença de armas se tornou
constante”, público este que a Rede IVG tem como prioridade de atendimento. Iara argumenta
que é muito importante esse tipo de rede dentro das comunidades, mas ressalta que “não é que
o Instituto vai substituir o governo [...] Francisco é uma pessoa muito importante para nós”,
pois por meio do desenvolvimento de projetos e pela atuação dos empreendimentos ele
consegue dar outra perspectiva para estas comunidades.
Zanira ressalta que é direito das crianças de periferia estar em espaços de convivência e
aprendizagem, pois geralmente elas moram em comunidades com poucos aparelhos sociais de
amparo, e como ela afirma “elas fazem a diferença naquela comunidade, primeiro porque essas
crianças conseguem ter seus direitos assegurados, segundo por que [...] (como é o) único
equipamento social que aquelas famílias acabam indo lá.” Ainda destaca que a participação de
crianças e adolescentes em projetos sociais em regiões vulneráveis é um direito, “ninguém está
fazendo favor [...] enquanto direito eu tenho que levar o que eu tenho de melhor, e da melhor
forma possível.” Por outro lado, ressalta que além da “parceria para o atendimento das crianças
e os adolescentes, nós temos um núcleo de educação de jovens e adultos [...] então isso é
importante porque nós estamos proporcionando aos pais [...] a ampliação da escolarização, né,
a elevação da escolaridade.” Zanira afirma que os espaços utilizados pelos empreendimentos
sociais para a realização dos projetos “não é um espaço de guardar crianças, mas é o espaço sim
um espaço educativo né, e entendendo sempre que é uma política que dialoga com a política da
assistência [...] são espaços socioeducativos.”
O tráfico é tão presente na vida da comunidade, que Iara afirma que “teve amiga minha
que se casou com traficante que até hoje vive uma vida difícil, não tem sua liberdade.” Gabriela
relata que no início, nos idos de 1970 e 1980, “a maioria agora construiu casas boas, porque
eles tavam no tempo quando nós chegamos aqui, as casas eram ranchos, tinha gente que até
morava embaixo de lonas”, afirma ainda que “as casas melhoraram muito [...] a gente é obrigada
também a dizer que as casas melhores são do pessoal do dinheiro da droga, os que enriquecem
com a droga e os outros, os bagrinhos vão pra cadeia.” Heitor afirma que “o tráfico é um
fenômeno de capital, não é moral, não é ético, não é religioso, não é ideológico, é
mercadológico” que por si só “tem a lógica [...] maximizar lucro a qualquer custo, expansão
253
constante [...] toda vez que você abre espaço, ele se expande, toda vez que você queria
dificuldades ele contorna para manter as taxas de atratividade.”
Heitor ainda afirma que devido a problemas causados nos enfrentamentos entre as forças
policiais e os traficantes, “a gente acabou se afastando dessas comunidades, com isso uma
espiral negativa, menos proximidade, menos informações, menos efetividade na repressão, a
repressão se torna cada vez mais genérica e indiscriminada”, isto gera um desconforto com os
moradores, pois “como você não sabe, se você não está lá para acompanhar, conhecendo as
pessoas, acaba revistando todo mundo, e isto gera menos legitimidade, e aí é uma espiral
péssima.” Confirmando isso, Iracema afirma que para a polícia, “no morro todo mundo pra eles
é vagabundo, é vagabunda, eles não querem saber se tem família [...] se é pai que trabalha, pra
eles aquele pai é do tráfico [...] aí por causa do tráfico a polícia quer tipo botar o Mocotó, tudo
como se fosse a mesma coisa.”
Tales percebe que “aqui antes era território de disputa de tráfico, no tempo da minha
infância quase que toda assim, então era sempre disputa guerra de tráfico, facções, polícia.” Ele
já viveu situações críticas como “gente correndo com arma pelo teu quintal, polícia, tiro, troca
de tiro e tal, morava numa casa de madeira, a gente deitava no chão por causa do tiroteio [...]
mas hoje em dia já não é assim [...] mas ainda continua a fama.” Cosme relata situações de
exclusão em espaços públicos, por exemplo, em visitas culturais, “nós fomos ao Centro
Integrado de Cultura e os meninos perceberam o preconceito que estavam sofrendo por conta
da segurança”, no retorno à escola, foi promovido um debate sobre a situação, e os alunos
juntamente com a direção da escola enviaram uma carta “alertando e colocando a situação,
como os seguranças trataram [...] mais a gente sabe que tá incluindo, pra participação numa
sociedade que ainda não inclui totalmente ou que tem preconceitos em muitos lugares.”
Helena afirma que teve um período em sua comunidade “que era bem complicado, muita
violência, a questão de tráfico [...] a gente não conseguia sair na rua porque era tiro para todo
lado.” Tales percebe que “a aqui antes era território de disputa de tráfico, no tempo da minha
infância quase que toda assim, então era sempre disputa guerra de tráfico, facções, polícia.” Ele
já viveu situações críticas como “gente correndo com arma pelo teu quintal, polícia, tiro, troca
de tiro e tal, morava numa casa de madeira, a gente deitava no chão por causa do tiroteio [...]
mas hoje em dia já não é assim [...] mas ainda continua a fama.”
A comunidade reivindica novos espaços para agregar outros serviços para a
comunidade, Tales afirma que “veio o governador, veio o prefeito [...] bateu foto, fez careta e
aí tem papel pra assinar e ele não assina”, este papel indicado por Tales é a autorização para os
254
trâmites legais para o início dos processos licitatórios para a construção de novos prédios de
apoio às atividades do CEMLM.
6.1.4 4º Etapa - Processo de Inclusão
A partir das etapas anteriores, a IES, os fatores internos e externos, o processo de
inclusão permeia todas as atividades e ações dos empreendimentos sociais estudados. Este
processo tão necessário nos empreendimentos e considerado como a categoria chave do
presente modelo teórico, pois permeia todo o modelo até o resultado final que é a criação de
valor. O processo de inclusão contribui para novas perspectivas de vida nas comunidades em
que estão os empreendimentos, pois promovem a mudança social, econômica, política e
cultural, tornado os beneficiários condutores de suas vidas, integrando-as à vida da cidade,
integrando ao processo de criação de valor social. O processo de inclusão social ainda contribui
para que os atendidos pelas associações em diferentes contextos possam viver efetivamente
numa sociedade melhor, promovendo o desenvolvimento de papéis até então negados a estes
sujeitos, e que permite a inclusão nos espaços sociais negados pela sociedade, que nem sempre
promove a inclusão.
O processo de inclusão pode ser considerado como um dos resultados parciais dos
empreendimentos sociais e um valor gerado pelo empreendimento sob a ótica dos múltiplos
stakeholders. Os empreendimentos conseguem atender a sua ISE e o processo de inclusão por
meio de sua estrutura. O processo de inclusão ocorre simultaneamente com a ISE e a
combinação de fatores internos e externos, ao longo da trajetória dos empreendimentos, neste
caso, APSA e da Rede IVG.
Pode ser considerado ainda um fator de convergência entre os empreendimentos
brasileiro e espanhol. No empreendimento brasileiro, o objetivo é a inclusão de populações
vulneráveis nos espaços sociais por meio da aplicação de políticas públicas. Neste sentido,
Estela afirma que uma das primeiras abordagens para que o processo de inclusão ocorra é a
mudança do olhar entre na periferia e o centro da cidade, “é um choque de realidade”, pois os
olhares dos habitantes destes territórios, bem como “os valores gerados por estes olhares são
conflitantes e antagônicos muitas vezes”, e com interesses diversos. As mudanças provocadas
pelos empreendimentos nas comunidades é o engajamento “num projeto social [...] é uma
comunidade que tem uma força, tem uma liderança boa”, diz Estela. Ainda afirma que o
trabalho desenvolvido pela Rede tem tal impacto nas comunidades que “quando ele (Francisco)
255
diz que a criança entra numa Educação Infantil e pode sair do Instituto Vilson Groh numa
Universidade, ele pode.” Cosme, que por sua experiência avalia a comunidade “melhorou sim,
100% [...] participar, ver que a escola tem uma proposta séria pra tá desenvolvendo, tá
construindo com os alunos e com a comunidade, que a escola é da comunidade, não é nossa.”
