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VARVARA STEPANOVA EM EXPOSIÇÃO: DESCRIÇÃO E ANÁLISE ...€¦ · 1- Exposição e Catálogo...

Date post: 05-Jul-2020
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VARVARA STEPANOVA EM EXPOSIÇÃO: DESCRIÇÃO E ANÁLISE PARCIAL DO CATÁLOGO AMAZONS OF THE AVANT-GARDE Tatiane Rebelatto Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC [email protected] Resumo: Esta proposta de comunicação é uma descrição e análise parcial do catálogo da exposição Amazons of the Avant-Garde: Alexandra Exter, Natalia Goncharova, Liubov Popova, Olga Rozanova, Varvara Stepanova, e Nadezhda Udaltsova. Nesta análise pretende-se destacar algumas partes para a compreensão do contexto em que foi criado este catálogo. Além de entender o perfil que foi atribuído a artista Varvara Stepanova, objeto de estudo. A partir disso, pode se perceber que o fazer artístico da artista russa estava condicionado ao Construtivismo. Além disso, percebe-se que os curadores objetivavam demonstrar, através de produções de artistas mulheres, as mudanças que a arte moderna russa sofreu, valorizando a criatividade das mulheres vindas de um contexto em que não eram notadas. Palavras-chave: Varvara Stepanova; Construtivismo; imagens. Introdução A partir da iniciativa de uma rede de museus, chamada Fundação Guggenheim foi possível conhecer algumas produções de seis artistas mulheres da Rússia, que entre o final do século XIX e início do século XX, participaram de grupos que almejavam uma renovação cultural. A fundação promoveu de 1999 a 2001 uma exposição itinerante que passava por quatro instituições museológicas. Além da exposição a fundação criou um catálogo que acompanhava a mostra. Este catálogo foi feito no decorrer de cinco anos de pesquisa, desenvolvida por três curadores especialistas em arte moderna russa. Ele conta com ensaios sobre diferentes temas ligados às artistas mulheres e com um capítulo dedicado a cada artista que contém reproduções fotográficas de cada obra exposta. Uma das intenções desta exposição e do catálogo era mostrar as notáveis e criativas produções desenvolvidas por mulheres no Oriente. Muitas das obras expostas estavam sendo exibidas pela primeira vez no Ocidente.
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Page 1: VARVARA STEPANOVA EM EXPOSIÇÃO: DESCRIÇÃO E ANÁLISE ...€¦ · 1- Exposição e Catálogo Amazons of the Avant-Garde: Alexandra Exter, Natalia Goncharova, Liubov Popova, Olga

VARVARA STEPANOVA EM EXPOSIÇÃO: DESCRIÇÃO E ANÁLISE

PARCIAL DO CATÁLOGO AMAZONS OF THE AVANT-GARDE

Tatiane Rebelatto

Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC

[email protected]

Resumo: Esta proposta de comunicação é uma descrição e análise parcial do catálogo

da exposição Amazons of the Avant-Garde: Alexandra Exter, Natalia Goncharova,

Liubov Popova, Olga Rozanova, Varvara Stepanova, e Nadezhda Udaltsova. Nesta

análise pretende-se destacar algumas partes para a compreensão do contexto em que foi

criado este catálogo. Além de entender o perfil que foi atribuído a artista Varvara

Stepanova, objeto de estudo. A partir disso, pode se perceber que o fazer artístico da

artista russa estava condicionado ao Construtivismo. Além disso, percebe-se que os

curadores objetivavam demonstrar, através de produções de artistas mulheres, as

mudanças que a arte moderna russa sofreu, valorizando a criatividade das mulheres

vindas de um contexto em que não eram notadas.

Palavras-chave: Varvara Stepanova; Construtivismo; imagens.

Introdução

A partir da iniciativa de uma rede de museus, chamada Fundação Guggenheim

foi possível conhecer algumas produções de seis artistas mulheres da Rússia, que entre

o final do século XIX e início do século XX, participaram de grupos que almejavam

uma renovação cultural. A fundação promoveu de 1999 a 2001 uma exposição

itinerante que passava por quatro instituições museológicas. Além da exposição a

fundação criou um catálogo que acompanhava a mostra. Este catálogo foi feito no

decorrer de cinco anos de pesquisa, desenvolvida por três curadores especialistas em

arte moderna russa. Ele conta com ensaios sobre diferentes temas ligados às artistas

mulheres e com um capítulo dedicado a cada artista que contém reproduções

fotográficas de cada obra exposta. Uma das intenções desta exposição e do catálogo era

mostrar as notáveis e criativas produções desenvolvidas por mulheres no Oriente.

