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Sindicatos, cooperativas e socialismo

Date post: 30-Mar-2016
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Esta obra é fruto do segundo ciclo do Seminário Socialismo e Democracia, que dedicou-se ao exame de questões concretas que estão sendo postas para as esquerdas no Brasil. O exame dos temas escolhidos travejou a experiência das lutas com a reflexão que procurava projetá-las e entendê-las no quadro da transformação urgente e radical.
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Page 1: Sindicatos, cooperativas e socialismo

SSSSS O C I A L I S M OO C I A L I S M OO C I A L I S M OO C I A L I S M OO C I A L I S M O

EMEMEMEMEM DISCDISCDISCDISCDISCUUUUUSSSSSSÃOSÃOSÃOSÃOSÃO

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s i n d i c a t o sc o o p e r a t i v a se s o c i a l i s m o

f e r n a n d o h a d d a dr i c a r d o a n t u n e sg i l m a r m a u r og i l m a r c a r n e i r o

O SEGUNDO CICLO DO SEMINÁRIO SOCIALISMO

E DEMOCRACIA DEDICOU-SE AO EXAME DE QUES-TÕES CONCRETAS QUE ESTÃO SENDO

POSTAS PARA AS ESQUERDAS NO BRASIL.A ABORDAGEM DESSAS QUESTÕES JUNTOU

AS URGÊNCIAS DE CURTO PRAZO COM APERSPECTIVA HISTÓRICA MAIS LARGA DO

FUTURO. POR ISSO, OS VÁRIOS TEMAS FORAM

TRABALHADOS, SEMPRE, PERGUNTANDO-SE QUAIS

SÃO SUAS INTERAÇÕES COM O SOCIALISMO.FORAM ABORDADOS TEMAS COMO A RICA

EXPERIÊNCIA – QUE A VÁRIOS TÍTULOS

REPRESENTA UMA ENORME INOVAÇÃO POLÍTICA – DO

ORÇAMENTO PARTICIPATIVO,O PLANEJAMENTO URBANO, A REFORMA AGRÁRIA EO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES

SEM-TERRA, AS FORMAS CONTEMPORÂNEAS

DA LUTA SOCIAL, A DECISIVA REVOLUÇÃO

MOLECULAR-DIGITAL E A VIRADA DA

INFORMAÇÃO, E, POR ÚLTIMO, AS COMPLEXAS

RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS NA ERA

DA CHAMADA GLOBALIZAÇÃO.O EXAME TRAVEJOU, SEMPRE, A EXPERIÊNCIA DAS

LUTAS COM A REFLEXÃO QUE PROCURAVA

PROJETÁ-LAS E ENTENDÊ-LAS NO QUADRO DA

TRANSFORMAÇÃO URGENTE E RADICAL.NÃO PARA UM DIA QUALQUER POSTERIOR

À REVOLUÇÃO, MAS DIUTURNAMENTE.

FRANCISCO DE OLIVEIRA

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SSSSS O C I A L I S M OO C I A L I S M OO C I A L I S M OO C I A L I S M OO C I A L I S M O

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f e r n a n d o h a d d a dr i c a r d o a n t u n e sg i l m a r m a u r og i l m a r c a r n e i r o

O SEGUNDO CICLO DO SEMINÁRIO SOCIALISMO

E DEMOCRACIA DEDICOU-SE AO EXAME DE QUES-TÕES CONCRETAS QUE ESTÃO SENDO

POSTAS PARA AS ESQUERDAS NO BRASIL.A ABORDAGEM DESSAS QUESTÕES JUNTOU

AS URGÊNCIAS DE CURTO PRAZO COM APERSPECTIVA HISTÓRICA MAIS LARGA DO

FUTURO. POR ISSO, OS VÁRIOS TEMAS FORAM

TRABALHADOS, SEMPRE, PERGUNTANDO-SE QUAIS

SÃO SUAS INTERAÇÕES COM O SOCIALISMO.FORAM ABORDADOS TEMAS COMO A RICA

EXPERIÊNCIA – QUE A VÁRIOS TÍTULOS

REPRESENTA UMA ENORME INOVAÇÃO POLÍTICA – DO

ORÇAMENTO PARTICIPATIVO,O PLANEJAMENTO URBANO, A REFORMA AGRÁRIA EO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES

SEM-TERRA, AS FORMAS CONTEMPORÂNEAS

DA LUTA SOCIAL, A DECISIVA REVOLUÇÃO

MOLECULAR-DIGITAL E A VIRADA DA

INFORMAÇÃO, E, POR ÚLTIMO, AS COMPLEXAS

RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS NA ERA

DA CHAMADA GLOBALIZAÇÃO.O EXAME TRAVEJOU, SEMPRE, A EXPERIÊNCIA DAS

LUTAS COM A REFLEXÃO QUE PROCURAVA

PROJETÁ-LAS E ENTENDÊ-LAS NO QUADRO DA

TRANSFORMAÇÃO URGENTE E RADICAL.NÃO PARA UM DIA QUALQUER POSTERIOR

À REVOLUÇÃO, MAS DIUTURNAMENTE.

FRANCISCO DE OLIVEIRA

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Fernando HaddadGilmar CarneiroRicardo Antunes

Gilmar Mauro

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EEEEE SOCIALISMOSOCIALISMOSOCIALISMOSOCIALISMOSOCIALISMO

Socialismo em discussão

EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO

Page 4: Sindicatos, cooperativas e socialismo

1a edição: abril de 2003 – Tiragem: 3 mil exemplaresTodos os direitos reservados à

Editora Fundação Perseu AbramoRua Francisco Cruz, 224 – CEP 04117-091 – São Paulo – SP – Brasil

Telefone: (11) 5571-4299 – Fax: (11) 5571-0910Na Internet: http://www.rfpa.com.br – Correio eletrônico: [email protected]

Copyright © 2003 by Editora Fundação Perseu Abramo — ISBN 85-86469-80-7

Assistente EditorialViviane Akemi Uemura

RevisãoMárcio Guimarães de Araújo

Maurício Balthazar Leal

Capa e Projeto GráficoGilberto Maringoni

Ilustração da CapaPaulino NR Lazur

Editoração Eletrônica Enrique Pablo Grande

Impressão Cromosete Gráfica

Fundação Perseu AbramoInstituída pelo Diretório Nacional

do Partido dos Trabalhadores em maio de 1996

DiretoriaHamilton Pereira – presidente

Ricardo de Azevedo – vice-presidenteSelma Rocha – diretora

Flávio Jorge Rodrigues da Silva – diretor

Editora Fundação Perseu Abramo

Coordenação EditorialFlamarion Maués

Editora AssistenteCandice Quinelato Baptista

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Sindicatos, cooperativas e socialismo / Fernando Haddad... [etal.]. -- São Paulo : Editora Fundação Perseu Abramo, 2003. --(Coleção socialismo em discussão)

Outros autores: Gilmar Mauro, Gilmar Carneiro, RicardoAntunes

Bibliografia.ISBN 85-86964-80-7

1. Cooperativismo 2. Sindicalismo 3. Socialismo I. Haddad,Fernando. II. Mauro, Gilmar. III. Carneiro, Gilmar. IV. Antunes,Ricardo. V. Série

03-0701 CDD-320.531

Page 5: Sindicatos, cooperativas e socialismo

ApresentaçãoFrancisco de Oliveira ..................................................................... 5

Sindicalismo, cooperativismo e socialismoFernando Haddad ........................................................................... 7Salário, preço e lucro ............................................................................................ 8Indeterminações ................................................................................................. 15Política e Estado de bem-estar ................................................................................ 20Sindicalismo e cooperativismo ................................................................................ 26Marx e o cooperativismo ......................................................................................... 31Cooperativismo e sindicalismo ............................................................................... 37Conceitos de socialismo .......................................................................................... 40ComentáriosGilmar Carneiro ........................................................................... 47Cooperativas e sindicalismo: um aprendizado ....................................................... 47Mudança de paradigma ............................................................................................ 50Dilemas do cooperativismo ...................................................................................... 52Gilmar Mauro ............................................................................... 55Cooperativas, mudança e luta social ..................................................................... 55Análise política e luta de classes ............................................................................ 57Cooperativas e transformação ................................................................................ 59

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4 SINDICATOS, COOPERATIVAS E SOCIALISMO

Ricardo Antunes ........................................................................ 63Sindicatos e cooperativas: como pensá-los junto com o socialismo? ............ 63Trabalho vivo e trabalho morto ......................................................................... 64Desqualificação do trabalho ............................................................................... 67Sindicatos na encruzilhada .................................................................................. 68Debate com o públicoFrancisco Costa ........................................................................................... 71Roberto Vasquez ................................................................................................. 72Daniel Araújo ..................................................................................................... 72João Antônio Moraes ........................................................................................ 72Geraldo Santiago Pereira ................................................................................. 73Fernando Haddad ..............................................................................................73Julia .............................................................................................................. 77Marcelo Sereno .................................................................................................. 78Feijó .............................................................................................................. 80Gilmar Carneiro ........................................................................................... 82Ricardo Antunes ........................................................................................... 85Djalma .................................................................................................................. 88Cláudio Pastor ................................................................................................... 89Jorge .................................................................................................................... 89João Antônio Moraes ................................................................................... 89Silvia Marrei ....................................................................................................... 90Leda Paulani ...................................................................................................... 90Paul Singer ......................................................................................................... 91Gilmar Mauro ..................................................................................................... 94Fernando Haddad ..............................................................................................98Ricardo Antunes .............................................................................................. 101Gilmar Carneiro .............................................................................................. 103

Sobre os autores .................................................................... 105

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5SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

ApresentaçãoFrancisco de Oliveira

O segundo ciclo do seminário Socialismo e Democracia – reproduzidona coleção Socialismo em Discussão –, que o Instituto Cidadania, a Fun-dação Perseu Abramo e a Secretaria de Formação Política do Partidodos Trabalhadores realizaram no primeiro semestre de 2001, dedicou-se,dessa vez, ao exame de questões concretas que estão sendo postas parao movimento das esquerdas no Brasil com urgência, particularmente apartir das expressivas vitórias nas eleições municipais de outubro de 2000.O Partido dos Trabalhadores, para não usurparmos a fala das outrasformações da esquerda brasileira, foi chamado a dar soluções concretasaos já dramáticos problemas das cidades, herança de um longo ciclohistórico, agravados pelas políticas ou antipolíticas neoliberais dos últi-mos dez anos.

Entendeu-se que a votação cidadã optou pelo PT não apenas pela ur-gência da conjuntura, mas como uma orientação de outra perspectiva dedesenvolvimento econômico, social, político e cultural, caucionada pelatrajetória do partido desde sua criação e pela exemplaridade das admi-nistrações petistas ali onde a cidadania lhe tem entregue a gestão doEstado, em municípios e estados.

A abordagem das questões concretas juntou as urgências de curto

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prazo com a perspectiva histórica mais ampla do futuro. Por isso osvários temas foram trabalhados, sempre, perguntando-se quais são suasinterações com o socialismo. De modo que as gestões da esquerda nãodevem ser apenas o breve ciclo de uma administração, mas precisamtambém realizar concretamente, na vida cotidiana das cidades, das cida-dãs e cidadãos, uma mudança cujo nome histórico é socialismo. Nãopara um dia qualquer posterior à revolução, mas diuturnamente. Dessemodo, a perspectiva histórica do socialismo ajuda, orienta e valoriza me-didas simples, ao alcance da cidadania, sem a grandiloqüência dos gran-des eventos, mas preparando-a para seu autogoverno.

Foram abordados o recado das urnas de 2000, a rica experiência, quea vários títulos representa uma enorme inovação política, do orçamentoparticipativo, o planejamento urbano, a reforma agrária e o movimentodos trabalhadores sem-terra, as formas contemporâneas da luta social, adecisiva revolução molecular-digital e a virada da informação, e, porúltimo, as complexas relações econômicas internacionais na era da cha-mada globalização. O exame travejou, sempre, a experiência das lutascom a reflexão que procurava projetá-las e entendê-las no quadro datransformação urgente e radical. Destacados militantes do Partido dosTrabalhadores, desde seu presidente de honra, novos dirigentes munici-pais, calejados quadros políticos, governadores e prefeitos, especialistas,reputados professores universitários, apoiados, discutidos e contestadospor um público sempre numeroso e participante, dedicaram o tempo ne-cessário para arejar o pensamento, desafiando o entendimento da novacomplexidade. Assim, o PT busca juntar ação e reflexão, não apenaspara preparar quadros, mas para assumir o mandato da transformação –como disse uma já clássica canção petista – “sem medo de ser feliz”.

Em nome da Comissão Organizadora,Francisco de Oliveira

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7SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

Sindicalismo, cooperativismoe socialismoFernando Haddad

O tema proposto pelos companheiros de partido que organizam ociclo de debates sobre socialismo denota, como de hábito, muita acuidadepolítica desses veteranos da luta por uma sociedade emancipada. Lutaque se modifica a cada novo modo de organização e desenvolvimentodas forças produtivas, que se modifica pelo aparecimento de novosagentes sociais, que se modifica pelas novas formas de dominação declasse. Como não poderia deixar de ser, nesse momento em que mui-tas das nossas convicções sobre como agir e para onde rumar estãopouco sólidas, menos pela urgência de transformar o mundo do quepelo senso de responsabilidade diante do já demasiado sofrimento dascamadas inferiores da sociedade, relações que nem sempre foram bemestabelecidas se tornam ainda mais problemáticas. Sem dúvida, esse éo caso da relação entre sindicalismo, cooperativismo e socialismo, deque pretendo tratar. Se, contudo, nos lembrássemos da advertência deTheodor Adorno de que “a liquidação da teoria à base de dogmatizar eproibir o pensamento contribuiu para a má práxis”, talvez fosse o casode, no que me diz respeito, inverter as posições e perguntar aos cole-gas da mesa, que eu reputo os mais qualificados para julgar justamente

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8 SINDICATOS, COOPERATIVAS E SOCIALISMO

do ponto de vista da práxis o que aqui se dirá, se tudo afinal não setrata simplesmente de má teoria.

Como já se sublinhou que, sob o capitalismo, é impossível uma prá-tica transformadora sem uma teoria transformadora, o procedimentoadotado aqui será o de submeter a teoria marxista à prova da histó-ria. Marx tratou muito episodicamente do assunto hoje proposto. Con-tudo, suas observações são tão penetrantes que devem ser submeti-das a um exame apurado que nos habilite, se necessário, a reformulara teoria, sem abrir mão do seu conteúdo crítico. Recorro, prioritaria-mente, aos seus textos de intervenção dirigidos ao movimento operá-rio, e só pontualmente aos textos clássicos, em parte porque são aque-les os textos que nos permitem pensar com Marx a política, em partepara nos dar uma pálida idéia de quanto estamos atrasados teorica-mente se comparamos o debate no Partido dos Trabalhadores (PT)de hoje com o que se travava à época do aparecimento das primeirasorganizações operárias.

Salário, preço e lucro – Começo pelo tema do sindicalismo, como foitratado na brochura que ganhou o nome de Salário, preço e lucro1. Ali,Marx dialoga com um operário inglês, John Weston, cuja argumentaçãoreduzia-se ao seguinte:

“Se a classe operária obriga a classe capitalista a pagar-lhe,sob a forma de salário em dinheiro, 5 xelins em vez de 4, ocapitalista devolver-lhe-á, sob a forma de mercadorias, o valorde 4 xelins em vez do valor de 5. Então a classe operária teráque pagar 5 xelins pelo que antes da alta de salários lhe custa-va apenas 4”.

1. MARX, K. “Salário, preço elucro”. In: MARX, K. e ENGELS,F. Obras escolhidas. SãoPaulo, Alfa-Ômega, 197-,v. 1, p. 333-378.

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9SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

Temos aqui uma velha tese, nossa conhecida, de que a um aumento desalários nominais os patrões reagem com um aumento do preço dasmercadorias, anulando o efeito desejado pelos trabalhadores.

Contra isso, Marx inicialmente observa:

“E por que ocorre isto? Por que o capitalista só entrega o valor de 4xelins por 5? Porque o montante dos salários é fixo. Mas por que fixoprecisamente no valor de 4 xelins em mercadorias? Por que não em3, em 2, ou outra qualquer quantia? Se o limite do montante dos salá-rios está fixado por uma lei econômica, independente tanto da vonta-de do capitalista como da do operário, a primeira coisa que deveria terfeito o cidadão Weston era expor e demonstrar essa lei”.

Bem, uma das razões pelas quais Marx se tornou tão conhecido foijustamente pelo fato de ter exposto e demonstrado essa lei desconhecidados próprios formuladores da teoria do valor-trabalho. Sabemos por essalei que o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade detrabalho socialmente necessário para sua reprodução. A primeira provi-dência de Marx será, a partir dessa premissa, desautorizar a tese centraldo argumento de Weston:

“Se do valor de uma mercadoria descontamos a parte que se limitaa repor o das matérias-primas e outros meios de produção empre-gados, isto é, se descontarmos o valor que representa o trabalhopretérito nela encerrado, o valor restante reduzir-se-á à quantidadede trabalho acrescentada pelo operário que por último se ocupanela. Se este operário trabalha 12 horas diárias e 12 horas de traba-lho médio cristalizam-se numa soma de ouro igual a 6 xelins, estevalor adicional de 6 xelins será o único valor criado por seu trabalho

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[...] Este valor dado, determinado por seu tempo de trabalho, é oúnico fundo do qual tanto ele como o capitalista têm de retirar a res-pectiva participação ou dividendo, é o único valor a ser dividido entresalários e lucros [...] Como o capitalista e o operário só podem dividireste valor limitado, isto é, o medido pelo trabalho total do operário,quanto mais perceba um deles, menos obterá o outro, e reciproca-mente [...] Mas todas estas variações não influem no valor da merca-doria. Logo, um aumento geral de salários determinaria uma dimi-nuição da taxa geral de lucro, mas não afetaria os valores”.

Essa constatação parece, à primeira vista, criar problemas para a pró-pria teoria marxista, uma vez aplicada a lei do valor à mercadoria forçade trabalho. Pois, segundo a mesma lei, o valor da mercadoria força detrabalho seria determinado, como o valor de qualquer outra mercadoria,pela quantidade de trabalho socialmente necessária a sua reprodução.Isso significa, nos dizeres de Marx, que

“o valor da força de trabalho ou, em termos mais populares, ovalor do trabalho é determinado pelo valor dos artigos de primeiranecessidade ou pela quantidade de trabalho necessária a sua pro-dução. Por conseguinte, se num determinado país o valor dos ar-tigos de primeira necessidade, em média diária consumidos porum operário, representa 6 horas de trabalho, expresso em 3 xelins,este trabalhador terá de trabalhar 6 horas por dia a fim de produziro equivalente do seu sustento diário”.

Se, porventura, a jornada de trabalho for de 12 horas, metade da jorna-da de trabalho será trabalho não pago e a taxa de mais-valia será, por-tanto, de 100%.

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11SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

Tudo o mais constante, seria muito improvável que os trabalhadoresconseguissem aumentar seus salários sem subverter a própria lei quetransforma a aparente troca de equivalentes no seu contrário; ou seja,seria muito improvável que, respeitada a lei que regula a troca de merca-dorias, os trabalhadores viessem a vender a mercadoria força de traba-lho acima do seu valor de troca. Contudo, é absolutamente possívelcompatibilizar a lei do valor, que iguala o salário à subsistência, comdemandas por aumento salarial, sem, no entanto, subverter aquela lei.Certamente os exemplos não teriam escapado a uma mente arguta comoa de Marx. O primeiro exemplo que eu sublinharia é também um velhoconhecido nosso: trata-se da luta para repor a perda de uma alta genera-lizada dos preços, ou, em outras palavras, a luta pela reposição oriundada diminuição do poder de compra do dinheiro. Segundo Marx, “os valo-res dos artigos de primeira necessidade e, por conseguinte, o valor dotrabalho podem permanecer invariáveis, mas o preço deles em dinheiropode sofrer alteração, desde que se opere uma prévia modificação novalor do dinheiro”. Como os tempos eram os do padrão-ouro, a explica-ção não poderia ser outra que não a seguinte:

“Com a descoberta de jazidas mais abundantes etc., 2 onças deouro, por exemplo, não suporiam mais trabalho do que antes exi-gia a produção de 1 onça. Neste caso, o valor do ouro baixaria àmetade, a 50%. E como, em conseqüência disto, os valores dasdemais mercadorias se expressariam no dobro do seu preço emdinheiro anterior, o mesmo aconteceria com o valor do trabalho”.

Com o que Marx conclui: “Dizer, neste caso, que o operário não develutar pelo aumento proporcional do seu salário equivale a pedir-lhe que seresigne a que se lhe pague o seu trabalho com nomes e não com coisas”.

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Uma segunda ordem de considerações diz respeito a alterações na jor-nada de trabalho, que, segundo nosso autor, não tem limites constantes.Aqui, vale lembrar uma lição de O Capital2. Ao contrário da fixação dovalor da força de trabalho, cujo montante é definido pela lei que rege atroca de mercadorias numa sociedade capitalista de uma maneira geral, nocaso da fixação da jornada de trabalho não há, pela lógica do sistema,nenhuma regra que possibilite concluir qual a duração e a intensidade quepudessem ser consideradas inerentes ao seu funcionamento, a não serpelo fato de que o capitalista procurará estender a jornada ao máximo e ostrabalhadores encurtá-la ao mínimo, razão pela qual Marx afirma:

“Não resulta da natureza da troca de mercadorias nenhum limiteà jornada de trabalho ou ao trabalho excedente. O capitalista afir-ma seu direito, como comprador, quando procura prolongar o maispossível a jornada de trabalho e transformar, sempre que possível,um dia de trabalho em dois. Por outro lado, a natureza específicada mercadoria vendida impõe um limite ao consumo pelo compra-dor, e o trabalhador afirma seu direito, como vendedor, quandoquer limitar a jornada de trabalho a determinada magnitude nor-mal. Ocorre assim uma antinomia, direito contra direito, ambosbaseados na lei da troca de mercadorias. Entre direitos iguais eopostos decide a força”3.

Mas, voltando ao argumento de Salário, preço e lucro, Marx, depoisde lembrar que, à diferença de uma máquina, o homem se esgota numaproporção muito superior àquela em que é usado no trabalho, dirá que

“nas tentativas para reduzir a jornada de trabalho à sua antiga dura-ção racional, ou, onde não podem arrancar uma fixação legal da jor-

2. MARX, K. O Capital. Rio deJaneiro, Difel, 1990, 8a ed.3. O Capital, op. cit., livro I,cap. 8, 1.

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13SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

nada normal de trabalho, nas tentativas para contrabalançar o traba-lho excessivo por meio de um aumento de salário, aumento que nãobasta esteja em proporção com o sobretrabalho que os exaure, edeve, sim, estar numa proporção maior, os operários não fazemmais que cumprir um dever para com eles mesmos e a sua raça”.

Saliente-se, aqui também, que a luta pelo aumento de salários, longe desubverter a lei do valor, não faz mais do que a convalidar. Um aumentoda jornada de trabalho acarreta maior desgaste físico do trabalhador, e osalário para repor aquilo que se consumiu no processo de trabalho teráque ser mais do que proporcional àquele aumento, uma vez que o des-gaste do trabalhador aumentaria a taxas crescentes relativamente à ex-tensão da jornada. Assim sendo, se a jornada diária passasse de 10 para12 horas, a luta por um aumento salarial superior a 20% seria a conseqüên-cia lógica da lei que rege a troca de mercadorias. Caso contrário,

“pode acontecer que o capital, ao prolongar a jornada de trabalho,pague salários mais altos e que, sem embargo, o valor do trabalhodiminua, se o aumento dos salários não corresponde à maior quan-tidade de trabalho extorquido e ao mais rápido esgotamento daforça de trabalho que daí resultará”.

O mesmo vale para um aumento de intensidade do trabalho:

“Mesmo com uma jornada de trabalho de limites determinados, comoexiste hoje em dia em todas as indústrias sujeitas às leis fabris, pode-se tornar necessário um aumento de salários, ainda que somenteseja com o fito de manter o antigo nível do valor do trabalho. Me-diante o aumento da intensidade do trabalho, pode-se fazer que um

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14 SINDICATOS, COOPERATIVAS E SOCIALISMO

homem gaste numa hora tanta força vital como antes, em duas [...]Ao contrabalançar esta tendência do capital, por meio da luta pelaalta dos salários, na medida correspondente à crescente intensidadedo trabalho, o operário não faz mais que opor-se à depreciação doseu trabalho e à degeneração da sua raça”.

