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Hard Sciences e Social Sciences-Um Enfoque Organizacional

Date post: 07-Jul-2016
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Os estudos de sociologia da ciência podem ser divididos em duas gerações:a primeira, de inspiração mertoniana, é fortemente marcada por ser umasociologia de instituições científicas e de cientistas (Mulkay, 1980); asegunda, de orientação pós-kuhniana, preocupa-se com uma reavaliação dostatus epistemológico da ciência (Pickering, 1992). Essa primeira geração dasociologia da ciência é, na verdade, uma sociologia dos cientistas mais quedo conhecimento científico. Trata-se de uma perspectiva institucionalvoltada para o estudo de variáveis tais como o papel dos cientistas nosdiferentes países, tamanho e estrutura das organizações científicas, ediferentes aspectos da economia, sistema político, religião e ideologia.
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DadosPrint version ISSN 0011-5258On-line version ISSN 1678-4588

Dados vol. 41 n. 3 Rio de Janeiro 1998

http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52581998000300002

"Hard Sciences" e "Social Sciences" : Um Enfoque

Organizacional *

Claudio C. Beato F.

INTRODUÇÃO

Os estudos de sociologia da ciência podem ser divididos em duas gerações:a primeira, de inspiração mertoniana, é fortemente marcada por ser umasociologia de instituições científicas e de cientistas (Mulkay, 1980); asegunda, de orientação pós-kuhniana, preocupa-se com uma reavaliação dostatus epistemológico da ciência (Pickering, 1992). Essa primeira geração dasociologia da ciência é, na verdade, uma sociologia dos cientistas mais quedo conhecimento científico. Trata-se de uma perspectiva institucionalvoltada para o estudo de variáveis tais como o papel dos cientistas nosdiferentes países, tamanho e estrutura das organizações científicas, ediferentes aspectos da economia, sistema político, religião e ideologia.

Nos últimos vinte anos, temos assistido à emergência de estudos que enfatizam em diferentes graus o caráter"social" do conhecimento científico (Bloor, 1976). Não são apenas os cientistas e suas instituições que sãosubmetidos ao escrutínio sociológico, mas o próprio conteúdo do conhecimento científico: matérias de naturezatécnico-científica e social passam a equivaler-se do ponto de vista dos interesses envolvidos; a facticidade doconhecimento é produto de uma complexa atividade interpretativa, e não mais a sua causa (Latour e Woolgar,1979). A sociologia tradicional tende a relegar os aspectos falsos, irracionais ou falhas para serem estudados pelasociologia, ao passo que a verdade, racionalidade e sucesso pela epistemologia. Ao contrário dos estudos daprimeira geração, que dirigem o foco de atenção sociológico para o erro e para a irracionalidade, os da segundavoltam-se tanto para as crenças falsas como para as verdadeiras como objeto de estudo. As teses daimparcialidade e da simetria de Bloor (1976) recomendam explicitamente que tanto a verdade como a falsidade,racionalidade ou irracionalidade, sucesso ou falha, sejam dicotomias requerendo explicações.

Esses estudos não tratam mais apenas dos aspectos institucionais, tais como relações entre ciência e política(Shapin e Shaffer, 1985) e do modo como organizações de pesquisa produzem conhecimento (Knorr-Cetina,1981), mas da identidade hermenêutica entre as hard sciences e as ciências "moles". Isso conduziu a uma agenda

de pesquisas empíricas que requeria dos investigadores uma certa familiaridade com o conhecimento estudado1.Seu problema central era interpretar o relacionamento entre a situação local na qual o conhecimento científico foiproduzido e a eficiência que ele havia logrado (Shapin, 1995). Assim, o programa estruturou-se em torno dequestões tais como: o que é racionalidade? O que significa comportar-se logicamente? O que é fato? O que éevidência?

Em termos da difusão de uma cultura acadêmica, a sociologia do conhecimento científico expandiu-se ao longo

das últimas duas décadas, não obstante as críticas a respeito de sua excessiva diversidade de orientações2, do

relativismo que parece orientar seus estudos3, e da construção de uma sociologia que prescinde do conceito denatureza (Murphy, 1994). Para efeitos do presente trabalho, a crítica a ser ressaltada é a de que a sociologia doconhecimento científico, ao destacar a "identidade hermenêutica" entre as disciplinas e o caráter local econstrutivo dos fenômenos científicos, tornou impossível estabelecer qualquer diferenciação entre os diversoscampos de conhecimento.

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Paralelamente, e em uma tentativa de incorporar elementos de natureza organizacional ao estudo da atividadecientífica, temos a emergência de uma sociologia com o objetivo de estudar a ciência como um tipo particular deorganização, cuja característica é a orientação para a produção de novidades, o que confere um alto grau deincerteza a seus resultados (Whitley, 1985; Fuchs, 1992). É desse modelo teórico de "médio alcance" que esteartigo tratará, no suposto de que um modelo dessa estatura permite comparar os elementos de uma "sociologiada ciência", bem como os de uma "sociologia do conhecimento científico". Uma das vantagens de estudarmos asorganizações é que elas se constituem em arenas de ação que se encarregam da mediação entre indivíduos einstituições sociais: compõem-se, pois, de instâncias nas quais seus membros reconstituem seus cursos de açãotendo em vista propósitos de natureza organizacional. A literatura teórica para o ingresso nesse campo, portanto,é variada e abrange orientações que vão desde a etnometodologia até o funcionalismo parsoniano.

METODOLOGIA

Este texto está dividido em duas partes. Na primeira, farei uma análise de dados de um survey realizado com 148cientistas de cinco departamentos da UFMG ¾ Física, Química, Demografia, Economia, Ciência Política/Sociologia¾ , utilizando-me do modelo organizacional dos campos intelectuais desenvolvido por Whitley, operacionalizadopor intermédio de alguns indicadores. Existe um duplo propósito aqui: o primeiro, de natureza metodológica, buscaorganizar os dados coletados através do survey para delinear um perfil teoricamente informado dos pesquisadoresda UFMG. Este material empírico inicial propiciará uma discussão a respeito da consistência interna do modelo; osegundo, de natureza teórica, decorrerá da análise da consistência do modelo em face dos dados empíricoscoletados, no intuito de estabelecer uma base para a discussão de abordagens de natureza cognitiva versusabordagens institucionais no estudo da ciência ("sociologia do conhecimento científico" e "sociologia doscientistas").

Na segunda parte, buscarei interpretar o modelo, incorporando dados qualitativos coletados a partir deentrevistas com físicos, e de observações e gravações feitas em vídeo no Laboratório de Ótica do Departamentode Física da UFMG. Conforme veremos, o modelo anteriormente discutido será refeito, incorporando dimensões denatureza organizacional, tais como a utilização de "tecnologias de pesquisa" e do trabalho em grupo.

O MODELO ORGANIZACIONAL DOS CAMPOS INTELECTUAIS DE WHITLEY

Whitley, em The Intellectual and Social Organization of the Sciences (1985), sugere-nos uma concepção dapesquisa científica como um tipo particular de organização do trabalho que estrutura a produção e a avaliação deconhecimento em contextos institucionais mais amplos. Esse contexto mais amplo, determinado política ehistoricamente, não será alvo de atenção neste artigo; meu objetivo aqui é mais modesto, e será pautado peladiscussão dos aspectos de natureza organizacional da atividade científica. A razão de circunscrever dessamaneira a abrangência da discussão é que Whitley desenvolve um modelo para a análise dos campos intelectuaisno suposto de que muitas das diferenças entre as disciplinas, assim como a forma como articulam sua basecognitiva, se deve a fatores de natureza organizacional. Naturalmente, isto não implica conceber organizações emum vácuo histórico e político, mas, justamente, o contrário, reconhecer como a articulação entre organizações einstituições sociais é mutuamente incrementada.

A literatura etnográfica sobre laboratórios demonstra fartamente como o conhecimento na ciência se relacionacom seus ambientes mais imediatos de produção (Latour e Woolgar, 1979; Knorr-Cetina, 1981; Pickering, 1984).Estudos sobre o cotidiano da pesquisa demonstram que as hard sciences assim como as ciências "moles" sãopermeadas por mecanismos interpretativos expressos em conceitos tais como reflexividade, indexicalidade ou oaspecto retórico do discurso científico. O que é denominado genericamente "atividades de pesquisa", bem comosuas concepções correlatas de "método", "epistemologia", "teoria e experimento", devem levar em conta osmecanismos de natureza cognitiva e organizacional acerca de como distintos "campos intelectuais" produzem econtrolam conhecimento. Concepções ingênuas, que reivindicam status especial ao conhecimento nas áreashumanas e exatas, ou adotam a física e a química como modelos de atividade científica, não encontram maisamparo empírico: trata-se de um equívoco resultante de uma concepção alicerçada em uma filosofia positiva doséculo XIX.

O ponto relevante é que o campo intelectual de cada uma dessas organizações do trabalho ¾ cujo denominador éo alto grau de incerteza resultante da produção de novidades, e fortes mecanismos de controle através desistemas de reputação ¾ se estrutura distintamente (Whitley, 1985; Fuchs, 1992). As diversidades observadasentre os campos não são resultado de questões de natureza epistemológica, mas organizacionais.

No modelo de Whitley (1985), duas dimensões são centrais: (I) o grau de dependência mútua, produto de umsistema de reputações que se encarregará do controle dos resultados produzidos, bem como das tarefasrealizadas pelos cientistas; e (II) o grau de incerteza dessas tarefas, marcados pela inovação e ineditismo depropósitos. Ambas são os pilares do modelo, e desdobram-se em quatro aspectos analíticos associados a fatoresde natureza empírica. Assim, o grau de dependência mútua subdivide-se em a dependência funcional e adependência estratégica. Da mesma forma, o grau de incerteza de tarefas desdobra-se em incerteza técnica eincerteza estratégica. A articulação entre dimensões, aspectos analíticos e fatores associados está esboçada noQuadro I:

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A primeira dimensão, "dependência mútua", tem como aspectos analíticos o "grau de dependência funcional" e o"grau de dependência estratégica". A dependência funcional está associada: (1) à definição de fronteiras eidentidades profissionais, cuja característica empírica é o maior ou o menor grau de independência em relação aosleigos, decorrente do grau de padronização no treinamento dos cientistas; (2) à divisão de tarefas e habilidades,marcada pelo maior ou menor grau de padronização na avaliação de competência; (3) à abrangência de problemastraduzidos em um maior ou menor grau de padronização dos procedimentos de pesquisa e temas a serempesquisados; (4) à especificidade dos resultados das tarefas traduzidos no grau de universalismo na avaliação dospadrões de competência e; (5) à padronização dos procedimentos de trabalho e habilidades expressos em umaestrutura de comunicações científicas tais como publicações em revistas especializadas e participação emcongressos e seminários. O segundo aspecto é o grau de dependência estratégica que se associa: (1) àintensidade da competição entre cientistas e; (2) a implicações teóricas gerais dos resultados em termos dacentralidade dos problemas e abordagens.

A segunda dimensão diz respeito ao "grau de incerteza de tarefas" e subdivide-se em "incerteza técnica" e"incerteza estratégica": a primeira associa-se à visibilidade, uniformidade e estabilidade dos resultados dastarefas, ao passo que a segunda se refere à uniformidade, estabilidade e integração de estratégias de pesquisa eobjetivos.

Todas as dimensões do modelo, assim como seus aspectos e fatores associados, encontram-se inter-relacionadosconforme indicam as setas duplas no quadro citado. Assim, a delimitação clara de fronteiras e identidadesprofissionais corresponde a um sistema de treinamento padronizado, que resultará na uniformização nasavaliações das competências dos cientistas. Esses fatores se associam a uma definição clara (em maior ou menorgrau) de um conjunto de problemas centrais, bem como de procedimentos para a realização das metasperseguidas. Isto tem implicações na comunicação de resultados de pesquisa e no grau de consenso a respeitodessas contribuições, que se refletem em um ranking de veículos de divulgação de resultados e no padrão para aavaliação destes últimos. Todos esses fatores se associam ao grau de competição entre grupos de pesquisa emtorno de uma temática, e às implicações teóricas dos resultados obtidos, e assim por diante.