Bruno ressalta que o trabalho desenvolvido pela Rede contribui para o desenvolvimento “dentro
da comunidade [...] a gente tá incluindo, e que precisa melhorar essa inclusão [...] a gente
acredita que o que faz aqui é pra possibilitar a inclusão na sociedade, mas uma inclusão
consciente.” Pelos resultados alcançados pelos empreendimentos Bruno destaca que “o Instituto
tem como responsabilidade e por sua atuação na Grande Florianópolis [...] a gente faz assessoria
pra uma série de outras ONGs”, pois ao longo da trajetória do empreendimento e pela
experiência adquirida por meio da execução de projetos, “não seria justo que a gente tivesse
desenvolvido competências tão legais [...] (e este) aprendizado não for socializado com as
organizações que estão ainda no nível de amadurecimento.” Francisco ressalta que o processo
de inclusão contribui para que os jovens empobrecidos da periferia das grandes cidades tenham
“condições de caminhar com as suas pernas, e têm condições de se empoderar, o conhecimento
é um processo de empoderamento”, e que gera transformação social. A inclusão não ocorre
somente em relação ao público atendido, mas também no fortalecimento de organizações do
terceiro setor na região em que atua por meio de projetos e parcerias desenvolvidas pela Rede,
como o de Guiné Bissau e ainda outras em fase de consolidação em estados brasileiros, como
no Estado do Rio de Janeiro.
No empreendimento espanhol, o processo de inclusão de pessoas com discapacidade
nos ambientes sociais é necessário e apoiado por políticas públicas de inclusão. Este processo
pode ocorrer de diferentes formas para pessoas com discapacidade, seja na escola, em
ambientes públicos, ou até mesmo no trabalho. Ramiro salienta que pela quantidade de serviços
oferecidos e número de profissionais demandados, a APSA hoje está “mais forte e melhor
posicionada, com o reconhecimento por parte dos poderes públicos, da sociedade muito
importante, APSA é uma referência no mundo da discapacidade na Comunidade Valenciana.”
Nas atividades desenvolvidas na Universidade de Alicante, Juan afirma que “são
pessoas que trabalham em limpeza na APSA, desenvolvem profissionalmente o trabalho [...]
nunca ouvi nenhuma queixa [...] um trabalho dentro da normalidade.” Sob a ótica de Jade, “as
pessoas com discapacidade merecem que nós sejamos profissionais e que queiramos trabalhar
bem e trabalhar para eles [...] tirarmos um pouco esta parte de paternalismo, de
assistencialismo.” Almerinda ressalta também que pelo desenvolvimento do trabalho de APSA,
256
“é uma instituição que tem muito reconhecimento social.” Ressalta ainda que a associação ao
realizar seu trabalho na Universidade promove “situação de inclusão, pois reconhecer a
diversidade é aprender sem passar pela aula, quer dizer com o manual das desigualdades sociais
e da diversidade, é a aprendizagem básica.” Ramon afirma que seu trabalho na APSA tem
resultados positivos quando “se contribui que um número importante de pessoas poderá ter uma
vida melhor, esta é a minha recompensa, a parte de fazermos melhor.”
O processo de inclusão é parte fundamental no processo de criação de valor dos
empreendimentos sociais estudados, sendo considerado um valor também para os participantes
nos empreendimentos. É importante salientar que esta etapa do modelo teórico ajuda a
compreender o papel dos empreendimentos sociais nas comunidades em que estão inseridos,
por meio da ocupação dos espaços sociais, tanto no caso da Associação APSA quanto da Rede
IVG.
No empreendimento brasileiro, o processo de inclusão ocorre por meio de diferentes
empreendimentos situados na Grande Florianópolis, e que requer uma articulação das ações
para que os objetivos sejam atingidos em diferentes comunidades, ou seja, as ações são mais
gerais, com foco na educação para crianças apartir de 2 anos de idade nas periferias das cidades,
contribuindo para o desenvolvimento integral do individuo, por meio do ensino formal na
implantação de politicas públicas de inclusão. No empreendimento espanhol, pela
especificidade do seu público, as atividades desenvolvidas são concentradas em seus Centros
de desenvolvimento infantil com atividades de ortopodia, fonoaudiologia, apoio pedagógico,
desenvolovimento profissional, habilidades comportamentais de convivência em sociedade,
viagens recreativas, atividades laborais nos CEEs ou em parceria com organizações públicas e
privadas, em diversos pontos da Província de Alicante.
6.1.5 5ª Etapa - Criação de Valor Social (CVS)
A Criação de Valor Social é considerado como o resultado esperado do empreendimento
social, e seu impacto de mudança desejada pelos movimentos sociais, por meio da percepção
de valores dos envolvidos sob a ótica dos sujeitos afetados pelos empreendimentos. Por meio
do encadeamento do modelo teórico apresentado, a criação de valor resulta em valores que
promovem mudanças significativas nos múltiplos stakeholders, sejam elas: sociais,
econômicas, políticas e culturais, além de impactar em setores como o mercado de trabalho por
meio da elevação educacional, melhoria na qualidade de vida das comunidades, entre outros.
257
A CVS é percebida pelos sujeitos de forma distinta, seja pela participação no
empreendimento, ou ainda pelos benefícios resultantes da atuação das organizações nas
comunidades. A melhoria resultante da estrutura que é colocada à disposição dos beneficiários
contribui para a melhoria da qualidade de vida. Por meio do modelo teórico apresentado,
pretende-se demonstrar como o empreendimento contribui no processo de inclusão de pessoas
que moram em regiões vulneráveis da Grande Florianópolis e na inclusão em espaços sociais
na província de Alicante, bem como sensibilizar a sociedade para a inclusão de pessoas
consideradas marginalizadas e/ou excluídas dos espaços comuns nas cidades em que vivem.
A CVS no empreendimento brasileiro é explicitada por meio dos valores associados aos
resultados provocados na vida dos beneficiários. A mudança na perspectiva de vida gerada pelo
acesso à educação, que é um direito básico, mas nem sempre assegurado, faz com que os
participantes dos empreendimentos tenham outra visão em relação às suas vidas e seu futuro.
Isto pode ser constatado por meio da fala de Iracema, que afirma que sua participação nos
empreendimentos bem como de sua família a deixa “mais feliz e até mesmo mais respeito”,
pois por meio dos empreendimentos ela conseguiu uma melhor colocação profissional e seus
filhos tiveram acesso ao ensino de qualidade, que por meio de padrinhos que custeiam os
estudos sua filha, Iara, na última fase do Curso de Engenharia Civil numa faculdade particular
na região da Grande Florianópolis. Já Heitor afirma que a Rede IVG cria valor no momento
em que “estabelece um horizonte de perspectiva para pessoas que não tinham perspectiva
construída como opção”, fazendo com que os moradores de comunidade de periferia tenham
outra perspectiva de vida, ocupando outros lugares na sociedade, saído da margem ou até da
própria exclusão social, por meio da participação no poder paralelo, como é chamado o
narcotráfico. Ainda nesta perspectiva, a inclusão promovida pelos empreendimentos da Rede
IVG justifica suas ações ans comunidades onde está instalada, porém muito do que ocorre já
faz parte deste contexto histórico, e por vezes as suas ações são limitadas pelo próprio ambiente.