Há ainda outras razões pelas quais os trabalhadores devem lutar poraumentos salariais. Marx afirma que o trabalhador moderno compartilhatoda miséria do antigo escravo, sem, contudo, desfrutar a segurança deque o último dispunha. O escravo, por toda a vida, dispõe de uma quantida-de fixa e imutável de meios de subsistência, enquanto o operário dispõe deuma quantidade muito variável, podendo, em caso de desemprego, chegara nada. Pois bem, a razão de ser desta insegurança é a dinâmica cíclica daeconomia capitalista, ora em franca prosperidade, ora em calmaria; oraem depressão, ora em recuperação. Marx observa que

“os preços das mercadorias no mercado e a taxa de lucro no mer-cado seguem estas fases; ora descendo abaixo de seu nível médio,ora ultrapassando-o. Se considerardes todo o ciclo, vereis que unsdesvios dos preços do mercado são compensados por outros e que,tirando a média do ciclo, os preços das mercadorias do mercado seregulam por seus valores. Pois bem. Durante as fases de baixa dospreços no mercado e durante as fases de crise de estagnação, ooperário, se é que não o põem na rua, pode estar certo de ver rebai-xado o seu salário. Para que não o enganem, mesmo com essabaixa de preços no mercado, ver-se-á compelido a discutir com ocapitalista em que proporção se torna necessário reduzir os salá-rios. E se durante a fase de prosperidade, na qual o capitalista ob-tém lucros extraordinários, o operário não lutar por uma alta de

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salários, ao tirar a média de todo o ciclo industrial, veremos que elenem sequer percebe o salário médio, ou seja, o valor do seu traba-lho. Seria o cúmulo da loucura exigir que o operário, cujo salário sevê forçosamente afetado pelas fases adversas do ciclo, renuncias-se ao direito de ser compensado durante as fases prósperas”.

A conseqüência óbvia dessas considerações é que o trabalhador, aoreunir algumas economias na fase de prosperidade, longe de revogar alei que fixa o seu salário no nível de subsistência, na verdade a confirma,uma vez que na fase de depressão terá que se valer dessas mesmaseconomias para se sustentar, uma vez que seu salário, nessa fase, aindaque mantido seu emprego, poderá descer a um patamar aquém do ne-cessário para sua própria reprodução.

Indeterminações – Importa-nos, agora, ressaltar dois outros exem-plos apontados por Marx. O primeiro, excepcional e pouco provável,mas em tese possível, supõe uma diminuição da produtividade do traba-lho de modo que, em conseqüência, se necessite de mais trabalho paraproduzir a quantidade de bens primários necessários à reposição da for-ça humana consumida no processo de produção. Nesse caso, um au-mento dos salários seria inevitável. Com a queda da produtividade dotrabalho, o preço da cesta de bens necessários à reprodução do traba-lhador subirá na exata medida que se exigirá um preço maior pela vendada força de trabalho. Mais uma vez, o aumento salarial não viola, antesconvalida, a lei do valor.

O surpreendente de Salário, preço e lucro é o fato de Marx ter arro-lado ainda um outro caso, que por razões de argumentação havíamosdeixado de lado, sem mencionar aquilo que o distingue dos até aqui con-siderados. Trata-se do caso de elevação, e não de diminuição, da produ-

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16 SINDICATOS, COOPERATIVAS E SOCIALISMO

tividade do trabalho, ou seja, o movimento oposto ao acima descrito. Porsimetria, deveríamos esperar que a um aumento da produtividade dotrabalho correspondesse uma imediata redução dos salários, uma vezque os custos de reprodução da mercadoria força de trabalho teriamdiminuído. Contudo, o texto diz o seguinte:

“Ao elevar-se a produtividade do trabalho, pode acontecer que amesma quantidade de artigos de primeira necessidade, consumi-dos em média, diariamente, baixe de 3 para 2 xelins, ou que, emvez de 6 horas de jornada de trabalho, bastem 4 para produzir oequivalente do valor dos artigos de primeira necessidade consu-midos num dia [...] O lucro subiria de 3 para 4 xelins e a taxa delucro, de 100% para 200%. Ainda que o padrão de vida absolutodo trabalhador continuasse sendo o mesmo, seu salário relativo e,portanto, sua posição social relativa, comparada com a do capita-lista, teria piorado. Opondo-se a esta redução de seu salário rela-tivo, o trabalhador não faria mais que lutar para obter uma partedas forças produtivas incrementadas do seu próprio trabalho emanter a sua antiga situação relativa na escala social”.

O que diferencia este caso de todos os demais? Nos exemplos anterio-res, a luta por aumento salarial tinha um caráter defensivo num sentidomuito preciso. Seja pela perda do poder de compra da moeda, seja peloaumento da jornada de trabalho ou pela intensificação do trabalho, sejaainda pela oportunidade de se valer das fases de escassez de mão-de-obraque somente compensam as fases de abundância, a luta pelo aumentosalarial, se vitoriosa, não faz mais do que proporcionar ao trabalhador amesma quantidade de gêneros de primeira necessidade imprescindíveis àsua mera reprodução enquanto trabalhador. Mas, nesse último caso, não.

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Aqui, o enfoque é completamente novo, pois, se o trabalhador conseguirmanter a sua posição social relativa comparada à do capitalista, ele terá,indiscutivelmente, no caso de aumento da produtividade do trabalho, umaquantidade maior de bens a sua disposição. Tecnicamente falando, se otrabalhador consegue refrear o aumento da taxa de mais-valia relativa,isso significará que seu salário, medido em termos de valores de uso, terásubido na mesma proporção do aumento da produtividade do trabalho. Sea um aumento da produtividade não corresponder um aumento de salário,o padrão de vida do trabalhador continuará o mesmo, como reconheceMarx na passagem citada. Simetricamente, se a um aumento de produtivi-dade corresponder um aumento de salário na mesma medida, o padrão devida absoluto do trabalhador aumentará, ainda que sua posição social rela-tiva comparada à da classe dominante permaneça a mesma.

Marx introduz nessa passagem de Salário, preço e lucro uma indeter-minação ausente de O Capital. Nesta obra, a indeterminação diz respeitounicamente à fixação da jornada de trabalho: de um lado, o capitalistaafirma seu direito, como comprador, quando procura prolongar a jornadade trabalho; de outro, o trabalhador afirma seu direito, como vendedor,quando quer limitar a jornada de trabalho. “Ocorre assim uma antinomia,direito contra direito, ambos baseados na lei da troca de mercadorias. En-tre direitos iguais e opostos decide a força.” Em Salário, preço e lucro, aluta do trabalhador pela manutenção da sua posição social relativa introduzuma outra indeterminação, agora na fixação do nível salarial.

Não é por outro motivo que em Salário, preço e lucro a questão dafixação da jornada não aparece dissociada da questão da fixação dosalário, o que fica claro na seguinte observação:

“O máximo de lucro só se acha limitado pelo mínimo físico dossalários e pelo máximo físico da jornada de trabalho. É evidente

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que, entre os dois limites extremos da taxa máxima de lucro, cabeuma escala imensa de variantes. A determinação de seu grauefetivo só fica assente pela luta incessante entre o capital e otrabalho; o capitalista, tentando constantemente reduzir os salá-rios ao seu mínimo físico e a prolongar a jornada de trabalho aoseu máximo físico, enquanto o operário exerce constantementeuma pressão no sentido contrário”.

É claro que nesse embate entrarão em jogo fatores históricos e sociais:as diferenças de país para país, as diferentes tradições e culturas, o nívelde amadurecimento da classe trabalhadora etc.

Para Marx, contudo, a perspectiva para os trabalhadores não era dasmais favoráveis. Segundo seus prognósticos,

“o próprio desenvolvimento da indústria moderna contribui por for-ça para inclinar cada vez mais a balança a favor do capitalistacontra o operário e [...] em conseqüência disto, a tendência geralda produção capitalista não é para elevar o nível médio normal dosalário, mas, ao contrário, para fazê-lo baixar, empurrando o valordo trabalho mais ou menos até seu limite mínimo”.

Desse ponto de vista, surpreendentemente, o resultado da sua pesquisaacabava coincidindo com as intuições do operário John Weston, um céticoquanto às possibilidades de êxito do movimento sindical, como aliás o pró-prio Marx fizera notar no início da sua exposição. Ao contrário da confe-rência de Weston, no entanto, a de Marx abre perspectivas novas para ostrabalhadores, ainda que como contratendências cuja predominância, im-provável para ele, a história dos cem anos seguintes à polêmica em telaviria demonstrar. Contratendências que, diga-se, estão, como se verá a

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seguir, plenamente contempladas na exposição de Marx, ainda que ele nãotenha dado conta dos desdobramentos que teriam caso elas se afirmas-sem historicamente graças a um conjunto de condições inimagináveis.

Vejamos a questão mais de perto. Numa certa passagem, Marx faznotar a diferença de enfoque que o separa de Weston, ainda que ambos,como se disse, comunguem o mesmo sentimento em relação às possibi-lidades de êxito do movimento sindical. Diz o texto:

“Tomemos, por exemplo, a elevação dos salários agrícolas ingleses,de 1849 a 1859. Qual foi a sua conseqüência? Os agricultores nãopuderam elevar o valor do trigo, como lhes teria aconselhado nossoamigo Weston, nem sequer o seu preço no mercado. Ao contrário,tiveram que se resignar a vê-lo baixar. Mas durante estes 11 anosintroduziram máquinas de todas as classes e novos métodos cientí-ficos, transformaram uma parte das terras de lavoura em pasta-gens, aumentaram a extensão de suas fazendas e com ela a escalade produção; e por estes e outros processos, fazendo diminuir aprocura de trabalho graças ao aumento de suas forças produtivas,tornaram a criar um excedente relativo da produção de trabalhado-res rurais. Tal é o método geral segundo o qual opera o capital nospaíses antigos, de bases sólidas, para reagir, mais rápida ou maislentamente, contra os aumentos de salários”.

Aqui, como se vê, o movimento é o oposto do outrora apresentado. Ostrabalhadores agrícolas ingleses se beneficiaram de uma fase de prospe-ridade econômica excepcionalmente longa e tiveram seus salários au-mentados ao mesmo tempo que o preço do trigo que produziam e que osreproduzia baixava sem cessar. Com a introdução de novas técnicas emétodos científicos os proprietários diminuíram a demanda por força de

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trabalho, mercadoria que, tornando-se superabundante, teve seu preçonovamente corrigido. Mantiveram seus lucros, sem que repassassem oaumento dos salários aos preços, antes pelo contrário.

No caso anteriormente analisado temos a demanda por aumento sala-rial precedida do aumento da produtividade do trabalho, os trabalhadorestentando manter sua posição social relativa comparada à dos capitalis-tas, enquanto aqui a reação é dos capitalistas contra o aumento dos salá-rios por meio do aumento da produtividade do trabalho. Nada nos impe-de, logicamente, de conceber esses movimentos como complementares,bastando para tanto introduzir uma peça a mais no nosso esquema: paratornar-se virtuoso, o círculo se fecha com a exigência da redução dajornada de trabalho.

Política e Estado de bem-estar – E é nesse momento que Marxintroduz um dos elementos fundamentais para entender por que ascontratendências se tornaram a marca do século XX, no Ocidente, pelomenos até finais da década de 1960: a política. Diz Marx:

“Pelo que concerne à limitação da jornada de trabalho, tanto na Ingla-terra como em todos os países, nunca foi ela regulamentada senãopor intervenção legislativa. E sem a constante pressão dos operá-rios agindo por fora nunca essa intervenção se daria. Em todo caso,este resultado não teria sido alcançado por meio de convênios priva-dos entre os operários e os capitalistas. E esta necessidade mesmade uma ação política geral é precisamente o que demonstra que, naluta puramente econômica, o capital é a parte mais forte”.

Os grifos, todos meus, na passagem acima não querem sugerir, comouma leitura apressada e ingênua poderia indicar, que o Estado de bem-

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estar era uma perspectiva aventada por Marx. Seu ceticismo quanto àspossibilidades de reformar o sistema e sua ironia quanto às conquistasdos trabalhadores sob o domínio do capital são sobejamente conhecidos.Muito desdenhosamente, Marx afirma, por exemplo, em O Capital (li-vro I, cap. 8, 7):

“O pomposo catálogo dos direitos inalienáveis do homem será assimsubstituído pela modesta Magna Carta que limita legalmente ajornada de trabalho e estabelece claramente, por fim, ‘quando ter-mina o tempo que o trabalhador vende e quando começa o tempoque lhe pertence’. Que transformação!”

Marx simplesmente aponta em Salário, preço e lucro para o fato deque intervenções legislativas em proveito dos trabalhadores são conquis-tas sindicais que transcendem a arena econômica e se realizam na polí-tica, uma arena onde os trabalhadores têm mais chances de vitória con-tra o capital. Afirmar que o sindicalismo explica o Estado de bem-estar équase tão equivocado quanto afirmar que o Estado de bem-estar é umdesdobramento automático do desenvolvimento do capitalismo. Mas oque se procurará defender aqui é que o Estado de bem-estar, de umponto de vista marxista, tem no sindicalismo seu pressuposto dialético,sua determinação mais fundamental, ainda que se reconheça que suaplena constituição contou com condições históricas ausentes ou sóembrionariamente presentes na época em que as teses de Marx vierama público, e que, sem essas condições, o Estado de bem-estar seria umempreendimento impossível.

Três dessas condições são dignas de nota: o sufrágio universal, a trans-formação da ciência em fator de produção e a adoção pelo Estado depolíticas anticíclicas de feição keynesiana. Quanto ao primeiro, sabemos

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desde A questão judaica4 que Marx o tomava como um desdobramen-to natural e previsível da sociedade moderna. O sufrágio universal, na-quela obra, era tido não como a emancipação dos súditos em face dadominação e da opressão dos poderosos, mas sim como a emancipaçãodo próprio Estado em face de outras esferas que lhe serviam de base delegitimação. Marx refere-se, explicitamente, à religião e à economia. OEstado moderno não carece mais de um fundamento religioso, tornando-se laico, nem de um fundamento econômico, dispensando o censo. Empoucas palavras, torna-se democrático. Diferenças e desigualdades sãoidealmente superadas e todos, aos seus olhos, passam à condição decidadãos, muito embora, no âmbito da sociedade civil, o mesmo Estadoreponha as condições para que aquelas diferenças e desigualdades sir-vam como verdadeiros pressupostos materiais da sua própria existência.Uma coisa, porém, é a adoção do sufrágio numa sociedade em que osinteresses da classe trabalhadora não são conscientes, não estão aindabem delineados etc.; outra coisa é o papel que o sufrágio universal temnuma sociedade amadurecida, com um proletariado plenamente desen-volvido e organizado. Por isso, já no Manifesto do Partido Comunis-ta5, Marx reconhece que “a primeira fase da revolução operária é aconquista da democracia”, tema que Engels vai explorar com mais pro-fundidade no seu testamento político. No jargão da obra de juventude, aemancipação política do Estado aparece como pressuposto da emanci-pação humana; a democracia, do socialismo, mas em A questão judai-ca trata-se, por assim dizer, de uma democracia sem proletariado en-quanto classe para si, enquanto no Manifesto a perspectiva é a de umademocracia revigorada pelo sindicalismo, pois é na fábrica que os traba-lhadores primeiramente se unem, se conscientizam, se educam, depoisna indústria, como categoria, e na nação, como classe, finalmente supe-rando a concorrência econômica que os afasta uns dos outros no plano

4. MARX, K. A questão judaica.São Paulo, Moraes, 1991,2a ed.5. MARX, K. e ENGELS, F.“Manifesto do Partido Comu-nista”. In: MARX, K. e ENGELS,F. Obras escolhidas. SãoPaulo, Alfa-Ômega, 197-,v. 1, p. 13-47.

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da sociedade civil. Saliente-se, ainda, que as primeiras conquistaslegislativas são, em certos países, anteriores à própria adoção do sufrá-gio universal, e este aparece, em certas circunstâncias históricas, comouma conquista legislativa de caráter sindical, especialmente em certosprocessos de redemocratização em que os sindicatos, sempre aliados aoutros setores da sociedade, tiveram papel proeminente. Ou seja, a lutapela universalização do sufrágio é uma luta da ação sindical e pela açãosindical, uma vez que esta ganha ímpeto com a democracia e faz inscre-ver nas “magnas cartas” direitos sociais cujos embriões, de fins do sécu-lo XVIII e início do século XIX, haviam sido cruelmente abortados.

Uma segunda condição da constituição do Estado de bem-estar foi atransformação da ciência em fator de produção. Aqui também Marx foimuito mais longe do que o razoável para seu tempo. Numa passagemdos Grundrisse, ele estabelece:

“A troca do trabalho vivo contra trabalho objetivado, isto é, a po-sição do trabalho social na forma da oposição entre capital e tra-balho – é o último desenvolvimento da relação valor, e da produ-ção que repousa sobre o valor. Sua pressuposição é e permanece– a massa de tempo de trabalho imediato, o quantum de trabalhoutilizado como fator decisivo da produção da riqueza. [...] mas, àmedida que a grande indústria se desenvolve, a criação da riquezaefetiva se torna menos dependente do tempo de trabalho e doquantum de trabalho utilizado do que da força dos agentes quesão postos em movimento durante o tempo de trabalho, poder quepor sua vez – sua poderosa efetividade – não tem mais nenhumarelação com o tempo de trabalho imediato que custa à sua produ-ção, mas depende antes da situação geral da ciência, do progres-so da tecnologia, ou da utilização da ciência na produção”.

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Uma formulação que vai muito além daquela do Manifesto, em queMarx, de forma absolutamente pioneira, revela o caráter progressista daburguesia, que “só pode existir com a condição de revolucionar incessan-temente os instrumentos de produção”. Mas nem ele poderia supor, nãoobstante, que a burguesia abdicaria dessa prerrogativa, contratando umaparcela da camada de trabalhadores mais qualificados para levar à frenteuma tarefa histórica sua, dispondo-se, inclusive, a partilhar com esse gruposocial os lucros extraordinários que o processo de inovação científico-tecnológica enseja. Particularmente depois da Segunda Revolução Indus-trial, a ciência penetra a produção de uma forma inédita, parte das forçasprodutivas se converte em forças criativas, e a inovação torna-se umarotina. Se nos lembrarmos de que uma das possibilidades do sindicalismoera lutar pela manutenção da posição relativa do trabalhador comparada àdo capitalista pela incorporação ao salário dos ganhos de produtividade dotrabalho, aqui também abrem-se perspectivas novas para o movimentodos trabalhadores, particularmente nos países democráticos.

Por fim, mas não menos importante, a terceira condição: a adoção depolíticas anticíclicas keynesianas. Como vimos, uma grave limitação domovimento sindical era a de que a crise econômica corroía as poupançasdos trabalhadores eventualmente acumuladas na fase de prosperidade.A depressão fazia o salário médio do ciclo completo convergir para aquelemínimo necessário à reprodução da força de trabalho vendida ao capita-lista. Uma política fiscal frouxa, inconcebível no período liberal clássicoa não ser em períodos extraordinários de guerra aberta, tornou-se a re-gra em muitos países, mesmo depois de superada a fase de depressãoque inicialmente a exigiu, ora sustentando políticas sociais que propor-cionavam, não tão raramente, polpudos salários indiretos às camadasnão-proprietárias, ora sustentando, num período de estratificação da eco-nomia mundial, corridas armamentistas que, inclusive nos países de pro-

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dução endógena de tecnologia, dinamizaram o processo de internalizaçãoda ciência no processo de produção, criando os hoje chamados sistemasnacionais de inovação. Os sistemas nacionais de inovação, por sua vez,reforçaram o movimento de estratificação da economia mundial, e aoligarquização da riqueza mundial decorrente abriu ainda mais espaçopara a ação sindical nos países centrais, tão mais facilitada quanto maisprosperavam os movimentos revolucionários nos países periféricos.

Ainda quanto às políticas anticíclicas, é fundamental salientar umaspecto novo associado à gestão da dívida pública. Um título da dívidapública dá a seu detentor, como se sabe, direito à participação nasreceitas futuras do Estado. Como detentor do título, não importa aocapitalista individualmente considerado se o dinheiro arrecadado coma venda do título serviu para construir creches ou para fabricar arma-mentos, embora numa sociedade de classes a disputa pelo destino dofundo público seja uma questão que se resolve na luta, aberta ou vela-da. Pois bem, o endividamento público introduz uma variável-chavepara se entender a pacificação dos conflitos saudada nos 30 anos glo-riosos do capitalismo: a disputa pelo produto social pode ser diferida notempo. A idéia de que capitalistas e operários, dado o valor produzido,só podem aumentar sua participação no produto social a expensas daparticipação do outro sofre um deslocamento. Pela ação do Estado,pode-se transferir renda dos capitalistas para os trabalhadores por meiode tributos, ou pode-se realizar a mesma operação vendendo ao capi-talista um título da dívida pública em vez de taxando-o. Nesse últimocaso, a decisão sobre quem há de pagar a conta fica postergada para apróxima geração. A gestão da dívida pública, portanto, permite coor-denar dois movimentos que, aos olhos de Marx, pareciam mutuamenteexcludentes. Num texto que trata da questão do fundo público na pas-sagem do capitalismo ao socialismo, ele observa:

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“Primeiro: as despesas gerais de administração, não concernentesà produção. Nesta parte se conseguirá, desde o primeiro momen-to, uma redução considerabilíssima, em comparação com a socie-dade atual, redução que irá aumentando à medida que a novasociedade se desenvolva. Segundo: a parte que se destine a sa-tisfazer necessidades coletivas, tais como escolas, instituições sa-nitárias etc. Esta parte aumentará consideravelmente desde oprimeiro momento, em comparação com a sociedade atual, e iráaumentando à medida que a nova sociedade se desenvolva. Ter-ceiro: os fundos de manutenção das pessoas não capacitadas parao trabalho etc.; em uma palavra, o que hoje compete à chamadabeneficência oficial”6.

A dívida pública, corretamente gerida, permite, por um longo período,mas não para sempre, aumentar os gastos sociais sem a necessidade dedesmontar o modo capitalista de administrar. Nesse contexto específicoe limitado no tempo convivem aspectos do Estado burguês e aspectos deum futuro Estado socialista, o que fez um dos organizadores deste ciclo– o professor Francisco de Oliveira – de debates imaginar que se cons-tituía então um modo social-democrata de produção.

Sindicalismo e cooperativismo – Sufrágio universal, ciência incor-porada à produção e políticas anticíclicas. Onde estas três condições secombinaram sinergicamente o movimento reformista prosperou incon-testavelmente. O sindicalismo, contudo, não poderia ser arrolado sim-plesmente como uma quarta condição do Estado de bem-estar. Osindicalismo é uma determinação do Estado de bem-estar no sentido deque é ele que justamente determina sua posição objetiva, ou seja, coloca-o como categoria histórica. Não é, portanto, uma condição entre outras.

6. MARX, K. “Crítica aoPrograma de Gotha”. In:MARX, K. e ENGELS, F. Obrasescolhidas. São Paulo, Alfa-Ômega, 197-, v. 2,p. 203-234..

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Tanto que, quando muda o enquadramento político da luta sindical, aindaque na presença daquelas três condições, as conquistas sociais sofremum retrocesso. Com a transnacionalização do processo de acumulaçãode capital produtivo e financeiro, que se dá em parte por razões ideológi-cas, em parte por razões técnicas associadas à Terceira Revolução In-dustrial, o sindicato é, correlativamente, o alvo prioritário do poder políti-co que o enfrenta diretamente e do poder das empresas que, pela mobi-lidade conquistada, dele se esquivam. A luta sindical, organizada, namelhor das hipóteses, em bases nacionais, enfrenta um inimigotransnacional que lhe parece invisível e, de certa forma, invencível. Apauta sindical estreita-se a ponto de contemplar apenas a reivindicaçãode mais empregos enquanto se presencia o corte ininterrupto de postosde trabalho e a transformação de parte das forças produtivas em forçasdestrutivas: o lúmpen moderno.

Dessa perspectiva, o vaticínio de Marx, que parecia infundado diantedo bom desempenho do sindicalismo no período pós-Segunda GuerraMundial, volta a ganhar força. Em Salário, preço e lucro ele dizia que“as lutas da classe operária em torno do padrão de salários são episódiosinseparáveis de todo o sistema do salariado; que em 99% dos casos,seus esforços para elevar os salários não são mais que esforços destina-dos a manter de pé o valor dado do trabalho”. Diante disso, Marxconclamava os trabalhadores a transpor os estreitos limites da ação sin-dical que não supera, antes opera por dentro do sistema de trabalhoassalariado. Conclui Marx:

“A classe operária deve saber que o sistema atual, mesmo comtodas as misérias que lhe impõe, engendra simultaneamente ascondições materiais e as formas sociais necessárias para umareconstrução econômica da sociedade. Em vez do lema conser-

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vador de: ‘um salário justo por uma jornada de trabalho justa!’,deverá inscrever na sua bandeira esta divisa revolucionária: ‘abo-lição do sistema de trabalho assalariado!’”.