A associação de fatores caracterizará distintamente os campos intelectuais em termos de sistemas de controledos resultados de pesquisa tornados públicos e efetuados pelos próprios pares. Uma das características centraisdo modelo de Whitley a respeito dos campos intelectuais é que, dado o alto grau de incerteza sobre o que é feitopelos cientistas (incerteza estratégica) e como é feito (incerteza técnica), o controle organizacional de suasatividades dar-se-á por intermédio de sistemas de reputação. Na ausência de um sistema burocráticoadministrativo organizado hierarquicamente, o sistema de reputações cumpre a função de controle das atividadescientíficas.

A configuração desses fatores se articula em seis tipos de organização dos campos intelectuais: (a) adhocraciasfragmentadas; (b) oligarquias policêntricas; (c) burocracias partidas; (d) adhocracias profissionais; (e) profissõespolicêntricas; (f) burocracias tecnologicamente integradas (cf. Whitley, 1985:158). A localização em cada umdestes campos implica uma certa estruturação da pesquisa, uma certa caracterização do conhecimento.

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A OPERACIONALIZAÇÃO DO MODELO

Como já afirmado, a dependência mútua articula-se em dois aspectos: o grau de dependência funcional e o graude dependência estratégica. Detenhamo-nos, por ora, no grau de dependência funcional e seus fatoresassociados, que dizem respeito à "extent to which researchers have to use specific results, ideas and proceduresof fellow specialists in order to construct knowledge claims which are regarded as competent and usefulcontributions" (idem:86). Trata-se, portanto, de uma forma de coordenar resultados de pesquisa de formacumulativa, além de inculcar adesão a padrões de competência comuns ao campo. O exemplo, utilizado porWhitley, é o da física e da química como áreas com alto grau de dependência funcional, na medida em quecompreendem atividades altamente especializadas, nas quais procedimentos, temas e resultados têm comoreferência um conjunto de normas bastante claro sobre o que é ciência, como deve ser feita, e quais as

interconexões que se estabelecem entre os objetivos teóricos dessas disciplinas4.

Entretanto, uma primeira dificuldade surge quando se trata de definir a unidade de análise para o modelo. Nodecorrer do texto, Whitley refere-se aos "campos intelectuais" como unidades organizacionalmente distintas, oque nos sugere a possibilidade de no interior da física, da química ou da sociologia termos linhas de pesquisa comdistintos graus de dependência mútua e de incerteza de tarefas. Autores como Collins (1975) já haviam levantadoa questão de como determinadas áreas temáticas no interior de uma disciplina como a sociologia, p. ex., possuemgraus variados de dependência funcional e incerteza estratégica. Assim, áreas como sociologia das organizaçõese estratificação social teriam uma maior cumulatividade, padronização de procedimentos, temas etc. O problemasurge é nas discussões substantivas de Whitley, em que ele arrola como exemplos não os campos intelectuais,mas as disciplinas. Quando quer exemplificar distintos graus de dependência mútua e incerteza de tarefas, lança

mão das disciplinas: a Física, a Sociologia anglo-saxônica, a química etc5.

Para efeitos deste artigo utilizarei como unidade de análise os campos disciplinares mais genéricos traduzidospelos professores de cada departamento.

O Problema das Identidades entre Cientistas Profissionais

A formação básica à qual são submetidos os pesquisadores é um dos indicadores adotados para a análise dapadronização de habilidades e de procedimentos de trabalho. Se a padronização no treinamento de habilidades edesenvolvimento temático é um reflexo do grau de integração do campo intelectual, isto irá traduzir-se no debateacerca de cursos e programas a serem adotados pelos professores dos diferentes departamentos analisados.Vejamos a reação dos pesquisadores diante da questão da "existência ou não de uma unidade no conteúdo das

disciplinas que compõem a formação básica em um curso de graduação"6:

A discrepância entre as respostas dadas pelos físicos e químicos e aquelas emitidas pelos outros departamentos évisível na Tabela 1: os economistas (66,7%), bem como os pesquisadores do departamento de sociologia (60%),percebem majoritariamente uma formação padronizada em suas respectivas disciplinas, ao contrário dospesquisadores de ciência política, em que apenas 16,7% acreditam na unidade de conteúdos. Essa concordância,

por contraste, é bastante alta entre físicos (88%) e químicos (92,5%)7.

Tabela 1Concordância em Relação à Existência ou Não de Conteúdos Básicos

Ensinados na Graduação por Departamento (%)

Concorda

Departamento

TotalFísica Química Demografia Economia C.

PolíticaSociologia

Sim 88,0 92,5 57,1 66,7 16,7 60,0 75,7

Não 12,0 7,5 42,9 33,3 83,3 40,0 24,3

Total 34,7 27,8 4,9 10,4 8,3 13,9 N=144

Fonte: Veiga, Paixão e Beato (1994).

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Outra questão, diretamente relacionada à anterior, refere-se à existência "clara do tipo de treinamentoexperimental ou de pesquisa mínima a que um estudante de graduação deva estar exposto":

Tabela 2Existência de uma Definição Clara de Treinamento de Pesquisa por

Departamento (%)

Existe

Departamento

TotalFísica Química Demografia Economia C.

PolíticaSociologia

Sim 70,2 57,9 33,3 40,0 25,0 21,1 51,5

Não 29,8 42,1 66,7 60,0 75,0 78,9 48,5

Total 35,1 28,4 2,2 11,2 9,0 14,2 N=134

Fonte: Veiga, Paixão e Beato (1994).

Essa é uma questão pouco definida para cientistas políticos e sociólogos: 75% dos professores do Departamentode Ciência Política ¾ DCP e 78,9% dos de sociologia negam haver uma definição clara a respeito do treinamentode pesquisa ao qual os alunos devam estar expostos. Economistas (40%) e demógrafos (33,3%) estão em umpatamar semelhante de concordância a respeito do teor de formação experimental. Físicos (70,2%) e químicos(57,9%), pelo contrário, detectam mais claramente uma formação básica à qual seus alunos devam sersubmetidos.

O contraste entre as áreas torna-se mais acentuado se considerarmos as respostas à questão sobre a existênciaou não de "manuais ou livros-texto onde estão organizados os conteúdos fundamentais e os exercícios a seremtrabalhados em curso de graduação". Este é um bom indicador de padronização de treinamento, pois o consensoem torno dos textos básicos que devem ser objeto da formação profissional resulta em uma linguagem comumentre profissionais, o que contribui para a demarcação de fronteiras e o desenvolvimento de identidades que sãoo objeto desta seção.

Tabela 3Utilização de Manuais ou Livros-Texto em Cursos de Graduação (%)

Utilização

Departamento

TotalFísica Química Demografia Economia C.

PolíticaSociologia

Sim 100,0 97,5 50,0 86,7 25,0 13,3 80,1

Não

2,5 50,0 13,3 75,0 86,7 19,9

Total 36,8 29,4 2,9 11,0 8,8 11,0 N=136

Fonte: Veiga, Paixão e Beato (1994).

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Aqui, é nítida a fronteira entre as áreas: físicos (100%), químicos (97,5%) e, em um patamar um pouco inferior,economistas (86,7%), são praticamente unânimes na concordância a adotar livros de textos fundamentais naárea; já sociólogos e cientistas políticos quase não os adotam (86,7% e 75%, respectivamente). Os demógrafosencontram-se divididos (50%), embora o número de missings seja muito alto para qualquer afirmação maisconclusiva a respeito.

Assim, se tomarmos os três indicadores acima citados e computá-los em torno de um índice de padronização detreinamento, teremos medianas variando entre 0 e 1 no seguinte boxplot:

Gráfico 1Boxplot do Índice de Identidade por Departamento

Fonte: Veiga, Paixão e Beato (1994).

De acordo com o Gráfico 1, podemos visualizar claramente a posição de cada disciplina no que diz respeito aoíndice de identidade. Físicos e químicos têm a mesma distribuição por percentis, mas os físicos ocupam a posiçãosuperior, com mediana igual a 1, com químicos situando-se logo abaixo, com mediana 0,87. Os economistas têm

índice elevado de 0,688. Em um patamar inferior temos os sociólogos, com 0,32, cientistas políticos, 0,18 edemógrafos, 0,0. Deve-se ponderar, entretanto, que os demógrafos têm um número elevado de missings.

Os indicadores adotados apontam no sentido de corroborar a hipótese de graus diferenciados de identidades pordisciplina. Outros indicadores, levantados a partir de técnicas de análise distintas, poderiam remeter-nos à idéiade que identidades profissionais não se relacionam necessariamente com o conteúdo de disciplinas e/ou com otreinamento técnico experimental (Becker et alii, 1968), mas com interações mantidas por estudantes eprofessores que irão criar um sentido simbólico a essa identidade em torno de valores. De qualquer maneira, paraefeitos da presente análise, o grau de padronização de treinamento dos cientistas é um dos fatores associados àdependência funcional, em uma forma que não é distinta da que ocorre com outros grupos profissionais, tais comomédicos, advogados ou engenheiros. Estes, como os cientistas, também têm no treinamento os elementoscentrais para a definição de suas identidades ocupacionais. A característica mais peculiar da atividade científicacomeça a surgir nos fatores a serem analisados logo a seguir.

A Padronização na Avaliação de Competência e Habilidades e a Dependência Estratégica acerca daCentralidade de Problemas e Abordagens

O desenvolvimento de padrões de competência é um componente da dependência funcional, que surge comodecorrência de um programa de treinamento comum que irá refletir-se no desenvolvimento de padrões formais deavaliação: "Thus scientists develop sharp distinctions between competent researchers and outsiders, between‘real’ physics, economics, or whatever and trivial, uninteresting, and insignificant research" (Whitley, 1985:96).Mediante seleção, recrutamento e treinamento, temos na universidade uma primeira etapa a partir da qual sedesenvolverá um sistema reputacional que regulará oportunidades de emprego e acesso às facilidades depesquisa.

O elemento central dos sistemas de reputação é o desenvolvimento de padrões de avaliação que controlarãoresultados de pesquisas através de publicações, congressos e seminários, além de outras formas de avaliaçãoefetuadas por pares reputados. Esse componente da dependência funcional se relaciona diretamente com adependência estratégica, de forma tal que o desenvolvimento desse padrão em comum tornará possível oconvencimento de outros cientistas acerca da importância dos resultados obtidos:

"The importance of convincing a particular group of the centrality of one’s contributions to their goals means that

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researchers cannot simply pursue separate strategies and topics without being much concerned about theirconnections and relevance for other’s work. Instead they have to demonstrate the theoretical relevance of theirstrategies and how their problems contribute to the central issues of the field" (Whitley, 1985:102).

Essa preocupação com a conexão teórica e metodológica está ilustrada na Tabela 4 em que os pesquisadoresforam convidados a responder sobre "quais são os principais critérios utilizados para julgar os resultados empíricosou experimentais obtidos na pesquisa". Estes compreendem quatro categorias: (1) publicações em revistas, cujosreferees irão avaliar a qualidade e originalidade dos artigos, e participação em congressos e seminários, onde osresultados serão expostos à avaliação de outros participantes; (2) discussão de aspectos teóricos e

metodológicos, que vão desde técnicas utilizadas à possibilidade de reprodução de experiências e checagem dosmodelos teóricos existentes, técnicas estatísticas utilizadas e coerência dos resultados com a literaturaexistente; (3) a intersubjetividade, abrangendo desde o julgamento efetuado por pares de outros grupos, bemcomo avaliações de membros de comitês de agências financiadoras e; (4) crença na ausência pura e simples decritérios possíveis de avaliação, seja porque os tipos de pesquisa são muito variados, porque critérios não sãosimplesmente observados, ou por dependerem exclusivamente do prestígio dos autores. Esta última categoria,portanto, é indicativa de um grau de dependência estratégica extremamente baixo. Um grau de dependênciaestratégica elevado está presente no restante das categorias, posto que publicações e participações emseminários e congressos, discussões a respeito de conexões de natureza teórica e metodológica e avaliaçõesefetuadas pelos próprios pares significam uma exposição mais acentuada ao julgamento de membros bem situadosnos sistemas de reputação. Vejamos a seguinte tabela, referente aos critérios adotados pelos pesquisadores dosdepartamentos para avaliação de resultados:

Tabela 4Critérios Utilizados para Avaliação de Resultados por Departamento (%)

Critérios deAvaliação deResultados

Departamento

TotalFísica Química Demografia Economia C.