Dentre os beneficiários dos empreendimentos, Antônia, Beatriz e Helena veem na Rede
IVG “um campo de oportunidades [...] e uma perspectiva de futuro”, pois como acontece com
muitos beneficiários, com uma infância privada de oportunidades, em famílias sem estrutura,
acabam encontrando a saída mais fácil, que é a criminalidade ou ainda seguindo por outros
caminhos. Dentre os colaboradores, o maior valor criado pelo IVG é a “transformação social
[...] por meio da conquista pessoal”, como afirmam Cosme e Conrado, respectivamente. Sob a
ótica de Sofia, a Rede cria valor a partir do momento que aproxima mundos diferentes, a
periferia e o centro das cidades, por meio da integração entre jovens de diferentes classes
258
sociais, “aprendizagem pela diversidade, pela conexão, diferentes conhecimentos, diferentes
mundos”, como ela afirma.
No contexto espanhol, pelas próprias características sociais, econômicas, políticas e
culturais, a criação de valor social está centrada na inclusão de pessoas com discapacidade nos
ambientes sociais. Por se tratar de um coletivo ainda em processo de inclusão e pelos esforços
da APSA em prol deste objetivo, o valor pode ser explicitado por meio da aprendizagem, como
destaca Serena, “cada dia aprendes algo novo, cada dia, cada dia e o surpreendente é que
normalmente esse novo te ensina”, seja pelo comportamento, pela perspectiva de vida que tem
uma pessoa com discapacidade. Já Santiago ressalta que APSA promove a inclusão nos diversos
espaços sociais, isto provoca a melhoria da “qualidade de vida das pessoas com discapacidade
e suas famílias”, pois faz com que estes cidadãos sejam respeitados dentro de suas condições e
promove também o respeito e a dignidade para as pessoas com discapacidade.
Ainda na perspectiva dos associados, APSA cria valor na medida em que as pessoas que
têm envolvimentos com a causa das pessoas com discapacidade sentem que têm
“responsabilidade e compromisso”, como afirma Ramiro e Santiago. Para os trabalhadores dos
CEES da APSA, o valor criado é ser “feliz”, como afirma Pepita e “valer-se por si mesmo”,
como afirma Paloma. A independência pessoal e financeira contribui para que pessoas com
discapacidade se integrem à sociedade espanhola, por meio de condições de vida que levem à
normalidade, fazendo com que possam viver e conviver em espaços como os da Universidade,
por exemplo, como afirma Almerinda, que a APSA adiciona “diversidade [...] humaniza muito
[...] adiciona fundamentalmente diversidade, concretiza a inclusão e porque é necessário.” Já
Paco, gestor parceiro, afirma que a APSA tem “profissionalismo e a proximidade com os que
trabalham”, pois mantém um vínculo bastante estreito com os trabalhadores no exercício de
suas funções nas organizações, fazendo com que o processo de inclusão seja realmente efetivo.
A criação de valor social apresenta diferenças pelas características dos
empreendimentos e por estarem também em diferentes contextos, Brasil e Espanha. No
contexto brasileiro, a criação de valor está ligada a transformação social que gera nas
comunidades de periferia da Grande Florianópolis. Entretanto ainda há dependência financeira
principalmente do Estado, por meio do repasse de subvenções ou de doações de filantropos. O
empreendedorismo social desenvolvido está ligado principalmente à garantia de direitos
básicos, como por exemplo, educação, e que não são oferecidos pelo Estado, ou se oferecidos,
de forma precária e parcial. No empreendimento espanhol, a criação de valor está ligada a
autonomia, independência e inclusão de pessoas com discapacidade nos espaços sociais. Num
259
movimento da própria Associação, há a tendência de depender cada vez menos das subvenções
estatais por meio de geração de recursos próprios, no sentido de ser autônoma em relação ao
Estado, e não depender tanto destes repasses.
A criação de valor social é considerada um resultado concreto de fatores dispostos de
maneira simultânea ao longo de um período de tempo nos empreendimentos sociais estudados.
Para compreender o processo proposto, a Figura 37 apresenta modelo teórico da criação de
valor na trajetória dos empreendimentos sociais.
Figura 37
Modelo teórico do Processo de Criação de Valor.
Fonte: Dados da Pesquisa, 2017.
O modelo teórico apresentado visa apresentar como os empreendimentos estudados
contribuem no processo de inclusão e na criação de valor onde estão inseridos, bem como uma
sociedade pode contribuir para a inclusão dos seus cidadãos, por meio de uma estrutura de apoio
e desenvolvimento pleno de pessoas desfavorecidas social e intelectualmente em diferentes
contextos. A criação de valor social, por meio do valor da vida, ou ainda outros valores como
o econômico por meio da independência, o valor politico por meio da integração, o valor
cultural por meio da aprendizagem, ou ainda o valor ambiental pore meio da qualidade de vida,
260
fazem que com que os fatores dispostos de maneira simultânea ao longo de um período de
tempo nos empreendimentos sociais criam valor sob a perspectiva dos associados ou
beneficiários, bem como da comunidade de que fazem parte.
6.2 DISCUSSÃO DE RESULTADOS
O modelo téorico apresentado tem por objetivo mostrar com base nos dados empiricos,
como a criação de valor ocorre nos empreendimentos sociais estudados. Dentre os diversos
fatores e etapas, pode-se destacar que o lócus das atividades dos empreendimentos sociais
podem contribuir de forma significativa. As atividades desenvolvidas por APSA tem por
características ocorrer no contexto das comunidades, por meio da instalação de centros de
especialidades, ou ainda pela necessidade de atendimento dos associados, dispostos em diversas
regiões da província de Alicante. Já na Rede IVG, as atividades acontecem de forma
centralizada nas estruturas mantidas pela Rede, de forma que os beneficiários se concentram
nas atividades dos projetos e oficinas, localizados estrategicamente em bairros da grande
Florianópolis.
No que se refere ao nível de abrangência, em ambos os empreendimentos sociais, criam
valor para o ambiente em que estão inseridos, pois mudam a percepção dos associados e
beneficiários, e ainda contribuem para que as comunidades melhorem suas condições sociais,
econômicas, políticas, culturais e ambientais, numa nova perspectiva sobre suas potencialidades
e do que são capazes de fazer para o contexto em que vivem.
Quanto aos recursos internos e externos disponibilizados, percebeu-se que eles são
importantes para o funcionamento e a manutenção dos empreendimentos sociais tanto no Brasil
como na Espanha, pois torna-se necessário uma estrutura mínima de atendimento para o publico
alvo das Associações, como forma de garantir os objetivos de inclusão nas atividades
desenvolvidas pelos empreendimentos.
No que se refere aos espaços de criação de valor, os empreendimentos criam valor nos
ambientes em que atuam, e atendem pessoas que geralmente são atendidos de forma deficitária
e não são atendidos pelo poder público ou pelos empreendedores econômicos. Os
empreendedores sociais atuam onde há lacunas nos sistemas público ou privado no que no
refere ao atendimento de suas necessidades, fazendo com que os empreendimentos contribuam
para a criação de valor nestes ambientes.
261
Quanto as políticas publicas, percebeu-se que na Espanha há uma ação articulada entre
os diversos níveis de governos e as organizações do terceiro setor que formam uma rede de
atendimento, permitindo a sobrevivência do empreendimento por meio de subvenções e
financiamentos públicos, e por vezes doações privadas. Já no Brasil, as ações desenvolvidas em
parcerias são pontuais e desarticuladas, fazendo com que ainda ocorra o clientelismo nas
comunidades atendidas, e os empreendimentos sociais depender de doações e a benevolência
de bem-feitores por meio de doações privadas para atender suas necessidades.