Isso desloca a discussão, imediatamente, para o tema do cooperativismoe nos ajuda a entender a primeira razão pela qual ele foi relegado asegundo plano. No famoso prefácio à Contribuição à crítica da eco-nomia política7, Marx já havia sugerido que “nenhuma formação socialdesaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas queela contém”. Se isso é verdade, por que os trabalhadores, nos 30 anosgloriosos, iriam abandonar uma estratégia segura que lhes trazia benefí-cios imediatos por outra, revolucionária, sempre arriscada e de resulta-dos incertos? Em outras palavras, a luta pela abolição do sistema detrabalho assalariado só poderia ser levada a cabo quando esgotadas aspossibilidades de efetivas, concretas e significativas melhorias da rela-ção de assalariamento. A imagem de que “os proletários nada têm deseu para salvaguardar” (Manifesto) não se ajusta a certos períodos his-tóricos que podem ter uma duração relativamente prolongada. O próprioMarx vivenciou um período de relativa calmaria no período pós-1848,associada a uma prosperidade econômica duradoura que lhe serviu dechave explicativa para as derrotas revolucionárias daquele ano e o períodocomparativamente mais sereno que se seguiu.

Mas há uma outra razão profunda que explica o relativo fracasso docooperativismo. Trata-se da incompreensão teórica, relacionada ao ex-perimento histórico soviético, sobre o que Marx entendia por planeja-mento – em oposição a mercado –, uma questão, como veremos,umbilicalmente associada ao tema do cooperativismo. Planejamento cen-tral e mercado foram tomados, desde a polêmica dos anos 1930, comoconceitos econômicos, quando perante a ciência de Marx os conceitos

7. MARX, K. “Prefácio àContribuição à Crítica daEconomia Política”. In: MARX,K. e ENGELS, F. Obrasescolhidas. São Paulo,Alfa-Ômega, 197-, v. 1,p. 300-303.

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econômicos são imediatamente conceitos políticos. Numa passagem deimportância equiparável à que inaugura O Capital, tomando-lhe não poracaso a forma, lê-se: “Na sociedade em que domina o modo capitalistade produção, condicionam-se reciprocamente a anarquia da divisão so-cial do trabalho e o despotismo da divisão manufatureira do trabalho”8.Anarquia e despotismo são conceitos da teoria política desde os gregos.Dissociados desses conceitos, os conceitos de mercado e planejamentoorientam pouco a ação dos que desejam a superação do sistema de tra-balho assalariado. Pois uma coisa é negar o trabalho assalariado, outra ésuperá-lo. Teoricamente, os socialistas se dividiram em dois grupos: osque defendiam o socialismo de mercado e os que defendiam o socialis-mo centralmente planejado. Nesses dois modelos o trabalho assalariadonão parece ter lugar. Contudo, do ponto de vista de Marx, se a novasociedade não tivesse superado efetivamente aquelas duas determina-ções da divisão do trabalho sob o capitalismo, não haveria possibilidadede se falar em socialismo.

Para que esse ponto de vista fique claro é imprescindível acompanhara evolução do pensamento marxista sobre o tema do cooperativismo doManifesto à Crítica ao Programa de Gotha, ou seja, por cerca de 30anos. A primeira manifestação de interesse de Marx sobre o coopera-tivismo é a sua conhecida avaliação do chamado socialismo utópico. Dizo texto:

“[...] a forma rudimentar da luta de classes e sua própria posiçãosocial os levam [os socialistas utópicos] a considerar-se bem aci-ma de qualquer antagonismo de classe. Desejam melhorar as con-dições materiais de vida para todos os membros da sociedade,mesmo dos mais privilegiados. Por conseguinte, não cessam deapelar indistintamente para a sociedade inteira, e mesmo se diri-

8. O Capital, op. cit., livro I,cap. 12, 4.

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gem de preferência à classe dominante. Pois, na verdade, bastacompreender seu sistema para reconhecer que é o melhor dosplanos possíveis para a melhor das sociedades possíveis. Repe-lem, portanto, toda ação política e, sobretudo, toda ação revolucio-nária, procuram atingir seu fim por meios pacíficos e tentam abrirum caminho ao novo evangelho social pela força do exemplo, porexperiências em pequena escala que, naturalmente, fracassam”9.

Vê-se com clareza qual a principal objeção de Marx aos utópicos: afalta de consciência de que a sociedade capitalista, no seu todo, estácindida em torno de interesses irredutíveis de classe. A visão da socie-dade futura surge, assim, na mente de membros da classe dominanteque, por sua vez, pregam para seus próprios pares. E, portanto, a cons-trução da sociedade futura dispensa a ação política, privilegiando a açãoexemplar, necessariamente, de pequena envergadura.

Não obstante, Marx não deixa de reconhecer os méritos de um pensa-mento que encerra elementos críticos. Os utópicos

“atacam a sociedade existente em suas bases. Por conseguinte,forneceram em seu tempo materiais de grande valor para esclare-cer os operários. Suas propostas positivas relativas à sociedade fu-tura, tais como a supressão da distinção entre a cidade e o campo, aabolição da família, do lucro privado e do trabalho assalariado, aproclamação da harmonia social e a transformação do Estado numasimples administração da produção, todas essas propostas apenasanunciam o desaparecimento do antagonismo entre as classes”10.

A supressão do trabalho assalariado e a transformação do Estado numasimples administração da produção são, nesse ponto, os aspectos que

9. Manifesto Comunista,op. cit, III, 3.10. Ibidem.

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merecem atenção. A bandeira do cooperativismo, empunhada com en-tusiasmo pelos utópicos, aparece como uma primeira manifestação con-tra o trabalho assalariado. Uma manifestação que Marx jamais negli-genciará. No Manifesto de lançamento da Associação Internacionaldos Trabalhadores, Marx aumentará o grau de satisfação e de exigên-cia para com o cooperativismo:

“Mas o futuro nos reservava uma vitória ainda maior da economiapolítica do operariado sobre a economia política dos proprietários.Referimo-nos ao movimento cooperativo, principalmente às fábri-cas cooperativas levantadas pelos esforços desajudados de algunshands [operários] audazes [...] Pela ação, ao invés de por palavras,demonstraram que a produção em larga escala e de acordo com ospreceitos da ciência moderna pode ser realizada sem a existênciade uma classe de patrões que utiliza o trabalho da classe dos assa-lariados; que, para produzir, os meios de trabalho não precisam sermonopolizados, servindo como um meio de dominação e de explo-ração contra o próprio operário; e que, assim como o trabalho es-cravo, assim como o trabalho servil, o trabalhado assalariado é ape-nas uma forma transitória e inferior, destinada a desaparecer diantedo trabalho associado que cumpre a sua tarefa com gosto, entusias-mo e alegria. Na Inglaterra, as sementes do sistema cooperativistaforam lançadas por Robert Owen; as experiências operárias leva-das a cabo no continente foram, de fato, o resultado prático dasteorias, não descobertas, mas proclamadas em altas vozes em 1848”.

Marx e o cooperativismo – Aqui aparece mais claramente o signi-ficado da cooperativa na construção teórica marxista. A cooperativa háde ser tão eficiente quanto a empresa capitalista. A referência à escala

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de produção e à utilização da ciência moderna não deixa dúvidas dessepropósito. A cooperativa, numa palavra, deve estar em condições deconcorrer com a grande indústria capitalista em pé de igualdade. Adicio-nalmente, o trabalho, agora associado, representa um passo além do tra-balho assalariado, já que a figura do patrão é dispensada. Resta, porém,analisar em que medida, nos termos em que colocamos o problema, acooperativa representa a possibilidade de superação do despotismo dadivisão manufatureira do trabalho e da anarquia da divisão social do tra-balho. Essas questões complexas exigem esforço de compreensão. To-memos a seguinte passagem de O Capital:

“O trabalho de supervisão e direção surge necessariamente todasas vezes que o processo imediato de produção se apresenta emprocesso socialmente combinado, e não no trabalho isolado de pro-dutores independentes. Possui dupla natureza. De um lado, em to-dos os trabalhos em que muitos indivíduos cooperam, a conexão e aunidade do processo configuram-se necessariamente numa vonta-de que comanda e nas funções que não concernem aos trabalhado-res parciais, mas à atividade global da empresa, como é o caso doregente de uma orquestra. É um trabalho produtivo que tem de serexecutado em todo sistema combinado de produção. De outro lado,omitindo-se o setor mercantil, esse trabalho de direção é necessárioem todos os modos de produção baseados sobre a oposição entre otrabalhador – o produtor imediato – e o proprietário dos meios deprodução. Quanto maior essa oposição, tanto mais importante opapel que esse trabalho de supervisão desempenha. Atinge por issoo máximo na escravidão. Mas é também indispensável no modocapitalista de produção, pois o processo de produção é nele ao mes-mo tempo processo de consumo da força de trabalho pelo capitalis-

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ta. Da mesma maneira, em Estados despóticos, o trabalho de supe-rintendência e a intromissão geral do governo abarcam duas coisas:a execução das tarefas comuns que derivam da própria natureza detoda coletividade e as funções que decorrem especificamente daoposição entre o governo e a massa do povo [...]. As fábricas coo-perativas demonstram que o capitalista como funcionário da produ-ção tornou-se tão supérfluo quanto o é, para o capitalista mais evo-luído, o latifundiário”11.

O trabalho combinado, segundo Marx, qualquer que seja, exige o tra-balho de direção. É comum a toda sociedade, emancipada ou não, desdeque minimamente complexa. Contudo, nas sociedades onde há oposiçãoentre o trabalhador e o detentor dos meios de produção, seja na escravi-dão, no despotismo ou no capitalismo, esse trabalho de direção desem-penha uma função tão importante e de outra natureza, associada à ex-ploração do escravo, da massa do povo ou do operário, respectivamente.Mas, no capitalismo, não será a simples ausência da figura do patrão quepromoverá a superação do despotismo da divisão do trabalho dentro dafábrica, pois nas modernas sociedades por ações, por exemplo, onde adistinção entre a figura do proprietário do capital e a figura do funcioná-rio do capital já é patente, nem por isso a produção está organizada embases, digamos, “republicanas”.

A ausência da figura do proprietário tanto na sociedade por açõescomo na cooperativa não deixou de chamar a atenção de Marx, que,inclusive, fundamentava o desenvolvimento dessas novas formas de pro-priedade no mesmo fenômeno da expansão do sistema de crédito:

“Sem o sistema fabril oriundo do modo capitalista de produçãonão poderia desenvolver-se a cooperativa industrial dos trabalha-

11. O Capital, op. cit., livro III,cap. XXIII.

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dores, e tampouco o poderia sem o sistema de crédito derivadodesse modo de produção. Esse sistema, que constitui a base prin-cipal para a transformação progressiva das empresas capitalistasprivadas em sociedades capitalistas por ações, também proporcionaos meios para a expansão progressiva das empresas cooperativas[...] Tanto as empresas capitalistas por ações quanto as coopera-tivas industriais dos trabalhadores devem ser consideradas for-mas de transição entre o modo capitalista de produção e o modoassociado, com a diferença que, num caso, a contradição é supe-rada negativamente e, no outro, de maneira positiva”12.

Por que na sociedade por ações a contradição é superada negativa-mente e na cooperativa positivamente? Suponhamos que uma empresacapitalista se constitua por meio de emissão de ações. Suponhamos,agora, que uma cooperativa se constitua por meio de um empréstimobancário. No primeiro caso, os trabalhadores deverão gerar dividendospara os acionistas, no segundo, juros para o banqueiro. Dividendos ejuros podem ou não ser fixados no mesmo patamar, dependendo dorisco envolvido e de muitas outras variáveis, mas isso não muda anatureza do problema. Nos dois casos há trabalho de direção envol-vido na coordenação do trabalho combinado. Contudo, a diferençamais importante nesse exemplo não é de natureza econômica, maspolítica. “O caráter antagônico do trabalho de direção desaparece nafábrica cooperativa, sendo o dirigente pago pelos trabalhadores, emvez de representar o capital perante eles.”13 Valendo-nos da metáfo-ra de Marx, tudo se passa como se músicos proprietários dos seusinstrumentos de trabalho, ainda que comprados a crédito, contratas-sem um regente para lhes dirigir. O regente, nesse caso, não represen-ta o capital perante os músicos. O dirigente contratado pelo coletivo

12. O Capital, op. cit., livro III,cap. XXVII.13. O Capital, op. cit., livro III,cap. XXIII.

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dos trabalhadores pode inclusive vir a representá-los perante o ban-queiro que lhes financiou o empreendimento.

Com a cooperativa, portanto, uma nova formação social parece des-pontar a partir do desenvolvimento da antiga formação social. Mas, atéaqui, observa-se que a cooperativa significa tão-somente a superação deuma das determinações da divisão do trabalho sob o capitalismo, justa-mente, a divisão despótica do trabalho dentro da manufatura. É de seperguntar, agora, até que ponto isso apontaria para a superação do modocapitalista de produção no seu conjunto. A seguinte passagem esclarecea posição de Marx:

“As fábricas cooperativas de trabalhadores, no interior do regimecapitalista, são a primeira ruptura da velha forma, embora natural-mente, em sua organização efetiva, por toda parte reproduzam etenham de reproduzir todos os defeitos do sistema capitalista. Masdentro delas suprimiu-se a oposição entre capital e trabalho, em-bora ainda na forma apenas em que são os trabalhadores comoassociação os capitalistas deles mesmos, isto é, aplicam os meiosde produção para explorar o próprio trabalho”14.

A cooperativa é uma negação do capitalismo insuficientemente nega-tiva para proporcionar sua superação positiva. É a negação do principalfundamento do sistema, a propriedade privada individual, mas uma nega-ção limitada, já que promovida no interior do regime capitalista. Produzirna escala ótima e com a melhor tecnologia é condição de sobrevivênciada cooperativa na concorrência com as demais empresas, cooperativasou não, mas não é garantia da emergência de nova formação social.Mantida a anarquia da divisão social do trabalho, os trabalhadores não selivram totalmente da figura do patrão. Funcionam como patrões de si

14. O Capital, op. cit., livro III,cap. XXVII.

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mesmos, reproduzindo inclusive o sistema de exploração do trabalho. Osujeito automático continua a operar mesmo sem a presença em carne eosso de um de seus suportes.

Como ficará claro, a correta compreensão do alcance do cooperativismona obra de Marx exige uma incursão nas searas da política, tanto quantoisso se fez necessário à compreensão do alcance do sindicalismo. Con-tudo, se no caso do sindicalismo os avanços mais significativos depen-diam de intervenções legislativas promovidas pela “pressão dos operári-os agindo por fora”, no caso do cooperativismo seu sucesso, segundo ateoria, dependia da própria conquista do poder político. O texto anterior-mente citado do Manifesto de lançamento da Associação Internacio-nal dos Trabalhadores continua assim:

“Ao mesmo tempo, a experiência do período decorrido entre 1848 e1864 provou acima de qualquer dúvida que, por melhor que seja emprincípio, e por mais útil que seja na prática, o trabalho cooperativo,se mantido dentro do estreito círculo dos esforços casuais de operá-rios isolados, jamais conseguirá deter o desenvolvimento em pro-gressão geométrica do monopólio, libertar as massas, ou sequeraliviar de maneira perceptível o peso de sua miséria. É talvez poressa mesma razão que aristocratas bem-intencionados, porta-vo-zes filantrópicos da burguesia e até economistas penetrantes passa-ram de repente a elogiar ad nauseam o mesmo sistema coopera-tivista de trabalho que tinham tentado em vão cortar no nascedouro,cognominando-o de utopia de sonhadores, ou denunciando-o comosacrilégio de socialistas. Para salvar as massas laboriosas, o tra-balho cooperativo deveria ser desenvolvido em dimensões na-cionais e, conseqüentemente, incrementado por meios nacio-nais. Não obstante, os senhores da terra e os senhores do capital

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usarão sempre seus privilégios políticos para a defesa e perpetua-ção de seus monopólios econômicos. Em vez de promoverem, con-tinuarão a colocar todos os obstáculos possíveis no caminho da eman-cipação do operariado. [...] Conquistar o poder político tornou-se, portanto, a tarefa principal da classe operária”15.

Agora já não basta que a fábrica cooperativa tenha escala de produ-ção e se utilize da melhor técnica disponível, mas que o sistema coopera-tivo ele mesmo, no conjunto, assuma dimensões nacionais, o que exigemeios (ainda hoje) nacionais, tais como o sistema de crédito, o sistematributário e o recentemente criado sistema de inovação (departamentosprivados de pesquisa e desenvolvimento, agências estatais de pesquisa,universidades públicas e privadas, meios de divulgação científica etecnológica etc.), o que implica a conquista do poder político. Não setrata mais de intervenções legislativas barganhadas com o Parlamentopela pressão externa, mas, pela envergadura do empreendimento, trata-se de ação do próprio proletariado organizado como classe no poder.

Cooperativismo e sindicalismo – A diferença de enfoque políticoentre sindicalismo e cooperativismo fica expressa na famosa crítica queMarx fez à margem do conhecido Programa de Gotha, de inspiraçãolassalliana16. Numa de suas proposições o programa dizia:

“A fim de preparar o caminho para a solução do problemasocial, o Partido Operário Alemão exige que sejam criadas coope-rativas de produção, com a ajuda do Estado e sob controle de-mocrático do povo trabalhador. Na indústria e na agricultura, ascooperativas de produção deverão ser criadas em proporções tais,que delas surja a organização socialista de todo o trabalho”17.

15. Grifos de FernandoHaddad.16. Referente a FerdinandLassalle (1825-1864),socialista alemão, fundadorda Associação dos OperáriosAlemães, núcleo do futuroPartido Social-Democrata.Afastou-se politicamente deMarx por reivindicar a ajudado Estado para asassociações operárias.17. Grifos de Karl Marx.

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Com seu costumeiro sarcasmo diante de rebaixamentos teóricos quemal conduziam a ação política da classe operária, Marx vocifera:

“A luta de classes existente é substituída por uma frase de jornalis-ta: ‘o problema social’, para cuja ‘solução’ ‘prepara-se o caminho’.A ‘organização socialista de todo trabalho’ não é o resultado doprocesso revolucionário de transformação da sociedade, mas ‘sur-ge’ da ‘ajuda do Estado’, ajuda que o Estado presta às cooperativasde produção ‘criadas’ por ele e não pelos operários. Esta fantasiade que com empréstimos do Estado pode-se construir uma novasociedade como se constrói uma nova ferrovia é digna de Lassalle!Por um resto de pudor, coloca-se a ‘ajuda do Estado’ sob o controledemocrático do ‘povo trabalhador’. Mas, em primeiro lugar, o ‘povotrabalhador’, na Alemanha, é constituído, em sua maioria, por cam-poneses, e não por proletários. Em segundo lugar, ‘democrático’quer dizer em alemão ‘governado pelo povo’ (‘volksberrschaftlich’).E que significa isso de ‘controle governado pelo povo trabalhador’?E, além disso, tratando-se de um povo trabalhador que, pelosimples fato de colocar estas reivindicações perante o Estado,exterioriza sua plena consciência de que nem está no poder,nem se acha maduro para governar! [...] O fato de que os operá-rios desejem estabelecer as condições de produção coletiva em todaa sociedade e antes de tudo em sua própria casa, numa escala na-cional, só quer dizer que obram por subverter as atuais condiçõesde produção, e isso nada tem a ver com a fundação de sociedadescooperativas com a ajuda do Estado. E, no que se refere às socie-dades cooperativas atuais, estas só têm valor na medida em que sãocriações independentes dos próprios operários, não protegidas nempelos governos nem pelos burgueses”18.

18. Crítica ao Programade Gotha, III, grifos deFernando Haddad.

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Nessa passagem manifesta-se a diferença de perspectiva do sindicalismoe do cooperativismo. Nos dois casos os trabalhadores se posicionam comoclasse e o sucesso desse posicionamento depende da ação política. Contu-do, no caso do cooperativismo, a ação política há que se traduzir em poderpolítico, o que não é o caso do sindicalismo. Não se trata mais de umareivindicação dos trabalhadores perante o Estado burguês. Nem sequer setrata de fazer chegar um operário à chefia do Estado. Poder político époder de classe. O sucesso do cooperativismo exige dos trabalhadores querenunciem à sua natural indisposição para governar. Isto não significa que omovimento cooperativo deva aguardar um governo dos trabalhadores parase desenvolver; antes, significa que a genuína cooperativa deve ser encara-da pelos seus membros, desde o nascedouro, como um empreendimentopolítico, e não apenas econômico. Não obstante, Marx, avesso a utopias,entende que somente por meio de um governo dos trabalhadores será permi-tido ao sistema cooperativo assumir dimensões nacionais, uma necessidadena qual ele freqüentemente volta a insistir. E por que tal insistência? O quemuda na natureza do cooperativismo com a escala nacional? Opera, emalguma medida, a lei da transformação da quantidade em qualidade? Háuma relação entre uma eventual mudança qualitativa com o tema, aindanão resolvido, da superação da anarquia da divisão social do trabalho?

Deixemos o próprio Marx responder:

“A Comuna – exclamam – pretende abolir a propriedade, base detoda civilização. Sim, cavalheiros, a Comuna pretendia abolir essapropriedade de classe que converte o trabalho de muitos na rique-za de uns poucos. A Comuna aspirava à expropriação dosexpropriadores. Queria fazer da propriedade individual uma reali-dade, transformando os meios de produção, a terra e o capital,que hoje são fundamentalmente meios de escravização e explora-

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ção do trabalho, em simples meios de trabalho livre e associado.Mas isso é o comunismo, o ‘irrealizável’ comunismo! Contudo, osindivíduos das classes dominantes bastante inteligentes para perce-ber a impossibilidade de perpetuar o sistema atual – e não são poucos– erigiram-se nos apóstolos enfadonhos e prolixos da produção coo-perativa. Se a produção cooperativa for algo mais que uma impos-tura e um ardil; se há de substituir o sistema capitalista; se associedades cooperativas unidas regularem a produção nacio-nal segundo um plano comum, tomando-a sob seu controle epondo fim à anarquia constante e às convulsões periódicas,conseqüências inevitáveis da produção capitalista – que seráisso, cavalheiros, senão comunismo, comunismo ‘realizável’?”19.

A superação da anarquia da produção capitalista exige um tipo decooperação de segunda ordem. Exige que as cooperativas cooperem en-tre si. A cooperativa, como vimos anteriormente, é a negação do despotis-mo. A cooperação entre as cooperativas, desde que regulem a produçãonacional segundo um plano comum, é a negação da anarquia. A primeiranegação é insuficientemente negativa e, sem que os trabalhadores dete-nham o poder político, pode se transformar num ardil das classes proprie-tárias. A segunda negação exige o poder político e supre a insuficiênciada primeira. No conjunto, representam a definitiva superação das duasdeterminações da divisão do trabalho sob o capitalismo, o que equivale adizer que representam a superação do próprio capitalismo.

Conceitos de socialismo – Isto posto, temos todos os elementospara avaliar os conceitos de socialismo de mercado e de socialismo cen-tralmente planejado. O primeiro é uma fantasia. Imaginar que os traba-lhadores, tendo superado a propriedade privada capitalista, deixarão de

19. MARX, K. “A guerra civilna França”. In: MARX, K. eENGELS, F. Obras escolhidas.São Paulo, Alfa-Ômega, 197-,vol. 2, p. 39-103. Grifos deFernando Haddad.

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aprofundar as relações de cooperação que os unem em nome da chama-da liberdade de mercado é desconsiderar, de um lado, que esse mesmomercado é pouco mais do que nada sem a mercadoria que lhe permitepenetrar todos os poros da sociedade contemporânea, a mercadoria for-ça de trabalho, e, de outro, que, na presença dessa mercadoria que fundao modo capitalista de produção, o mercado nada tem de livre.

Apesar disso, a proposta tem sua lógica razão de ser, além de estarplenamente justificada historicamente. Em primeiro lugar, porque um go-verno dos trabalhadores não pode abolir o mercado. Terá que convivercom as regras de mercado até que a economia cooperativa ganhe dimen-sões consideráveis, o que se dará na mesma proporção em que os própriostrabalhadores se reeduquem para uma economia solidária não fundada noegoísmo. Teremos que aprender a responder a estímulos não-pecuniáriospara trabalhar e, principalmente, para criar, inovar, inventar. Marx estavaabsolutamente consciente do problema quando dizia:

“A classe operária não esperava da Comuna nenhum milagre. Osoperários não têm nenhuma utopia já pronta para introduzir ‘pardécret du peuple’. Sabem que para conseguir sua própria eman-cipação, e com ela essa forma superior de vida para a qual tendeirresistivelmente a sociedade atual, por seu próprio desenvolvi-mento econômico, terão que enfrentar longas lutas, toda uma sé-rie de processos históricos que transformarão as circunstâncias eos homens”20.