PolíticaSociologia

1. Publicações,Congressos eSeminários

61,7 43,2 50,0 36,4 9,1 40,0 46,1

2. Discussões deaspectos teóricose metodológicos

38,3 48,6 50,0 45,5 63,6 46,7 46,1

3.Intersubjetividade - 5,4 - 9,1 9,1 - 3,1

4. Não há- 2,7 - 9,1 9,1 13,3 4,7

Total36,7 28,9 5,5 8,6 8,6 11,7 N=128

Fonte: Veiga, Paixão e Beato (1994).

Os físicos acreditam que essa avaliação é feita fundamentalmente através das publicações (61,7%), bem comodas implicações de natureza teórico-metodológica dos resultados. Os químicos dividem-se entre os que crêem emcritérios definidos pelos trabalhos publicados e pela participação em congressos e seminários (43,2%) e pordiscussões teórico-metodológicas (48,6%). Dentre eles, existem ainda os que abonam a avaliação interpares(5,4%), ou simplesmente não afiançam a existência de padrões de avaliação (2,7%). Demógrafos repartem-seentre a categoria "publicações, congressos e seminários" (50,0%) e "discussões de aspectos teórico-metodológicos" (50,0%) como critérios utilizados. Economistas estão dispersos nos itens 1 e 2 (36,4% e 45,5%).Os pesquisadores ativos do Departamento de Ciência Política não acreditam muito na importância das publicaçõese da intersubjetividade como fatores de avaliação (9,1%), mas na discussão de aspectos teórico-metodológicos(63,6%). Pelos menos dois pesquisadores (o que resulta percentualmente em um índice elevado de 9,1%) nãoacreditam em nenhuma forma de avaliação. Os sociólogos conferem uma importância bem maior às publicações(40,0%) e às discussões de aspectos teórico-metodológicos (46,7%), mas há os que descrêem totalmente dequalquer forma de avaliação (13,3%).

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Conforme vimos, os físicos são os pesquisadores que atribuem maior importância ao sistema de publicações. Estaprecedência em relação à avaliação efetuada por pares anônimos do sistema de reputações parece indicar umgrau menor de dependência estratégica dos físicos, ao passo que outras áreas, devido justamente ao maior graude dependência estratégica, estão mais concentradas em discussões de natureza teórico-metodológica. Acentralidade que as publicações têm para os físicos resulta de sua menor necessidade de convencer seus paresacerca dos procedimentos e temas de pesquisa, ao passo que essa é a ênfase característica das outras áreas.

O feedback entre dependência estratégica e padrões de avaliação termina por traduzir-se em um maior ou menorgrau de problemas e procedimentos que são centrais dentro de cada área, conforme veremos a seguir.

O Escopo dos Problemas: Padronização de Procedimentos e Temas de Pesquisa

Em A Tensão Essencial, Kuhn mostra como a mensuração e utilização da matemática na ciência possibilitou oavanço da "ciência normal" de forma pouco traumática, dado que a base para a solução de controvérsias eraestável e consensual. Ele estava se referindo ao que Whitley chama de padronização de procedimentos e,concomitantemente, à identificação de um núcleo comum de problemas e temas de pesquisa: quaisquercontrovérsias devem ser resolvidas mediante o recurso a um padrão de procedimentos compartilhado peloscientistas e apreendido através do sistema educacional. Esta padronização em torno de problemas pode serilustrada na Tabela 5, criada a partir das respostas dos pesquisadores à seguinte questão: "Na sua área temáticade pesquisa, os especialistas identificam o conjunto central dos problemas que devam merecer a atenção dospesquisadores?"

Tabela 5Identificação de um Conjunto Central de Problemas por Departamento (%)

Identifica

Departamento

TotalFísica Química Demografia Economia C.

PolíticaSociologia

Sim 27,1 32,5 - - - - 18,2

Não 72,9 67,5 100 100 100 100 81,8

Total 33,6 28,0 2,9 11,0 8,8 11,0 N=136

Fonte: Veiga, Paixão e Beato (1994).

A resposta positiva significa que os pesquisadores reagiram afirmativamente à questão, procurando resguardar,entretanto, a liberdade para a escolha de temáticas específicas em um conjunto central de problemas. A nãoidentificação de um conjunto central de problemas nas disciplinas deveu-se, segundo os pesquisadores, à adesãoa "modismos" internacionais e até mesmo à ausência de definições no plano político departamental. A física e aquímica são os únicos departamentos com pesquisadores que identificaram esse núcleo (27,1% dos físicos e32,5% dos químicos). Os outros são unânimes no não-reconhecimento desse núcleo central, embora não deixe deser curioso que a maioria dos físicos e químicos também não fosse capaz de identificá-los.

Tarefas Particulares e Avaliações Universais

Seria lícito supor que, baseado na hipótese de que o grau de dependência funcional é variável entre distintasdisciplinas, as relações de natureza pessoal na realização de pesquisas também tivessem uma importânciavariável, especialmente no que diz respeito à avaliação de padrões de competência. Um grau de dependênciafuncional baixo reflete-se em padrões de competência avaliados informal e difusamente entre diferentes grupos,com coordenação de resultados distintos em diferentes locais e por temas de pesquisa. Daí que as relaçõespessoais se sobreponham à centralidade de um sistema de reputações universalmente estabelecido. Esseaspecto, entretanto, não é perceptível na análise dos dados relativos aos pesquisadores dos departamentosestudados. Quando estimulados a avaliarem o grau de importância que "relações pessoais no comitê de seleção"possa ter tido para a "aprovação de seu projeto mais importante", assim responderam:

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Gráfico 2Grau de Importância Atribuído às Relações Pessoais na Aprovação de Projetos

Fonte: Veiga, Paixão e Beato (1994).

É interessante mostrar graficamente esse dado porque é notável o alto grau de similaridade observado nas curvasdas respostas entre físicos, químicos, economistas e sociólogos. A maioria tende a considerar as relaçõespessoais irrelevantes (entre 50% e 65% em todos os departamentos) e, se elas apresentam alguma importância,é pouca: menos de 10% dos pesquisadores de todos os departamentos.

Uma objeção de natureza metodológica às respostas apresentadas seria que elas representam mais uma opiniãotornada pública através do questionário do que propriamente uma avaliação realista acerca da importância derelações pessoais na aprovação de projetos de pesquisa. O alto grau de correlação entre as curvas, entretanto,explicita de forma muito clara a identidade de valores entre pesquisadores de distintas áreas. Se esses valorestraduzem uma adesão a padrões universalistas de avaliação no julgamento de projetos ou avaliações decorrentesda inserção em networks locais e particularistas, isto não aparece diferentemente nas disciplinas. Pelo contrário,o que temos é um padrão bastante similar entre elas.

A Estrutura de Comunicações

A alma do modelo organizacional está nas formas de comunicação, servindo para que resultados sejamconhecidos, avaliados e utilizados por outros pesquisadores. A pesquisa científica que não é publicada não existe:seus resultados não são controlados, sua contribuição não é conhecida, seus autores nada precisam provar,ninguém a convencer e nada a aprender. Publicações constituem-se a tradução mais conspícua do caráterpúblico da ciência, bem como a garantia mais fundamental de sua autonomia técnica e estratégica. Dado ocaráter inovador e criativo da atividade científica, que a torna um tipo de organização extremamenterecalcitrante a mecanismos de controle burocráticos ¾ realizado no próprio local de trabalho e hierarquicamenteimplementado ¾ , os sistemas de publicação exercerão o controle sobre o que é feito pelos cientistas, e como éfeito:

"To be recognized as contributions to knowledge, in a society where science monopolizes the production and validationof knowledge, research results must follow current priorities and use accepted work procedures to be accepted forpublication. Innovation and novelty is thus tempered by the exigencies of the control system" (Whitley, 1985:19).

O Gráfico 3 refere-se ao número de trabalhos escritos que tiveram o intuito de divulgar resultados de pesquisasentre os anos de 1991 e 1993, abrangendo: relatórios de pesquisa enviados a agências financiadoras; trabalhosescritos apresentados em congressos nacionais e internacionais; artigos publicados em revistas nacionais e

internacionais; teses e/ou dissertações; e livros e/ou capítulos de livros9.

Gráfico 3Boxplot do Índice de Produtividade Global por Departamento

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Fonte: Veiga, Paixão e Beato (1994).

Podemos verificar no Gráfico 3 que, à exceção de alguns físicos e químicos superprodutivos que constituem osoutliers, existe uma similaridade muito grande nos resultados de produtividade nos distintos departamentos: amediana situa-se em torno de 5 a 10 resultados de pesquisa. Apenas um percentual mínimo de pesquisadores emcada departamento não apresentou nenhum resultado de pesquisa ao longo dos três anos investigados.

Entretanto, tomar o número global de resultados de pesquisa produzido nada nos diz a respeito da dependênciaestratégica de cada área em termos da centralidade dos problemas abordados. Para tal, considerarei o número deartigos publicados em revistas internacionais como um indicador de centralidade apenas pela razão de tratar-sede uma exposição extralocal para, logo a seguir, discutir as publicações em revistas nacionais e sua importânciaestratégica para áreas como economia, sociologia ou ciência política.

Conforme podemos observar na Tabela 6, 90% dos sociólogos, 75% dos cientistas políticos e 86,7% doseconomistas não publicaram nenhum artigo em revistas internacionais. Entre os demógrafos e os químicos, 44,4%e 40%, respectivamente, também não o fizeram, enquanto entre os físicos isso ocorreu apenas entre 7,8% deles.Dos físicos restantes, 19,6% publicaram de um a dois artigos; 58,8% entre dois e dez e 13,7% mais de dezartigos no período de três anos. Os outros departamentos ¾ à exceção do de química que teve 35% no nívelbaixo, 20% no médio e 5% no alto ¾ possuem um nível baixo de publicações internacionais: 55,6% dosdemógrafos, 13,3% dos economistas, 25% dos cientistas políticos e 10% dos sociólogos.

Tabela 6Artigos Publicados em Revistas Internacionais por Departamento (%)

Fonte: Veiga, Paixão e Beato (1994).

A situação altera-se quando se verifica o número de artigos publicados em revistas nacionais na Tabela 7.

Tabela 7Artigos Publicados em Revistas Nacionais por Departamento (%)

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Fonte: Veiga, Paixão e Beato (1994).

A questão é: será possível que, fora da física e da química, tenhamos um conjunto de problemas centrais nadisciplina caracterizando um baixo grau de dependência estratégica? Em termos teóricos e metodológicos, nãoobstante alguns heróicos esforços do passado, certamente não seria cabível o desenvolvimento de uma sociologiaou economia do Terceiro Mundo. Temas de pesquisa, entretanto, surgem inevitavelmente de problemas regionaiscomo a violência, processos democráticos, taxas de natalidade, fecundidade ou mortalidade ou processos deindustrialização no plano local. O raciocínio inverso, de se conceber um estudo de propriedades ópticas ehiperfinas de impurezas e estrutura eletrônica de átomos e moléculas em cristais brasileiros, é que seria estranho,ao passo que estudar o processo de transição democrática no Brasil não.