As organizações sociais desempenham um importante nos contextos estudados, pois
contribuem com a inclusão de pessoas propensar à marginalização e/ou exlusão social. A gestão
dos empreendimentos com base em principios como accountability, transparência, balanço
social contribuem para um controle social mais efetivo dos empreendimentos sociais. A
utilização de ferramentas de gestão também contribui para um melhor desenvolvimento dos
empreendimentos, seja pela forma de gerenciamento, ou ainda pela utilização de ferramentas,
métodos e técnicas. Vale ressaltar que os empreendimentos sociais por meio de suas ações e
com as difuculdades inerentes a cada contexto, visam a inclusão desempenhando um papel
importante nas comunidades, criando vínculos na perspectiva de um futuro melhor.
262
7 CONCLUSÕES
Este capítulo tem como objetivo apresentar as conclusões acerca do estudo realizado no
Brasil e na Espanha, bem como demonstrar os objetivos e respondê-los de forma a atender o
que se propõe neste trabalho. Após responder as perguntas de pesquisa, serão enumeradas as
limitações do presente estudo, bem como as sugestões para futuras pesquisas.
7.1 ANÁLISE DOS OBJETIVOS DE PESQUISA
Nesta etapa do trabalho, pretende-se apresentar os objetivos específicos da pesquisa,
como segue.
7.1.1 Objetivo 1 - Analisar as trajetórias dos empreendimentos sociais sobre a criação de
valor em empreendedorismo social
O Empreendedorismo Social tem adquirido uma visibilidade ao longo dos anos que
justifica seu campo de pesquisa. Por abordar assuntos ainda pouco discutidos na academia,
procede tentar compreender como ele acontece. Por meio da trajetória dos empreendimentos
foi possível compreender o processo de consolidação do ES em diferentes contextos. Tanto no
empreendimento espanhol, APSA, como no brasileiro, Rede IVG, pode-se perceber que os
empreendedores sociais foram fundamentais para o início das atividades empreendedoras por
meio da intenção empreendedora social, reconhecendo os problemas sociais e buscando
soluções ou pelo menos minimizando seu impacto, tanto nos associados da APSA, como nos
beneficiários da Rede IVG. Em ambos os contextos, os movimentos sociais foram apoiadores
dos empreendimentos. Na Espanha, após um longo período de ditadura, e com o advento da
modernização do Estado espanhol, a sociedade civil organizada começou a reivindicar direitos
e criar alternativas para que isto acontecesse. Apesar de ter apoio na política pública, muito dos
resultados foram conquistados por meio da soma de esforços e uma conscientização maior da
sociedade a respeito da inclusão de pessoas com discapacidade. Já no contexto brasileiro, os
movimentos sociais surgiram como um contraponto à ditadura militar e reivindicação por
direito à terra. Estes movimentos tinham apoio da Igreja Católica Romana por meio de
documentos gerados a partir de encontros mundiais de seus líderes. A partir destas
reivindicações, outras foram incorporadas por estes movimentos, como direito à educação e
263
saúde nas comunidades de periferia. Há que se ressaltar que o Estado tanto espanhol quanto o
brasileiro, apesar de terem políticas públicas de apoio a estes empreendimentos, muitas vezes
preterem estes movimentos em relação a outros, como por exemplo, a não destinação de verbas,
que compromete o desenvolvimento das atividades. Na Espanha, há um nível de consciência e
cobrança por parte da sociedade, sendo garantidos direitos básicos, tornando assim num estado
de bem-estar. Já no Brasil, muito do que se reivindica são garantias constitucionais que o
governo não assegura como direito dos cidadãos, principalmente por escassos recursos
governamentais destinados a estas áreas consideradas prioritárias, reforçando o papel dos
empreendimentos nestes contextos. Na trajetória dos empreendimentos foram identificadas que
novas necessidades foram surgindo e os empreendimentos mais estruturados foram
vislumbrando outras perspectivas e possibilidades de atendimento do seu público. É importante
ressaltar que os apoios recebidos ao longo da trajetória foram importantes para que os
empreendimentos se consolidassem, e por consequência, maior visibilidade e respaldo da
comunidade. Ficou constatado também que os empreendimentos promovem uma perspectiva
positiva na vida dos atendidos e de suas famílias, tendo em vista as novas possibilidades que
são criadas a partir da participação nos empreendimentos. A criação de valor social é resultado
desta trajetória em ambos os contextos, pois contribui para que as situações anteriormente
consideradas problemas, hoje já em outro patamar, são consideradas condições para a melhoria
da qualidade de vida dos participantes e das sociedades onde vivem.
7.1.2 Objetivo 2 - Estabelecer as configurações por meio das dimensões de valor,
vinculadas entre a criação de valor e os empreendimentos sociais estudados
Dentre os valores encontrados na pesquisa de campo na Associação APSA, pode-se
destacar primeiramente a combinação dos valores ligados ao universalismo, destacando-se os
valores de responsabilidade, honestidade, qualidade de vida, qualidade nas ações
desenvolvidas, felicidade, diversidade, confiabilidade e fidelidade, que está relacionado
diretamente à tolerância, compreensão e promoção do bem-estar de todos e da natureza. A
seguir os valores ligados a autodeterminação que é a independência do pensamento e da tomada
de decisão, na busca de valores ligados à solidariedade, respeito, igualdade, não discriminação,
aprendizagem e responsabilidade, tanto para o sujeito da pesquisa, como também para as
pessoas que são afetadas pelas ações propostas pela Associação.
264
Outro destaque de grupo de valores está ligado à benevolência, é no que diz respeito à
preservação e reforço do bem-estar em relação às pessoas próximas com que se tem contato
frequente e de forma não-casual, os valores destacados na pesquisa foram: compromisso,
escutar, companheirismo e serenidade. A seguir o grupo de valores que se destaca é a realização
que está ligada diretamente ao êxito pessoal como resultado de competência segundo as normas
sociais consideradas aceitáveis, sendo eles: realização no trabalho, profissionalismo e
independência pessoal e econômica.
Dentre os valores encontrados na pesquisa de campo na Rede IVG, pode-se destacar
primeiramente os valores ligados a conservação, pois as pessoas estão mais preocupadas em
sair de condições de vulnerabilidade em que se encontram, buscam a segurança que ainda não
possuem e que almejam. Os valores destacados pelos sujeitos sob a perspectiva pessoal foram:
crescimento pessoal por meio da educação, que se tornou um valor, empoderamento, identidade
cultural, oportunidade aliada ao propósito de vida, reconhecimento pessoal associado ao status
adquirido com a nova condição social, o que gera valores associados à perspectiva social como:
a felicidade, futuro melhor, a possibilidade de poder ajudar contribuindo para que as outras
pessoas da comunidade tenham as mesmas oportunidades, a segurança, propriamente dita, bem
como a rede gerada pelos envolvidos contribuem para a transformação social. A seguir os
valores ligados a autotranscedência como: aprendizagem proporcionada pelas ações da Rede,
empatia de colocar-se no lugar do outro, missão pessoal e solidariedade em contribuir para uma
vida melhor, e por fim o valor da vida, o bem maior que uma pessoa pode ter independente da
sua condição social, econômica, política ou cultural. E por último o reconhecimento de um
trabalho pela sociedade que está inserido, além da identidade cultural proporcionada a estas
pessoas, o valor de pertencer a um lugar que é seu por direito ((Inglehart, 1997, 1990, 2005;
Schwartz, 1992; Schwartz et al., 2012).