Muitas das obras expostas estavam sendo exibidas pela primeira vez no Ocidente.

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Desse modo, o objetivo deste estudo é apresentar uma descrição e análise parcial

do catálogo. Destacando algumas partes como, por exemplo, a forma e a intenção que

esta exposição foi feita, o perfil da instituição promotora e também destacar o capítulo

sobre a artista construtivista Varvara Stepanova, pois esta é o objeto de estudo. No

capítulo desta artista faz se uma breve análise das imagens, tentando compreender

através dela que sentido os organizadores do catálogo atribuem a artista. Além disso, a

partir destas imagens será possível ver como era o fazer artístico da artista.

Tendo como uma das principais fontes, este catálogo para a pesquisa sobre a

artista Varvara Stepanova, considera-se importante descrever e analisar as partes que

compõem esta produção e analisar as reproduções fotográficas. É preciso expor,

desmontar as partes deste catálogo para poder compreender parte do modo como a

artista produziu e esteve envolvida com a vanguarda e, sobretudo de que modo ela é

exibida no Ocidente. Torna-se necessário perceber nas reproduções fotográficas as

memórias, os outros tempos que existe em seu presente. Didi-Huberman (2008) que

analisou, desmontou o diário de trabalho de Brecht, aponta alguns caminhos para se

pensar em uma análise, montagem e o papel da imagem, ele diz que “as anacronias e as

heterocronias de cada momento da história devem ser expostas para assim conseguir ver

e construir um conhecimento histórico”. Para ele é preciso antes desmontar, expor as

singularidades, as diferenças, o presente impuro para depois conseguir montar algo, e

nisso se dá em um processo de montagem. Ele ainda diz “A montagem corta as coisas

habitualmente reunidas e conecta as coisas habitualmente separadas” (ibid, p. 159).

1- Exposição e Catálogo Amazons of the Avant-Garde: Alexandra Exter, Natalia

Goncharova, Liubov Popova, Olga Rozanova, Varvara Stepanova, e Nadezhda

Udaltsova e a Fundação Guggenheim.

Entre julho de 1999 e janeiro de 2001, a produção artística de seis mulheres

russas era um dos destaques da Fundação Guggenheim. Foi uma mostra que expôs parte

da produção artística de seis artistas russas, que atuaram no período entre final do século

XIX e início do século XX. As artistas que participaram desta exposição transitaram em

diferentes movimentos artísticos, experimentando e debatendo sobre novas formas de

representação. A exposição “celebra a evolução da pintura moderna russa da década de

1900 até o início dos anos 1930 exemplificado por seis artistas que estiveram no centro

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dessa história” (DRUTT, 1999, p. 13, tradução nossa). É uma mostra que reúne as mais

notáveis produções artísticas produzidas na época por mulheres. Segundo o mesmo

autor, “muitas das obras foram emprestadas por instituições russas, algumas apareceram

no Ocidente pela primeira vez desde o início do século XX” (ibid., p. 14, tradução

nossa).

A instituição promotora desta mostra, a Fundação Guggenheim – que é formada

por uma rede de museus, Deutsche Guggenheim em Berlim; Peggy Guggenheim

Collection em Veneza; Museum Guggenheim Bilbao na Espanha e Solomon R.

Guggenheim em New York – juntamente com a Royal Academy of the Arts de Londres,

expuseram no decorrer de três anos esta mostra. Sob a curadoria de três especialistas:

Jonh E. Bowlt1, Matthew Drutt2 e Zelfira Tregulona3, diretora da galeria Tretiakov, em

Moscou – a exposição ocorreu da seguinte maneira: de 10 de julho a 17 de outubro de

1999 foi exposta no Museu Deutsche Guggenheim de Berlim; de 10 de novembro de

1999 a 6 de fevereiro de 2000 esteve na Royal Academy of the Arts em Londres; de 29

de fevereiro a 28 de maio de 2000 foi exposta no Museum Peggy Guggenheim

Collection em Veneza; de 12 de junho a 3 de setembro também de 2000 foi exposta no

Museum Guggenheim de Bilbao e a última exposição ocorreu de 14 de setembro a 10

de janeiro de 2001 no Museum Solomon R. Guggenheim em New York.