Em segundo lugar, porque o socialismo centralmente planejado é tão-somente uma bela expressão para caracterizar o que deveria ser cha-mado pelo nome próprio de despotismo. O socialismo centralmente pla-nejado é a mera extrapolação da lógica da divisão manufatureira do tra-

20. “A guerra civil naFrança”, op. cit., III.

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balho para toda a sociedade. É a sociedade funcionando como uma grandefábrica, sendo essa a imagem que Adorno, por exemplo, tinha do sistemasoviético a partir da década de 1930. As semelhanças e dessemelhançasentre socialismo e despotismo não escaparam a Marx, que, numa passa-gem muito pouco comentada dos Grundrisse, observa: “Na realidadeseria ou bem o governo despótico da produção e o administrador dadistribuição, ou bem somente um board que guardaria os livros e a con-tabilidade da sociedade trabalhadora coletiva. A coletividade dos meiosde produção está aqui pressuposta”21. A propriedade coletiva, portanto,é comum aos dois modos de produção; contudo no socialismo o déspotase transforma num mero guarda-livros de toda a sociedade. Sabemosque Stalin não se encaixava no figurino de contador.

De um ponto de vista marxista, porém, caracterizar o sistema soviéticocomo um caso de despotismo, sem maiores qualificações, é completa-mente insuficiente. Mais do que isso, é cair numa armadilha preparadapor Nietzsche quando disse: “O socialismo é o fantasioso irmão maisjovem do quase decrépito despotismo, do qual quer herdar; suas aspira-ções são, portanto, no sentido mais profundo, reacionárias”22. Essa ar-madilha capturou não só a mente de todo o pensamento elitista do come-ço do século XX, mas também a de um membro importante da Escola deFrankfurt (Karl Wittfogel). O sistema soviético nada tinha de reacioná-rio. Tratava-se de uma manifestação absolutamente moderna diante daexpansão do império do capital. O qüiproquó de moderno por reacionáriose estabelece pela maneira como as regiões periféricas ao sistema rea-giram a essa expansão. Marx pôde verificar como isso se deu na Amé-rica e nos principados danubianos:

“Não foi o capital quem inventou o trabalho excedente. Toda vezque uma parte da sociedade possui o monopólio dos meios de

21. Grundrisse, op. cit., p. 73.22. Humano, demasiadohumano, § 473.

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produção, tem o trabalhador, livre ou não, de acrescentar ao tem-po de trabalho necessário à sua própria manutenção um tempo detrabalho excedente destinado a produzir os meios de subsistênciapara o proprietário dos meios de produção. Pouco importa queesse proprietário seja o nobre ateniense, o teocrata etrusco, o ci-dadão romano, o barão normando, o senhor de escravos america-no, o boiardo da Valáquia, o moderno senhor de terras ou o capita-lista. É evidente que numa formação social onde predomine não ovalor de troca, mas o valor de uso do produto, o trabalho excedentefica limitado por um conjunto mais ou menos definido de necessi-dades, não se originando da natureza da própria produção nenhu-ma cobiça desmesurada por trabalho excedente. Na Antiguidade,o trabalho em excesso só atingia as raias do monstruoso quandoestava em jogo obter valor de troca em sua materialização autô-noma, em dinheiro, com a produção de ouro e prata. Fazer o tra-balhador trabalhar até à morte se torna, nesse caso, a forma ofi-cial do trabalho em excesso. Basta ler Diodoro da Sicília. Todavia,condições monstruosas de trabalho constituíam exceção no mun-do antigo. Mas, quando povos cuja produção se encontra nosestágios inferiores da escravatura, da corvéia etc., entramnum mercado mundial dominado pelo modo de produção ca-pitalista, tornando-se a venda de seus produtos ao exterior ointeresse dominante, sobrepõem-se aos horrores bárbaros daescravatura, da servidão etc. a crueldade civilizada do tra-balho em excesso. O trabalho dos negros nos estados meridi-onais da América do Norte preservava certo caráter patriar-cal enquanto a produção se destinava principalmente à satis-fação direta das necessidades. Na medida porém em que aexportação de algodão se tornou interesse vital daqueles es-

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tados, o trabalho em excesso dos negros e o consumo de suavida em sete anos de trabalho tornaram-se partes integran-tes de um sistema friamente calculado. Não se tratava maisde obter deles certa quantidade de produtos úteis. O objetopassou a ser a produção da própria mais-valia. Fenômenosemelhante sucedeu com a corvéia, por exemplo, nos princi-pados danubianos”23.

Ora, a escravidão na América e a chamada segunda servidão na Eu-ropa Oriental não podem ser consideradas fenômenos reacionários; an-tes pelo contrário, são desdobramentos da integração de todas as re-giões do planeta à órbita do capital. De certa forma, o alerta de Marxaos alemães feito no prefácio de um livro que trata da economia inglesa,de te fabula narratur, não vale para todos os povos e regiões que en-contraram a sua própria maneira de se inserir na nova e cruel civilizaçãoda mais-valia. Assim como a escravidão e a servidão passaram a serviraos interesses da acumulação primitiva de capital das nações “bárba-ras”, a escravidão geral dos Estados despóticos foi revitalizada com essamesma função. Na Rússia e na China, portanto, não houve uma merarestauração do despotismo oriental. Instaurou-se, nesses países, um des-potismo moderno, ainda que se reconheça que o velho despotismo cum-priu um papel histórico fundamental, da mesma forma que a servidão,em relação à segunda servidão, ou a escravidão africana em relação àescravidão americana. Parafraseando Marx, diríamos que os horroresbárbaros da escravidão, da servidão e também do despotismo sobrepu-seram-se aos horrores da civilizada e friamente calculada produção demais-valia. O fato de ser moderno, contudo, não torna o sistema soviéti-co menos despótico. Portanto, não o torna menos anticooperativo. Naverdade, trata-se do oposto simétrico do que Marx entendia por socialis-

23. O Capital, op. cit., livro I,cap. 8, 2, grifos deFernando Haddad.

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mo: a cooperação à segunda potência empreendida pelo poder políticodos trabalhadores. Tomando a planificação despótica pela livre associa-ção socialista, o movimento revolucionário não se interverteu no seu con-trário, um movimento reacionário, mas ofereceu para a humanidade muitomais do mesmo de que ela já estava farta.

O colapso do sistema soviético e a desorganização do Estado de bem-estar abrem novas perspectivas para os trabalhadores. Aliados às for-ças criativas e às forças destrutivas da sociedade, cuja propensão à coo-peração é ainda maior que a sua, em virtude da sua relação mais tênuecom o trabalho assalariado, poderão retomar a trilha que conduz à eman-cipação. Isso não significa jamais abandonar a ação sindical, é claro queorganizada em novas bases. Vale hoje, ainda, o que dizia Marx em Salá-rio, preço e lucro:

“Se tal é a tendência das coisas neste sistema, quer isto dizer quea classe operária deva renunciar a defender-se contra os abusosdo capital e abandonar seus esforços para aproveitar todas aspossibilidades que se lhe ofereçam de melhorar em parte a suasituação? Se o fizesse, ver-se-ia degradada a uma massa informede homens famintos e arrasados, sem probabilidade de salvação.[...] Se em seus conflitos diários com o capital cedessem covar-demente, ficariam os operários, por certo, desclassificados paraempreender outros movimentos de maior envergadura”.

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Cooperativas e sindicalismo: um aprendizado – Em primeiro lu-gar, gostaria de agradecer a oportunidade de estar aqui, substituindo JoãoFelício e Remigio Todeschini, que não puderam comparecer neste deba-te em nome da CUT [Central Única dos Trabalhadores] porque estãoindo para a Holanda hoje exatamente para fazer reuniões sobrecooperativismo com o Rabobank International, que é o maior banco coo-perativo do mundo, e com a ICCO [Interchurch Organization for Deve-lopment Cooperation, ou Organização Intereclesiástica para a Coopera-ção ao Desenvolvimento, da Holanda], uma organização intereclesiásticaque sempre ajudou a CUT, desde a época da Anampos [Articulação Na-cional dos Movimentos Populares e Sindicais]; a nossa velha-guarda sabeo que é isso.

Ao ouvir Fernando Haddad falar, me lembrei muito da época da facul-dade. Minha origem é a da concepção cristã de militância de base, aque-la visão de socialismo cristão. Entrei em 1974 na FGV [Fundação GetúlioVargas] e fui aluno de Eduardo Suplicy. Naquela época eu atuava nomovimento estudantil porque tínhamos que derrubar a ditadura. Entãome aproximei do pessoal da [tendência estudantil] Refazendo. Eles per-

ComentáriosGilmar Carneiro

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guntaram: “Qual é a democracia que você quer?”. Eu respondi: “Querodemocracia sem adjetivos”. Responderam-me que não, ou é operária oué burguesa. Então respondi que queria cidadania com liberdade. Insisti-ram que a democracia tinha que ser operária ou burguesa. Aí pensei:“Complicou tudo, porque na FGV só tem burguês”. “E o que é que vocêsda esquerda fazem aqui?”. Eles responderam que ali não se podia dizerque se era de esquerda, senão eles colocavam a gente para fora. Temque ser algo clandestino.

Então me afastei da Refazendo e fui conversar com o pessoal da [ten-dência estudantil] Caminhando, que me chamou para uma reunião. Che-gando lá, eles iam discutir Stalin. Pensei: “Meu Deus do céu, eles sãostalinistas!...”. Caí fora.

O tempo foi passando e me aproximei do pessoal da [tendência estu-dantil] Libelu [Liberdade e Luta], que afirmava que o Lula era neopelego.

Aí eu já não entendia mais nada: uma é a esquerda escondida, outradefende Stalin, a outra diz que o Lula é pelego... Embora socialmenteequivocados, o bom é que todo mundo hoje é governo, tanto a Refazendocomo a Caminhando e a Libelu. Isso é um aprendizado muito importante.

E o debate da cidadania que discutíamos em 1974 está no auge damoda, esse é um outro aprendizado muito bom.

Mas, para nós que fizemos o movimento sindical da década de 1980,confesso que uma das curiosidades a respeito de aprendizado é queaté hoje na CUT fala-se que a Força Sindical coloca 1,5 milhão de pes-soas no 1o de Maio e a CUT só coloca 20 mil, portanto a CUT estáperdendo a capacidade de mobilização e vive uma crise de direção.Mas saber por que a direção erra é mais difícil. Uma das boas explica-ções que vi a respeito, por incrível que pareça, foi em um estudo que oprofessor Gilberto Dupas fez sobre a questão da globalização e dodesemprego24: ele considera que com a globalização alterou-se o

24. DUPAS, Gilberto. Econo-mia global e exclusão social.São Paulo, Paz e Terra, 2001.

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paradigma da inflação para o desemprego. Nós ainda pegamos osindicalismo na época em que o paradigma era a inflação com cresci-mento econômico e, portanto, com emprego. E, por mais que sejamoscombativos agora, fazer sindicalismo com desemprego e privatizaçãonão é fácil. O Banco do Brasil, que era nossa vanguarda, que fez 20greves em dez anos, há seis anos não faz nenhuma, está moralmentequebrado, com mais de 30 casos de suicídio entre funcionários no Bra-sil inteiro. Ótimos funcionários se suicidando porque eram da classemédia e hoje estão subempregados, trabalhando dez, 12 horas por dia,sem ganhar hora extra e sem fazer greve. É porque a direção é fraca?Não, é porque as condições objetivas mudaram, para o Banco do Bra-sil, para a Caixa Econômica Federal e para o Banespa, que teve 8.200pessoas no plano de demissão voluntária. E são funcionários que ga-nham 3 mil, 4 mil, 5 mil reais por mês e vão ficar desempregados agoraporque não tem emprego para esse pessoal que, na sua totalidade, sãouniversitários, pessoas que abdicaram da sua profissão acadêmica paraser bancários. E quem provocou isso foi um presidente da Repúblicaque é sociólogo apoiado por um pessoal que militou na esquerda, quese dizia marxista na época, e que está fazendo toda essa implantaçãoperversa que nem os militares tiveram condições de fazer.

É uma situação muito difícil. Eu mesmo saí do Citibank para trabalharno Banco do Estado da Guanabara, que pagava 17,5 salários/ano, e essebanco foi entregue ao Banco Itaú.

Acabaram com a Previdência e o fizeram por uma lei retroativa. Nemos militares criaram uma lei retroativa. Milhares de pessoas, para quemfaltavam seis meses, um ano para a aposentadoria, têm que trabalharquatro, cinco anos a mais porque a lei civil, a lei aprovada por esse Con-gresso, é retroativa. Quem tem 29 anos de trabalho não tem direito ad-quirido sobre o seu tempo de trabalho.

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Mudança de paradigma – São essas experiências que mostram que aburguesia, em nível internacional, foi muito capaz quando mudou oparadigma. Em vez de ser a inflação, vai ser o desemprego. Acompanho osindicalismo europeu e eles diziam há muito tempo, às vésperas das elei-ções na Alemanha em 2001, que ganhariam depois de 16 anos porque odesemprego estava muito alto. Mas a classe trabalhadora aceitou baixar ainflação e flexibilizar os seus direitos trabalhistas para aumentar o desem-prego. Aceitou e não pelas armas, mas pelo voto. Esse é um debate muitopragmático, não teórico. Na Europa, a classe trabalhadora votou na direitapara flexibilizar os direitos para combater a inflação porque 16% de infla-ção é suicídio, e aqui nós chegamos a 3.000% ao ano. Então, vejam bem,quanto a essa experiência de transição da questão do movimento sindicalpara uma lógica neoliberal, na década de 1990, com Collor, com a aberturada economia brasileira, com a flexibilização em nível internacional, achoque não só o movimento sindical, mas todos os segmentos brasileiros nãoestavam preparados para a dimensão dessa abertura.

Creio que, com a questão do emprego e do desemprego, voltou a ques-tão do cooperativismo e do Banco do Povo. Estivemos em Bangladesh,junto com o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico eSocial], vendo a questão do Grameen Bank25.

A dimensão das cooperativas na Europa é impressionante. Mas há umdebate muito importante para refletirmos no âmbito da militância parti-dária, sindical e das cooperativas, mesmo quando se trata do marxismoou da luta de classes para que ou para quem, que é a questão da qualida-de de vida e da cidadania, e o fato de termos evoluído e vermos todos danossa esquerda da década de 1970 hoje nos governos democráticos econvivendo com todos os segmentos da sociedade, incluindo os empre-sários e militares; essa é uma reflexão importante do ponto de vista dequal socialismo queremos.

25. Grameen Bank: criadoem 1978 em Bangladesh, éum banco popular de caráterprivado, com participaçãominoritária do governo, cujoobjetivo é fazer pequenosempréstimos a famíliassituadas abaixo da linha depobreza, excluídas de todapossibilidade de acesso aosbancos tradicionais. Seucriador foi o professorMuhamad Yunus, e sua idéiabásica é a de que, aoproporcionar às famíliascarentes pequenos emprésti-mos, cujos valores nãoultrapassam algumas poucasdezenas de dólares porpessoa, seria possível a essasfamílias sobreviver do seupróprio esforço e reembolsar aajuda recebida. O Banco nãorequer garantias reais para osempréstimos que concede.Todo cliente, entretanto, fazparte de um “grupo solidário”,cujos componentes se respon-sabilizam, solidariamente,pelos empréstimos outorgadosa membros do grupo.

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Por mais que haja essa confusão, se é socialismo de mercado ou centrali-zado, confesso que eu não consigo entender muito essa lógica. Sempre de-fendi a economia de mercado, por isso cursei administração de empresas.

Nessa questão das cooperativas, como a temos trabalhado hoje, creioque é importante considerar o seguinte: se o sindicalismo não vai deixarde existir numa economia de mercado, sempre vai haver a perspectivado socialismo, porque, da mesma forma que os modos de produção mu-dam com o tempo, o capitalismo não é eterno e terá seu fim. Mas osindicalismo é algo que tem a ver com o capitalismo, e se os países dosocialismo real mantiveram seu sindicalismo foi muito mais por uma ques-tão tática do que por uma questão estratégica. Não havia autonomiasindical nos países socialistas, nunca houve. Essa mesma contradiçãonós tivemos no Brasil quando criamos a CUT em 1983: todos os paísescomunistas alinhados com o Partidão [Partido Comunista Brasileiro, PCB]na época ficaram contra a criação da CUT. Quem apoiou a fundação daCUT no âmbito internacional foi a social-democracia e as igrejas. Depoisfoi mudando devagar. É como na Revolução Sandinista26.

Mas, do ponto de vista das cooperativas, estamos tendo que viver umaexperiência muito forte de aprendizado. O que estamos dialogando com asprefeituras quando elas nos procuram para discutir o Banco do Povo é quenão se pode criar a mística do Banco do Povo, assim como não se podecriar a mística da cooperativa, porque, em um país como o nosso, ela vai seestabelecer em uma economia competitiva de mercado que é perversa.Vai disputar com a Parmalat. Gilmar Mauro, quando abordar as coopera-tivas do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], pode fa-lar muito bem sobre o que é competir com a Parmalat, com a Nestlé, comelas antecipando recursos financeiros para comprar a produção por um oudois anos desses pequenos produtores e o MST e os pequenos produtoresrurais tendo que viver sem o apoio do governo, sem nada, para competir

26. Insurreição nacionalliderada pela FrenteSandinista de LibertaçãoNacional (FSLN) na Nicarágua(América Central) contra aditadura de Anastácio Somoza,vitoriosa em julho de 1979. Arevolução expropriou todos osbens da família Somoza, quegovernou o país durantedécadas, e nacionalizou osbancos. Sofreu forte oposiçãodo governo norte-americano,até ser derrotada em eleiçõesem 1990.

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com grandes empresas. É uma competição extremamente perversa, por-tanto as regras do jogo têm que ser outras. As prefeituras populares, pro-gressistas, têm que ter uma relação diferente com essas pequenas coope-rativas. E quando se diz diferente, muitas das nossas prefeituras ficamreféns do Poder Judiciário, dos procuradores; basta um advogado dizerque não pode. Nós construímos o Partido dos Trabalhadores e a CUT;ganhamos a prefeitura para ficar reféns de advogados? Se formos gover-nar na condição de reféns de advogados e do parecer do Tribunal de Con-tas, não governaremos; faremos, na verdade, uma preservação do statusquo! Seria a mesma coisa que fazer sindicalismo sem poder apoiar aoposição porque existia uma auditoria do Ministério do Trabalho. Quantasvezes nós fomos presos por causa da auditoria do Ministério do Trabalho...

Dilemas do cooperativismo – Nós temos grandes dilemas com ascooperativas. Primeiro, há cooperativas para desempregado e subem-pregado, é uma necessidade premente de inclusão dessa parcela significa-tiva da população. Segundo, há cooperativas de empresas em crise, que-bradas, aos milhares, empresas que estão se desmontando com essa aber-tura da economia. E quando se vai discutir uma cooperativa de setor pro-dutivo industrial normalmente o nosso público não tem quase nenhum co-nhecimento sobre a questão tributária, que é seriíssima, não tem conheci-mento de mercado, de definição de custo de preços de venda, de estraté-gia mercadológica, de formas de produção bem-estruturadas, da estruturade bancos para obter financiamentos mais baratos. O sistema financeirobrasileiro é uma agiotagem terrível, mesmo o Banco do Povo, quando fazempréstimos a 4,5% ao mês, é um absurdo. Nosso público também nãotem experiência de relações humanas porque muitos sindicalistas sãopatrõezinhos conservadores na relação interna. Acho que nas prefeiturasnão deve ser muito diferente.

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Nesse ponto entra um debate – com o qual eu acho que o movimentosocial precisa aprender muito –, que é a contribuição que a pedagogia podedar. A experiência da pedagogia é muito importante na relação da gestãopública, seja com as cooperativas, seja com as prefeituras, seja com os sin-dicatos. Porque da mesma forma que o sindicato é um instrumento de agita-ção, que se torna presente e pressiona, ele também é um instrumento dereivindicação, a cooperativa é um instrumento de motivação, de sensibilizaçãopara que a pessoa mude seu comportamento no seu local de trabalho. É umamudança de 180 graus. Somos educados para obedecer e, de repente, te-mos que aprender a gerir e a autogerir uma cooperativa. E se bobear hácorrupção! Por quê? Porque o movimento sindical é um movimento de mas-sa, tem transparência. Mas a cooperativa não, é só aquele pequeno univer-so. Se não houver mecanismos de acompanhamento, há roubos e caixa dois.E de repente o presidente da cooperativa está processando a cooperativaporque quer ser empregado, quer ganhar na Justiça. São riscos imensos.Mas porque há riscos nós não vamos fazer? Não, temos que fazer.

Nós temos empreendimentos em nível nacional, como a agência de de-senvolvimento solidário da CUT; é uma experiência muito rica. Discutimos naHolanda a possibilidade de reunir as 200 prefeituras progressistas do PT, doPSB [Partido Socialista Brasileiro], do PDT [Partido Democrático Trabalhista]para fazermos intercâmbio com a União Européia para saneamento, parainclusão, para alfabetização etc. Há muitas fundações, muitas ONGs [organi-zações não-governamentais] que podem dar contribuições brilhantes, masdeve haver uma mudança de postura, que é um olhar não simplista, mas o dacomunidade. Como reorganizar uma comunidade para que ela melhore oseu padrão de vida? Esse é o papel dos sindicatos, das empresas, das coope-rativas, da prefeitura. Temos que ter um olhar sem tanto preconceito.

Como a cooperativa faz redes comerciais, importa, exporta, cria um bancode crédito cooperativo? Como o BNDES, a Caixa Econômica Federal, o Ban-

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co do Brasil, as prefeituras participam disso? Nas prefeituras do PT, no Paraná,na Bahia, no Rio Grande do Sul, em São Paulo, estamos realizando váriasdessas discussões: em vez de ficar criando pacotes fechados, vamos primei-ro examinar quais as demandas daquela comunidade, e a partir dos resulta-dos fazer cooperativas de crédito, associações de crédito cooperativo e Bancodo Povo. O Banco do Povo é careiro, cobra 4,5% ao mês, é uma visão muitofechada, burocratizada, de auto-suficiência, de auto-realização econômicaque encarece. Integrar a comunidade é muito importante. Se as cooperati-vas de crédito são regulamentadas pelo Banco Central, então são extrema-mente restritivas. As associações de crédito comunitário ainda não são mui-to restritivas do ponto de vista da regulamentação do governo.

Costumo comparar as associações de crédito comunitário com os dízimosdas igrejas: na origem do PT todo mundo era disciplinado e contribuía; hojenão sei se ainda há essa disciplina, como a dos evangélicos, dos quaismesmo quem tem salário baixo tira 10% e dá para a igreja, independen-temente do bom ou do mau uso que o pastor faça deles. Mas o pessoal debase faz a sua contribuição.

As associações de crédito comunitário são instrumentos de capitaliza-ção da comunidade muito fortes para dinamizar pequenos empreendi-mentos. As prefeituras entram como fomentadoras não só financeiras,mas principalmente sociais, articulando-se com as religiões. Por exem-plo, a Pastoral da Criança tem 1.643 núcleos de geração de emprego erenda para atender 1,6 milhão de crianças por mês, com 140 mil líderescomunitários. Não sei se essas experiências de atuação em redes comu-nitárias levam ao socialismo marxista, mas com certeza melhoram muitoa qualidade de vida dos excluídos.

Temos muita obrigação de pensar nesse segmento da população – epara quem ainda não leu o livro do Paul Singer Economia socialista27,sugiro que o leia, é uma obra-prima.

27. SINGER, Paul e MACHA-DO, João. Economia socialista.São Paulo, Editora FundaçãoPerseu Abramo, 2000.

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Cooperativas, mudança e luta social – Boa tarde a todos, agra-deço o espaço e a oportunidade de debater esse tema muito importan-te. Pretendo abordar algumas questões que, no nosso modo de entender,norteiam e orientam a construção do Movimento dos TrabalhadoresRurais Sem Terra [MST], e também as nossas cooperativas, com todasas debilidades e os problemas que possamos ter.

Primeiro, é preciso ter claro o nosso norte, o nosso horizonte. Senão tivermos claro para onde vamos, não vamos a lugar algum. Umpovo que não conhece o seu inimigo jamais vence. O nosso inimigoprincipal é o capitalismo como sistema e, na reforma agrária, o lati-fúndio. Se não tivermos claro que é preciso construir uma estruturade poder voltada para a construção efetiva do socialismo, dificilmen-te a organização que vamos construir terá efetivamente funcionabi-lidade e poderá acumular forças. Se não soubermos para onde va-mos, discutiremos cooperativa ou qualquer outro instrumento sem oprincipal, o conteúdo político. Até para fazer a reforma agrária noBrasil é preciso alterar a correlação de forças atual, é preciso alterara estrutura de poder.