7.1.3 Objetivo 3 - Associar a trajetória do empreendimento social à criação de valor, a
partir da mesma
A criação de valor gerada a partir das trajetórias dos empreendimentos sociais
transcendem aos valores sociais propostos inicialmente. O valor criado social pode ser
percebido pelo valor da vida, proporcionado aos beneficiários marginalizados ou excluídos dos
processos sociais no empreendimento brasileiro. A criação de valores como o econômico por
meio da independência, pode ser percebido na trajetória do empreendimento espanhol, quando
265
inclui um trabalhador com discipacidade em um posto de trabalho, que por meio do seu salário
pode se manter, contribuir para a manutenção de sua família, ou ainda comprar um imóvel para
sua moradia. No empreendimento brasileiro, o valor econômico pode ser constatado quando
um beneficiário alcança sua independencia econômica por meio de um trabalho que mantém a
sua família, ou que contribua para a criação de novos empregos. A criação de valor politico
ocorre nos empreendimentos por meio da integração dos associados ou beneficiários nos
diversos espaços de reinvidicação de direitos, como fóruns de discussão de politicas publicas,
que ocorrem tanto na Espanha como no Brasil. A criação de valor cultural por meio da
aprendizagem que é disponibilizada nas duas associações, seja pela visita a museus, espaços
coletivos de integração como praças e jardins, ou ainda em viagens culturais. A criação de valor
ambiental por meio da qualidade de vida proporcionada pelos empreendimentos, por meio da
reinvidicação e exercício de direitos como cidadãos em suas comunidades, seja na Provincia de
Alicante ou na Grande Florianopolis. Pode-se verificar que os empreendimentos estudados
transcendem a criação de valor social, incorporando outros valores na vida de seus associados
ou beneficiários.
7.1.4 Objetivo 4 - Definir os valores pessoais, sob a ótica dos sujeitos, a partir da trajetória
do empreendimento social, tendo como base a Teoria de Valores de Schwartz e a Teoria
de Valores Culturais de Inglehart
Na perspectiva dos valores pessoais a partir da trajetória dos empreendimentos, tendo
em vista as teorias de Schwartz e Inglehart, pode-se destacar que: no empreendimento espanhol,
os valores declarados pelos sujeitos foram ligados ao universalismo, destacando-se a
responsabilidade, honestidade, qualidade de vida, qualidade nas ações desenvolvidas,
felicidade, diversidade, confiabilidade e fidelidade, que está relacionado diretamente à
tolerância, compreensão e promoção do bem-estar de todos e da natureza, a autodeterminação
que é a independência do pensamento e da tomada de decisão, na busca de valores ligados a
solidariedade, respeito, igualdade, não discriminação, aprendizagem e responsabilidade, tanto
para o sujeito da pesquisa, como também para as pessoas que são afetadas pelas ações propostas
pela Associação. Destacam-se também valores ligados à benevolência, que diz respeito à
preservação e reforço do bem-estar em relação às pessoas próximas com que se têm contato
frequente e de forma não-casual. Os valores destacados na pesquisa foram o compromisso,
266
escutar, companheirismo e serenidade. Há que se destacar os valores ligados a realização e êxito
pessoal como a realização no trabalho, profissionalismo e independência pessoal e econômica.
No que se refere à Teoria de Inglehart, a Espanha apresenta bons indicadores sociais,
econômicos, políticos e culturais, por meio de acesso à escolaridade, serviços públicos
universais, como água, luz e telefone, políticas de igualdade de gênero, o país é estável política
e economicamente, o que o coloca no ranking como país desenvolvido. Por ter estas
características, a sociedade espanhola é considerada pós-materialista, numa concepção de
sociedade de inclusão das pessoas, independente da sua condição física, intelectual ou sensorial.
O desenvolvimento de uma sociedade depende de como seus cidadãos são tratados e quais os
mecanismos utilizados para a sua inclusão nos diversos espaços sociais. A Espanha, por ser
uma sociedade que busca e plena inclusão dos seus cidadãos por meio de mecanismos de
estabilidade social, econômica, política, cultural, preconizando formas de inclusão seja por
meio de políticas públicas inclusivas, subvenções sociais ou ainda incentivos a adesão a novas
formas de inclusão.
No empreendimento brasileiro, os valores declarados pelos sujeitos foram ligados à
conservação, pois as pessoas estão mais preocupadas em sair de condições de vulnerabilidade
em que se encontram, buscam a segurança que ainda não possuem. Almejam crescimento
pessoal por meio da educação, que se tornou um valor, empoderamento, identidade cultural,
oportunidade aliada ao propósito de vida, reconhecimento pessoal associado ao status adquirido
com a nova condição social, associados à perspectiva social como: a felicidade, futuro melhor,
a possibilidade de poder ajudar contribuindo para que as outras pessoas da comunidade tenham
as mesmas oportunidades, a segurança propriamente dita, física, econômica e social. Valores
ligados a autotranscedência também podem ser destacados como: aprendizagem proporcionada
pelas ações da Rede, empatia de colocar-se no lugar do outro, missão pessoal e solidariedade
em contribuir para uma vida melhor, e por fim o valor da vida, o bem maior que uma pessoa
pode ter independente da sua condição social, econômica, política ou cultural, e por último o
reconhecimento de um trabalho pela sociedade, a identidade cultural proporcionada a estas
pessoas e o valor de pertencer a um lugar que é seu por direito.
No que se refere à Teoria de Inglehart, o Brasil não possui estabilidade social e
econômica, sendo considerado ainda em desenvolvimento. Apesar de alguns indicadores
apresentados serem considerados bons, isto não se aplica muitas vezes à periferia das grandes
cidades, pois nem sempre o acesso aos itens básicos que deveria ser universalizado, impactando
nos indicadores medidos em regiões mais estáveis social e economicamente. A sociedade
267
brasileira ainda é considerada materialista, pois seus cidadãos buscam sua colocação nos
espaços sociais, sendo muitas vezes marginalizados e/ou excluídos, necessitando de
movimentos reivindicatórios para assegurar o acesso a direitos básicos e nem sempre
disponibilizados. O Brasil ainda tem muito no que avançar para ser uma sociedade que inclui
plenamente seus cidadãos. Ainda faltam mecanismos que assegurem, desde estabilidade social,
política econômica, geração de emprego e renda principalmente nos níveis mais baixos da
população, a melhoria na distribuição de renda, além de garantia de acesso aos serviços de
saúde, educação e segurança, considerados básicos, para tornarmos uma sociedade mais justa e
inclusiva. Para o desenvolvimento de uma sociedade, é imprescindível a inclusão de todos nos
espaços sociais, garantindo-lhes direitos e deveres para o desenvolvimento da cidadania.
7.1.5 Objetivo 5 - Apresentar um modelo teórico de criação de valor em
Empreendedorismo Social
Para compreender a criação de valor, torna-se necessário identificar as configurações que
contribuem em diferentes contextos. No processo de pesquisa foram identificadas as dimensões
necessárias para que a criação de valor pudesse ser concretizada nos empreendimentos sociais
pesquisados, a saber:
Intenção Empreendedora Social (IES): foi considerada a base de ambos os
empreendimentos, apesar das diferenças de contexto. No empreendimento espanhol, a IES teve
como motivador a necessidade dos pais em encontrar uma solução para sanar as dificuldades
dos filhos no ambiente escolar, seja para ter um melhor aproveitamento ou para reforço escolar
dos filhos. Com o passar dos anos, as necessidades foram sendo ampliadas e a Associação
APSA hoje atende todo o ciclo de vida dos associados. A Rede IVG é o resultado da integração
de sete empreendimentos sociais que foram criados para atender as comunidades de periferia.