Trata-se de um problema complexo, e, certamente, contém algum componente tal como um cenário internacionalhostil a contribuições de natureza mais teórica oriundas de países acadêmicos periféricos, quer seja porpreconceito puro e simples quer seja por restrições de ordem cognitiva: já se disse que o modelo brasileiro deprodução de teses em sociologia, por exemplo, é excessivamente jornalístico e avesso a discussões mais teóricas.Isto em parte se deve ao tipo de formação que é oferecido aos alunos em cursos de pós-graduação, compondoum quadro um tanto provinciano da profissão (Reis, 1991). Por outro lado, comprovando a hipótese de um grau dedependência estratégica maior, certamente está a timidez de pesquisadores de algumas áreas em submeter seusartigos a revistas internacionais, seja porque estão mais voltados para públicos locais, seja porque não têm nadade novo a dizer no plano internacional, mas muito no nacional.

A discussão sobre as publicações internacionais remete-nos à centralidade que o debate internacional parece ternas distintas áreas, o que, em outras palavras, indica algo a respeito do grau de dependência estratégica noscampos intelectuais.

Dependência Estratégica: A Centralidade dos Problemas e a Competição entre Grupos

Dependência estratégica, na literatura organizacional, refere-se às atividades rotineiras e conjuntos de técnicasque propiciam a produção de resultados uniformes e estáveis por uma organização (Perrow, 1979). É relacionadadiretamente ao fator "padronização de procedimentos e temas", bem como ao debate sobre a importância dosproblemas e abordagens. Constitui-se no segundo aspecto da dependência mútua e refere-se à maneira que ospesquisadores têm de persuadir seus próprios pares da importância e relevância de seu trabalho (Whitley,1985:88). Trata-se de um aspecto analítico de natureza política, pois envolve a definição de uma agenda depesquisas em torno de interesses prioritários e de natureza econômica, na medida em que isso afeta a alocaçãode recursos e reputações profissionais:

"This can be called the degree of strategic dependence for it covers the necessity of co-ordinating research strategiesand convinving colleagues of the centrality of particular concerns to collective goals [...]. Co-ordinating thus is not justa technical matter of integrating specialist contribution to common goals but involves the organization of programmesand projects in terms of particular priorities and interests. It is a political activity which sets research agenda,determines the allocation of resources, and affects careers in reputational organizations and employmentorganizations" (idem:88-89).

Não se trata mais de esforços conjuntos que se tornaram possíveis mediante a articulação de tarefas com baseem um conhecimento técnico em comum e padronizado, mas sim de atuar no sentido de metas e objetivos globaisno interior de uma disciplina. Essa dimensão se traduz em uma estrutura hierárquica de reputações bastantedefinida entre os pesquisadores e entre as diversas subáreas de pesquisa.

Uma forma de se visualizar essa dimensão é através de seus efeitos, i. e., em que medida ocorre efetivamentecompetição dos grupos de pesquisa por recursos escassos. É realmente necessário uma espécie de movimento denatureza política em torno de prioridades e interesses de natureza cognitiva? Quais os resultados dessemovimento para as carreiras profissionais? Essas considerações pressupõem que a competição entrepesquisadores exista, e seja mais ou menos acirrada nas distintas disciplinas. Vejamos o Gráfico 4, que relacionaos pedidos de verbas para pesquisa solicitados e aqueles efetivamente recebidos pelos grupos de pesquisadoresdos departamentos:

Gráfico 4Relação entre Projetos Solicitados e Projetos Aprovados

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Fonte: Veiga, Paixão e Beato (1994).

Conforme se pode ver, os dados apresentados vão no sentido contrário de uma percepção já consolidada nosenso comum da comunidade universitária de que faltam verbas e apoio para os projetos de pesquisa. Existe umalto grau de correlação entre o número de projetos solicitados pelos docentes e os projetos aprovados: quempede um leva um, quem pede dez leva quase dez. Além de ser um dado até certo ponto surpreendente para quemacompanha os debates a respeito da suposta escassez de verbas para pesquisa, para os propósitos da discussãodo modelo trata-se de uma informação que vem corroborar a percepção reiteradamente expressa por várioscientistas a respeito da "ausência de massa crítica" ou "pobreza de debate". A inexistência de competição atestaparcialmente o baixo grau de dependência estratégica nas disciplinas.

Outra forma de medirmos a existência de uma estrutura de reputações visível aos membros das distintas áreas depesquisa seria vermos a centralidade dos pesquisadores prestigiados na avaliação de projetos de pesquisa. Aausência dessa estrutura de reputações indicaria, pelo contrário, o maior grau de influência de "igrejas locais" e ocaráter difuso e particularista no aval conferido a grupos e projetos de pesquisa. Assim, em oposição à avaliaçãopermeada pelo personalismo discutido anteriormente, poderíamos adotar a recomendação de um pesquisadorprestigiado na área como indicador de um padrão de avaliação e competência altamente compartilhado pelospesquisadores que irão realizar a pesquisa.

Gráfico 5Avaliação dos Pesquisadores de cada Departamento sobre a Importância da Recomendação de

Pesquisador Prestigiado na Área para a Aprovação de Projetos

Fonte: Veiga, Paixão e Beato (1994).

Nenhum dos pesquisadores da área de economia e de sociologia tende a considerar uma indicação de especialistaprestigiado na área como sendo o motivo mais importante para a aprovação de seu projeto, ao passo que 27,5%dos físicos e 12,5% dos químicos a consideram decisiva. Inversamente, mas com menos discrepância, 45,0% dospesquisadores do Departamento de Sociologia e 53,3% dos pesquisadores do de Economia acham esse tipo de

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indicação totalmente irrelevante, contra um número menor de 35,3% dos de Física e 37,5% dos de Química. Oque os dados parecem indicar, no caso dos físicos e químicos, é um sistema de reputações bem estabelecido,cujos expoentes exercem uma influência importante e legítima, em um reconhecimento de sua centralidade naárea. Os dados sobre sociólogos e economistas, pelo contrário, apontam para a existência não de reputações naárea, mas para as lideranças locais, cuja influência é limitada a âmbitos restritos.

Um sistema de reputações bem estabelecido, conforme vimos anteriormente, é causa e conseqüência de umsistema padronizado tanto de avaliação de competências como de abrangência de problemas e procedimentosbem delimitados e claros. Quando esse núcleo de problemas e procedimentos é fragmentado e heterogêneo,discordâncias tendem a ocorrer em torno de problemas teóricos e metodológicos; quando o núcleo é homogêneo ecoeso, tais divergências inexistem, restando a recusa ou a aprovação de projetos de acordo com outros tipos defatores contextuais, tais como a disponibilidade de recursos financeiros diante da amplitude do projeto, ou atémesmo perseguições de natureza política. Essa identidade entre sistema de reputações e centralidade deproblemas e abordagens é indicada nos dados a seguir (Gráfico 6), em que está ilustrado graficamente opercentual de pesquisadores em cada departamento que atribuiu a divergências de natureza teórico-metodológicao motivo principal da recusa de projetos.

Gráfico 6Pesquisadores em cada Departamento que Atribuíram como Principal Motivo para a Recusa do seu

Projeto as Divergências Teórico-Metodológicas (%)

Fonte: Veiga, Paixão e Beato (1994).

Apenas 2,0% dos físicos conferem a tais divergências a razão principal para uma não-aprovação de seus projetosde pesquisa. Nos outros departamentos, esse percentual cresce: 12,5% no de Química; 13,4% no de Economia;16,4% no de Ciência Política; 20,0% no de Sociologia; e 22,0% no de Demografia.

INCERTEZA DE TAREFAS

A incerteza de tarefas relaciona-se com o que Kuhn chamava de "solução de quebra-cabeças", que marca aatividade de cientistas quando paradigmas se rotinizam. Se existe clareza acerca dos resultados alcançados,temos um baixo grau de incerteza técnica. Inversamente, quando não se tem muito claro as implicações eimportância que um determinado resultado tem para a área, estamos com alto grau de incerteza de tarefas. Se aincerteza técnica se relaciona aos resultados práticos alcançados, a incerteza estratégica, por sua vez, vincula-se às implicações de natureza teórica da pesquisa. Além disso, a incerteza técnica resulta do grau deinterferência que leigos têm sobre a atividade científica, constituindo-se em um aspecto integral daprofissionalização da atividade científica. A incerteza estratégica diz respeito à variedade de grupos de influênciaque controlam recursos escassos e agências de financiamento.

Sem dúvida nenhuma, a dimensão referente ao grau de incerteza de tarefas é a mais difusa no modelo, pois tendea confundir-se com vários aspectos da dependência mútua. Em parte, isto se deve à tradução imediata domodelo organizacional à atividade científica: uma coisa é tratarmos de organizações industriais, onde materiaisbrutos e produtos ofertados são bastante claros, outra coisa é tratarmos de organizações científicas em queprodutos e suas aplicações não são visíveis nem tão evidentes. Aliás, essa ausência de padronização de produtosé característica marcante de organizações que, conforme o próprio Whitley ressaltou, são orientadas para aprodução de novidades. Além disso, o potencial de "confundimento" que a introdução dessas variáveis poderiaacarretar tornam-nas difíceis de serem operacionalizadas. Não obstante a dificuldade de operacionalizaçãoempírica, a relevância da incerteza de tarefas reside no plano analítico: ela é importante para a elaboraçãotaxonômica dos campos intelectuais propostos.

A utilização do modelo organizacional proposto por Whitley tem algumas vantagens claras em relação ao emprego

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de conceitos como o "paradigma" de Kuhn ou os "campos intelectuais" de Bourdieu, na medida em que permiteuma operacionalização mais clara dos campos científicos. No entanto, existe a desconcertante possibilidade deuma configuração de fatores resultar em formas organizacionais distintas do tipo ideal em virtude da atuação de"fatores contextuais". O problema aqui é o universo de variáveis que adentra o modelo, abrindo-se umapossibilidade infinita de configuração de fatores. Elementos tais como o perfil dos docentes de cadadepartamento, ou a história institucional das disciplinas, envolvendo desde discussões sobre currículos até ainfluência do Estado, mesclam-se a fatores internos do modelo de forma tal a inviabilizá-lo logicamente. Fatoresexternos poderiam permanentemente associar-se a fatores internos ora no sentido de possibilitar um maior graude identidade em torno de valores, ora atuando como fator de indução a um grau baixo de identidade. De umaperspectiva estritamente lógica, é possível ter, em contextos específicos, disciplinas como a física que sejamtotalmente desarticuladas em relação a problemas e soluções de problemas, assim como uma ciência políticaabsolutamente coesa em torno de uma definição clara de fronteiras e identidades profissionais. Do ponto de vistaempírico, a verificação das conexões estabelecidas entre fatores torna-se extremamente difícil.

No tocante à consistência interna do modelo, parece-me que se a dimensão dependência mútua, especialmenteno que diz respeito à dependência funcional, está razoavelmente articulada internamente, o mesmo não ocorrecom a dimensão incerteza de tarefas, que é muito difusa, na qual vários dos fatores associados estãodiretamente relacionados à dependência mútua, o que torna difícil sua operacionalização. Observemos a seguintematriz de correlação para ilustrarmos esse ponto:

Coeficientes de Correlação de Pearson ¾ Bivariado

Conforme podemos verificar, diferenças entre os campos disciplinares correlacionam-se mais fortemente com oíndice de identidade dos pesquisadores (0,66) e com a inserção em uma estrutura de publicações no planointernacional (0,51). Estão também associadas mais fracamente à definição de critérios de avaliação (0,32) e àidentificação de um núcleo central de problemas (0,32). Isto nos sugere que o fator central do modelo é aidentidade profissional que, na verdade, é indicadora do grau de consenso existente nas disciplinas a respeito deprocedimentos e temas, bem como da inserção internacional destes, traduzidos em uma estrutura de divulgaçãomais "universalista". Portanto, para efeitos de análise do universo estudado, o modelo organizacional de Whitleyrestringe-se à explicação de variação dos campos através dessas duas dimensões.