A Fundação Guggenheim desde o seu surgimento esteve envolvida com a arte

das vanguardas. O fundador da instituição, Solomon R. Guggenheim, auxiliado por uma

escritora e artista alemã Hilla Rebay, adquiriu inúmeras obras de seu tempo, de artistas

como: Vasily Kandinsky , Paul Klee, Marc Chagall, Robert Delaunay e László Moholy-

Nagy . Por volta de 1929 e 1930 ele comprou cerca de 150 obras de Kandinsky, as quais

manteve em seu apartamento em New York. Neste período, ele fez algumas exposições

pequenas para um público reduzido, posterior a artista que auxiliava Solomon, também

organizou uma exposição chamada: Solomon Guggenheim Collection R. das pinturas

Não-Objetivas, a qual percorreu alguns locais dos EUA. O primeiro museu desta

fundação recebeu o nome desta exposição: Museu de Pinturas Não-Objetivas. Já na

1 Professor de línguas eslavas e de literatura na University of Southern Califórnia e Los Angeles. 2 Foi também curador da exposição: Kasimir Malevich: Suprematismo no Deutsche Guggenheim Berlin

em 2003. Ganhou o prêmio: Melhor Organizador Nacionalmente Monográfico de Exposições da

Associação Internacional de Críticos de Arte. 3 Ex-vice-chefe dos museus Kremlin, também situado em Moscou. Realizadora de exposição de arte russa

em Roma, Londres e Nova York.

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década de 40, quando a fundação contava com mais de 600 obras e estava mais

consolidada, em Londres a sobrinha de Solomon, Peggy Guggenheim abriu uma galeria

também com obras de artistas modernistas, e com a ajuda de Marcel Duchamp4,

começou a formar a sua própria coleção de arte abstrata e surrealista. Posteriormente em

1949 adquiriu obras de artistas cubistas e abriu o Museu Peggy Guggenheim em

Veneza.

Neste mesmo ano, depois da morte do fundador e devido a guerra, as

construções do museu em New York atrasaram até 1952, ano que o museu é rebatizado,

recebendo o nome de Museu Solomon R. Guggenheim, em homenagem ao seu

idealizador Solomon. Somente em 1959 é que o Solomon R. Guggenheim Museum é

inaugurado em New York e abre as portas para o público.

Na década de 90 a Fundação Guggenheim assinou um acordo na Espanha para

fundar outro museu e 1997 esse acordo se concretizou com a abertura da instituição.

Neste mesmo ano a fundação forma uma parceria com um banco alemão, Deutsche

Bank e abrem um museu em Berlim. A Alemanha desde o início teve importância para a

fundação, pois foi deste lugar que a família Guggenheim e o primeiro diretor do Museu

Guggenheim saíram, indo para Nova York. Depois de estabelecida a parceria com o

Banco Deutsche, o mesmo passou a patrocinar publicações como a do catálogo da

exposição das seis artistas russas, assim como outras exposições que passaram por esse

museu.

O que se percebe dessa fundação é que desde a sua criação os idealizadores

estavam atentos à arte do seu tempo, a arte moderna das vanguardas. Percebe-se um

compromisso com a arte desse período e de diferentes nacionalidades. A época em que

esta exposição foi realizada, era um período em que a fundação estava consolidada, já

contava com quatro museus em diferentes locais da Europa e do EUA, além das

parcerias com o banco alemão e outras instituições museológicas. Essa exposição das

mulheres vanguardistas surgiu logo após a outras duas exposições de arte russa, são

elas: Art of the Avant-Garde in Rússia: selections the George Costakis5 Collection, de

1981, a qual também acompanha um catálogo e The Great Utopia: The Russian and

Soviet Avant-Garden 1915-1932, esta foi uma publicação de 1992. Estas exposições

4 Artista que se destacou nos movimentos Dadaísmo e Surrealismo, principalmente com a invenção dos

ready made. 5 Colecionador de obras de artistas russos.