ComentáriosGilmar Mauro

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O segundo aspecto é que não existe mudança social se não for por meioda luta social e de massas. Não vejo transformação social em lugar algumse não for desse modo. Até por uma razão pedagógica, a luta social fazcom que as pessoas se sintam sujeitos de sua própria história. Se nãoparticiparem efetivamente de seus processos, de suas conquistas, mesmoque sejam pequenos, não se sentirão sujeitos da sua própria história. E aconquista dessa luta obviamente terá um caráter completamente diferentedaquela conquista dos grandes líderes, dos grandes negociadores. As ne-gociações são importantes para o movimento sindical e para qualquermovimento social, mas só serão importantes e só terão resultado se foremfruto da mobilização social. Só assim elas poderão avançar, não só naconquista econômica, mas em uma pedagogia de exemplo que é fruto daunião, da ação organizada de pessoas para conquistar aquele objetivo. Issopolitiza; é diferente da conquista negociada por grandes negociadores. Issoajuda a resgatar a cidadania e a dignidade.

Deixem-me dar um exemplo concreto: um dia, talvez, a sociedade re-conhecerá isso no MST. Mas é o fato de resgatar pessoas que hoje estãomorando nas ruas, por exemplo, levar para um assentamento e transfor-mar essas pessoas em sujeitos, em cidadãos, o que dará dignidade aessas pessoas na medida em que, no acampamento, elas participaremde um processo de luta, de uma ocupação de terra. Há uma organiza-ção dessa ocupação e uma conseqüente organização dos grupos defamílias e, nesse grupo, cada pessoa terá uma tarefa, seja ser respon-sável pelo setor de higiene do acampamento ou pelo setor de negocia-ções, seja coordenar um grupo de famílias. Ela se sente gente, se senteimportante, partícipe do processo. À medida que ela começa a ajudar atomar decisões dentro de um acampamento, erguendo a mão para vo-tar uma lei, ela começa a participar, a se sentir uma pessoa útil: é oresgate da dignidade.

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Não há muitos estudos a respeito, mas talvez esse seja o processo deformação mais importante e mais bonito que nós temos, porque quandose faz uma ocupação de terra várias forças se mobilizam e se posicionam.Em uma ocupação de terra, a imprensa se posiciona, assim como osaliados e os adversários, e o nosso povo escuta os vários lados: o fazen-deiro se posiciona, e também o Poder Judiciário, a polícia, o governo doEstado. É só explicar, depois de feita a ocupação, como funciona efeti-vamente a sociedade, que está dado um dos maiores cursos de forma-ção para entender o funcionamento da sociedade em nível micro. Esseprocesso de formação é grande e nós percebemos, obviamente, comoele se dá no dia-a-dia à medida que o desenvolvemos, que fazemos aspessoas participarem.

Então, quero insistir nesse aspecto pedagógico da luta, da importânciado indivíduo participar, de ele ser parte do processo. A negociação éimportante também, mas como fruto de uma ação coletiva, pois ajuda,inclusive, a politizar, porque servirá como conquista da coletividade.

O terceiro aspecto é que não basta apenas ter um rumo e ter claro queé preciso fazer a luta: é preciso acumular forças. Nesse ponto, quero abor-dar as cooperativas, os assentamentos e os movimentos sociais: no meumodo de entender, acumular forças é organizar o povo, é ter uma baseorganizada. Não consigo vislumbrar transformação social se não houverpovo preparado política e ideologicamente para intervir no momento ne-cessário. Quando analisamos a conjuntura, o fazemos precisamente paraentender como estão as forças e poder agir nessa conjuntura.

Análise política e luta de classes – Peguemos o exemplo dos petro-leiros em 1995; foi o primeiro enfrentamento dos trabalhadores contra omodelo neoliberal aplicado pelo FGC, o Fundo Garantidor de Crédito, eera a hora de o conjunto das organizações populares se unificar na luta

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junto aos petroleiros para derrotar o governo. Naquele momento analisá-vamos: “A hora de lutar é agora!”. Lembro que nós tínhamos o Grito daTerra preparado para acontecer em abril e a greve era, se não me enga-no, em fevereiro. Então nos propusemos a fazer o Grito na mesma épo-ca da greve porque a análise apontava para a seguinte questão: ou de-fendemos os petroleiros, ou perderemos todos. Bom, houve a proposta,mas a lógica do calendário se sobrepôs à lógica política, infelizmente.Tudo estava marcado para abril e as organizações do campo decidiramnão antecipar a mobilização. O que aconteceu? Os petroleiros forammassacrados e nós, em abril, em vez de conseguirmos dar um grito,demos um gemido.

Então, o que adianta fazer análise política se não há capacidade de agirno momento em que a conjuntura exige intervenção? A luta de classesnão se faz por calendário, e não é de brincadeirinha! Há quem diga queacabou a luta de classes, mas basta ir para o Pontal do Paranapanema,em São Paulo, ou para o Paraná, nas terras dos fazendeiros bravos, paraver se acabou a luta de classes.

Creio que ter presente esse acúmulo político é fundamental, porque omovimento social se desenvolve como ondas, ora sobe, ora desce, e senós não acumularmos forças e aproveitarmos para organizá-las no mo-mento em que o movimento social está em ascensão, dificilmente haveráuma conseqüência e uma seqüência lógica. E acho que acumular forçasé fazer, por exemplo, que um assentamento do MST continue a lutar pelareforma agrária. Por quê? Porque se fazemos a luta, conquistamos umaterra e esses assentados não continuam a lutar pela reforma agrária, issoé válido do ponto de vista humano, mais gente em um pedaço de terra,menos terra na mão de um latifundiário, mas do ponto de vista políticovale pouco. Acumular forças é tornar os sindicatos um instrumento nes-se processo de transformação social, de modo que eles tenham em vista

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o horizonte. É fazer com que a prefeitura seja esse instrumento deacúmulo, pois, do contrário, ela vai servir para envaidecer algumas pes-soas e para a disputa de egos, mas não para o projeto político da classetrabalhadora rumo às transformações sociais.

Cooperativas e transformação – Quanto às cooperativas, elas têmum papel importante nessa questão. Se forem um instrumento orgânicoe de acúmulo para transformação social, valerão do ponto de vista polí-tico. Se não, poderão servir para resistir dentro do sistema capitalista,conseguir melhores condições de vida, maior lucro para aquele grupoque é cooperado, mas não ajudarão e não serão um espaço em que seacumulem forças e experiências para o projeto de transformação. Paraesse projeto de transformação e esse acúmulo político é preciso haverinvestimento e militantes. No projeto de luta puramente econômica não épreciso haver dirigentes, bons líderes são o suficiente. Agora, para umatransformação social, é preciso ter militantes e muitos dirigentes. É pre-ciso ter quadros e, para isso, é preciso investir em formação político-ideológica, que não é fazer cursinho de final de semana, mas investirprofundamente, ter programas de formação, fazer com que esses pro-gramas atinjam o maior número de pessoas possível e que haja a forma-ção teórica e a capacitação prática, porque é preciso ter o domínio e oconhecimento prático para poder intervir na realidade concreta.

Sempre brinco que é possível dar aulas de natação para alguém duran-te um ano e o aluno aprender toda a teoria a respeito de natação, nadoborboleta, de costas, quanto mede uma piscina olímpica etc. etc., mas secair em uma piscina funda ele correrá o risco de morrer com toda ateoria na cabeça. Assim é na prática, na política. Se investirmos emformação e as pessoas não tiverem a oportunidade de atuar efetivamen-te, qualquer problema impedirá a ação e não haverá condições de resolvê-

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lo. Tanto é assim que, a meu ver, a universidade forma muita gente e, noentanto, nem todos servem ao projeto de transformação social – eu diriaque a grande maioria não contribui para isso. E se dependermos da uni-versidade para formar os nossos quadros nunca faremos a revoluçãoporque, precisamente, é um espaço de manutenção do sistema atual.

É nesse sentido que considero o papel da cooperativa muito importanteno acúmulo de forças, que significa construir esse espaço orgânico polí-tico, de resistência, óbvio, de organização da produção, mas com umaperspectiva política. Acúmulo de forças é ter unidade, o que não signifi-ca não ter divergências. Então, para nós, ter unidade é discutir, debater,até brigar, mas, uma vez tomada a decisão, que todos a cumpram, por-que se cada um fizer do jeito que quiser não haverá sentido orgânico.

Essa luta exige muito de algo que chamamos de mística. Eu acho queé preciso ser racional na luta de classes. Se não fizermos uma análisecorreta, correremos o risco de sofrer derrotas profundas, e mais, decolocar seres humanos em situação de perigo, até mesmo de morte.Assim, é preciso ser muito racional, é preciso fazer a análise o maispróximo possível da realidade. Agora, é preciso conjugar a racionalidadenecessária à luta de classes aos sentimentos, ao coração. Para nós, mís-tica é trazer para o presente o sonho do futuro, é se alimentar dessesonho, acreditar que é possível construir uma sociedade diferente, por-que se não colocarmos nossos sentimentos, nossos sonhos, nossa vonta-de pessoal nesse processo de transformação, esse processo não aconte-cerá e nos transformaremos todos em burocratas frios e calculistas. Amística é fazer da luta um detonador de novas relações e de novos valo-res subversivos ao sistema, mesmo nas entranhas do próprio sistema. Éfazer da luta um espaço de libertação.

Por último, eu vou apresentar um quadro rápido da situação do campopara vocês terem uma idéia. No momento28, dos 5 milhões de estabele-

28. Recorde-se que esteseminário ocorreu em 7 demaio de 2001.

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cimentos agrícolas existentes no Brasil, 800 mil são ligados à grandeagricultura. E desses 800 mil grandes agricultores, 600 mil estão emcrise; só 200 mil estão viabilizados, são os setores de ponta, voltadospara a exportação de grãos. E dos 4,2 milhões de pequenos e médiosestabelecimentos, apenas 700 mil estão viabilizados, e são precisamenteos setores vinculados aos grandes complexos agroindustriais que conse-guiram uma modernização no setor. O restante está em profunda crise e,possivelmente, vai sair do campo para as cidades. O governo conseguiuaplicar esse modelo agrícola por intermédio do Ministério da Agriculturae criou o Ministério do Desenvolvimento Agrário, sob o comando deRaul Jungman29, que é o “Ministério dos Pobres”, o “Ministério de Com-pensação Social”. E lá estamos nós, os pequenos agricultores e assenta-dos disputando entre nós mesmos as migalhas do governo, enquanto omodelo está sendo aplicado e uma grande parte dos camponeses estásaindo do campo para a cidade, e irão sair muitos mais no próximo perío-do se não mudarmos esse modelo. Vejam, em toda a história do MST

conseguimos assentar 350 mil famílias. Só nos últimos dez anos saíramdo campo 1 milhão de pequenos agricultores e 2 milhões de trabalhado-res perderam o emprego. Nós vamos colocando de colher e eles vãotirando de pá. Não vamos conseguir superar isso nunca se não houvermudanças no modelo agrícola. A reforma agrária no Brasil só será feitae só conseguiremos implantar um novo modelo de agricultura no nossopaís se alterarmos a estrutura de poder. Se isso não acontecer, não have-rá reforma agrária, não haverá reforma urbana, não haverá educaçãonem saúde para todo mundo.

Concluindo: ou temos esse entendimento de que é preciso, sim, realizara luta econômica com esse sentido pedagógico e de formação de mili-tantes, de acúmulo de forças, político-ideológico e orgânico para comba-ter a estrutura de poder existente, ou todos nós seremos engolidos e, pior,

29. Ex-ministro do Desenvol-vimento Agrário (1999-2002) e ex-ministroextraordinário de PolíticaFundiária (1996-1999) nogoverno Fernando Henrique.Foi eleito deputado federalpelo Partido Popular Socialistade Pernambuco em 2002.

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excluídos pelo próprio sistema. Se não tivermos essa visão política, nãoadiantará construir movimentos sociais nem cooperativas. Eles só terãosentido – o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra inclusive –,se todos estivermos inseridos nessa luta e atuando de acordo com alógica de acúmulo de forças políticas e de transformação social.

Acho que, no caso brasileiro, temos uma força política enorme, partidá-ria, eleitoral, sindical, eclesiástica, estudantil, dos movimentos sociais, tal-vez maior do que em outras partes da América Latina e, quem sabe, até domundo. Temos o mérito de termos construído isso nesses últimos anos.Acredito, por fim, que é preciso construir a unidade, esse diagnóstico co-mum, para que efetivamente esses instrumentos construídos possam to-dos lutar pelo mesmo objetivo. Isso é possível, ainda mais em um momentode crise. Há um descenso do movimento social de massa, uma crise dascooperativas, do movimento social, dos movimentos populares etc. etc.Fazer ascender novamente o movimento social, a luta de massas, numaperspectiva de transformação social, ou seja, revolucionária, é a tarefamais importante da atualidade. O novo milênio está aí, e muitas pessoasgostariam de estar vivendo esse momento, porém tocou-nos a oportunida-de de estar aqui e agora, com todas as contradições e todos os desafios,mas acima de tudo com muita disposição de tocar adiante o sonho demuitas gerações que lutaram pelos mesmos ideais que lutamos hoje. Achoque é, mais do que nunca, a hora de erguermos a cabeça e colocarmostoda a nossa energia para efetivamente fincarmos pé nas lutas de massas.Essa é a tarefa de cada um, essa é uma tarefa de todos nós.

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Sindicatos e cooperativas: como pensá-los junto com o socialis-mo? – Gostaria de iniciar agradecendo a Zilah Abramo e, ao fazer isso,também agradecer ao comitê que organizou esse seminário, pelo conviteque me foi feito. Acho que o debate é extremamente relevante, oportunoe imprescindível, mesmo diante da intensidade da destruição social queestamos presenciando no mundo contemporâneo. Conforme o conviteque me foi formulado, vou debater o tema a partir do texto e da exposi-ção feita por Fernando Haddad, mas tratando inicialmente com maisênfase da questão sindical e do mundo do trabalho hoje, para fazer, pos-teriormente, algumas anotações sobre o tema das cooperativas.

A questão sindical e a questão das cooperativas, pensadas de modoarticulado com a questão do socialismo no século XXI, são de importân-cia crescente. E este esforço, na feição heterogênea e plural em quese apresenta, por certo nos ajuda, em alguma dimensão, a entender oque o Partido dos Trabalhadores, os movimentos sociais, o MST, a CUT

vêm fazendo.A apresentação de Fernando Haddad procura buscar os elementos

teóricos do debate. Tenho vários pontos de concordância com este dese-

ComentáriosRicardo Antunes

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nho que Haddad faz e vou tentar, na medida em que penso ser interes-sante aqui, como o Gilmar Carneiro, da CUT, e o Gilmar Mauro, do MST,trazer outros elementos que talvez possam ajudar neste debate. Estesestão, na maioria, em confluência, mas também tentarei mostrar acontemporaneidade deste debate à luz dos elementos expostos e, emparticular, da última parte da exposição de Fernando Haddad. Porémnão me considero a pessoa ideal para falar das cooperativas; está aquigente com muito mais competência. Vou tentar fazer uma ou outra refe-rência dada a relevância do tema, mas vou colocar maior ênfase naquestão sindical.

Trabalho vivo e trabalho morto – A primeira idéia que eu gostariade mencionar é uma questão mais de fundo. Quando se consultam osdados da Organização Internacional do Trabalho [OIT] é possível perce-ber que há 1 bilhão e 150 milhões de homens e mulheres que hoje seencontram realizando trabalhos parciais, temporários, dos quais uma par-cela se encontra desempregada. Quando se olha a degradação ambientalsem limites, o caráter de superfluidade desta sociedade dos descartáveis,penso que a questão do socialismo se torna intensamente contemporâ-nea. Mas a retomada do debate de como resgatar o sentido de humani-dade para os que trabalham e, hoje, para os que não trabalham, porque ocapital já não oferece mais essa oportunidade para essa parcela imensa,é um imperativo decisivo.

Muitos estão aceitando a idéia de que o socialismo morreu ou foi derro-tado. Esse traço se intensifica quando se pensa na perda de relevância ecentralidade do trabalho. Fernando Haddad não mencionou aqui, mas noseu texto isso aparece em algum momento: a questão de como já erapossível pensar na força humana de trabalho como algo supérfluo no sécu-lo passado. Essa superfluidade aumentou. Há uma tese muitas vezes re-

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petida: a de que o capital não mais necessita de força de trabalho viva parase reproduzir. Penso que essa tese é equívoca. Contudo, ela se faz impor-tante ao nos forçar a refletir sobre de qual trabalho vivo o capital necessitahoje, a saber: as formas heterogêneas, as complexificadas, as diferenciadas,as fragmentadas. Se a mensuração do valor, ao qual Fernando Haddad tam-bém se referiu, decorre do dispêndio de energia física e intelectual necessá-rio para a produção de mercadorias, hoje esse quantum de energia tambéminclui a dimensão intelectual e imaterial do trabalho, de tal modo que, em vezde se dizer adeus ao trabalho, há uma relação mais complexa em função daintrodução, de forma avassaladora, da ciência enquanto força produtiva, oque não suprime, no meu entender, como quer Habermas, o valor-trabalho ea dimensão do trabalho vivo, mas cria, na atualidade, uma interação muitomais complexa entre trabalho vivo e trabalho morto.

Francisco de Oliveira disse uma vez, belissimamente, e eu me aproprieidisso, que a potência constituinte do trabalho vivo interagindo com a potên-cia constituída do trabalho morto é a chave para se pensar a questão dotrabalho atualmente, de tal modo que, quando se diz “adeus ao trabalho”,se comete um grande equívoco. Podemos citar alguns autores, muito dife-renciados, que estão em desacordo com essa nossa visão, tais como JeremyRifkin, com certas nuanças, Dominique Méda, Habermas, ou, anterior-mente, Claus Offe. Até mesmo, numa linhagem muito diferente, e numpatamar mais complexo e interessante, Robert Kurz.

A Nike, por exemplo, todos nós sabemos, depende de cerca de 85 miltrabalhadores, em geral trabalhadoras, e, segundo a revista Foreign Affairsde algum tempo atrás – note que eu não citei nenhuma revista da extremaesquerda sindical asiática, mas a revista Foreign Affairs –, uma mulhertrabalhadora no mundo asiático recebia 38 dólares por mês por uma jorna-da semanal de 60 horas. Imagino chegarmos para uma dessas mulheresno continente asiático e dizer: “A classe trabalhadora acabou”. Ela vai per-

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guntar: “E o que faço eu aqui nessa barbárie sem limites?”. Se fôssemos veras condições de trabalho dos jovens dos McDonald’s que hoje proliferampor todos os cantos do mundo, teríamos um quadro também crítico.

A empresa que mais emprega trabalhadores hoje nos Estados Unidosnão é, como há dez anos, a General Motors. A empresa que mais empregatrabalhadores nos Estados Unidos, e estou citando esses exemplos comosintoma das formas heterogêneas e diferenciadas do trabalho vivo, tem osimpático nome de Man Power e aluga “escravos modernos”. Ela tementre 400 mil e 500 mil – alguns falam em 600 mil – homens e mulheres, queé o seu plantel de indivíduos, disponíveis para serem alugados. Se for neces-sário um engenheiro nuclear de alta qualidade, ela dispõe de vários. Se ademanda for por trabalhadores e trabalhadoras de limpeza de escritórios,porque os prédios empresariais dos Estados Unidos necessitam de gentepara fazer a limpeza dos carpetes, essa empresa também tem para alugar.A Man Power não emprega, ela terceiriza trabalhadores. Eles são os tra-balhadores, ou os desempregados, virtuais. Esse é, digamos assim, o mun-do heterogêneo, e a empresa “moderna” que vem da era da reestruturaçãoprodutiva. Nas décadas de 1970 a 1990, desenvolveu-se uma monumentalreestruturação do capital em escala global. Japão, Suécia, Alemanha, Es-tados Unidos, Inglaterra são exemplos dessa reestruturação.

No que diz respeito ao trabalho, as formas utilizadas são também bastan-te diferenciadas, desde os diversos tipos de trabalhos altamente qualifica-dos, multifuncionais, polivalentes, até as formas intensamente precarizadase sem qualificação. Vejam, a multifuncionalidade aqui é definida pelo capi-tal, não há nada parecido, no meu entender, com a unilateralidade, amultilateralidade do indivíduo. É a polivalência, como nos ensinou, por exem-plo, Satoshi Kamata, ao falar da Toyota: em vez de um trabalhador operaruma máquina, como no sistema taylorista-fordista, ele é capacitado, naToyota, para operar em média até cinco máquinas.

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Desqualificação do trabalho – Mas, na outra ponta, teríamos o tra-balho desqualificado, subqualificado, pode-se dizer, não existe mais aquelaconformação de um trabalho formal, estável, com direitos do operário-massa da era do taylorismo-fordismo. Isso é uma máxima das empresashoje, das grandes transnacionais às pequenas empresas: o trabalho des-provido de direitos, o trabalhador em disponibilidade para o capital noespaço produtivo da empresa, ou até mesmo no espaço doméstico, o queé melhor ainda para a empresa, porque assim a luta de classes transcen-de para a casa do trabalhador. Se formos, por exemplo, para a indústriade calçados em Franca, no interior de São Paulo, vai haver meninos emeninas trabalhando em abundância na costura de sapatos que vão paraos mercados londrino, nova-iorquino, italiano. Imagine a carga ideológicaque hoje se joga dentro da classe trabalhadora fraturada, heterogênea,dispersa na sua materialidade e na sua subjetividade. Eles não são maischamados de trabalhadores, são chamados de “colaboradores”. Éacintoso, se não fosse algo pior: são os “colaboradores da empresa”.

Colhi, recentemente, um depoimento de uma trabalhadora bancária quedizia: “Recebo 1.200 reais por mês. Todo dia meu gerente me cobra oquanto eu já vendi de seguros, porque tenho que vender por mês pelomenos 1.200 reais de seguros para pagar o salário que eu recebo”. Éassim. E o “colaborador”, quando há uma retração do mercado, mudançasno ciclo expansionista ou recessão, é o primeiro a ser demitido. É claro queisso afeta o sindicato fortemente. Quero fazer mais uma observação parapensarmos a forma de como isso afeta, no meu entender, os sindicatos. Aocontrário de se afirmar que a teoria do valor teria implodido, ou seja, quenão teríamos mais a mensurabilidade do valor, a questão que se apresentahoje, no meu entender, diz respeito às formas pelas quais as dimensõesmaterial e imaterial, cognitiva, intelectual se mesclam na composição dovalor-trabalho, o qual sofreu mensurações, adições e mutações.

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A contemporaneidade mostra que a presença da ciência no mundo pro-dutivo fortaleceu o pêndulo para o lado do trabalho imaterial. Os france-ses, às vezes exagerando um pouco, como fazem com muita freqüência,estão dizendo que já vivemos o mundo da imaterialidade do trabalho. Achoum exagero porque a maior parte dos teóricos que defende o fim do traba-lho o faz olhando para o mundo eurocentricamente, quando dois terços dahumanidade que trabalha, incluídos aí a China com 1,3 bilhão de habitantese a Índia com mais 1 bilhão, se encontram nesse enorme canto do mundoque normalmente, de modo um pouco equivocado e com algum desdém,chamamos de Terceiro Mundo. Então, dizer adeus ao trabalho, alardear ofim do trabalho, ou que o sindicato desaparecerá, não nos parece correto.

Sindicatos na encruzilhada – Para fazer um último comentário a res-peito desse ponto, estamos num momento em que o capital “de tipo toyotista”distingue-se do “capital taylorista e fordista” ao introduzir elementos no-vos. Hoje vivemos um momento de apreensão da dimensão intelectual dotrabalho, daí todo o envolvimento no mundo do toyotismo, no qual os traba-lhadores tornam-se déspotas de si mesmos. Eles se autocontrolam, se auto-regulam, se punem, em um grupo, em uma célula produtiva de seis a oitotrabalhadores. Quando um falta, ele é cobrado pelos outros sete porque aprodução caiu, a média caiu e com isso aquele grupo caiu no ranking. Énesse ranking que as empresas se converteram: no mundo produtivo umtrabalhador é jogado contra o outro. É difícil imaginar que isso não tenhaafetado com muita força o movimento sindical.

Nesse ponto, precisamos caminhar com um pouco de cuidado. Do mes-mo modo, me parecem equívocas as teses que dizem que os sindicatos semantêm hoje como sempre se mantiveram. Mas também há um outro pólocontrário que me parece problemático: a tese de que os sindicatos perde-ram o seu sentido. Penso que não. No entanto, os sindicatos estão em uma

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encruzilhada. Os sindicatos se encontram em uma situação em que elestêm que se redesenhar, que se reconceber. Isso é imprescindível.