Além disso, dois fatores cruciais estão ausentes do modelo: (1) a utilização das tecnologias de pesquisa e asimplicações dessa utilização na articulação dos campos intelectuais e; (2) a divisão de trabalho estabelecidaentre os cientistas.

INCORPORANDO OUTRAS DIMENSÕES ORGANIZACIONAIS: TECNOLOGIAS DE PESQUISA E CONSENSO

Toda a discussão precedente aponta na direção de incorporarmos dimensões organizacionais que não seencontram presentes no modelo discutido, especialmente as que dizem respeito à utilização de tecnologias depesquisa e sua vinculação a processos de formação de consenso. Embora a dimensão tecnológica seja utilizadanos modelos organizacionais como sinônimo de técnicas e tarefas para a realização de objetivos e processamentodo material bruto com que trabalham (Perrow, 1979:160-172), estarei lançando mão da noção no sentido sugeridopor Collins (1994), i.e, a de "equipamentos de pesquisa". Nas páginas seguintes, a importância destes ficará maisevidente.

Conforme vimos acima, a maior variabilidade entre as disciplinas explica-se pela padronização de procedimentos etemas de pesquisa. Em outras palavras, o que o modelo indica é a importância do plano "intermediário",organizacional, de análise institucional da ciência, que encontra no conceito kuhniano de paradigma a fonte deformulação de hipóteses significativas para a análise comparativa de especialidades científicas. Especialidadesmais desenvolvidas paradigmaticamente (ciências físicas e naturais) apresentam graus mais elevados de consensosobre políticas de ensino e pesquisa do que campos acadêmicos menos integrados como as ciências sociais(Lodahl e Gordon, 1972). A dimensão dependência mútua dos campos científicos apresenta importantesdesdobramentos do ponto de vista da análise empírica da organização social da ciência: quanto maior o grau deintegração paradigmática do campo, maior o controle do network profissional sobre os padrões de legitimidadeepistemológica, distribuição de prestígio acadêmico e de acesso aos meios de produção intelectual (Fuchs eTurner, 1986).

Falar sobre o grau de consenso existente entre as disciplinas significa discutir as condições para a racionalidadecientífica. De uma perspectiva mais ortodoxa, o alto grau de consenso observado nas ciências naturais seria oresultado de uma série de critérios epistemológicos bastante objetivos que balizaria o mérito das teorias em

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confronto10. De um ponto de vista mertoniano a ênfase recai sobre a necessidade funcional de dimensõesnormativas, tais como desinteresse, comunalismo, universalismo e ceticismo organizado, na formulação doconsenso na atividade científica (Merton, 1968). Para Kuhn (1982), o consenso é condição para a ciência normal,e eventuais dissensos deverão acumular-se na forma de peças não utilizadas para a resolução do quebra-cabeçasaté o momento de uma revolução paradigmática.

Recentemente, as discussões sobre consenso têm enfatizado a idéia de que processos de formação de consensose efetuam mediante artefatos lingüísticos e, como tais, eles podem ser desconstruídos (Fuller, 1993; Gilbert eMulkay, 1984; Yearley, 1981; Gusfield, 1976). Fuller (1993) distingue entre a formação de um "consensoacidental", que é instável e sujeito a regras independentes de interpretação, e o "consenso essencial", efetivadoatravés de uma exposição de razões mediante padrões de evidência habitualmente aceitos. A adesão a umateoria, no primeiro caso, pode-se dar por razões completamente distintas pelos membros, ao passo que, quandohá um consenso essencial, a adesão se dá por razões de ordem lógica compartilhadas pelos membros. O casotratado por Fuller das "múltiplas descobertas", em que diferentes pessoas em distintos lugares chegam mais oumenos às mesmas conclusões, seria indicativo da objetividade das ciências no plano essencial. Entretanto,conforme sugestão de Fuller ao discutir a descoberta do princípio de conservação feita simultânea eindependentemente por Carnot, Joule, Helmholtz, Mayer e Rumford, a adesão à teoria explicativa deu-se porrazões e interpretações diversas. Ao tomarem as teorias e proposições científicas o mais abstratamente possível,os historiadores da ciência tendem a aceitar a formação acidental de consenso como típica, embora acreditem nocontrário:

"Just as public opinion pollsters can fabricate consensus by phrasing their questions sufficiently vaguely or abstractely,or by preselecting the group of elegible respondents, so too historians of science can construct a convergence ofopinions on a particular point. In both cases, once a finer-grained questions is asked, disagreement arises" (Fuller,1988: 210).

A distinção entre consenso acidental e consenso essencial termina por iluminar outra questão empíricainteressante: não seria o consenso acidental resultado dos tipos de formação a que são submetidos cientistas epesquisadores, conforme sugere o depoimento de um físico, a seguir:

"A verdade é que, em geral, no processo de formação de um físico, nós procuramos desviar nossos alunos dessasquestões fundamentais, que são difíceis e permanecem mais ao campo da filosofia do que da própria física. Do nossoponto de vista, ensinar a física a partir de uma reflexão sobre seus fundamentos seria o mesmo que ensinar pintura apartir da semiologia ou história da arte, ou alguma coisa dessa natureza" (Gazzinelli, 1994).

As ciências humanas, via de regra, orientam seus alunos já nos períodos iniciais de formação para discussõesepistemológicas que, conforme sugestão de Whitley (1985), são funcionais para a consolidação de interessesparticularistas. Os físicos, pelo contrário, orientam-se pela formação metodológica através do uso de técnicas eteorias. A formação de um consenso essencial, conforme demonstra o vasto número de etnografias delaboratórios, é tão rara na física como na sociologia. Entretanto, querelas de ordem epistemológica não fazemparte do processo de formação básica dos cientistas :

"Os físicos não fazem cursos de metodologia científica, e sequer discutem o assunto. Quando questionados sobre ametodologia de uma determinada pesquisa o que respondem, em geral, é quais técnicas experimentais ou teóricasforam utilizadas, o que é uma resposta muito mais estreita do que a que daria um cientista social ou um biólogo"(Gazzinelli, 1994:4).

INCORPORANDO AS TECNOLOGIAS DE PESQUISA EM UM MODELO ORGANIZACIONAL PARA A ANÁLISE DOSCAMPOS CIENTÍFICOS

Dois tipos de críticas emergem na avaliação de discussões de formação de consenso nas perspectivasconstrutivistas. A primeira é a sua incapacidade de diferenciar especialidades científicas: todas são atividadeslocais, igualmente contextualizadas e marcadas por uma intensa atividade interpretativa, tornando-se"hermeneuticamente equivalentes". Assim, essas abordagens, se têm o mérito de descartar distinções feitas combases puramente cognitivas, terminam por acentuar a equivalência total entre todas as disciplinas. Em parte, istoresulta da tradição de pesquisa etnográfica e da ausência de estudos comparativos que marca a área, o quetermina por sublinhar excessivamente a natureza "local" e "contextual" da atividade científica (Fuchs, 1993;Collins, 1994). Trata-se de uma ênfase tão equivocada como a que retrata a ciência como resultado de umalógica universal, seletiva e puramente racional. Existem diferenças marcantes em termos de prestígio social,fontes de financiamento, padrões de recrutamento, tecnologias de pesquisa utilizadas e formas de divisão detrabalho em atividades de pesquisa.

O segundo ponto é que trabalhos experimentais envolvem ponderações de natureza teórica para a interpretaçãode dados. Aparentemente, para qualquer série de observações seria possível, em princípio, a escolha de múltiplasteorias que dessem conta dos resultados de tal maneira que a formação de consenso se daria de forma acidental.Pickering (1984), dentre outros, sugere que os resultados experimentais não levariam cientistas à escolha de umateoria. Normas e valores da atividade científica teriam pouco, ou quase nenhum, sentido para a atividadecientífica na medida em que para uma mesma série de observações existiria uma série de teorias intercambiáveisentre si. Trata-se de uma versão excessivamente "social", relativista e cética da atividade científica, pois nãohaveria nenhuma espécie de constrangimento de ordem epistêmica. Ela negligencia o ponto de que relatoscientíficos sofrem embaraços de ordem cognitiva dados pela inserção da descrição científica em normas e valores

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de conteúdo essencialmente epistêmico (Henderson, 1990).

É a essa ordem de preocupações que a literatura mais recente sobre a formação de consenso se tem dirigido. Kim(1996), ao avaliar criticamente essa literatura, destaca três fatores cruciais para compreendermos comonarrativas científicas se articulam: (1) o caráter avaliatório na reconstrução das crenças dos cientistas; (2) anatureza hierárquica da formação do consenso científico; (3) o problema da associação e a importância dadimensão temporal na formação de consenso. O primeiro fator assemelha-se a alguns resultados alcançados pelaliteratura etnográfica de que, não obstante a multiplicidade de versões possíveis sobre um dado conjunto deevidências, algumas delas são mais autorizadas do que outras em virtude de sua "significância explanatória"(Shapin, 1984). Controvérsias não se dão entre versões alternativas absolutamente equivalentes, mas algumasteorias e proposições têm centralidade maior do que outras em virtude de seu poder explicativo. Por outro lado, aformação de consenso ocorre em vários níveis. Há consensos que se dão em torno de questões fundamentais

como o "problema da correlação em geologia" (Rudwick, 1985)11, e outros que envolvem uma discussão mais

"fina" e detalhada de como resolver o problema das evidências12. Finalmente, conforme discutido anteriormente,existe o problema da inclusão e da exclusão de membros em um debate, formando um gradiente de "competênciasatribuídas" através do qual seus participantes têm peso e influências diferenciados. Esse debate pode sercentralizado em torno de pessoas mais "confiáveis" para dele participar em virtude de sua inserção em uma

determinada "ordem cognitiva" (Shapin, 1994)13.

A avaliação crítica de algumas vertentes excessivamente céticas e relativistas do construtivismo não deveincorrer no erro de, conforme reza o célebre e surrado refrão, "jogar a criança fora junto com a água do banho".Existem elementos importantes a serem incorporados à abordagem organizacional. Para Knorr-Cetina (1995),consenso é o resultado de complexa atividade interpretativa no qual se deve distinguir o grau de variação nasformas e nos contextos em que ocorrem concordâncias, conformidades e estabilidades. Ao levarmos esse pontoem consideração, torna-se complicado falarmos de um modelo e de um vocabulário apenas de formação deconsenso, pois existem vários. Knorr-Cetina (idem), através de estudos sobre experiências em física de altaenergia, agrega à forma clássica de formação de consenso mediante a refutabilidade, pelo menos duas outrasformas: (a) "concordância instantânea", que se refere à aceitação imediata de novas peças de pesquisa; e (b) o

"consenso genealógico", que resulta de um processo de seleção de reconfigurações14 organizado em seqüênciassobrepostas. Esta última forma de consenso, portanto, se refere ao desenvolvimento, ao longo do tempo, de umasérie de experiências e realizações que, ao seu final, desembocarão em um grau de consenso sobre fenômenosanalisados.

Essa tese aponta para duas direções: (a) a primeira vai de encontro à idéia de que formação de consenso "deveser vista mais em termos do uso feito dos resultados científicos na criação de experimentos, em oposição aoprocesso de formação de opinião isolado nos valores dos resultados científicos"; e (b) a segunda sugere que"formas de formação de consenso podem ser dependentes da ontologia social do domínio no qual elas se aplicam"(idem:128-129). De um lado, o processo de formação de consenso é variado, em virtude da ontologia criada emum dado domínio de experiências. A prática científica, portanto, é a dimensão na qual se realiza a formação deconsenso. Por outro lado, nesse processo é fundamental a consideração das colaborações e projetos deequipamentos que se dão nos estágios iniciais de formação de uma linha de pesquisa. O elemento a ser resgatadoda discussão acima, para efeitos do argumento ora em desenvolvimento, é que consenso surge em decorrência daontologia criada através de experiências e equipamentos envolvidos para a sua realização, e que esse processoenvolve um grande número de pessoas que não interagem necessariamente em relações face a face.