A necessidade inicial era promover a integração e desenvolvimento de serviços que o Estado
não executava, como educação em contra turno, por exemplo. Os empreendimentos foram se
desenvolvendo e incorporando outros serviços para atender as comunidades e hoje se
constituem como diferenciais onde estão instalados. Seus serviços também foram ampliados
conforme os beneficiários iam apresentando outras necessidades, e hoje atuam desde creche até
o ensino universitário, quando os beneficiários têm condições de se manterem por meio de uma
268
profissão. Em ambos os contextos, a IES teve também como apoio os movimentos sociais, dos
pais na Espanha, e das comunidades de periferia no Brasil.
Fatores Internos: são os fatores necessários para a estruturação do empreendimento e
manutenção das atividades a serem desenvolvidas. Estes fatores contemplam as normas de
funcionamento, as regras de atendimento, estatuto, estrutura física necessária para o
desenvolvimento das atividades, pessoal para atender nas atividades dos empreendimentos,
apoio de parceiros no que tange a financiamento de projetos ou repasse de verbas por meio de
convênio com os governos local, regional ou nacional. Os componentes estratégicos também
tiveram destaque como fator interno, pois norteiam todas as ações do empreendimento. No
empreendimento espanhol, a gestão é profissionalizada, e o conselho consultivo do
empreendimento é altruísta em suas atividades de gestão, traçando em linhas gerais os objetivos
e metas a serem atingidos. No empreendimento brasileiro, a gestão migrou do empreendedor
social para um conselho de administração, com objetivos de tornar a gestão mais
profissionalizada. Outro componente estratégico encontrado nos dois contextos foi a missão
social dos empreendimentos. Por meio dela, são norteadas as estratégias e ações dos
empreendimentos, bem como a sua proposta de atender a comunidade. No que se refere aos
valores, também ficou constatado que são alinhados à missão organizacional, e são praticados
no dia a dia dos empreendimentos. Em ambos os empreendimentos ficou constatado que a
estrutura para o desenvolvimento das atividades é adequada ao que se propõe, bem como os
profissionais que trabalham no empreendimento, tornando também esta parte compatível com
o que se propõe a realizar. No que se referem aos recursos financeiros, os dois contextos são
considerados escassos, entretanto no empreendimento espanhol, por suas características,
consegue gerar renda por meio das mensalidades dos associados e pelo centro especial de
emprego que por convênio executa atividades em organizações privadas e governamentais, com
amparo na legislação local, da mesma maneira através de festas beneficentes para levantamento
de recursos. No empreendimento brasileiro, há mais dificuldades em relação a este recurso, pela
própria crise financeira do governo de longos anos. Uma das alternativas encontradas foram a
parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Paraná, que assumiu dois empreendimentos
da rede, além de parcerias com órgãos governamentais como a Prefeitura Municipal de
Florianópolis e Palhoça, doações anônimas, padrinhos, e festas beneficentes promovidas para
angariar fundos e garantir o desenvolvimento das atividades nos empreendimentos.
Fatores Externos: são fatores complementares importantes para o desenvolvimento das
atividades nos empreendimentos. O primeiro deles são os stakeholders, formado por indivíduos
269
ou grupos que contribuem para o desenvolvimento das atividades. Eles são importantes, pois
têm caráter reivindicatório para assegurar direitos básicos aos associados ou beneficiários. Os
stakeholders do empreendimento espanhol contribuem de forma a garantir as atividades da
Associação, pode-se destacar a Universidade de Alicante, apoiadora dos Centros Especiais de
Emprego, e a Agência de Desenvolvimento Local de Alicante, que também é membro do
conselho da Associação, naquele país, devido ao seu grau de desenvolvimento, as pautas
reivindicatórias deste coletivo têm apoio dos familiares associados, poder público e empresas
privadas que contribuem de diversas formas para o desenvolvimento das atividades. No
empreendimento brasileiro, os stakeholders também possuem papel de destaque, seja através
do desenvolvimento de atividades nos empreendimentos por meio da Central de Voluntários,
ou por apoio na reivindicação de direitos junto aos órgãos públicos, como os líderes
comunitários, por exemplo. A própria Rede IVG, por meio dos parceiros tem acesso à gestão
do empreendimento através de ações como auditoria contábil da prestação de contas dos
empreendimentos, ou ainda na elaboração do planejamento estratégico da Rede. Com o
envolvimento dos diversos stakeholders foi possível melhorar o atendimento da Rede,
estabelecimento de parcerias oferecidas desde a educação infantil até a universidade,
contribuindo para o crescimento pessoal dos beneficiários.
Outro fator de destaque são as políticas públicas nos dois países. Na Espanha, as mesmas
demonstraram consolidação no que se refere a sua criação e execução. Muito do que é
desenvolvido na Associação tem apoio da política pública tanto regional, na Comunidade
Valenciana, como do Governo Federal, e União Europeia. Já no Brasil, as políticas públicas
não são uma garantia de execução de projetos ou parcerias, pois devido à dificuldade financeira,
elas são criadas, mas não executadas. Os movimentos sociais reivindicatórios é que buscam
assegurar o seu cumprimento. Outro fator externo que interfere nos empreendimentos são os
aspectos ambientais do contexto. No caso espanhol, o principal problema foi a crise financeira
daquele país a partir do ano de 2008/2009, que comprometeu de maneira bastante séria o
desenvolvimento das atividades na Associação, devido ao corte de subvenção e redução das
parcerias com as empresas privadas e governo. No caso brasileiro, o fator externo que interfere
é o narcotráfico nas comunidades de periferia, cooptando os jovens e aumentando o ciclo de
pobreza naqueles locais.
Criação de Valor Social (CVS): a criação de valor é o resultado obtido pelos
empreendimentos a partir da estruturação disposta nas dimensões. Ambas as organizações são
reconhecidas nas comunidades em que estão inseridas e o papel que desempenham na mudança
270
da realidade social. Apesar dos contextos diferentes, os propósitos dos empreendimentos em
mudar são visíveis, e contribuem para uma nova percepção da sociedade. A CVS colabora para
que os empreendimentos se destaquem na comunidade e cumpram o que se propõem em sua
missão e visão acerca da realidade que querem mudar. Na Espanha, a APSA consegue incluir
pessoas com discapacidade em espaços sociais, na busca da normalidade social, econômica,
política e cultural destes indivíduos, seja pela autonomia, independência financeira, ocupação
de postos de trabalho, vida em família, filhos, participação em decisões importantes para a
associação, integração em ambientes laborais e participação na vida cotidiana das cidades. No
Brasil, a Rede IVG consegue mudar a realidade nas comunidades em que está inserida através
da educação, numa perspectiva de mudança da realidade social. Por meio da educação e projetos
de vida, os beneficiários conseguem alcançar outro patamar social e independência econômica,
mudando a trajetória pessoal. As perspectivas de realidades possíveis contribuem para o
engajamento de um número maior de pessoas, bem como a mudança de perfil de comunidades
onde o Estado é ausente. A inclusão em outros espaços sociais também é um valor para estes
beneficiários, que se comprometem a garantir estas mesmas conquistas para a nova geração.
Nos empreendimentos estudados, a criação de valor social é representada por valores sob a
ótica dos sujeitos e são apresentados na figura 38.
Figura 38
Valores representados no Modelo Teórico do Processo de Criação de Valor Social, sob a
ótica dos sujeitos da pesquisa.
Fonte: Dados da Pesquisa, 2017.
271
7.2 ANÁLISE DO OBJETIVO GERAL DE PESQUISA
No quem se refere a análise do objetivo geral da pesquisa, que foi Compreender o
fenômeno do processo de Criação de Valor em Empreendedorismo Social, em diferentes
contextos, há que se destacar que o processo de criação de valor nos empreendimentos
estudados se dá pela inclusão de pessoas com discapacidade nos espaços sociais na Espanha, e
pelo acesso a serviços básicos que deveriam ser fornecidos pelo Estado brasileiro, e que por
meio da Rede IVG, as comunidades de periferia têm acesso à educação.