Vou finalizar com cinco ou seis pontos que considero os desafios centraisque se apresentam para os sindicatos; isso vale, no meu entender, para Bra-sil, Argentina, México, Inglaterra, Estados Unidos e Japão, mesmo com to-das as diferenças que marcam o sindicalismo de países tão heterogêneos. Aclasse trabalhadora hoje é, como tendência, uma classe cada vez mais com-preendida no trabalho informal. Os capitais hoje querem o trabalho informal.No passado a terceirização limitava-se aos setores de limpeza e alimenta-ção; hoje terceiriza-se tudo. Sabemos que a Volkswagen de Resende, no Riode Janeiro, por exemplo, quase não tem operários próprios, são quase todosterceirizados das empresas que participam do consórcio de montagem naVolkswagen. Em um quadro como esse, o primeiro desafio imprescindível éromper a barreira social entre trabalhadores estáveis e trabalhadoresterceirizados, isto é, instáveis, para não falarmos dos desempregados.

Em geral, os sindicatos estão incapacitados para enfrentar a questão decomo organizar os trabalhadores terceirizados. Já houve quem fizesse ne-gociação coletiva, em que diferentes setores disseram: “Saímos vitoriososda negociação coletiva”. Sim, e quantos terceirizados foram demitidos?“Ah, isso não importa porque os terceirizados são sempre demitidos mes-mo, hoje ou amanhã”. Importa sim, e eu diria, como primeiro ponto, que ossindicatos precisam ampliar sua dimensão de representantes do conjuntoda classe trabalhadora. Trata-se de uma tentativa de abarcar esse carátercompósito da classe trabalhadora hoje, para que os sindicatos não voltem aser como os sindicatos de ofício do fim do século XIX, só que em plenoséculo XXI. Em alguma medida, muitos sindicatos europeus e norte-ameri-canos já passam por uma situação parecida com essa.

Segundo desafio: a classe trabalhadora sempre foi formada por umasignificativa parcela feminina. Na Inglaterra, desde 1998, 51% da força

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de trabalho é constituída por mulheres. Nos Estados Unidos, ela chegaperto de 50% e, no Brasil, representa um pouco mais de 40%. Como ossindicatos têm enfrentado a questão da organização do segmento femi-nino de sua força de trabalho?

A Toyota de Campinas (SP), por exemplo, só contrata trabalhadoresentre 20 e 23 anos sem experiência sindical. Como os sindicatos vãoenfrentar essas questões?

Terceiro: o sindicato da empresa taylorista e fordista era vertical. Aempresa capitalista hoje se horizontalizou. Portanto, ou os sindicatos sehorizontalizam ou teremos sindicatos verticais para empresas horizontais.

Os sindicatos têm que fundir luta social e luta política. O capital dividiu aclasse trabalhadora em dois braços: o sindical, e o econômico e político – ospartidos. Mas o capital não se autofratura, não tem seus braços sindical epolítico, ainda mais o capital transnacional do mundo global atual. Li, recen-temente, em um documento que um dos requisitos da ALCA [Área de LivreComércio das Américas] é: quando houver greve em uma empresa de umpaís latino-americano, o Judiciário internacional vai julgá-la. É essa condiçãoque o capital transnacional quer nos impor. A fusão de luta social e lutapolítica é o que dá vigor ao MST, ao zapatismo, aos movimentos sociais dosdesempregados na França e o que dá mais audácia na luta social e política.

Isso retoma, por fim, a discussão de qual sociedade os sindicatos e aclasse trabalhadora querem: esta que nós temos, destrutiva, ou outra, emque seja possível pensar em uma retomada de um projeto que resgatealguns valores mais essenciais da humanidade que trabalha e daquelaque, hoje, é desprovida do trabalho? O que, portanto, nos remete aosocialismo. Creio que esses pontos podem nos ajudar no debate sobre ossindicatos e o socialismo. Obrigado.

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71SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

Francisco CostaBoa tarde, companheiros e com-

panheiras, eu sou do bairro de Ca-pela do Socorro, na zona sul de SãoPaulo. Vemos hoje a dificuldadedos desempregados não só de con-seguir empregos, mas também dese qualificarem para eles, princi-palmente na periferia, onde nós re-sidimos. Nós estamos formandouma cooperativa. Eu gostaria desaber de Fernando Haddad e dosoutros componentes da mesa quala perspectiva atual dessa futuracooperativa que estamos montan-do e das demais que poderão virno decorrer do tempo, porque, lána periferia, sentimos que há essa

Debate com o público

necessidade de montarmos algu-ma coisa com esses companhei-ros desempregados, até pela pró-pria necessidade de sobrevivên-cia. Estamos até um pouco perdi-dos, não sabemos se montamosuma cooperativa de prestação deserviços ou de alguns produtosque podemos fabricar, ou seja,uma padaria comunitária, recicla-gem de lixo etc.

Como podemos iniciar essa coo-perativa de modo que ela tenhacontinuidade e não seja mais umavítima dessa tal globalização, daALCA? Temos que montar um mo-vimento para nossa própria sobre-vivência. Muito obrigado.

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72 SINDICATOS, COOPERATIVAS E SOCIALISMO

Roberto VasquezEu trabalho na Prefeitura Muni-

cipal de Santo André (SP).Há dois anos, mais ou menos,

Fernando Haddad escreveu umartigo na Folha30 destacando aimportância de o PT e a CUT politi-zarem a questão das cooperativas,de terem essa ação de caráter po-lítico na formação das coopera-tivas. Para que as cooperativas nãose tornem um ardil das classes do-minantes, como essa ação políticapode ser feita no dia-a-dia, comose trabalha essa politização?

Daniel AraújoHá pouco tempo, li um livro do

professor Paul Singer sobre clubesde trocas. Na internet, achei o en-dereço do representante aqui noBrasil e nos reunimos para analisara possibilidade de formar na VilaMariana [bairro da zona sul de SãoPaulo] um clube de trocas entre nós.Foi sugerido na reunião que podería-mos procurar os professores da redemunicipal para tentar fazer isso den-tro das escolas também, com os pais,

mas aí foi dito que isso é proibido.Não sei até que ponto isso é proibi-do ou não, mas esse representantefalou que começou com uma hortacomunitária na Argentina, que já tem1 milhão de pessoas. Quando con-sultei o site deles li que, no início,eles tinham 100 mil pessoas, hoje jáchegaram a 1 milhão. Então, a ques-tão é a seguinte: não seria o caso dea Prefeitura Municipal começar adiscutir essas experiências de clu-bes de trocas com as associaçõesde professores da rede municipal?Acho que é na rede municipal, ondeestão os pais mais pobres, o lugarideal para isso acontecer. Se existeuma limitação da lei, isso inviabilizao projeto, mas acho que poderíamosaproveitar agora que o PT está nopoder [na cidade de São Paulo].Outra questão é se o clube de tro-cas realmente funciona como umacooperativa ou não.

João Antônio MoraesA redução da jornada de traba-

lho ou a melhoria das condiçõesmencionadas se aplicam a toda a

30. HADDAD, Fernando.“Terceiro setor e economiasolidária”. Folha de S.Paulo,São Paulo, 28/12/99, p. 1-3.

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73SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

força de trabalho ou apenas ao mer-cado formal?

Geraldo Santiago PereiraSou advogado do Sindicato dos

Trabalhadores Coureiros e Sapatei-ros de São Paulo. A minha questãoé a seguinte: na época em que co-meçamos no movimento, em 1977,1978, antes da fundação da CUT, doPT, não tínhamos os instrumentosde luta que temos hoje. Havia a di-tadura militar nos perseguindo, to-dos nós fomos presos e processa-dos... Acho uma contradição que,hoje, com a dita democracia, ainternet, o fax, o computador, nãose tenha a capacidade de mobili-zação que tínhamos, só se ouve que“hoje há o refluxo, os trabalhado-res estão cansados...”. Queria quea mesa comentasse essa contradi-ção. Obrigado.

Fernando HaddadVou começar a responder pelo fim,

acho que vai ser mais fácil.Do ponto de vista dos meios que

teríamos à nossa disposição, acho

que meios são sempre questõesambíguas. Valendo-me do queGilmar Mauro falou, os meios sem-pre podem ser usados de uma for-ma ou de outra. Eles geralmentesão contra os interesses da classetrabalhadora e, na melhor das hi-póteses, são ambíguos, devem serusados inteligentemente para pro-duzir algum efeito positivo nas con-dições de vida da população dascamadas inferiores da sociedade.Do mesmo jeito que avaliamos ainternet como um instrumento inte-ressante de divulgação de idéias, decomunicação, de difusão de dados,informações e opiniões pelo mun-do, existe também o lado daqueleque trabalha com a internet, que viuexplodir a sua jornada de trabalho.

Luís Felipe de Alencastro, em umde seus artigos, fez notar a cena deum filme, Missão impossível, noqual o sujeito estava em um penhas-co inatingível e, de repente, toca otelefone, passa um helicóptero e oleva para a tal missão impossível.Mas hoje estamos nas malhas darede, menos para nos comunicar-

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mos e muito mais para trabalhar-mos. A quantidade de tempo queum trabalhador leva hoje lendo assuas mensagens e sendo captura-do no lazer da sua casa é enorme;uma mensagem chega de repentee o sujeito já é obrigado a acessá-la e a pensar. Isso para o mercadofinanceiro é indiscutível também: asBolsas estão on line 24 horas e otrabalhador é obrigado a monitoraras telas e a saber onde você vaialocar seu portfólio de investimen-tos etc. etc. Então, essa questão nãome parece a mais importante des-se ponto de vista.

Não acho que hoje não temosferramentas a mais para atuar;acho, na verdade, que essas ferra-mentas se prestam também a ou-tras práticas, as quais caminham nosentido contrário. O que vejo é umaespecificidade política, e o Brasil éum caso muito especial. Temosuma oportunidade única de imagi-narmos, sem o risco de estarmossonhando nas nuvens, um projetodiferente do que está sendo implan-tado no mundo inteiro. E essa

especificidade não é técnica nemtecnológica, é uma especificidadepolítica, fruto da ação de indivíduosque conseguiram se mobilizar econstruir instituições de classes iné-ditas no país e sem paralelo no res-to do mundo. Quer dizer, compouquíssimas exceções, não há, si-multaneamente, no mesmo país, umpartido de esquerda com pretensõesnacionais, uma central de trabalha-dores que não restringe a sua açãoà luta política cotidiana por aumen-to salarial e redução de jornada,pensa mais longe do que isso, e mo-vimentos sociais, dos quais eviden-temente o MST é o mais importan-te, que efetivamente ameaçam aordem, colocam em xeque a atualforma de gestão da economia.

Concentro-me nessas variáveispara imaginar que pretensões socia-listas têm plausibilidade no Brasil.Talvez, se estivesse em qualqueroutra parte do mundo, eu não tives-se esperança de que as coisas pu-dessem rumar para outra direção.Mas efetivamente por estar aqui,por ter acompanhado o período de

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transição da ditadura para o quechamamos hoje de democracia, aformação desse movimento socialdesde o seu nascedouro, o PT em1980, a CUT logo depois, o MST, quesurge também na década de 1980,justamente no momento em que in-gressei na Universidade de SãoPaulo [USP], estudando e ao mes-mo tempo verificando a pujança domovimento social no Brasil, nãoacho desprezível o que foi conse-guido, muito pelo contrário.

Às vezes, conversando com alu-nos de outros países que estão hojeestudando na USP, é possível ver oencanto com que eles encaram aexperiência brasileira. Argentinos,chilenos que estão aqui estudandose admiram por termos um PT, umaCUT, um MST. E, na verdade, nóstemos os três juntos, o que não meparece pouco, definitivamente. Essaquestão é a que está intimamenteligada com a da politização do mo-vimento social, de uma maneirageral, e a da cooperativa, em parti-cular. A cooperativa não se insereno contexto “emprego versus de-

semprego”, mas em uma outra or-dem de considerações. Não pode-mos ter em mente que “empregoversus desemprego” é uma ques-tão de política econômica nacional,quer dizer, não é a incapacidade oua capacidade dos trabalhadores dese organizarem que provoca o de-semprego. Do ponto de vista eco-nômico é que será encontrado re-médio para o desemprego. Temosque enfrentar o Ministério da Fa-zenda, o Ministério da Ciência eTecnologia, o BNDES para brigar pormais empregos; temos que enfren-tar o governo federal para pensaruma política de expansão, de cres-cimento, de inserção internacional.

A cooperativa, insisto, é um em-preendimento político, cujo foco é asuperação da relação de assalaria-mento. E para que isso se dê de umaforma interessante ela precisa, des-de o início, passar por um processoobjetivo, mas, ao mesmo tempo, sub-jetivo, no qual os trabalhadores se-jam educados para uma outra for-ma de organização social. Se for vis-ta como panacéia para as mazelas

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materiais que o indivíduo está en-frentando em determinado momen-to, ela não tem a envergadura ne-cessária para seguir em frente, parasobreviver e para apontar uma dire-ção mais ousada.

Podemos e devemos usar o po-der local. Acho que a Prefeitura deSão Paulo tem um programa hoje,ainda embrionário, de orquestrarjunto aos programas sociais a ques-tão da economia solidária. Essa éuma questão também que envolvereflexão, porque não é fácil articu-lar programas como Bolsa Escola,Bolsa Trabalho, Começar de Novoe economia solidária em torno deuma proposta mais arrojada. Mas,enfim, a economia solidária está naordem do dia e deve ser explorada,inclusive não só pela prefeitura, maspelo movimento social que deveexercer pressão sobre a prefeiturapara que esse programa tenha essaou aquela feição. Não queiram ima-ginar que três iluminados em umasala de dez por dez metros vão con-seguir conceber, sem a ajuda e apressão do movimento social, um

programa de economia solidária queefetivamente tenha conseqüênciasvisíveis para um conjunto razoávelda população. Então devemos mo-bilizar a prefeitura, as incubadorasde cooperativas.

Em relação à primeira perguntafeita, sobre o que fazer em uma coo-perativa, se ela é de serviço, se éde produção, se é clube de troca: oque quer que seja, o responsáveldeve procurar apoio técnico. As-sim como um pequeno empresáriovai ao Sebrae [Serviço Brasileirode Apoio às Micro e PequenasEmpresas] e tenta se munir de in-formações que maximizarão aschances de seu empreendimentovingar, os cooperados devem pro-curar a agência de desenvolvimen-to solidário da CUT, a incubadoratecnológica de cooperativas da USP,o MST, se for o caso de uma coope-rativa agrícola, para se valer des-sas experiências acumuladas. Eu,efetivamente, não tenho capacida-de de contribuir em um assunto queme foge à compreensão, já que nãoestou na linha de frente do movi-

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mento. Então, quanto à questão dapolitização, não devemos entendero movimento cooperativo como ummovimento espontâneo de supera-ção de uma determinada dificulda-de econômica de um conjunto deindivíduos: ele pode vir a ser muitomais do que isso, mas deve contarcom o apoio do movimento socialorganizado, das centrais sindicais,para que ganhe um caráter diferen-te do que a classe dominante gos-taria que tivesse.

JuliaMeu nome é Julia, faço parte do

Fórum Centro Vivo, uma instituiçãoque, dialogando com diferentesmovimentos sociais – entidades dedireitos humanos, laboratórios depesquisa universitários, movimentosde cultura etc. –, luta por um outroCentro da cidade e por uma outracidade de São Paulo de um modogeral, e, portanto, se contrapõe àAssociação Viva o Centro clara-mente, desde o início. É pensandoum pouco nisso que vou formularuma provocação, porque a mesa

me pareceu em alguma medida dia-logar entre si e, em outra medida,não. O expositor trouxe uma análi-se muito rica, lembrando um autordo século XIX bastante atual e apre-sentando questões que a políticapartidária e a política sindical doséculo XX talvez esqueceram oupuseram de lado. Ricardo Antunesapresentou a questão de como seencontra o lado bárbaro do traba-lho hoje e como o sindicalismo nãoenfrenta claramente a questão dotrabalho informal de um modo ge-ral, que tem mil e uma faces. GilmarMauro considerou a perspectiva deum movimento social maior no Bra-sil hoje, e, a meu ver, pareceu queele já anunciava a questão da Con-sulta Popular como movimento na-cional, num quadro de formação demilitantes e lutadores do povo paratransformar um país, com um pro-jeto definido para o país, claro. Noentanto, eu esperava uma fala daCUT, pois, até onde sei, ela é bas-tante diferente da Força Sindical, éevidente, e dentro dela existem tam-bém vários sindicatos.

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Tenho tido contato com a ADS, aAgência de Desenvolvimento Soli-dário da CUT, que pensa a questãodas cooperativas e da economia so-lidária, basicamente, de uma formapragmática; como o senhor GilmarCarneiro disse, no mundo do sindi-calismo as coisas são sempre prag-máticas e nem tanto teóricas. Noentanto, não sei até que ponto a falado Sindicato dos Bancários, ao qualGilmar Carneiro é ligado, represen-ta a fala da CUT, porque o sindicatotem feito articulações políticas nacidade bastante diferentes de vá-rias outras articulações que a pró-pria CUT faz. O Sindicato dos Ban-cários tem uma parceria aqui nocentro da cidade com a Associa-ção Viva o Centro, e portanto dire-tamente com o capital financeiro,especificamente em um projeto queé fundamentado por uma ação pe-dagógica com meninos de rua, oProjeto Travessia. Essa é a minhaprovocação: me pergunto até queponto o trabalho do Sindicato dosBancários não vem sendo mais li-gado ao capital, em lugar de pen-

sar as questões da economia soli-dária, do socialismo etc.

Queria cobrar um pouco do ladosindical, dada a análise que os ou-tros membros da mesa fizeram: oque é a questão do sindicalismo edo corporativismo hoje; o que é,efetivamente, do ponto de vista prá-tico, uma luta pelo socialismo? Nãosenti nas exposições contempladasas ações que outros setores da CUT

vêm fazendo nesse campo.

Marcelo SerenoSou do Diretório Nacional do PT

e ex-secretário de organização daCentral Única dos Trabalhadores.Gostaria de pontuar algumas ques-tões sobre este debate. Em primei-ro lugar, sobre o movimento coope-rativista no Brasil – não sei se sepode chamá-lo dessa forma de umponto de vista da esquerda ou pro-gressista: no Brasil temos a OCB,Organização das Cooperativas Bra-sileiras, que, como o sindicalismo eoutros setores sociais brasileiros, foiestruturada em uma lógica docorporativismo, uma organização

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estatal centralizada para enquadraras cooperativas também, e nós daCUT tentamos agora, com a criaçãoda ADS e com todo o debate da eco-nomia solidária, mudar esse quadrodo ponto de vista do sindicalismo,mas encontramos ainda muitas di-ficuldades. A principal dificuldadeé que a maior parte das cooperati-vas possui experiências com o ob-jetivo de tentar resolver o proble-ma prático imediato do trabalhadordesempregado. Existem inúmerascooperativas que são, direta ou indi-retamente, administradas pelos sin-dicatos e foram criadas a partir dafalência de empresas.

De certa maneira o debate sobrea economia solidária tenta resgatara experiência do movimento coo-perativista da democracia européiado século XIX, com uma série deelementos que não têm, ou pelomenos não tinham, uma formulaçãoconsciente para pensar a poli-tização desse movimento cor-porativista, criando-se um movi-mento nacional com caráter socia-lista. O problema é que há, na mi-

nha opinião, muitas dificuldadespara pensarmos como enfrentaresse movimento, apesar de Fer-nando Haddad ter razão: a existên-cia do PT, da CUT, do MST no mes-mo período histórico é uma novida-de no nosso país e em muitos paí-ses do mundo.

Como vamos enfrentar essasquestões, mesmo que cheguemosa ganhar as eleições em 2002? Podehaver um programa, não só da Pre-feitura de São Paulo, mas tambémdo governo federal em relação aessas questões, sabendo que esta-remos criando esse movimentocorporativista em uma economia demercado muito mais desenvolvidado que no século XIX. Haddad sereferiu às fábricas que podem pro-duzir pequenos componentes e ex-portar para países distantes; é aparte da economia de escala, custode transporte mais baixo, custo decomunicação etc. etc., ter compe-titividade. Por outro lado, discutire-mos isso no mesmo momento emque o movimento sindical brasileiroestá em uma encruzilhada, não por-

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que os sindicatos perderam o seupapel, mas pelo problema que te-mos no Brasil de haver um movi-mento sindical ainda regulado poruma legislação corporativista.

Ricardo Antunes se referiu aosterceirizados. Quando se faz umacordo coletivo para os terceiriza-dos de um sindicato majoritário,como o dos bancários, esse acordoé questionado na Justiça. Então,nossa capacidade de horizontalizaro sindicalismo está muito restritapela legislação e, ao mesmo tem-po, o movimento sindical está en-frentando uma crise do estatuto dotrabalho assalariado.

Essa é outra pergunta que querofazer a Fernando Haddad: o esta-tuto do trabalho assalariado hoje émuito diferente do que era nas dé-cadas de 1960 e 1970 e, num mun-do em que o sindicalismo estava emdecadência, na década de 1980,nosso sindicalismo era forte e es-tava em ascensão. Gostaria que elecomentasse essa questão.

A outra pergunta é: consideran-do a hipótese de uma retomada do

crescimento econômico e a possi-bilidade de recuperação do estatu-to do trabalho assalariado, as coo-perativas não podem, novamente,se tornar algo marginal? De certamaneira, o movimento que a CUT

fez já representa isso: estamos ago-ra tratando da economia solidáriapor conta do desemprego e daprecarização do nosso representa-do. É um movimento contraditório.Gostaria que Haddad analisasseessa questão para sabermos comopodemos pensar o passo seguinte.Obrigado.

FeijóSou secretário-geral do Sindica-

to dos Metalúrgicos do ABC e gos-taria de começar por um ponto queMarcelo Sereno abordou. Aqui sediz que o movimento cooperativodeve ter um determinado caráterpolítico de transformação da socie-dade, deve ajudar a transformar amaneira como os trabalhadores sevêem dentro dessa sociedade, maiscomo integrantes de uma socieda-de efetivamente cooperativa do que

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como patrões de si mesmos. Mas,por um lado, das 14 cooperativasque hoje integramos no ABC na redeUnisol Cooperativas, dez delas nas-ceram da necessidade de lutas peloemprego em fábricas falidas, e nãotivemos alternativa a não ser avan-çar para a construção dessas coo-perativas. Evidentemente que nãopodemos, uma vez criadas as coo-perativas, dar a elas o caráter deuma empresa meramente inseridano mercado. Agora, não resta dú-vidas de que elas terão que com-petir no mercado.

Por exemplo, temos a parte daConforja, uma empresa que produzconexões para a exploração de pe-tróleo, composta hoje por quatrocooperativas. Sua única alternativade sobrevivência é competir no mer-cado e, ao mesmo tempo, conser-var o seu caráter cooperativo. Elavai faturar em 2001 20 milhões dereais. E os trabalhadores, que co-meçaram com um passivo trabalhis-ta não recebido, cada um deles temhoje uma cota de 29 mil reais, maisdo que eles tinham de indenização.

A segunda questão é que ao mes-mo tempo que avançamos na cons-trução de cooperativas reais, de pro-dução, nos deparamos com o en-frentamento das chamadas “coo-pergatos”31. Simultaneamente aoincentivo às cooperativas, estamosfazendo um combate ferrenho às“coopergatos” que aparecem nanossa base para interpor mão-de-obra de forma fraudulenta. Então fa-zemos dois trabalhos nesse momen-to e, infelizmente, as “coopergatos”têm a sua vida extremamente facili-tada por um projeto de lei apresen-tado por um companheiro deputadodo PT que não discutiu com o movi-mento sindical como deveria ser umprojeto cooperativo.

O que se faz? Como produzimosessa integração? Com relação a de-terminados confrontos do movi-mento sindical, o maior deles, hoje,é de ordem cultural. Nós nos habi-tuamos a uma velha e falida estru-tura, apesar de termos jurado estaestrutura de morte quando criamosa CUT, e nos habituamos a essa pul-verização sindical. O pior confron-

31. Cooperativas de fachadaou cooperativas de serviçoou de mão-de-obra organi-zadas pelo patronato paracontratar trabalhadores sematender ao que determina alegislação trabalhista.

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to que se tem é internamente, naprópria CUT, porque as pessoas re-sistem a criar algo novo e se agar-ram àquele velho aparelho comoforma de sustentar as suas idéias.