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pesquisadas foram o primeiro impulso, apontaram caminhos para que em 1999 iniciasse

a exposição das produções das mulheres. De acordo com Drutt (1999, tradução nossa)

“esta exposição ocorreu depois de cinco anos de planejamento e pesquisa, reunião

cuidadosa de mais de setenta pinturas selecionadas e desenhos de coleções públicas e

privadas internacionais”.

O catálogo desta exposição é um meio de resguardar toda essa cuidadosa e

elaborada pesquisa de cinco anos. Foi publicado pela Guggenheim Museum

Publications de New York e impresso pela GZD da Alemanha, com o patrocínio do

Banco Deutsche primeiramente na língua inglesa, posteriormente foi traduzido para o

russo, italiano, alemão e espanhol. Esta produção conta com seis ensaios de

pesquisadores sobre diferentes pontos de vistas da arte dessas mulheres, um capítulo

para cada uma das artistas, seguido da reprodução fotográfica de cada obra que foi

exposta e na parte final no catálogo há documentos escritos pelas próprias artistas, como

por exemplo, no caso da artista Varvara Stepanova são poesias.

Os ensaios do catálogo são: Women of Genious escrito por Jonh E. Bowlt, Six

(and e few more) Russian women of the Avant-Garde together por Charlotte Douglas,

Between old and new: russia’s modern women por Laura Engelstein6, Gender Trouble

in the amazonian Kingdom: Turn-of-the-century representations of women in Russia

escrito por Olga Matich7, Dressing up and dressing down: the body of the avant-garde

por Nicoletta Misler8 e o ensaio de Ekaterina Dyogot9 Creative Women, creative men,

and paradigms of creativity: why have there been great women artist?

Este catálogo comparado com outro como o Art of the Avant-Garde in Russia:

selections from the George Costakis Collection, que também aborda os movimentos de

vanguarda na Rússia, segue um modelo específico. Os organizadores preocuparam-se

em abordar os movimentos de vanguarda através das produções de mulheres artistas,

além de se deterem somente nas pinturas e desenhos. A maneira como a produção de

cada artista foi abordada é diferente, cada qual é sobre um assunto. A quantidade de

obras que aparece no catálogo também é diferente. Varvara é uma das artistas que mais

6 Professora de história com pesquisas sobre a Rússia. 7 Professora de línguas e literaturas eslavas da Universidade da Califórnia. 8 Professora de História da Arte Moderna na Europa Oriental no Departamento de Estudos do Leste

Europeu Instituto Universitário Orientale de Nápoles. Organizou várias exposições no exterior de artistas

russos como: Chagall, Malevich, Kandinsky. 9 Crítica e teórica de arte, formada pela Universidade Estadual de Moscou.

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apresenta obras, são 19 pinturas, Luibov Popova tem 14 obras, Alesandra Ekster,

apresenta 12 obras, Olga Rozanova, 13, Natalia Gonchavona possui 16 e Nadezhda

Udaltsova tem 16. As datas das obras correspondem aos anos de 1907 até 1923. “As

reproduções que seguem, cada um dos ensaios são organizados em ordem cronológica:

no entanto, não pretende sugerir que em um determinado ano existiu um tipo de pintura

definitiva precedida ou seguida de outra” (DRUTT, 1999, p. 16, tradução nossa).

Alguns aspectos do catálogo são organizados da mesma maneira para todas as artistas,

exemplo disso, é o início de cada capítulo que iniciam com uma foto de cada artista. Algumas

destas fotografias aparentam ser de quando as artistas eram mais jovens. A maioria das obras

são de grandes dimensões e suas legendas apresentam a mesma ordem de informações:

o nome da artista, o nome da obra, o ano, a técnica, as dimensões e a quem pertencem.

Percebe-se a tentativa de se ter uma padronização, deixando todas as artistas em uma

mesma igualdade.

Além da iniciativa de criar um catálogo, a Fundação Guggenheim e o Deutsche

Guggenheim Berlim, organizaram uma mostra de filmes sobre as vanguardas russa, no

mesmo ano de início da exposição, no Arsenal10 Cinema. “Amazons of the Avant-

Garden at the movies” era realizada toda a sexta-feira às 19:00 horas de 03 de setembro

até 15 de outubro de 1999. De acordo com a nota jornalística que está disponível no site

do Museu Deutsche Guggenheim, “eram filmes com diretores do sexo feminino da

Rússia e da União Soviética da década de 20 e início da década seguinte”. Além disso,

“a série de filmes contará com obras da vanguarda russa-soviética das várias tendências

de arte, tais como a escola de Lev Kuleshov, o inventor da montagem”.