No empreendimento espanhol, os associados com discapacidade são expostos a diversas
situações de interação social e econômica ao longo de sua vida, por meio de participação nas
escolas, visitas aos espaços culturais, trabalho, ou seja, aspectos da vida cotidiana de uma
sociedade. A diversidade intelectual é levada a sério e com respeito pela sociedade espanhola,
isto os põe em situação de visibilidade nos diversos espaços. A Associação APSA trabalha com
este coletivo na busca da melhoria da qualidade de vida, por meio de ações que permitam que
seus associados tenham uma vida autônoma e produtiva, levando em consideração as suas
limitações e potencialidades. Pelo fato de criar perspectivas de inclusão, a criação de valor
social é reconhecida pelos múltiplos stakeholders que os apóiam. O fato de ser uma organização
sem fins lucrativos, mas que busca gerar sua própria receita, encontra na política pública
espanhola respaldo para o desenvolvimento de suas atividades, isto também é uma criação de
valor social, pois diminui a dependência de subvenções e promove a integração dos seus
associados no mundo do trabalho. A criação de serviços de apoio às famílias por meio de centros
de desenvolvimento e atividades recreativas também contribui para a criação de valor social da
APSA, pois as famílias associadas encontram nestes lugares apoio para o desenvolvimento
cognitivo e social dos seus filhos. A criação de valor social também é criada, quando a
Associação mantém uma residência para associados que já não possuem mais familiares e
podem ser amparados pela estrutura disponibilizada até o fim de suas vidas. A Associação cria
valor social quando se propõe a romper os padrões de normalidade impostos pela sociedade, e
torna visíveis seus associados por meio das atividades que realiza.
No empreendimento brasileiro, os moradores da região de periferia são incluídos através
das estratégias e ações desenvolvidas pelos empreendimentos da Rede IVG, como por exemplo,
as creches, escolas, projetos de inclusão no trabalho, resgate de pessoas marginalizadas ou
excluídas em situação de rua, auxiliando as famílias que querem dar uma vida melhor para seus
filhos. As possibilidades de inclusão em espaços educacionais que a Rede IVG fornece aos
272
beneficiários contribuem para uma mudança de perspectiva social e econômica dos mesmos,
na medida em que os tornam sujeitos das próprias vidas, isto é criação de valor social. A busca
de garantia de direitos às comunidades em que possui seus empreendimentos, mediante
reivindicação junto aos órgãos públicos, contribui para a criação de valor social. A segurança
que as famílias têm de saber que seus filhos estão em atividades de integração, lúdicas e de
aprendizagem, sem estar expostos a situações de risco, como o narcotráfico presente nestas
comunidades, cria valor social.
A criação de valor social também ocorre na perspectiva de romper o ciclo de pobreza e
a possibilidade de seguir caminhos diferentes ao comumente oferecidos a estas comunidades
como serviços braçais ou com pouca especialidade, para atividades de cunho intelectual, ou em
outros espaços de mercado de trabalho. Percebeu-se ao longo da pesquisa na Rede IVG os
esforços em combinar os diversos recursos, sejam eles internos ou externos, na tentativa de
integrar os beneficiários em situações de ocupação dos espaços sociais, como forma realmente
de incluí-los nestes espaços que também são deles por direito, isto cria valor social para a
comunidade.
Nos discursos dos sujeitos, é possível verificar as tentativas de combinar os recursos
com as políticas públicas, que é por meio da integração de diversos atores que possam manter
o maior período e possibilitar realmente a inclusão.
7.3 CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS
Dentre as contribuições teóricas deste trabalho, pode-se destacar a contribuição pela
estruturação de um modelo teórico baseado em dados obtidos pela pesquisa de campo, por meio
da Grounded Theory. Por meio deste modelo teórico, em pesquisas futuras ele poderá ser
revisado na aplicação em outros empreendimentos e contextos, buscando sua consolidação e
reestruturação caso seja necessário. Muitas pesquisas realizadas na área de ES ficam restritas a
definição do empreendedorismo social, papel do empreendedor social e a missão social do
empreendimento, foi possível assim, avançar na pesquisa deste campo de estudo, indo além do
que é pesquisado tradicionalmente pela academia.
No que diz respeito às contribuições sociais, foi possível verificar que o processo de
inclusão permeia toda trajetória dos empreendimentos, pois pela intenção empreendedora
social, fatores internos e externos e por fim a criação de valor contribui para que pessoas em
273
processos de marginalização e/ou exclusão, tornam-se cidadãos ativos e em pleno gozo dos seus
direitos, sendo eles próprios autores de sua trajetória e transformação social.
7.4 SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS
Este trabalho não pretende se esgotar aqui, então como continuidade, sugere-se como
objeto para futuras pesquisas:
a) Estudar a sucessão nos empreendimentos sociais: ao analisar a trajetória um fator
crítico é a sucessão, pois para que o empreendimento permaneça na comunidade e contribua
para a mudança social, tornam-se necessários estudos que verifiquem o processo sucessório
neste tipo de empreendimento;
b) Identificar e estudar os fatores internos e externos que interferem no
desenvolvimento das atividades do ES: neste estudo foram identificados alguns fatores internos
que contribuem para o desenvolvimento das atividades nos empreendimentos sociais, tornando-
se importante verificar quais outros fatores contribuem, bem como a validação dos fatores que
foram propostos nesta pesquisa;
c) Compreender a criação de valor em diferentes contextos, dando continuidade ao
estudo ora proposto, seja em diferentes regiões do Brasil, onde as situações do ES são distintas,
entre o Brasil e a África, ou ainda empreendimentos de diferentes segmentos e objetivos;
d) Analisar sob a ótica financeira a sustentabilidade dos empreendimentos sociais,
pois como é um recurso escasso, os empreendimentos buscam supri-los de todas as formas
possíveis, importante estudar o impacto da escassez deste recurso nos empreendimentos e nas
comunidades;
e) Estudar o papel do líder como motivador na criação e desenvolvimento dos
empreendimentos sociais, o confronto entre o perfil ideal e real do líder nas organizações
sociais, bem como a influência da liderança na criação de valor social dos empreendimentos;
f) Analisar a Teoria Institucional aplicada ao Empreendedorismo Social: as
organizações são influenciadas por fatores internos e externos ao empreendimento e tentar
compreender estas relações auxilia a direcionar as ações e legitimar os procedimentos
necessários para mantê-lo em funcionamento, atendendo a sua missão social;
274
g) Avaliar os impactos da inovação social promovida pelos empreendimentos
sociais em diferentes contextos com o objetivo de mensurar qualitativa e quantitativamente as
estratégias e ações dos mesmos em nível local.
7.5 LIMITAÇÃO DO ESTUDO
Apesar da realização da pesquisa ter ocorrido dentro dos padrões de normalidade,
algumas limitações foram encontradas. O estudo em diferentes contextos foi dificultado por
conta da falta de domínio pleno do idioma espanhol pela pesquisadora, causando por vezes
problemas de comunicação, em virtude principalmente dos falsos cognatos entre o idioma
português e espanhol. As pesquisas desenvolvidas pela academia sobre ES limitam-se, muitas
vezes, a definição de ES, papel do empreendedor social e missão social, necessitando de mais
estudos empíricos sobre outros fatores que interferem nos empreendimentos, bem como a
possibilidade de avanços nos estudos desta área.
A pouca quantidade de estudos teóricos e empíricos na área de criação de valor social
dificultou a sua definição, bem como um entendimento mais apropriado sobre o tema, pois
ainda não há estudos consolidados, necessitando de mais estudos e discussões sobre a CVS. A
falta de indicadores e métricas na área de empreendedorismo social também foi um dificultador
para estudar as trajetórias, principalmente para avaliação dos impactos causados pelos
empreendimentos, e muitas vezes, os modelos disponíveis são adaptados de outras áreas de
estudos, nem sempre possíveis aplicá-los na área de ES.