Um dos equívocos na abordagem institucional da ciência é tratar organizações científicas como instituições fixasno espaço e no tempo: ciência é aquilo que se faz no laboratório X, na universidade Y. Este equívoco resulta dodesconhecimento de que atividades científicas são realizadas por instituições "frouxamente articuladas", i.e.,podem ser realizadas simultaneamente por grupos de pesquisa que, embora estejam tratando de um mesmo tema,não o fazem em uma estrutura burocrática e institucional fisicamente estabelecida. Pelo contrário, a colaboraçãose dá no interior de networks de pesquisadores durante um largo período de tempo, e é difusa, espalhando-se emuma infinidade de instituições de pesquisa. Knorr-Cetina (idem) utiliza a analogia do "superorganismo" para ilustraressa rede desarticulada de contribuições em torno de um mesmo tema. A analogia é pertinente por destacar ocaráter colaborativo de "corporações móveis e semi-isoladas", atuando no sentido de uma "cooperação difusa",i.e., "é uma forma de hipersociabilidade que sobrevive e expande os mecanismos estruturais e interacionais usuaisque governam as instituições sociais" (idem:124). Além disso, essas colaborações se articulam em torno de"objetos centralizadores", na forma de equipamentos tais como aceleradores de partículas, supercomputadores ouquaisquer outras tecnologias de pesquisa. A centralidade das tecnologias de pesquisa na física é de tal ordem quea reputação, importância e prestígio dos cientistas estão diretamente relacionados ao equipamento com o qualeles trabalham.

Uma característica notável nos processos de construção institucional no Brasil é a vinculação de linhas depesquisa a uma rede de relacionamentos de natureza pessoal sob o patrocínio do Estado para que se insiram nadinâmica do superorganismo. Via de regra, essa dinâmica acopla a formação de pesquisadores, vinculando-os agrupos e redes de pesquisa no exterior. Qualquer narrativa sobre a institucionalização das ciências explicitará aspeculiaridades e vicissitudes na área: o imprescindível patrocínio do Estado; criação de linhas de pesquisasimultaneamente à formação de pesquisadores; e a baixa competitividade entre grupos (Schwartzman, 1979).Sua inserção na dinâmica internacional, quando ocorre, se dá de forma periférica devido às deficiências depessoal e equipamentos.

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Processos de formação de consenso, portanto, devem ser compreendidos mediante a referência aossuperorganismos e à sua dinâmica, o que envolve uma presença maciça de discurso e demonstração deresultados através de relatos lingüísticos. Nesse espaço discursivo, decisões são tomadas com base emdemonstrações de características de objetos técnicos, de seus traços ocultos e de comportamentos"extravagantes" (Knorr-Cetina, 1994). Equipamentos e fluxos lingüísticos em networks difusos são centrais paracompreendermos a dinâmica dos superorganismos; eles definem uma ontologia constituída através declassificações:

"They codify something that lies at the heart of the working of these environments. They codify who, within the wallsof the institution and independent of external definitions, is an organism and who is a machine, who are agents withpowers and disposition to react, who is alive and who is not, who is a human and who is a non-human being. In otherwords, they catch up the ontologies instituted in local settings and the social relations which flow from theseontologies, and which include relations to non-human participants" (idem:13, ênfases no original).

A IMPORTÂNCIA DAS TECNOLOGIAS DE PESQUISA NA FORMAÇÃO DE CONSENSO

A referência explícita feita por Knorr-Cetina aos equipamentos na formação de consenso permite-nos retomar umadimensão que é de natureza organizacional: as tecnologias de pesquisa. Esta dimensão, virtualmente inexistentenos modelos organizacionais que lidam com instituições científicas, é de suma importância para compreendermos adinâmica no interior de cada disciplina. Ao discutir o problema das diferenças disciplinares entre as hard sciencese as social sciences, é possível fazê-lo destacando aspectos de natureza organizacional da atividade científica,em detrimento das discussões de ordem ideológica e filosófica que freqüentemente marcam os debates na área:

"Epistemology is not a good basis for understanding why such differences exist and how they have come about overthe past few centuries. A more fruitful approach is to ask, what is distinctive about the social organization of thedisciplines that we now take as natural science, and do the social disciplines have (or can acquire) the conditions thatmake possible that kind of organization?" (Collins, 1994:156).

Formas de organização científica no período moderno exibem duas características marcantes: o alto consensosobre o que deve ser concebido como conhecimento, e rápidas descobertas de uma série de novos resultados(idem). É interessante notar como o alto grau de consenso das ciências naturais contrasta com a tradição dasdisciplinas humanistas, marcadas pelo dissenso e conflito entre teorias e concepções de mundo. Outracaracterística é a rápida difusão de inovações como padrão da atividade científica. Este traço não estavapresente na ciência anterior ao século XVII, marcada pela permanência durante largos períodos de tempo dasmesmas teorias e fatos. Em nossos dias, pelo contrário, estudos indicam que a obsolescência da literatura depesquisa é alcançada, em algumas áreas, em um período de mais ou menos cinco anos.

Na verdade, esse consenso não está sempre presente nas ciências naturais. Conforme Latour (1987) discute, aciência tem dois aspectos cognitivos: na pesquisa de ponta, que ele chama de "ciência-sendo-feita" ("science-in-making"), há muita discordância e dissenso entre posições rivais, tal como ocorre nas humanidades. Após algumtempo, essa pesquisa passa para uma área de consenso que Latour chama de "ciência-já-feita" ("science-already-made"), em que os resultados anteriormente discutidos são elevados ao status de fatos objetivos. O quetorna possível que novas descobertas sejam concebidas como tais é, justamente, o consenso existente em tornode sua novidade e de sua localização em um corpo de conhecimentos estabelecido:

"Rapid discovery and consensus are part of the same complex: what makes something regarded as a discoveryrather than as a phenomenon subject to multiple interpretations is that it soon passes into the realm of consensus,and that depends upon the social motivation to move onward to fresh phenomenon" (Collins, 1994:161).

Mas o que explicaria o ritmo crescentemente vertiginoso de descobertas científicas na era moderna? SegundoCollins, não é o empiricismo, pois existiam muitas observações empíricas antes de 1600 e, no entanto, elas nãoforam suficientes para que se lograssem altos graus de consenso ou rápidos movimentos de pesquisas de ponta;

tampouco seria a ênfase crescente na mensuração e formulações matemáticas, que já existiam na Grécia antiga ena China, sem que sua existência tivesse levado às características do conhecimento científico moderno. Damesma maneira, os filósofos positivistas ressaltaram a importância do método científico de desenhosexperimentais como epítome da ciência moderna, desconhecendo que muitas pesquisas científicas não foramexperimentais e comparativas, tal como as observações de telescópio empreendidas por Galileu ou a fisiologia doséculo XIX. Por outro lado, algo similar à lógica indutiva de Mills foi utilizado pelas ciências grega e chinesa.

Mas qual seria o fator explicativo de maior alcance para Collins? A ciência moderna adquire sua feição no modocomo os cientistas se organizam em torno de tecnologias de pesquisa. A grande novidade introduzida por Galileu,que traduz a passagem para a ciência moderna, não foram suas concepções e tampouco os telescópios (que eleadaptou dos óculos que já existiam desde 1200), pêndulos e planos inclinados, mas o fato de os instrumentosvirem a ocupar uma posição central nas pesquisas de ponta desde então. As tecnologias de pesquisa e, conformeveremos a seguir, o laboratório, passam a ser o centro em torno do qual gravitarão os elementos cruciais para aformação de consenso na ciência moderna.

TEORIA E EXPERIMENTOS: O LABORATÓRIO COMO ARENA DE FORMAÇÃO DE CONSENSO

Os equipamentos que compõem um laboratório são elementos cruciais para compreendermos a natureza dos

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experimentos na ciência moderna. Daí, as indagações iniciais de Shapin e Shaffer (1985:3) em seu Leviathan andthe Air Pump: "o que é um experimento? Como ele é realizado? Quais os meios pelos quais os experimentadoresdizem produzir fatos (matter of facts) e qual o relacionamento entre fatos e constructos explanatórios? Como éidentificado um experimento bem-sucedido em oposição a um malsucedido?". Em um horizonte mais amplo, trata-se de responder por que usamos os experimentos para chegar a verdades científicas.

A história da bomba de vácuo e da polêmica que envolveu Hobbes e Boyle em torno dos resultados experimentaisé ilustrativa devido, justamente, ao seu caráter paradigmático. A bomba de vácuo é considerada um dos primeirosengenhos a possibilitar o desenvolvimento da ciência experimental nos moldes modernos. Boyle inaugurou umatradição de pensamento em que o conhecimento filosófico sobre a natureza deveria ser gerado através deexperimentos, e a base desse conhecimento eram fatos experimentalmente gerados que poderiam serestabelecidos pela agregação de crenças individuais, cujo resultado, entretanto, não se dava através de umacrença pessoal, mas de testemunhos individuais. Assim, o fato era tanto uma categoria epistemológica, como umacategoria social, pois dependia desses testemunhos. Isso implicou o desenvolvimento de três tecnologias: umamaterial, envolvendo a construção e operação da bomba de vácuo; outra literária, na qual aqueles que nãotivessem testemunhado diretamente a experiência pudessem reproduzi-la; e uma tecnologia social, queincorporava as convenções necessárias para que outros filósofos pudessem lidar com os resultados. Do ponto devista material, a bomba de vácuo era um artefato caro e raro. Pela primeira vez, uma máquina é utilizada nafilosofia natural não como uma metáfora (Rossi, 1989), mas como um meio de produção intelectual.

A bomba de vácuo, ao lado de outros artefatos como o microscópio ou o telescópio, inaugura uma versãoincipiente do laboratório moderno, cuja característica consiste em aumentar nossa percepção e constituir novosobjetos. Heisenberg (1980) credita ao surgimento dessas tecnologias de pesquisa a origem de uma nova relaçãodos homens com a natureza: coisas anteriormente imperceptíveis, como os anéis de Saturno ou a estruturamosaica dos olhos das moscas, além de outras essencialmente invisíveis, como a pressão do ar, podemmanifestar-se visualmente. O surgimento desses engenhos serve não apenas para descortinar um mundo invisível,mas também como alerta para a falibilidade de nossas percepções. Assim como a razão disciplina nossos sentidos,e é disciplinada por eles, as novas máquinas também disciplinarão o acesso ao mundo sensorial.

Além disso, o espaço em que essas máquinas atuam é um espaço público, mas restrito a um público específico: "Olaboratório foi, portanto, um espaço disciplinado onde as práticas discursivas, experimentais e sociais eramcoletivamente controladas por membros competentes" (Shapin e Shaffer, 1985:39). Essa restrição cognitiva amembros competentes será uma das discordâncias de Hobbes em relação a Boyle. Outras surgem em decorrênciade sua filosofia natural. A teoria do vácuo que Hobbes atacava, por exemplo, era considerada perigosa por estarassociada a recursos culturais que tornariam ilegítima a autoridade do Estado. Do ponto de vista ontológico, umadas noções mais importantes que Hobbes se encarrega de combater no Leviatã era a de "substância incorpórea".Esta noção, além de constituir-se em um absurdo de linguagem, era também a fonte dos recursos ideológicosutilizada pela Igreja e que, ao lado de outros absurdos escolásticos, tais como "formas substanciais", "essênciasabstratas" e "essências separadas", poderiam solapar a autoridade do Estado mediante a separação entre corpo ealma e as utilizações escatológicas dessas noções. Era interessante para os padres a difusão de tais idéiasporque elas ajudavam a reafirmar a soberania moral independente da Igreja. Noções como esta estavam na baseda divisão das autoridades espiritual e temporal, entre Igreja e Estado ou justiça e fé. Assim, sua recomendaçãode um monismo materialista assegurava um princípio de ordem social.