Este debate tem que ser feito comrigor, porque não adianta fazer umtipo de discurso e, quando se pro-põe uma mudança radical de cul-tura que atenda à nova demanda,essa nova forma seja impedida por-que as pessoas se habituaram como velho. Sabe qual é o maior dra-ma dos metalúrgicos do ABC? Ircom a maior mobilização possívelpara a mesa de negociação e o con-fronto se dar não na capacidade demobilização dos trabalhadores emrelação a seus empregadores, massim com nossos companheiros deoutras bases sindicais, que dizemassim: “Nós queremos redução dejornada”. “Mas você já tem 30 ho-ras aqui, na Fiat ainda são 44.”“Nós queremos mais aumento desalário.” “Mas no Paraná ainda seganha tanto...” E começamos a nosconfrontar entre nós mesmos! Eainda somos chamados de pelegos!

Gilmar CarneiroAlém da Justiça do Trabalho, que

é um fator muito sério e impeditivo,criou-se um artifício muito forte nomovimento sindical: o imposto sin-dical. Há muitos dirigentes da CUT

que ainda defendem que se mante-nha esse imposto; podem não de-fendê-lo em público, mas não reali-zam uma ação concreta para aca-bar com o imposto sindical. O Sin-dicato dos Metalúrgicos do ABC

entrou com mandado de seguran-ça para que não fosse descontadoo imposto sindical e ganhou. Não épouco dinheiro: no Sindicato dosBancários de São Paulo são 3,5 mi-lhões de reais por ano que se deixade recolher. Ou se faz isso e se blo-queia a cobrança para não havermesmo o desconto, para dar oexemplo, ou não se acaba com alei. Se todos os sindicatos da CUT

começassem a entrar na Justiçapara não recolher o imposto sindi-cal, ele acabaria por inércia. Ago-ra, existe um fator hoje que estásendo mais nefasto do que o im-posto sindical para o movimento sin-

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dical, mesmo o da CUT, que é o FAT,o Fundo de Amparo ao Trabalha-dor. Quando se começa a depen-der muito do FAT, de seus recursospara fazer formação, capacitação,muitas vezes a agenda do FAT sesobrepõe à agenda da luta, e fica-mos em uma situação complicada.

Como fundador da CUT, conside-ro essa questão do FAT muitopreocupante e acho que ela é atémais perversa do que a do impostosindical, porque este, mesmo tendosido criado por Getúlio Vargas, en-tra direto na conta do sindicato, pre-servando um caráter mais demo-crático do que o FAT, que vai para adireção da central e depois se des-dobra conforme um acordo acer-tado dentro das centrais sindicais,criando uma hegemonia vertica-lizada que muitas vezes é inibidora.

Quanto ao debate do sindicatonacional, creio que também temosque reconhecer que há um debatemuito grande, principalmente dastendências minoritárias da CUT, so-bre o medo da hegemonia. Isso énatural. Por mais que se diga que o

centralismo democrático é bom emdeterminadas situações, em outrasele é maléfico, pois, se tomarmos,por exemplo, os bancários de SãoPaulo, todas as matrizes dos ban-cos estão aqui, bem como 65% dosistema financeiro, e existem 150mil bancários. Se constituirmos umsindicato nacional, por natureza osindicato de São Paulo determinaas decisões do sindicato do Brasilinteiro. Agora, com 200 sindicatosé possível construir uma unidade deação com muito mais concessões,porque são 200 sindicatos a seremlevados em conta. Já com um sin-dicato só “manda quem pode e obe-dece quem tem juízo”, e acabou.

Por que organizávamos uma gre-ve nacional dos bancários e davacerto? Porque tinha que haver umatolerância com o Acre, com o Piauí,com todo mundo, senão a RedeGlobo colocava no ar: “Fracassa agreve nacional dos bancários”. Tí-nhamos que ter uma grande capa-cidade de concessão para mantera unidade nacional, o que não erafácil. Essa organização, quando se

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trata de empresas setorizadas,como no ABC, por exemplo, é maisfácil, mas agora a indústria auto-mobilística se pulverizou, o que tor-na mais complicado o movimentoem nível nacional.

Nosso país é continental, muitogrande. Precisamos aprender a fa-zer algumas concessões e, muitasvezes, quem é grande é pouco to-lerante. Feijó está corretíssimo.Mas acho que a questão sindicalpassa muito mais pelo problema dodesemprego do que pela posturaem si dos dirigentes sindicais, em-bora haja alguns desvios.

Em relação às ponderações dacompanheira do Fórum Centro Vivosobre o Projeto Travessia, acho queesse programa foi uma das experiên-cias mais bonitas que tive na vida.Fiquei cinco anos no Travessia, umaparceria com Bank Boston, Viva oCentro, Grupo Vicunha, FundaçãoSeade, Sindicato dos Metalúrgicosde São Bernardo, Apeoesp [Sindi-cato dos Professores da Rede Es-tadual de Ensino de São Paulo] aCUT e os bancários.

A Prefeitura de São Paulo preci-sa ser mais rápida em questõescomo o Travessia, um projeto volta-do para a população de crianças eadolescentes de rua. Quando co-meçamos este debate em razão daprópria situação precária que essascrianças e esses adolescentes vivemna rua, e também pela própria vio-lência, o Viva o Centro foi um par-ceiro de primeira hora, assim comoo Bank Boston, que até hoje é umparceiro importante no trabalho coma criança e com o adolescente; co-meçou com a experiência do Axéna Bahia e faz todo um trabalho coma Fundação Seade, com a USP, comuma série de ONGs.

Nossas prefeituras precisam tra-balhar em rede com a comunidadepara resolver o problema dos mo-radores de rua, sem preconceitos.Agora, se em nome do socialismonão se faz parcerias com os atoressociais para minimizar a fragilida-de da rua, acho que estamos fican-do dogmáticos, porque pegar umacriança de rua com 10 anos e tirá-la da rua é um trabalho importante.

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É um trabalho da sociedade intei-ra, não só nosso. Pode ser nosso sepegarmos o dinheiro do FAT, de to-dos os sindicatos e de todas as pre-feituras. São 5 mil crianças e ado-lescentes nas ruas. Dá para tirartodos com a pedagogia constru-tivista? Dá. Mas a Secretaria de Fi-nanças tem recursos para dispo-nibilizar na dimensão necessária?Não tem. A própria Secretaria deEducação, mesmo no governo deMário Covas, colocava muitas difi-culdades para tratar desse assunto.E viver na rua é uma violência ab-surda. Então não podem o Viva oCentro e o Travessia trabalhar jun-tos? É loucura! Não devemos teressa visão maniqueísta. Quem co-nhece o trabalho do Travessia sabeo quanto isso não tem preço; só quemvive na rua e convive com a drogasabe o que é isso. BenjaminSteinbruch, do Grupo Vicunha, é umparceiro de primeira hora; ele nãopode ajudar o Travessia?

Quando falo das mudanças dacidadania de 1970 para 2000, dofato de que hoje nós somos todos

governo, tem muito a ver com isso:é a questão da tolerância, como li-dar com essa situação sem perdero projeto do socialismo. Eu sempredefendi um socialismo com cidada-nia, sempre fui contra o stalinismo,nunca neguei isso.

Ricardo AntunesSão muitas questões de razoável

complexidade. Vou tentar fazer doiscomentários que ainda não foramfeitos aqui, sobre o desemprego esobre a redução da jornada de tra-balho. A redução da jornada é umabandeira decisiva, contemporânea,de âmbito mundial – respeitadas assingularidades de setor, ramo, país–, que toca os que vivem da vendada força de trabalho e os desem-pregados. Uma das condições maisfortes das fraturas do capital nomundo do trabalho é a fratura en-tre empregado e desempregado. Aredução da jornada de trabalho éum ponto de partida central na luta,tanto dos que trabalham como dosque estão desempregados. Estareflexão, de fundo socialista, com

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muita freqüência está ausente dodebate. É necessário reduzir a jor-nada de trabalho, mas também per-guntar: produzir o que e para quem,que é a essência do sistema demetabolismo do capital.

Ao reduzir a jornada de trabalhotiramos do âmbito do capital o con-trole opressivo que ele tem sobre onosso tempo de trabalho e de não-trabalho. Basta ver a importânciados shoppings nas esferas da so-ciedade do entretenimento, de tudoo que preenche o que alguns cha-mam, talvez por ironia, de tempo li-vre, que é livre para o consumo.

Então essa bandeira é decisiva enão é contraditória com o direito aoemprego e ao trabalho. Esta é umareivindicação necessária não por-que se cultue o trabalho assalaria-do, mas porque não há como o serque vive da venda da sua força detrabalho viver na sociedade atualsem a mediação de alguma formade trabalho. Essa bandeira, em suaamplitude, não no plano fenomê-nico, mas em sua essência, ata em-pregados e desempregados e mexe

com o fundo do sistema de meta-bolismo social do capital.

Creio que, embora não seja umespecialista no tema das coopera-tivas, esse é o momento de abor-dar alguns pontos que, no meu en-tender, são cruciais para se pensaressa questão. Primeiro, acho que acooperativa é uma resposta limita-da mas imprescindível para o de-semprego. Acho que é esse mes-mo o caminho. É fácil falar sobre acondição de assalariamento, de re-muneração, mas, uma vez desem-pregado, fazemos o que for preci-so para voltar ao emprego. O tem-po livre é uma bandeira fundamen-tal, mas supõe um trabalho dotadode sentido.

Sabemos como o trabalho às ve-zes é imprescindível como instru-mento da sociabilidade, porque pioré viver o não-trabalho. Em casa, umcônjuge recrimina o outro por estardesempregado, e os filhos olhampara os dois e dizem: “Meus paissão o que são porque ambos sãodesempregados”. Aí o pai sai e viveo desemprego em tempo integral,

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pega auxílio-moradia, vale-transpor-te e vale-refeição e vai fazer qual-quer um desses cursos de qualifi-cação, dos quais poucos são sérios,para poder sair de casa. No finaldo dia, ele andou, perambulou, vol-tou e vivenciou essa dimensão dedesumanidade. Nesse sentido, a co-operativa é limitada, mas real.

Temos o segundo ponto que foimencionado aqui, que acho que émuito importante, o da cooperativado tipo “coopergatos”, citada comoforma de precarização, de destrui-ção de direito. O capital nunca vaidizer: “Vamos organizar aqui o mun-do do trabalho precarizado”. Elechama isso de cooperativa, é maisbonitinho. Então, muito cuidado,quem estuda sabe disso. Não pre-cisamos mais ir para o Nordestepara ver essa situação. Outro dia,me dizia um colega professor, hou-ve na escola em que ele dá aulauma proposta de se criar uma coo-perativa. Os professores questiona-ram: “E dezembro e janeiro, quan-do não há aulas?”. E ouviram comoresposta: “É uma cooperativa, se

vocês não trabalharem em dezem-bro e em janeiro, vocês não vãoreceber”. Quem se recusou foi de-mitido. E montou-se uma coopera-tiva para uma escola. Nós, que dis-pomos do que Pierre Bourdieu cha-mava de capital cultural, sabemosnegociar nossos salários. E os quenão dispõem de capital cultural,aqueles que estão no chão produti-vo? Aí é a barbárie.

Terceiro ponto: concordo com oFernando Haddad e acho que ele re-tomou com felicidade o debate deMarx, isto é, a cooperativa tem umsentido, no plano micro, que é nãoser despótica, em oposição ao des-potismo fabril e ao planejamentoautocrático de tipo stalinista, nosquais todos os experimentos do equi-vocadamente chamado “socialismoreal” acabaram incorrendo, e foraminfelizes nesta questão. Então, nes-se sentido, a cooperativa tem, alémda minimização da barbárie do de-semprego, um primeiro embrião deautonomia de trabalho.

Agora, como se alia isso com omercado na fase mais destrutiva,

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das fusões das grandes empresas,na qual não há opção a não ser en-trar na concorrência? É mais com-plicado falar em cooperativa e so-cialismo por causa desse vínculocom o mercado global, porque o fatode no plano micro haver, nesse sen-tido, o esboço positivo de autono-mia do trabalho não me permiteimaginar que, criando cooperativase mais cooperativas, um dia aca-bem empresas como a Microsoft,ou a IBM, ou a General Motors.

Essa é a discussão. Entramos emuma batalha mais profunda, contraa lógica do capital. FernandoHaddad tratou do caráter não-des-pótico da cooperativa. Mas como éque se transcende o caráter não-despótico do plano micro para o pla-no social?

Esses pontos, no meu entender,são o núcleo do debate. E é possí-vel que a gente divirja neste pontoe veja este debate de modo dife-rente. Mas fica a pergunta: comoé que se transita para o socialis-mo a partir da ampliação de ex-perimentos de cooperativas que

estão à margem do sistema capi-talista? Como ferir a lógica docapital em uma era de megafu-sões, com a lei da selva do mer-cado e suas transnacionais?

DjalmaSou metalúrgico aposentado.

Acho que precisamos saber clara-mente quais são os objetivos quequeremos. Quando se discutem osrumos do socialismo, como estamosdiscutindo aqui a questão das coo-perativas e dos sindicatos, se dis-cute também, às vezes, a questãodas administrações do Partido dosTrabalhadores. São instrumentosque a classe trabalhadora construiunesses últimos 20 anos que, no meumodo de entender, serviram parao acúmulo de força para a disputada hegemonia na sociedade. Senão é isso, deve-se fazer o debatetambém para se verificar quais sãoos objetivos. Pergunto, então, parao companheiro Gilmar Mauro seele acredita que as prefeituras ad-ministradas pelo PT estão servin-do ao acúmulo de forças para a

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disputa da hegemonia na socieda-de para transformá-la em uma so-ciedade socialista?

Cláudio PastorBoa tarde a todos, sou do PT

de Mauá.Hoje está sendo criado um mo-

dismo no Brasil em torno das coo-perativas; muitos defendem que éuma saída. Mas isso me preocupaporque muitas cooperativas têmsido criadas a partir da falência doempresário ou de sua falta de di-nheiro ou de capacidade de geriro seu próprio negócio. Porém, es-sas cooperativas passam, muitasvezes, a prestar serviços para essemesmo empresário; vendem outrabalham para ele. E os coopera-dos, às vezes naquela falsa ilusãode manter o emprego e o salário,abrem mão da questão dos direi-tos adquiridos, que são o Fundo deGarantia, as férias, o 13o salário,e muitas cooperativas não se pre-ocupam em garantir isso. Fui dire-tor da Cooperdata, e tínhamos láuma forma de garantir esses di-

reitos básicos. Gostaria que Ricar-do Antunes fizesse um comentá-rio em relação a isso.

Para Gilmar Mauro, quero per-guntar como ele vê a relação entreo PT e o MST. Em um certo momen-to essa relação foi muito próxima,mas hoje parece que ela está umpouco distante; gostaria que ele fa-lasse um pouco sobre isso. Muitoobrigado.

JorgeUma pergunta para Ricardo

Antunes e Gilmar Carneiro. Parce-las significativas dos sindicatos têmoptado pelo assistencialismo e pelosindicalismo de resultados, incluin-do os sindicatos filiados à CUT,abandonando a luta pela transfor-mação social. Isso pode ser expli-cado apenas pela conjuntura atual?Há outras possibilidades para osindicalismo?

João Antônio MoraesPergunta para Ricardo Antunes:

na sua visão, a fusão de sindicatosé um caminho para o novo cenário

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na perspectiva de enfrentamento econstrução do socialismo?

Silvia MarreiPara Fernando Haddad: nos dias

de hoje encontramos cada vez maisdesempregados que não têm cons-ciência de classe. Como conciliar oimobilismo de hoje com as aludidaspretensões socialistas? Em tempo:até que ponto as nossas instituiçõesde classe, especialmente a CUT e oPT, não ajudam a legitimar o atualcontexto da ordem capitalista?

Pergunta:Em São Paulo temos quase 2 mi-

lhões de desempregados. São ex-bancários, ex-metalúrgicos etc., quesofrem ocultos no seu isolamento.Não caberia aos sindicatos mobilizá-los para que se tornassem visíveis ese expusessem como força social?Há como colocar 500 mil pessoas emuma simples passeata?

Leda PaulaniBoa tarde, sou colega do Fernan-

do Haddad “n” vezes: da USP, da

revista Praga, da Secretaria de Fi-nanças. Tenho também uma iden-tificação intelectual muito grandecom ele e acho que as colocaçõesque nos trouxe são muito importantesporque deslocam o foco do debate,que, equivocadamente, durante oséculo passado, ficou na chave mer-cado-planejamento. Então, via coo-perativas, vemos que existe umapossibilidade de superação; nossapossibilidade de enxergar hoje meparece diminuta porque enxergamosas cooperativas dentro do sistemacapitalista, não conseguimos veralém dele.

Antes de fazer a minha pergunta,gostaria de fazer um comentário àmargem de um debate que se tra-vou aqui: é muito fácil para o doutorBenjamin Steinbruch, depois que elelevou a Vale do Rio Doce pratica-mente de graça, oferecer espelhinhopara os índios, como diz o nosso se-cretário de Finanças. Então, aindaque possa ser defensável de um pon-to de vista cristão de benemerênciaetc., acho que defender uma figuracomo essa é complicado. Agora,

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minha pergunta para FernandoHaddad: você diz que a briga pelacooperativa e, principalmente, pelacooperação entre as cooperativas éuma luta política que aponta para asuperação da anarquia e, portanto,depende de elementos nacionais: sis-tema nacional de crédito, sistemanacional tributário, sistema nacionalde inovação tecnológica. Pressupon-do que o PT, um governo progres-sista, ganhe as eleições, será queesse Estado vai se colocar a favordas cooperativas e ter força políti-ca suficiente para mobilizar essesinstrumentos, em nível nacional,para levar essa economia em umaperspectiva de superação do capi-talismo, ou será que as resistênciasque vai encontrar, até do ponto devista do capital organizado transna-cionalmente, vão ser maiores doque os desafios? Ainda que eu acheque devamos enfrentá-los mesmoassim. Obrigada.

Paul SingerAntes de mais nada, gostaria de

dar os parabéns à mesa, acho que

este foi um dos melhores seminários.O trabalho de Fernando Haddadé uma análise marxiana que resga-ta uma riqueza muito grande da dis-cussão, e todos os companheiros,Gilmar Carneiro, Gilmar Mauro eRicardo Antunes, pegaram a bolano ar e deram uma bela contribui-ção. Dito isso, queria não responderao Ricardo sua última pergunta, mas,de forma mais ampla, dizer o seguin-te: não sei quem decidiu que só sepode construir o socialismo em umdeterminado âmbito geográfico, porexemplo, um país. Quer dizer, ou háhegemonia no país, ou não há socia-lismo. E se o país for meia cidade?Aí pode, existe socialismo com 500mil habitantes.

Essa questão de âmbito é falsa-mente colocada. Depois da Revo-lução de Outubro se achava que aRússia era o melhor país do mun-do. A URSS [União das RepúblicasSocialistas Soviéticas], que era umbaita império, hoje dividido em vá-rios países, não era suficiente; so-cialismo em um país só parecia ab-surdo, tinha que ser no mundo in-

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teiro. Ou o socialismo vinha de al-gum lugar e cobria o planeta de re-pente, ou não era o socialismo. Issonão faz sentido! O capitalismo, des-de a Revolução Industrial, já faz 230anos, ainda não é planetário. Amaior parte do mundo ainda não écapitalista – está em via de se tor-nar, cada vez mais, mas ainda nãoé. E quem põe em dúvida que exis-te capitalismo? Então, quero dizera vocês que o socialismo pode serfeito em qualquer âmbito, mesmono âmbito de uma pequena coope-rativa, para não falar das maiores.

Isso de que em uma certa dimen-são não é socialismo não faz senti-do; socialismo é um tipo de socie-dade, é um tipo de relações huma-nas, e não só de produção, é umasociedade igualitária, democráticae, sobretudo, fraterna. E isso temque se aprender. Hoje temos estu-dos, inclusive experimentais, mos-trando que sendo solidário se apren-de... e se desaprende. Por isso cadacooperativa autêntica, e são pou-quíssimas, é uma pequena escola desocialismo, sim.

Falando de cooperativas que fo-ram antigas empresas que faliram,poderíamos citar cooperativas for-madas pela Cáritas32 ou pelas in-cubadoras, tanto faz, mas o quese verifica? Que a cooperativa queparte para o socialismo com o pédireito é composta por gente que lu-tou muito, que criou laços muito for-tes de solidariedade em lutas, comtantos mortos, com tantos feridos,como as que fazem o MST, a Anteag[Associação Nacional dos Trabalha-dores em Empresas de Autogestãoe Participação Acionária] e outrasentidades da CUT, da Contag [Con-federação Nacional dos Trabalha-dores na Agricultura] etc. É nessaluta que se constrói uma solidarie-dade política. É muito difícil trans-formar uma solidariedade política emeconômica. Isso nós estamos veri-ficando nos assentamentos do MST.Em cada um deles há os coletivis-tas e os individualistas, quer dizer,existem os companheiros que fun-dem os seus lotes e experimentamuma economia igualitária e frater-na, mas há os companheiros que

32. Instituição da IgrejaCatólica, de âmbito internacio-nal, cuja missão é “Defender,resgatar e promover a vida,trabalhando com as pessoasem situação de exclusão nosplanos social, político, econô-mico, cultural e religioso,educando para a justiça, asolidariedade e a cidadania,construindo condições de vidadigna para todos”.

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ficam nos seus lotes e formam ou-tros tipos de cooperativas só decomercialização, e todos eles estãono sistema dos cooperados.

É muito inteligente da parte doMST manter a unidade nos assenta-mentos mantendo sua diversidade.É um dos princípios básicos do so-cialismo. Ninguém fica na coope-rativa contra sua vontade, o que lheconfere autenticidade. Estou acom-panhando em particular algumasexperiências de assentamentos doMST que foram estudadas por mes-tres e doutores de universidades, esão extremamente interessantes e,nas entrevistas de uma dessas pes-quisas, vê-se que as pessoas quesaem da cooperativa para ir paraos seus lotes não falam mal da co-operativa. Muitos dizem: “Nós nãoestávamos maduros”.

Mas há problemas muito grandes,de diferença de tamanhos de famí-lia, que se revelam diferenças depadrão de vida. Por exemplo, os quetêm muitos filhos, mas estes nãoestão em idade de trabalhar, ganhammenos. Como é possível contabilizar

o que da produção as pessoas con-somem ou não? Como se avaliamos trabalhos diferentes de quem estános trabalhos intelectual e manualnas cooperativas? Como se prati-cam efetivamente a igualdade e ademocracia nas decisões que afe-tam a todo mundo? Enfim, essasvivências são muito preciosas.

Existe uma enorme quantidade decooperativas que perderam grandeparte, mas não a totalidade, de suaautenticidade. Não estou falando de“cooperfraudes”, empresas capita-listas que têm dono, exploram osseus cooperados e têm o nome decooperativas – não temos nada aver com isso, a CUT faz muito bemem combatê-las –, mas de coope-rativas que mesmo tendo assalaria-dos, o que não pode acontecer, ain-da prestam homenagem aos prin-cípios do cooperativismo, existemmovimentos de regeneração.

O que estou aprendendo em mi-nha militância prática é que é umaatitude muito fácil, mas falsa, divi-dir o mundo entre puros e impuros,anjos e demônios. Eu diria que 99%

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das cooperativas não são exata-mente aquilo que gostaríamos quefossem, mas também não são“cooperfraudes”; são movimentosvivos e, a cada momento, como sãocompostas por seres humanos, semodificam. Estão tentando enten-der sua dinâmica, se é que existeuma única dinâmica. O próprio mo-vimento do MST está acompanhan-do isso e procurando entender oque se passa para viabilizar econô-mica, social e politicamente seusassentamentos, sem o que o movi-mento seria um fracasso. É muitoimportante a presença dos sindica-tos, das universidades e das suasincubadoras, das igrejas, ou seja, doapoio político-ideológico para ascooperativas que tentam ser autên-ticas. Sem esses apoios externos émuito mais difícil.

Gilmar MauroQueria falar rapidamente sobre

cooperativas, embora não me te-nha sido dirigida nenhuma pergun-ta sobre isso, e depois responderas outras questões. Primeiro, ado-

tamos como princípio no MST esti-mular todas as formas de coopera-ção agrícola mais do que a coope-rativa, porque ela acaba se institu-cionalizando como tal, e nós com-batemos isso. É complicado haverpresidencialismo nas cooperativas,um indivíduo se tornar presidente,chefe. Aliás, poder é um problemaonde quer que seja. Dentro das nos-sas cooperativas criamos coletivosde direção. Há uma diretoria for-mal por questões legais, mas bus-camos sempre fortalecer a direçãopolítica da cooperativa que é ocolegiado, que toma as decisões.