A área de ES no Brasil ainda está em fase de consolidação, principalmente pela recente
demarcação através de leis e decretos. A academia ainda não despertou para este tema de
tamanha relevância e que pode contribuir para a resolução de problemas sociais e econômicos.
Já na Espanha esta área de ES está melhor estruturada por meio da legislação e políticas
publicas, o que permitiu verificar a situação dos empreendimentos em diferentes contextos.
Dentre as limitações metodológicas da pesquisa, pode-se destacar primeiramente o
idioma espanhol, que muitas vezes foi um complicador no processo de entrevista, por meio da
utilização de falsos cognatos, o que gerava explicações e complementos para os entendimentos
adequados do que se pretendia dos sujeitos. Outro limitador foi a dificuldade e disponibilidade
dos sujeitos em participar da pesquisa, devido as suas atribuições nos empreendimentos ou pela
falta de sensibilidade com o tema pesquisado. Corroborando ainda com esta dificuldade, tanto
no Brasil como na Espanha, não foi possível ouvir os empregadores de participantes ou egressos
275
dos empreendimentos sociais. Apesar dos limitadores, pode-se realizar a pesquisa de maneira
proveitosa e atingindo-se os objetivos inicialmente propostos, atentando-se para estas
limitações, quando surgiam.
276
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APÊNDICES
APÊNDICE A – Protocolo de Entrevista
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
Curso de Doutorado em Administração e Turismo
Protocolo de Entrevista
Visão Geral do Estudo de Caso:
Tema: A criação de valor em empreendimentos sociais, como isto acontece a partir da
trajetória dos empreendimentos.
Titulo: O Fenômeno de Criação de Valor em Empreendedorismo Social em Diferentes
Contextos: Estudo de Caso no Brasil e na Espanha.
Pressupostos: Os empreendimentos sociais a partir de sua trajetória causam mudanças no
contexto em que estão inseridos, levando em consideração a intenção empreendedora, os fatores
internos e externos, o processo de inclusão e criação de valor inerentes aos empreendimentos
(Hlady-Rispal & Servantie, 2018; Mair & Marti, 2006, Parente et al, 2011). Para que isto seja
relevante, é importante levar em consideração aspectos como:
- As bases de constituição do empreendimento;
- Os empreendedores sociais e seus motivos;
- Os fatores internos que constituem e dão suporte as atividades dos empreendimentos;
- Os fatores externos que apoiam as iniciativas sociais e os que impactam no seu
funcionamento;
- Os valores criados para os participantes no empreendimento.
Objetivos da pesquisa: Compreender a criação de valor em empreendimentos sociais, em
diferentes contextos.
Problema da Pesquisa: Dependendo do contexto, os participantes de empreendimentos sociais
apresentam diferentes valores para justificar a sua participação. Como a pesquisa foi realizada
em dois contextos, é importante ressaltar que os valores gerados tanto no Brasil como na
Espanha, apesar de ter como foco a resolução de problemas sociais, apresentam valores
distintos que justifica a sua participação, por isso é importante verificar qual esta ótica, a partir
destes.
Perguntas de Pesquisa:
Identificação do Entrevistado:
Nome do Entrevistado:_________________________________________________
Papel no Empreendimento: _____________________________________________
Empreendimento:_____________________________________________________
Nome do entrevistador:_________________________________________________
301
Local: _______________________________________________________________
Data: ____/____/____
1ª fase: Pergunta quebra-gelo
1. O que fazes aqui (no empreendimento)?
2ª fase: Trajetória com o objetivo de compreender a Criação de Valor
2. Dados pessoas e participação no empreendimento.
3. Qual a visão de mundo, o que pensa da vida.
4. Trajetória do empreendimento (Passado/Presente)
5. Momentos importantes vividos no empreendimento.
6. Os recursos disponíveis para o desenvolvimento das atividades.
7. Qual o valor gerado pelo empreendimento sob a ótica pessoal.
8. Planos para o futuro (pessoal e profissional)
3ª fase – Encerramento da Entrevista
9. Comentários finais (livre para o entrevistado)
Observação: É importante salientar que este roteiro sofreu variações, desdobrando-se para
outras perguntas de interessa para a pesquisa conforme o andamento da entrevista.
Proposições teóricas utilizadas:
Os principais aspectos norteadores a partir da pesquisa de campo foram:
- Papel do empreendedor/empreendedores;
- Trajetória do empreendimento;
- Motivação do empreendedor;
- Intenção empreendedora;
- Fatores internos inerentes ao empreendimento;
- Fatores Externos inerentes ao empreendimento;
- Criação de valor sob a ótica dos participantes do empreendimento.
Estrutura do Trabalho:
1. Capitulo 1 - Introdução
2. Capitulo 2 - Referencial Teórico
3. Capitulo 3 - Escolhas Metodológicas
4. Capitulo 4 - Apresentação e Análise dos Dados e Evidencias: Asociación APSA
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5. Capitulo 5 - Apresentação e Análise dos Dados e Evidencias: Rede IVG
6. Capitulo 6 - Apresentação do Modelo Teórico
7. Capitulo - Conclusões e Recomendações
8. Referencias
9. Apêndices e Anexos
Pessoal Envolvido:
Pesquisador: Monica Cristina Rovaris Machado
Professores Orientadores: Prof. Dr. Fernando César Lenzi
Prof. Dr. Clemente Antônio Penalva Verdú
Procedimentos Adotados no Trabalho de Campo:
Aspectos metodológicos: trata-se de uma pesquisa exploratória, que utilizou como estratégia
estudos de casos múltiplos como unidade de análise.
Setor Alvo: organizações do terceiro setor brasileiro e espanhol.
Organizações: Brasil (Rede IVG – Florianópolis/SC) e Espanha (Asociación APSA –
Alicante/CV).
Coleta de dados: análise de documentos das associações, observação não participante e
entrevista semiestruturada, com foco norteador dos objetivos da pesquisa e a partir dos
pressupostos da Grounded Theory.
Fonte de dados: primárias (entrevista com os participantes dos empreendimentos e observação
não participante em atividades dos empreendimentos), e secundárias (documentos normativos,
notícias da mídia, publicações correlatas aos empreendimentos).
Instrumentos de coleta de dados: dados primários (entrevistas pessoas e coletivas com os
participantes dos empreendimentos), e dados secundários (observação de situações vividas em
ambientes distintos pelos associados do empreendimento espanhol e participação em grupos no
empreendimento brasileiro).
Numero de entrevistados: 19 participantes do empreendimento espanhol e 21 participantes do
empreendimento brasileiro.
Roteiro de entrevista: as questões foram norteadas a partir de situações que evidenciavam o
“passado-presente-futuro” dos empreendimentos, bem como o papel do entrevistado neste
processo histórico.
Análise de dados: não se partiu de categorias prévias ou fechadas. A partir dos pressupostos
da Grounded Theory, elas emergiram ao longo da análise dos dados e evidencias por meio da
análise das entrevistas, documentos norteadores e observações realizadas no campo. Utilizou-
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se como apoio para análise o software ATLAS TI que auxiliou nas definições de categorias e
originaram o modelo proposto.
Guia para o relatório dos Estudos de Caso: o presente relatório foi estruturado com base na
trajetória do empreendimento social e com base em documentos norteadores do PPGA/Univali,
para que tenha uma estrutura adequada para apresentação diante de uma banca de defesa de
tese.
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ANEXO B – Resolución de Inscripción de Entidad, de Titulares de Junta Directiva u
Órgano de Representación y de Modificación de Estatutos em el Registro Nacional de
Asociaciones