Hobbes condenava qualquer dualismo e espiritualismo porque eles poderiam subverter a ordem. Do ponto de vistaepistemológico, Hobbes debatia-se por uma correta definição das palavras, a fim de que tais absurdos não fossempossíveis. Em sua psicologia da vida social não havia espaço para noções tais como uma alma incorpórea. Era istoque possibilitava assegurar a paz social. Nessa epistemologia, a geometria era o modelo de ciência: quaisquererros poderiam ser corrigidos posteriormente através da razão (right reason). Para ele, o status conferido aoconhecimento factual era fundamentalmente individual e deveria distinguir a ciência do conhecimento filosófico. Ofato era essencialmente do domínio da história. O julgamento privado era uma ameaça à ordem social, e umconvite à guerra civil. Para Hobbes, portanto, havia duas fontes de conhecimento impróprio: o religioso e oconhecimento privado. Sua perspectiva era expurgar a religião e o conhecimento privado da filosofia natural, esua estratégia era controlar comportamentos através da autoridade do Estado, e não de um controle moralinterno, que no final das contas era um compromisso individual. O comportamento deveria ser subordinado à razãopública (Shapin e Shaffer, 1985).

É justamente a controvérsia em torno de argumentos desse tipo que torna possível a criação, por Boyle, de umespaço em que o dissenso e a controvérsia pudessem existir: o laboratório. O conhecimento causal foi removidodo domínio moral, evidenciando-se assim a divisão marcante hoje existente entre ciência e ideologia.

TECNOLOGIA E CONSENSO

A partir dos instrumentos inicialmente utilizados, desenvolve-se uma genealogia de tecnologias de pesquisa quemarca de forma profunda a produção crescente de novas descobertas e de elevado grau de consenso. A razãodisso é que tecnologias utilizadas em pesquisa permitem a criação de fenômenos novos:

"Genealogies of research technologies can be regarded as the core of the rapid discovery revolution because theyproduce the fast-moving research forefront as well as the tendencies to consensus and imputed objectivity of results.

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What Galileo and his followers hit upon was not so much the value of any particular technique, as the practical sensethat manipulating the technologies that were already available would result in previously unobserved phenomena.Such a stream of new observables in turn gave rich materials for interpretation in scientific theories. What wasdiscovered was a method of discovery; confidence soon built up that techniques could be recombined endlessly, withnew discoveries guaranteed continually along the way. And the research technologies gave a strong sense of theobjectivity of the phenomena, since they were physically demonstrable. The practical activity of perfecting eachtechnique consisted in modifying it until it would reliable repeat the phenomena at will. The theory of the phenomenon,and the research technology that produces the phenomenon, became socially objectified simultaneously, when enoughpractical manipulation had been built into the machinery so that its effects were routinized" (Collins, 1994:163).

Collins não está reduzindo os cientistas a criadores, mas apenas ressaltando as implicações de sua utilização nadescoberta de novos fenômenos e no desenvolvimento de um elevado grau de consenso.

A utilização das tecnologias de pesquisa é condição da atividade científica, conforme é ilustrado na entrevista aseguir, na qual um pesquisador mostra a importância da oficina para as atividades do laboratório onde trabalha:

"Tudo o que fazemos aqui tem uma boa dose de oficina. Aqui você já viu a mesa, os pés... bom, o própriolaboratório, um bocado dele foi feito aqui. Em cada experiência específica, como o que a gente faz é sempre estarlidando com o novo, estamos sempre precisando de alguma coisa para adaptar a uma outra coisa. A oficina é paraconstruir suportes e adaptadores e às vezes coisas mais sofisticadas como veremos. Temos um sistema para ter ummovimento de um motor num movimento harmônico de oscilação. Nós fizemos esse sistema. [...]

Todos esses suportes aqui a gente bolou. Essas hastes aqui são hastes que são ocas por dentro [...] são hastes deaço inoxidável com um pé de latão. Aqui podemos ver a aplicação dos furos na mesa: eles servem para fixar essashastes do jeito que for interessante. Isso tudo é feito aqui. Derretemos chumbo aqui dentro para amortecer asvibrações e não serem sensíveis às vibrações. Então, aqui nessa mesa você vai ver um monte de hastes dessas. Euestou vendo uma dúzia aqui.

Isso aqui por exemplo, é um suporte para um creostato. Esse creostato não está sendo utilizado. Ele foi comprado e orapaz que trabalha nesse laboratório mandou fazer este suporte, em que você pode controlar sua posição através deum parafuso de rosca. Numa montagem, isso aqui vai no lugar dessa fotomultiplicadora.

Aqui, você tem suportes mais complicados. Isso tudo foi feito na oficina. Este rabo de andorinha simples que foi feitona oficina também. Temos um suporte para o laser, com um parafuso de ajuste para altura que foi feito aqui naoficina. E tem um monte de coisas que são compradas e adaptadas através desses montes de suportes. Então vocêtem desde essa iluminação aqui nesse microscópio. Em geral fazemos na oficina as coisas mais simples. A gente nãofaz as coisas muito sofisticadas aqui porque não tem muito sentido.

[...]

Vou te mostrar mais um equipamento desmontado. Esse daqui também é a parte básica de um equipamento para oestudo de espumas. No caso a gente está interessado em saber uma coisa que não tem na literatura sobre como asespumas aparecem, e como são feitas, isto é, qual a estrutura de uma espuma recém-formada. Isto tambémdepende do método de como é produzida a espuma. Você tem uma série de estudos de como a espuma cai edesaparece. Então isto aqui é uma peça construída na oficina que basicamente vai fazer o seguinte: coloca-se umtubo de ensaio num carrinho móvel, e este carrinho vai ser acionado por um motor. Neste motor a gente controla avelocidade e podemos controlar o curso do carrinho porque ele tem uma série de posições alternativas. Então, istoaqui é um agitador, só que é um agitador bem controlado. A gente vai produzir espumas em condições bemcontroladas. Ou seja teremos uma energia cinética que a gente vai conhecer bem ¾ a energia cinética que é usadana confecção." (Entrevista concedida ao autor em maio de 1996)

A atividade de pesquisa, conforme sugerido pelo depoimento acima, requer o desenvolvimento de equipamentosque se prestem à produção de evidências em acordo com propósitos de natureza teórica. Daí que às habilidadesrequeridas para as atividades científicas possam vir a ser acrescidas habilidades manuais não diretamenterelacionadas àquelas desenvolvidas no período de formação universitária:

"Então, não é estranho na minha vida posterior o fato de que eu tive uma experiência de lidar com coisas. E,posteriormente, tive que reaprender tudo isso na Universidade. Quer dizer, o secundário e parte da universidade mefez esquecer isso. O ensino primário e o secundário, inteiramente teóricos, longe da prática, me fizeram esqueceressas coisas, com exceção que, posteriormente, eu passava férias em Pirapora, com meu avô, um cidadão quecomeçou a navegação no Rio São Francisco. Então, eu embarcava naqueles navios, e o atrativo daquelas belascaldeiras, máquinas, caldeiras que quebram, navios que param, me deram um certo interesse pelo lado mecânico. E,um pouco de Química, também, porque a família era dona da chamada Companhia e Indústria Viação de Pirapora,que era uma boa escola. Tinha navegação, era dona da eletricidade da cidade, tinha uma indústria de óleos e, depois,de tecidos. Então, havia uma gama curiosa de possibilidade de meter a mão nessas coisas, de muito cedo ter visto

um laboratório, uma oficina mecânica, etc. Isto teve uma boa influência na minha formação."15

Essa "dupla vida", necessária à atividade científica, termina por acentuar a centralidade das tecnologias depesquisa em relação ao desenvolvimento teórico: "research scientists lead a double life: as intellectuals in thegame of argument for theorethical positions and as possessors of a genealogy of machines" (Collins, 1994:164). Aposse das genealogias de máquinas consiste na idéia de que instrumentos constituem uma estirpe tecnológica,com antepassados e descendentes, com os quais os cientistas se tornam íntimos:

"Just as the intellectual community consists in networks that pass ideas, problems and social validation along from oneperson to another, research technologies comprise a parallel set of networks. One machine gives rise to another in agenealogical succession by modifying the past machine, or by cloning it from another in the same laboratory, or by akind of sexual reproduction recombining parts from several existing pieces of equipment. Human and machinenetworks develop symbiotically; machine embodies the results of the human activity that went into making it work in aparticular way, while these human skills are tipically tacit [...] and cannot be conveyed to another person except byhands-on experience at the machine" (ibidem).

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O domínio de uma tecnologia de pesquisa de uma estirpe é mais fácil quando os cientistas que a utilizaram foramtreinados e socializados nos instrumentos que compõem a linhagem. Essa interação homem/máquina é descritapor Shapin e Shaffer (1985) ao mostrarem que o domínio da bomba de vácuo era restrita ao network depesquisadores que já haviam conhecido e usado uma delas (idem: 229-230, 281).

Esse conhecimento da estrutura genealógica por parte de cientistas pesquisadores tem duas conseqüências deextrema importância para se compreender a centralidade que as ciências naturais lograram. De um lado, elaconcentra socialmente a tecnologia de ponta em determinadas áreas, limitando assim a competição, em umacaracterística freqüentemente assinalada por pesquisadores que não têm acesso a ela. A importância do domíniode tais tecnologias transparece claramente nos seguintes depoimentos de pesquisadores, destacando arelevância da formação de estudantes no exterior:

"Nós podemos perfeitamente construir equipamentos feitos por pessoas que aprenderam ciência e tecnologia foradaqui mas que conhecem as características da estrutura brasileira. Essas pessoas já viram como são feitas as coisas,as dificuldades de determinado tipo de problema e situação. Até hoje não temos nenhuma característica própria.Então, cada indivíduo que volta, volta com idéias próprias, pensando fazer isso ou aquilo porque acha que vai darcerto. Ele chega e não encontra o que pensava, e, evidentemente, começa a funcionar da maneira que acha

melhor."16

Por outro lado, esses equipamentos e técnicas utilizados podem ser "exportados" dos laboratórios, passando aconstituir-se em ciência aplicada. Conforme salienta Collins, muitas coisas percebidas por leigos como a aplicação

de teorias científicas nada mais são do que atividades práticas desenvolvidas no laboratório17. A conseqüênciadesse quase equívoco para a legitimação da atividade científica no Brasil foi extremamente importante:

"Cerca de um ou dois meses após minha volta, o professor Pompéia e eu fomos consultados pelo Ministério daMarinha sobre a possibilidade de estudarmos equipamentos para detecção e localização de submarinos. [...]

Ora, a Marinha tinha um problema crucial nessa ocasião. Havíamos perdido um número considerável de navios,torpedeados por submarinos alemães e alguns italianos. Não dispúnhamos de nenhum equipamento para localizaçãoe detecção de submarinos. E muito mais sério ¾ isso apesar de estarmos fazendo a guerra ao lado dos aliados ¾ , ossegredos que envolviam o uso do sonar e do radar que detecta submarinos no tempo da guerra eram de tal ordemque, não somente esses equipamentos não eram cedidos aos países aliados, como o Brasil, mas nem o acesso debrasileiros era permitido junto às instalações. Então recebemos uma incumbência de, como físicos, estudar oproblema, para ver se era possível resolver-se este dilema. [...]

Bem, começamos a estudar o problema. Os primeiros detectores que fizemos eram baseados na técnica desimplesmente se procurar ouvir o ruído da hélice do submarino. Construímos vários detectores. Eram microfonestotalmente diversos dos microfones normais, porque o microfone normal, que trabalha no ar, é sensível à amplitudeda vibração, que no ar é relativamente grande, porque o som se propaga num gás, e no líquido a amplitude éextremamente pequena mas a pressão é tremenda. Então, tínhamos que conseguir microfones de pressão. [...]