Estimular a cooperação agrícolaé mais do que estimular a coopera-tiva, porque a cooperação envolvea associatividade, o mutirão, outrasformas de cooperação. No MSTexiste uma gama de experiências:assentamentos em que metade daterra é coletiva e metade individualou toda individual, mas as ativida-des, as linhas de produção, são rea-lizadas de forma cooperativa. Ago-ra, todas as experiências passampor uma crise enorme. Por que a

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cooperativa é mal administrada?Não é mal administrada, mas a agri-cultura vive uma das maiores cri-ses que já enfrentamos, e porque omodelo é extremamente excluden-te. Nesse momento, a cooperativaajuda a racionalizar a utilização dosrecursos naturais, da mão-de-obrae dos pequenos recursos econômi-cos de que nós dispomos, e a pen-sar um modelo sustentável.

Vejo, então, as cooperativas mui-to mais como uma forma de resis-tência nossa, dos camponeses, con-tra o modelo de exclusão social afavor da permanência no campo eda produção de novos valores, por-que o discutir e o fazer coletivamentesão parte de um processo pedagó-gico de democracia, de participação,de solidariedade, de construção denovos valores. Essas experiênciasnos dão muitos elementos concre-tos que estimulam esses valores so-cialistas que são importantes.

Sobre a questão das prefeituras,vou ser sincero: acho que elas, emgrande medida, não estão ajudan-do para o acúmulo de forças, e vou

dizer por quê. Existe uma ação bur-guesa limitadora que impede qual-quer manobra diferente, que repre-senta um engessamento das prefei-turas com base na legislação – en-tenda-se Câmara dos Vereadores,Poder Judiciário, TCU [Tribunal deContas da União] e um monte decoisas que dificultam qualquer tipode ação para um rumo diferente –,com a qual é muito difícil lidar.

O segundo fator são as dívidasenormes que as prefeituras têm. Aprefeitura está correndo para arre-cadar dinheiro para pagar dívidas,renegociar dívidas, e a folha de pa-gamento é enorme. Então, eu ques-tiono o orçamento participativo,porque 70% do orçamento vai paraa folha de pagamento, 20% paradívidas, mais 5% para outras des-pesas e o orçamento participativofunciona apenas para 5%, ou me-nos, do orçamento de um municí-pio. Quer dizer, o orçamento éparticipativo, mas bem micro.

O próximo ponto é o espaço.Esse espaço é extremamente cor-ruptor por natureza e a prova disso

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é que, em muitas administraçõesmunicipais, vários companheirosnossos que eram militantes, líderesde massa de movimentos sociaisimportantes, entraram para o espa-ço administrativo e o seu padrão devida melhorou, e eles nunca maisvoltaram para o movimento social.O que vemos nas prefeituras, in-clusive nas de esquerda, é o seguin-te: o movimento social chega coma pauta de reivindicação, por exem-plo, queremos casa; e o nosso com-panheiro, que antes era dirigentesindical, vem com a conta, mostraas dívidas e diz que não há dinhei-ro. Ora, se ganharmos uma prefei-tura, um governo de estado ou atéa Presidência da República paraadministrar o que existe, e não fi-zermos desses espaços formas defortalecer os movimentos sociais,de participação popular e de ele-vação do nível de consciência, es-sas estruturas não ajudarão a acu-mular forças para as mudançasprofundas de que necessitamos.Precisamos entender inclusive queo espaço municipal é extremamente

limitado, o desemprego vai conti-nuar mesmo com a Marta Suplicycomo prefeita de São Paulo. Porquê? Porque a macroeconomia nãodepende da prefeita ou da políticado governo de São Paulo, mas depolíticas macroeconômicas. Então,o indivíduo que estava desempre-gado antes de Marta Suplicy assu-mir pode continuar desempregado,sobretudo se não houver esse en-tendimento de que ou combatemosconjuntamente o imperialismo e alógica neoliberal, ou as administra-ções municipais não vão ter futuronenhum e não vão mostrar nada denovo. Se as prefeituras não se so-marem às lutas do partido, dos mo-vimentos sociais, da sociedade nocombate a esse modelo econômi-co, certamente vai ser uma frus-tração, e mais do que isso, não aju-dará absolutamente em nada noacúmulo de forças rumo ao projetode transformação social.

Após toda administração de es-querda frustrada logo vem outra deextrema direita. Isso acontece emtodos os processos. Se não tivermos

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clareza quanto a isso, correremos orisco de um retrocesso político e his-tórico. É possível e temos condiçõesde transformar esses instrumentosem espaços de enfrentamento. Osgovernos de estado também têm querealizar esse enfrentamento, mas oque temos visto são situações nãomuito agradáveis e que não apon-tam muito para essa perspectiva deenfrentamento de classes e do pro-jeto neoliberal.

Sobre o PT, a nossa relação é boa.Temos diferenças, muitas, mas te-mos acordos. Estamos em um mo-mento de crise e é preciso olhar-mos para nós mesmos e reconhe-cer isso. O apresentador de televi-são Ratinho mobiliza mais gente doque todos nós juntos. O [grupomusical] É o Tchan leva mais gen-te para a rua do que nós. Isso éfruto dessa crise, desse problemaque foi analisado hoje. Essa é umacrise também de método e, se nãonos conscientizarmos dessa situa-ção, de que é preciso rever e estu-dar o método, será difícil superar-mos esse momento.

Não é culpa de um ou de outro,não adianta crucificar ninguém. Hácomo construir outro método se nãoformos para o meio do povo? Nãoacredito em receitas, e elas nãoexistem. O método se faz na práti-ca, não tem outro jeito. Mas o cer-to é que precisamos desenvolverum trabalho de base, que é lento,quase personalizado, demorado,mas necessário. Se não tivermosmilitantes fazendo isso, podemosganhar a prefeitura, ou o que maisacontecer, que não conseguiremosmudar a sociedade, porque é pre-ciso organizá-la, desenvolver umprocesso de consciência político-ideológica, se quisermos efetiva-mente transformá-la.

Esse é o nosso desafio, é o cami-nho que temos que percorrer: in-cluir o povo, realizar um trabalhode base, organizar o povo, reerguero movimento de massas, dar umpasso após o outro, até que consi-gamos ascender novamente e fa-zer com que haja uma alteraçãodessa conjuntura e, conseqüente-mente, da estrutura de poder. No

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MST, no PT, na CUT e em todos osmovimentos sociais existem militan-tes revolucionários e em todos exis-tem aqueles que já fizeram a suarevolução pessoal e já não queremmais a transformação social. Dei-xemos de lado esses que não que-rem mais a transformação social evamos pegar aqueles que aindaacreditam que é possível construiro socialismo, que têm um sonho,uma utopia, que ainda se arrepiamcom a vontade de fazer esse novo.Vamos gastar a nossa energia comesses e trabalhar para que efetiva-mente neste novo milênio possamosmudar o Brasil e contribuir paramudar o mundo. Muito obrigado.

Fernando HaddadEm função do tempo disponível,

vai ser impossível responder a to-das as intervenções. Gostaria, en-tão, de resumir a minha fala final noseguinte: acho que o PT deveriaempunhar com mais brio a bandeirado socialismo e que a questão dotrabalho assalariado deve estar naordem do dia, deve ser colocada com

todas as letras no programa do par-tido, mostrando que não pouparemosesforços para permitir àqueles quedesejam uma outra forma de orga-nização da produção que tenham,não uma esmola do Estado, masapoio dos sistemas estatais nacio-nais, para começar a empreender.

Há uma dimensão econômica dosistema tributário, do sistema decrédito e do sistema de inovaçãoque diz respeito à questão do de-senvolvimento econômico. Há aquestão social desses três sistemas,que diz respeito à questão da justi-ça distributiva. Os sistemas tribu-tário, de crédito e de inovaçãotecnológica precisam ser encaradosdo ponto de vista político. É assimque um partido de trabalhadorespoderá colocar à disposição as fer-ramentas para uma formação jáinformada previamente do que seráum governo dos trabalhadores emobilizar esses mecanismos na di-reção da sua emancipação.

Ricardo, entendo você não con-seguir vislumbrar uma cooperativado tamanho de uma GM porque

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você nunca viu isso, nem eu, masse você não acredita que os traba-lhadores possam organizar umaúnica empresa com as próprias per-nas é o caso de abandonar o socia-lismo, porque o socialismo é a or-ganização da economia inteira embases solidárias. Se não conseguir-mos organizar uma única empresaem bases solidárias, desistamos doprojeto. Eu estou convencido de queesse é o caminho.

Nós temos que ir pela força, nãopelo exemplo, mas hoje temos nasociedade uma contradição que édas mais interessantes: é a primei-ra vez na história, talvez da huma-nidade, que se sabe que o conheci-mento não está nas mãos da classedominante. A classe dominante setornou parasitária até desse pontode vista; quando Marx louvou aclasse dominante por empreendera revolução dos meios de produção,não pôde enxergar que essa tarefaseria incumbência dos próprios do-minados. Hoje uma parcela dessaclasse dominada detém o conheci-mento e alguns se organizariam em

outras bases se fossem convidadosa refletir sobre a sua condição.

Por exemplo: existe a Microsoft,com seu sistema operacionalonipresente, o Windows. Mas exis-te também o Linux, um sistemaoperacional que concorre com oWindows, criado por um finlandêschamado Linus Torvalds, que é de-senvolvido de uma maneira coleti-va, improvisada, eu diria, e descen-tralizada, e ele é aberto dentro darede mundial. Se as pessoas queorganizam o Linux, de uma formacompletamente anárquica, e revo-lucionária porque anárquica, fossemconvidadas a participar de um em-preendimento para informatizaruma cooperativa de trabalhadores,por que não o fariam, se fazem algomuito mais complexo do que o queseria pedido? Ou seja, se a coope-ração é possível até no plano dodesenvolvimento dos sistemas, porque ficamos com temores de nosaproximar da classe científica, dosengenheiros, dos consultores, dostecnólogos que estão desenvolven-do esses sistemas, e que são assa-

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lariados? Tudo bem, é um assala-riamento diferente, eles se benefi-ciam de lucros extraordinários, massão assalariados. Agora, eles têmque se aproximar das outras cama-das sociais, tanto das forças pro-dutivas que estão aí empregadasquanto daqueles que nem empregotêm. Mas isso é papel de um parti-do socialista, e esse papel nós nãoestamos cumprindo.

Quando se fala em sindicato, nósnão conseguimos sequer nos orga-nizar em bases nacionais, como oSindicato Nacional dos Metalúr-gicos, quando na verdade devería-mos estar pensando em nos orga-nizar em bases internacionais outransnacionais. O sindicato de em-presa deveria ser um sindicato mun-dial. Ouço isso desde a década de1980. Fúlvio Abramo foi à Facul-dade de Direito, quando eu era ca-louro, e falou: “O mundo está mu-dando, nós precisamos pensar nosindicato de empresa”. Por exem-plo: o sindicato dos trabalhadoresda Nike, onde quer que eles este-jam, o sindicato de trabalhadores da

Volkswagen, onde quer que elesestejam, os terceirizados inclusive,uma central sindical do Mercosul,ou de organizações como a ALCA,ou a União Européia. Estamos tí-midos diante dos desafios e das di-ficuldades. Por quê? Porque cho-ramos o leite derramado do stali-nismo e da social-democracia, quenão é o leite que nós tomávamos, eque nem faz tão bem assim para asaúde. Vamos pensar para a fren-te, está faltando ousadia.

Não existe movimento social deesquerda sem generosidade indivi-dual, sem desprendimento. Ficarpensando em cargos, em renda, nis-so ou naquilo quando se tem desa-fios pela frente é muito miúdo.Estamos em uma lógica de quemganha o quê, temos que escapardessa lógica da velha sociedade ci-vil burguesa lá do século XVIII, o queenvolve muita abdicação. É preci-so ter em mente que quando umprofessor da universidade ou um lí-der do movimento social está abrin-do mão às vezes de lazer, de renda,de um emprego melhor, do que quer

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que seja, para formular idéias parao movimento social, para conscien-tizar pessoas desprovidas de conhe-cimento básico para se inserir naeconomia, esses indivíduos estãotentando ser mais generosos do quea média, estão tentando fazer algo.Sem esse elemento também não va-mos em frente.

O PT precisa ousar um poucomais, escrever no seu programa aque veio. Isso precisa ser contadoe explicado para a população. Otrabalho assalariado precisa ser onosso foco de atenção. O progra-ma do partido deve dizer que elevai mobilizar todos os esforços parafazer com que a população que as-sim deseje supere esse estágio in-ferior de civilização. É isso que pre-cisamos escrever na bandeira dopartido, e não precisamos ter vergo-nha disso porque não é possível quealguém se orgulhe tanto de um em-prego. Só que estamos tão subem-pregados ou desempregados queesquecemos disso. Mas o empre-go não é isso tudo, ele é despótico,nos sujeita a ciclos irracionais, a to-

das as mazelas. Precisamos ter acoragem de dizer tudo isso. Pode-se perder um voto ou outro aqui,hoje, mas vamos ganhar muitosvotos amanhã. Obrigado.

Ricardo AntunesVou fazer um pequeno reparo a

uma referência que FernandoHaddad fez a mim, pois acho que éimprocedente, e, ao mesmo tempo,reiterar as concordâncias com ele.

Concordo plenamente com o de-poimento do Gilmar Mauro sobreas cooperativas, por tudo o que elenos reproduz da cotidianidade des-sa experiência viva que o MST estáfazendo hoje e pelo projeto que elecoloca. Concordo também comPaul Singer, que [a cooperativa] éuma escola do socialismo, mas elesabe também, e muito melhor doque eu, por sua própria experiên-cia, que as tentativas de revoluçãono século XX, com poucas exce-ções, fracassaram e nós temos queentender por quê. Entra aí a ques-tão da dimensão, desde a espacialaté a territorial, de como se muda

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essa forma da economia e da so-ciabilidade. Concordo com PaulSinger e Fernando Haddad sobreo sentido positivo que a cooperati-va tem como dimensão autônomado trabalho.

Resta um desafio, para o qualnão tenho resposta, e não estou sa-tisfeito com as respostas presen-tes. Como esse desenho de cons-trução autônoma de resistência,como disse Gilmar Mauro, poderásuperar essa lógica destrutivamundial do capital? Será possívelfazê-lo somente através da amplia-ção das cooperativas?

Superar essa lógica do sistemaglobal do capital me parece muitomais difícil e complexo do que ima-ginávamos em 1917 na RevoluçãoRussa, em 1949 na Revolução Chi-nesa ou em 1959 na Revolução Cu-bana. Essa é uma questão que per-manece e a que ainda não conse-guimos responder. É um desafiopara todos os socialistas e antica-pitalistas: pensar, com generosida-de, com plena convicção, que te-mos que ouvir o outro, mas fazê-lo

verdadeiramente, aprender nessedebate e tentar, no século XXI, fa-zer o que recentemente um belo in-telectual, recentemente falecido,Daniel Singer – fica aqui uma pe-quena homenagem a ele –, escre-veu em um livro de 1999: “O próxi-mo milênio: será nosso ou será de-les?”. Esse é o desafio que nós te-mos. Para isso a experiência dascooperativas nos ajuda muito. Masa transição socialista, para além docapital, nos remete a um conjuntode problemas muito mais profundo.

O meu reparo à afirmativa deFernando Haddad é porque eu res-peito enormemente a autonomia dostrabalhadores. Acredito vivamentenela e tenho atuado há 30 anos juntoaos trabalhadores, aos sindicatos eaos movimentos sociais. E, dessaexperiência, creio vivamente que te-mos avançado, tanto na reflexãocomo nas experiências concretas,como é o caso exemplar do MST. Eessa experiência de construção co-tidiana dos trabalhadores é, em mi-nha opinião, muito mais rica do quea das lutas institucionais.

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Por isso este debate sobre socia-lismo é especialmente importantepara os trabalhadores. Eles querem,pedem e fazem este debate porqueolham o século XXI e questionam:por que essa barbárie continua?

Encerro deixando o desafio depensar de quem será este século,deles ou nosso. Estamos em umanova fase das lutas sociais. A déca-da de 1980 foi marcada, no cenáriointernacional, por um pouco de re-signação, um pouco de desencanto,um pouco de paralisia. Foram anosavassaladores. Margareth Thatcherdizendo que não existia alternativaa não ser o neoliberalismo; RonaldReagan, Helmut Kohl. Depois oneoliberalismo entrou brutalmente naAmérica Latina e no Brasil. Essa si-tuação mudou na década de 1990.Está havendo uma retomada das lu-tas sociais: Seattle, Praga, Quebec.Não há um encontro da OMC [Or-ganização Mundial do Comércio], doFMI [Fundo Monetário Internacional]ou de qualquer um desses organis-mos internacionais dos capitais glo-bais que não encontre franca oposi-

ção. Esse é o desafio que nos colo-camos, e ele retoma o debate, a vi-talidade e a contemporaneidade dosocialismo. Obrigado.

Gilmar CarneiroSobre a existência de sindicatos

por empresa em âmbito mundial, ci-tada por Fernando Haddad, ela éuma realidade. O diretor do Sindi-cato dos Metalúrgicos do ABC é dacomissão mundial da Volkswagen.As grandes multinacionais já se or-ganizam internacionalmente. NoMercosul existe a Coordenadoria doCone Sul, na qual a CUT e SilviaPortela sempre tiveram um papelmuito importante, mas nessa conjun-tura isso aparece pouco. A questãodas organizações internacionais estáse revertendo agora porque a pre-sença das centrais sindicais é fun-damental para mobilizar tudo isso.

Agora aparece uma outra pau-ta, inspirada pela contribuição dePaul Singer, que é a articulação dosocialismo com a questão da soli-dariedade, da qualidade de vida edessa visão pedagógica que Gilmar

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Mauro ponderou nas experiênciasdo MST. Esse é o grande salto davisão do socialismo moderno: a ci-dadania e a qualidade de vida.

Quanto às nossas prefeituras,creio que, por mais que tenham di-ficuldades, todas elas contribuem,em maior ou menor grau, para osocialismo democrático. Apesar daestrutura, no caso das prefeituras,estamos aprendendo a dar peque-nos saltos que vão revertendo oquadro atual. Estive em Itabuna, naBahia, com Geraldo Simões, e foilindíssimo: havia 500 pessoas emum plenário para discutir o Bancodo Povo e a economia solidária,desde o superintendente da CaixaEconômica Federal, representantesde várias prefeituras, até o pessoaldo PFL pedindo autorização paraSimões para participar do seminá-rio porque também queria discutireconomia solidária nas prefeituras.

Quando citei aqui BenjaminSteinbruch, foi por uma indicação doAloizio Mercadante, antes daprivatização. O argumento queSteinbruch usou, que achei ótimo, foi

o seguinte: “Vou ajudar porque lidarcom drogas não é fácil. Educar émais fácil do que reverter a questãoda droga”. Esse foi o argumento queele usou para ajudar a construir, juntocom o Sindicato dos Bancários emdezembro de 1995, o Projeto Tra-vessia. Antes das privatizações elenão tinha Vale do Rio Doce, CSN

[Companhia Siderúrgica Nacional],tinha apenas o Grupo Vicunha. Es-sas pequenas contribuições possibi-litaram que muitas pessoas saíssemdas ruas e das drogas.

Muitas vezes, em nome do socia-lismo, nos enrijecemos e deixamosde ser solidários nas pequenas coi-sas. A Pastoral da Criança, queatende entre 600 mil e 1 milhão depessoas por mês, por mais que te-nha a sua ortodoxia religiosa, fazmuito mais do que quem fica só pre-gando o socialismo e não põe a mãona massa para as contribuições so-lidárias concretas. O socialismo doséculo XXI é mais humano, mais so-lidário do que essa visão maniqueístada luta de classes do ponto de vistada guerra permanente.

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105SOCIALISMO EM DISCUSSÃO

Sobre os autores

Fernando Haddad, 40 anos, é formado em Direito pela São Francis-co (USP). Obteve, pela mesma Universidade, os títulos de mestre emEconomia e doutor em Filosofia. Leciona Teoria Política no Departa-mento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e CiênciasHumanas (FFLCH-USP).

Gilmar Carneiro é coordenador da área de crédito da ADS – Agên-cia de Desenvolvimento Solidário da CUT, representante da CUT noConselho de Administração do BNDES, membro do Comitê ExecutivoMundial da UNI – Union Network International (federação internacio-nal dos trabalhadores na área de serviços), secretário de relações in-ternacionais da CNB – Confederação Nacional dos Bancários da CUT,membro do Comitê Nacional da ABDL – Associação Brasileira de De-senvolvimento de Lideranças em Meio Ambiente e diretor da Coope-rativa de Crédito dos Bancários de São Paulo. Foi presidente do Sindi-cato dos Bancários de São Paulo e secretário-geral nacional da CUT.Formado em Administração de Empresas pela Fundação GetúlioVargas de São Paulo.

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Ricardo Antunes é professor titular de Sociologia no Instituto de Filo-sofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (Unicamp) eVisiting Research Fellow na Universidade de Sussex (Inglaterra). É au-tor, dentre outros, de Os sentidos do trabalho (Boitempo, 6a edição) eAdeus ao trabalho? (Cortez/Unicamp, 8a edição, também publicado naItália, Argentina, Venezuela e Colômbia). É coordenador da ColeçãoMundo do Trabalho (Boitempo).

Gilmar Mauro é agricultor e membro da Direção Nacional do MST.

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26 de março – Perspectivas que a vitória das es-querdas nas eleições municipais de 2000 abre à cons-trução do socialismo

Expositor: Luiz Inácio Lula da Silva (Presidente deHonra do PT)

Comentadores: Marta Suplicy (prefeita de São Pau-lo), Raul Pont (ex-prefeito de Porto Alegre) e LuizDulci (presidente da Fundação Perseu Abramo)

9 de abril – Perspectivas que o desenvolvimentolocal e a distribuição de renda abrem à construção dosocialismo

Expositor: Celso Daniel – prefeito de Santo AndréComentadores: Ladislau Dowbor (professor da PUC-

SP), Marina da Silva (senadora pelo Acre) e MiguelRossetto (vice-governador do Rio Grande do Sul)

23 de abril – O orçamento participativo como um dospressupostos políticos da construção do socialismo

Expositor: Olívio Dutra – governador do Rio Gran-de do Sul

Comentadora: Maria Victoria Benevides (profa. daUSP e da Escola de Governo)

7 de maio – Papel dos sindicatos e cooperativasante as mudanças nas classes sociais e suas lutas, naperspectiva do socialismo

Expositor: Fernando Haddad – professor da USPComentadores: Gilmar Mauro (dirigente nacional do

MST), João Felício (presidente nacional da CUT) eRicardo Antunes (professor da Unicamp)

21 de maio – A luta pela terra e a organização dosassentamentos como contribuição para a construçãodo socialismo

Expositor: Plínio de Arruda Sampaio – ex-deputadofederal e consultor da ONU

Comentadores: José Graziano da Silva (professorda Unicamp)

4 de junho – Perspectivas que a revoluçãomicroeletrônica e a internet abrem à luta pelo socialismo

Expositor: Laymert Garcia – professor da UnicampComentadores: Bernardo Kucinski (professor da

USP), Maria Rita Kehl (psicanalista) e Walter Pinheiro(líder do PT na Câmara dos Deputados)

18 de junho – Alternativa socialista ante aglobalização financeira

Expositor: Reinaldo Gonçalves – professor da UFRJComentadores: João Sayad (secretário de Finan-

ças de São Paulo), Ronald Rocha (dirigente nacionaldo PT) e Tânia Bacelar (secretária de Planejamentode Recife)

Programa do segundo ciclo de seminários Socialismo eDemocracia realizados no primeiro semestre de 2001

Os seminários foram promovidos pelo Instituto Cidadania, pela Fundação Perseu Abramoe pela Secretaria Nacional de Formação do Diretório Nacional do PT

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Leia também da coleção

1o ciclo

Globalização e socialismoMaria da Conceição Tavares, Emir Sader e Eduardo Jorge

Classes sociais em mudança e a luta pelo socialismoFrancisco de Oliveira, João Pedro Stedile e José Genoíno

Economia socialistaPaul Singer e João Machado

O indivíduo no socialismoLeandro Konder e Frei Betto

Instituições políticas no socialismoTarso Genro, Edmílson Rodrigues e José Dirceu

2o ciclo

Orçamento participativo e socialismoOlívio Dutra e Maria Victoria Benevides

Poder local e socialismoCelso Daniel, Maria Silva, Miguel Rossetto e Ladislau Dowbor

Socialismo e globalização financeiraReinaldo Gonçalves, João Sayad, Ronald Rocha e Tânia Bacelar

Revolução tecnológica, internet e socialismoLaymert Garcia dos Santos, Maria Rita Kehl, Walter Pinheiro e Bernardo Kucinski

Socialismo em discussão


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