1.1- Capítulo Varvara Stepanova

O capítulo sobre Varvara Stepanova é o penúltimo e inicia com o ensaio escrito

por Alexander Lavrentier, o mesmo autor que escreveu um livro sobre toda a produção

da artista, chamado: Varvara Stepanova – A Constructivist life. Dentre as artistas do

catálogo Stepanova representa a vanguarda construtivista. Ela iniciou seus estudos de

artes em Kásan e depois se mudou para Moscou, juntamente com Alexander Rodchenko

10 Instituto de Cinema e Vídeo Arte em Berlim.

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– que depois tornou-se artista construtivista e marido da Varvara. Em Moscou estudou

na escola de Artes aplicadas de Stroganov em 1914. Na década de 20 após a Revolução

Russa, participou do Inkhuk, um centro onde eram produzidos textos, desenhos,

materiais de divulgação para debater sobre a arte em Moscou. Posteriormente ela

trabalhou com sua amiga Luibov Popova11 na primeira fábrica de estampas em tecido de

Moscou, na qual desenvolveu projetos para vestuário como estampas e roupas de

esporte. Neste mesmo ano, em 1925 trabalhou como docente no ateliê de têxteis da

instituição Vhkutemas12. Nos anos seguintes ela também desenvolveu cenários e

figurinos para teatro. Além destas produções ela confeccionou materiais para

propaganda de revistas e ilustrações. Charlotte Douglas (1999, tradução nossa) disse:

“que a pintura era apenas uma faceta da produção criativa das artistas (que também

incluem cenografia e têxtil, entre outras disciplinas)”. No catálogo essas produções não

são contempladas, somente alguns projetos aparecem no decorrer do texto, como foi o

caso dos projetos de esportes de Stepanova, que apareceram no corpo do texto.

O ensaio sobre a Varvara é organizado de uma forma que condiz com a ordem

das obras que estão no final do capítulo. Tanto o texto quanto as obras seguem uma

ordem cronológica. O texto traz produções e fatos ocorridos entre 1918 e 1921.

Algumas poucas obras que aparecem no texto são posteriores a 1921. Dentre as artistas

deste catálogo, Stepanova é a mais nova, pertence a uma geração de artistas de

vanguarda mais tardia, seu período de maior produção foi entre 1918 a 1925, enquanto

que nesse período algumas artistas já haviam falecido, como Luibov Popova em 1924 e

Olga Rozanova em 1918.

1.1.1 - As obras expostas e as respectivas imagens no catálogo

O autor do ensaio sobre Stepanova se deteve em dois conceitos: “análise” e

“síntese”. Por meio destes termos demonstrou obras que corresponderiam a tais

conceitos. O começo de sua carreira foi marcada pelas poesias Não-Objetivas. São as

primeiras dez obras, as quais representam a “análise”.

11 (1889-1924) Suas produções são reconhecidas como Cubo-Futuristas, Futuristas e Construtivistas. 12 Ateliês Superiores Técnico-Artísticos Estatais.

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Figura 1 – Ilustrações da poesia “Rtnr Khomle”, 1918.

FONTE: CATÁLOGO AMAZONS DO AVANT-GARDE, 1999

Figura 2 – Ilustrações da poesia “Zigra Ar”, 1918.

FONTE: CATÁLOGO AMAZONS DO AVANT-GARDE, 1999

As imagens acima são ilustrações de poesias Não-Objetivas, todas de 1918.

Estas obras possuem as mesmas dimensões, são feitas com a mesma técnica: aquarela,

pertencem a mesma coleção privada, tem proveniência do arquivo da família

Rodchenko-Stepanova de Moscou e participaram da mesma exposição: “Décima

exposição Estadual de 1919 em Moscou. Em algumas delas é possível ver palavras

conhecidas como: Stepanova (em russo), o ano de 1918. Mas a maioria possuem

palavras desconhecidas, as chamadas palavras transracionais, que eram palavras

formadas por uma combinação de palavras e números. Nestas obras, é possível ver um

traço mais orgânico e despreocupado com a rigidez. São formas aleatórias juntamente

com palavras desconhecidas.

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Figura 3 – Obras: “Dancing Figures on White” e “Five Figures on a White Background”, 1920.

FONTE: CATÁLOGO AMAZONS DO AVANT-GARDE, 1999

Figura 4 – Obras: “Figure (Peasant)”, “Figure”, 1921.

FONTE: CATÁLOGO AMAZONS DO AVANT-GARDE, 1999

As imagens das obras acima se remetem a fase “síntese”, são obras de 1920 e

1921. Estas produções diferentemente das ilustrações de poesias, apresentam linhas

rígidas e demonstram a figura humana simplificada. Mas este esquema simplificado foi

desenvolvido a partir de estudos que a artista realizou, sendo possível assim criar seu

próprio modo de representar a figura humana. Além disso, neste período Varvara estava

mais engajada ao movimento construtivista. As formas representavam algumas

características que são defendidas pelo grupo. “Varvara apresentou um tipo universal

de figura humana com uma estrutura lógica, mecanizada [...] demonstrou sua

compreensão da ideia construtivista, buscou princípios anatômicos, por esquemas”

(LAVRENTIER, 1999, p. 244, tradução nossa). Neste estilo geométrico e simplificado

foram expostas nove obras.

1.1.2 - As imagens das obras e seus possíveis sentidos

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“[...] o caçador teria sido o primeiro a “narrar uma história” porque era o único

capaz de ler, nas pistas mudas (se não imperceptíveis) deixadas pela presa, uma série

coerente de eventos” (GINZBURG, 1989, p. 152).

Ginzburg e Didi-Huberman quando analisa cuidadosamente o diário de trabalho

de Brecht, propõem um método para a compreensão de fatos, mas mais ainda para a

compreensão de imagens. Ambos nos sugerem seguir as pistas que a imagem dá, mas

para isso é preciso ter um equilíbrio entre uma olhar puro, desprovido de um

conhecimento determinado e o olhar este, que já possui um conhecimento. Assim,

equilibrando estes olhares podemos fazer montagens de tempos diferentes e diálogos

entre o que vemos e o que temos armazenado em nosso arquivo mental. Ginzburg dizia

sobre o método indiciário de Morelli: “é preciso não se basear, como normalmente se

faz, em características mais vistosas, [...] é necessário examinar os pormenores mais

negligenciáveis, e menos influenciados pelas características da escola a que o pintor

pertencia” (ibid, p. 144). O exercício de olhar para uma imagem é tentar encontrar

pistas, rastros, indícios, aspectos que nos passam despercebidos, mas que se

identificados pode se chegar a algo concreto. Este exercício é de um detetive ou de um

caçador “durante inúmeras perseguições ele aprendeu a reconstruir as formas e

movimentos das presas invisíveis pelas pegadas na lama, ramos quebrados, [...].

Aprendeu a farejar, registrar, interpretar e classificar pistas infinitesimais como fios de

barba.” (ibid. p. 151).

A partir de uma breve descrição/análise – tornou-se difícil estes exercícios, suas

fronteiras são tênues – da exposição, do catálogo, do capítulo da Varvara e das obras

que foram expostas, pode se chegar a algumas primeiras conclusões ou observações. A

partir de uma tentativa de expor as diferenças e predomínios, tentou-se montar algo que

nos levasse a entender a poética de Varvara Stepanova.

O modo como o catálogo foi elaborado condiz até mesmo com a arquitetura dos

prédios dos museus da fundação. Estes são geométricos e as vezes orgânicos, mostram

uma estética moderna e contemporânea. O catálogo comparado a outros é organizado de

tal forma que deixa as seis artistas todas iguais, todas são importantes. O sentido de

autoralidade é afirmado quando os organizadores dedicam um capítulo para cada uma e

quando colocam no início do capítulo uma foto grande da artista que ocupa quase que

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totalmente a página. Com isso deixam ainda mais claro para o leitor de quem eles estão

falando. Estas artistas são tratadas como gênios quando escrevem um artigo com o

título: “Women of Genious”. Nota-se que a preocupação dos organizadores era fazer um

padrão, deixar tudo uniforme e afirmar a autoralidade destas artistas.

Mas comparando esta estrutura que o catálogo apresenta com a estrutura e/ou

sentido que parte das obras da Stepanova apresentam, é um sentido diferente. Fora do

catálogo, o sentido que o primeiro grupo de obras que foram expostas apresenta é

também de autoralidade. Estas ilustrações de poesias possuem um traço diferente e em

alguns casos Varvara pinta o seu próprio nome, indicando a autoria. Mas no segundo

conjunto de obras o sentido é de não autoralidade. São obras de um período em que a

artista estava engajada com o Construtivismo e uma das ideias que este grupo defendia

era o uso de formas despersonificadas e a negação do “eu” artista. Esta

despersonificação aparecia através das formas geométricas, que aparentavam ser feitas

com compasso e régua. É um desenho técnico e o movimento dos corpos é mecânico,

como se fossem robôs. Os construtivistas acreditavam que o artista fazendo traços mais

rígidos e então ficando no anonimato estavam rompendo com a arte tradicional que era

subjetiva, mística e individual. Todos estes aspectos podem ser vistos nas obras acima

de 1920 e 1921 que demonstram que a artista seguia o que o grupo defendia.

Então, o sentido que o catálogo apresenta é de afirmação da autoralidade.

Percebemos isso através da estrutura do catálogo, com a seleção das obras (autorretrato,

obras que possuem a assinatura da artista, além da pintura do próprio nome), com o

texto (conta os grandes feitos da artista, mesmo que no caso de Varvara o autor fala

bastante de Rodchenko, o que se pode pensar em um sentido de casal) e com uma mini-

biografia da artista. Já o sentido que a produção da Varvara adquiriu fora do catálogo é

de não autoralidade, percebe-se isso olhando para as imagens que estão no catálogo.

Parte delas mostra uma produção vinculada a ideias mais tradicionais de representação,

mas que também já apontam para algo das vanguardas e um segundo conjunto de obras,

mostra os ideiais e a estética construtivista. Olhando para o catálogo e as imagens que

estão ali é possível compreender os diferentes sentidos que as obras da Stepanova

adquiriram. Além disso, poderia se pensar nos sentidos que foram produzidos nos

lugares onde hoje estas obras são mantidas. Nestes lugares há pessoas que olharam as

obras e organizaram de tal modo que corresponde a um determinado sentido.

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Considerações Finais

Posterior a uma descrição e análise sintetizadas, notou-se as inúmeras questões e

interpretações que através de uma imagem podem ser elaboradas. A imagem se torna

ambígua e estabelece com nossos arquivos mentais inúmeros diálogos. Kossoy (2005)

contribui dizendo que “ a representação fotográfica pressupõe uma elaboração na qual a

realidade é criada em substituição “daquilo que se encontra ausente”. Ele ainda diz que

“o fato histórico foi, o documento é, agora e sempre” (idem., p. 42). Ao se deter nas

imagens é preciso fazer este exercício de ir além do que esta no retrato. Pensar que as

reproduções fotográficas que estão no catálogo podem ter sido alteradas suas cores, seus

tamanhos e as molduras das pinturas e desenhos são recortadas, então são traços da

realidade, a imagem agora é índice. Dubois fala desse caráter indiciário que é próprio da

fotografia, a imagem então não expressa ou contém um sentido, mas possui uma

existência “é isso”. Dubois cita Barthes (1997) para dizer que imagem é “mensagem

sem código”, ou seja, ela atesta uma existência. Esta existência se dá através de uma

conexão física, uma marca, um traço. O objeto referenciado precisou estar em um lugar

e um tempo para que a foto pudesse ser feita, a partir disso, a fotografia tem uma

existência de realidade e passado: “isso foi”.

A maioria das obras expostas nesta mostra é caracterizada pelas formas

despersonificadas. É na tentativa de recusar o artista e o gesto biográfico, que o fazer

artístico individual também se constituiu, mesmo estando pautado nos ditames

construtivistas. Além disso, observando esta imagem em relação ao catálogo foi

possível perceber o início da carreira artística da Varvara e depois como foi mudando,

processando e assimilando os princípios das vanguardas e mais ainda do

Construtivismo. Através dos pequenos detalhes, da exposição e exploração das partes já

foi possível fazer algumas descobertas e algumas leituras de sentidos. O catálogo

funcionou como um meio de resguardar todas essas produções, preservando a

genialidade e criatividade de mulheres artistas, oportunizando que suas obras fossem

conhecidas e reconhecidas em outros lugares, fora das suas nacionalidades.

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Referências

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