Antes disso, no entanto, havíamos tido contato com um grupo de oficiais do exército que tinham um problematambém importante. É que não era mais possível importar nem balas de canhão nem pólvora do exterior. As balaspassaram a ser feitas aqui, com pólvora nacional. Então, para se utilizar as tabelas de tiro era necessário determinar-se a velocidade da bala. Era preciso um método especial para esta determinação. Essa foi a primeira incumbênciaque recebemos, e este foi um trabalho que foi resolvido de maneira inédita pelo professor Pompéia, que em poucotempo construiu um aparelho que media esta velocidade com uma precisão inacreditável. [...]

Fomos também solicitados para um estudo de equipamentos portáteis, transmissores e receptores, que deveriam serinstalados em jipes ou automóveis comuns, em postos de fiscalização a serem instalados na praia para fornecerqualquer informação para os centros de comando. Estudamos vários tipos de transmissores portáteis. Era umproblema curioso porque, no Brasil, a importação de válvulas era totalmente impossível durante a guerra. Então,nosso problema era projetar transmissores que fossem eficientes, que fossem os mais econômicos possíveis emcorrente elétrica, porque teriam de ser alimentados a acumuladores, e usando para transmissão as válvulas queeram disponíveis ainda no mercado para receptores de rádio. Este problema foi resolvido a contento, mas logo depois

nos desligamos desta linha para dar nossa atenção à Marinha, que tinha problemas mais urgentes"18.

O interessante a ser ressaltado no depoimento acima é que a conseqüência mais importante da aplicação deconhecimentos físicos para a detecção de submarinos não foi nenhuma alteração que, porventura, isso possa tersignificado nos rumos da Segunda Guerra, mas a contribuição dessa experiência para a legitimação da pesquisacientífica ainda incipiente no Brasil.

O IMPACTO DAS TECNOLOGIAS DE PESQUISA NA FORMAÇÃO DAS DISCIPLINAS CIENTÍFICAS

Toda a discussão precedente aponta para outra maneira de encarar debates clássicos no terreno das ciênciassociais acerca de sua especificidade e "eterna juventude", da pouca propriedade da utilização do métodocientífico (Reis, 1991) e dos métodos qualitativos versus quantitativos (King et alii, 1994). Ela nos sugere que boaparte das diferenças reside nos formatos organizacionais da atividade científica.

O Gráfico 7 mostra o grau de importância atribuído pelos pesquisadores dos departamentos, em uma escala de 1 a5, aos diversos tipos de equipamentos e suportes para a realização de pesquisa, tais como máquinas, utilizaçãode laboratório, pessoal técnico e administrativo mais especializado para manuseio e manutenção, e necessidadede utilização de redes de comunicação. Na verdade, trata-se de um "índice de necessidades tecnológicas"composto pelas avaliações de cada um desses itens separadamente.

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Gráfico 7

Fonte: Veiga, Paixão e Beato (1994).

Como é possível observar, é bastante clara a composição de dois grupos em torno da necessidade de tecnologia:o primeiro, composto pelos físicos, químicos e demógrafos cujas medianas situam-se em torno de uma avaliaçãode alta necessidade; o segundo, que aponta para necessidades menos importantes de laboratórios eequipamentos é composto pelos economistas, cientistas políticos e sociólogos. O caso dos demógrafoscertamente refere-se às suas necessidades de equipamentos de informática diante da orientação quantitativaprevalecente na área em virtude da grande massa de dados com que lidam.

No entanto, a discussão precedente acerca da importância das tecnologias de pesquisa para a configuraçãoorganizacional das disciplinas não deve obscurecer o fato de que sua utilização não se dá "cumulativamente". Odomínio da tecnologia guarda ainda as marcas do caráter local do conhecimento na forma de conhecimentostácitos acerca do funcionamento dos equipamentos. A referência ao "conhecimento tácito" para a realização daciência tem uma longa tradição na literatura sobre ciência (Polanyi, 1958; Collins, 1975; Knorr-Cetina, 1991) edefine-se pela oposição ao "conhecimento explícito", composto por instruções e informações que podem serformuladas através de palavras e símbolos e transferidas por meios impessoais tais como documentos escritos earquivos de computador. O conhecimento tácito, em contraste, não pode ser formulado explicitamente e muitomenos transferido ou armazenado por meios impessoais, pois é propriedade de pessoas. MacKenzie e Spinardi(1995) mostram como mesmo em áreas em que a transmissão do conhecimento tecnológico é vital até mesmo porquestões de segurança, tal como ocorre na fabricação de armas nucleares, existe um componente artesanal enão transmissível pelos manuais, fórmulas ou diagramas. Como experiências nucleares são experimentos raros deserem produzidos, e como não há como se avaliar a adequação dos complexos modelos matemáticos utilizados,boa parte da avaliação é realizada mediante "julgamentos" dos cientistas mais experientes:

"Judgement is the feel that experienced designers have for what will work and what won’t, for which aspects of thecodes can be trusted and which can’t, for the impact on the performance of a weapon of a host of contingencies, suchas ambient temperature, aging of the weapon, and the vagaries of production processes" (idem:62).

Além disso, o processo de transformação de um projeto em artefato consiste em traduzir teorias e gráficoscomputadorizados que operam com abstrações geométricas em cilindros e esferas reais, de tal forma que omesmo projeto pode resultar em protótipos diferentes. A perda desse conhecimento, que é posse de pessoascomo projetistas e técnicos de manutenção, significaria, em muitos casos, que a tecnologia teria de ser

reinventada, e não apenas remontada19. É nesse sentido que Collins anteriormente se referiu à importância da"transmissão de genealogias de tecnologias".

CONCLUSÃO

O modelo organizacional de campos científicos de Whitley procura expor as conexões entre ambienteorganizacional, contexto e organização dos campos científicos, tendo a vantagem de explorar implicações denatureza sociológica para a demarcação entre as disciplinas científicas, e não apenas os componentes cognitivose prescritivos acerca da organização da atividade científica.

Quando aplicado empiricamente, entretanto, procurei mostrar como o modelo de Whitley explica mais a produçãode consenso no interior de cada disciplina, e de como essa produção está relacionada a outros fatoresorganizacionais não presentes no modelo original. Em parte, essa deficiência deriva do tratamento da ciênciamoderna a partir dos sistemas reputacionais, o que o conduz indiretamente a tratar mais da questão do controleexercido pelos pares e das bases desse controle, e menos dos elementos relativos à organização de trabalhoentre os pares e o grau de tecnologia envolvido na produção da ciência.

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A utilização de tecnologias de pesquisa e o grau de divisão de trabalho existente ampliam consideravelmente aabrangência explicativa de modelos organizacionais, na medida em que incorporam dimensões imediatamenterelevantes para a produção de consenso cognitivo no interior de cada campo científico.

(Recebido para publicação em julho de 1997)

NOTAS:

* Agradeço aos membros do Grupo de Trabalho de Ciência e Tecnologia do XX Encontro Anual da AssociaçãoNacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais ¾ Anpocs, especialmente aos professores AntonioBotelho e Renan Springer pelos valiosos comentários a uma versão anterior deste artigo. A responsabilidade final,como de praxe, é inteiramente minha. Este trabalho não teria sido possível sem o apoio do Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecnológico ¾ CNPq.

1. Uma das críticas à sociologia do conhecimento era a "ingenuidade" dos resultados obtidos, considerando-seque freqüentemente os pesquisadores não eram sociólogos profissionais (Ben-David, 1981 apud Shapin, 1995).

2. A sociologia do conhecimento científico engloba estudos que destacam o caráter construtivista na produçãodos fatos científicos (Knorr-Cetina, 1981), a natureza reflexiva da atividade científica (Woolgar, 1988) ou adimensão retórica da ciência (Gilbert e Mulkay, 1984).

3. Embora muitas críticas partam de uma certa confusão entre relativismo e anarquia metodológica: "For ananalyst to say that the credibility of two different beliefs about the world should be interpreted using the samemethods is, thus, not necessarily the same thing as saying that they are equally ‘true’ or that world(s) to whichthey refere is (are) multiple. Almost all SSK relativists set aside ontological questions and treat truth-judgementsas topic rather than as resource. So far as morality is concerned, the dominant tendency here is not to celebratemoral anarchy but to interpret how locally varying moral standards acquire their obligatory character" (Shapin,1995:292, nota 6).

4. No pólo oposto da dependência funcional estaria, a título de exemplo arrolado dentre outros possíveis, asociologia anglo-saxônica pós-40.

5. O que, de resto, conforme já havia notado Fuchs (1993), é um problema de muitas das vertentes em sociologiada ciência. A lista de unidades de análise inclui "comunidades", "especialidades", "campos intelectuais","networks", "disciplinas" e "sistemas técnicos".

6. A questão proposta a eles era aberta e tinha a seguinte formulação: "Nas disciplinas básicas (ou de formaçãogeral) dos cursos de graduação, os conteúdos a serem ministrados são sempre os mesmos, independentementedos docentes encarregados delas?". A resposta, portanto, envolvia uma afirmativa positiva ou negativa, seguidade diferentes qualificações. A opção, para efeitos da análise neste momento, foi abandonar as qualificações eater-se apenas à concordância ou não com a existência de um núcleo temático nas disciplinas consideradas comobásicas na formação de profissionais para tornar a tabela mais simplificada.

7. Se há alguma surpresa aqui, ela não se refere à concordância dos físicos, mas à posição majoritária entreeconomistas e sociólogos em contraste com os cientistas políticos. Este parece ser um caso em que os fatorescontextuais podem explicar alguma coisa, desde que consideremos como contexto discussões a respeito decurrículos e do perfil ideológico e cultural dos professores de cada departamento.

8. Os economistas empreenderam um grande esforço no final da década de 60 e durante os anos 70 e 80 nosentido de padronizar seu treinamento e procedimentos de pesquisa. Sem dúvida nenhuma, este índice refleteesse esforço (Diniz, 1995).

9. Medir produtividade acadêmica é tarefa complexa, mas um dos indicadores adotados seria, sem dúvidanenhuma, o número de publicações e, mesmo assim, com algumas restrições. Conforme veremos adiante, onúmero de trabalhos escritos está distribuído em tipos que significam coisas distintas em termos do sentido queWhitley atribui ao sistema de comunicações: relatórios técnicos têm um propósito e um alcance distinto dos livrospublicados, da mesma maneira que publicações em revistas nacionais e internacionais. De qualquer forma, sãotodos, igualmente, veículos de divulgação científica. O segundo problema é mais complicado, e diz respeito àqualidade das publicações: o número de publicações nada nos diz sobre o impacto qualitativo que elas têm. Isto édifícil de se avaliar, mas não impossível se, em uma etapa futura, investigarmos onde essas publicações sãofeitas. Um outro indicador seria o Índice de Citações. Se utilizarmos o critério de pesquisadores que tiveram maisde duzentas citações em veículos de divulgação internacional, tal como o fez a Folha de S. Paulo recentemente,apenas dois dos professores do Departamento de Física estariam incluídos. A longa discussão que se sucedeuapós a divulgação desse índice, entretanto, mostra algumas de suas deficiências, tais como o número depesquisadores em determinadas áreas temáticas. Finalmente, ao tomarmos o total de trabalhos apresentados,certamente, um fenômeno de duplicação pode estar ocorrendo: relatórios de pesquisa que se tornam trabalhospara serem apresentados em congressos, que posteriormente são publicados e, finalmente, passam a integraruma coletânea reunida em livro. Mas, quanto a isso, não há nada a fazer, pois significaria entrar na questão da

originalidade desses trabalhos, o que não é o objetivo do texto. Aqui, busco tão-somente avaliar o potencial de

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originalidade desses trabalhos, o que não é o objetivo do texto. Aqui, busco tão-somente avaliar o potencial dedivulgação de resultados de pesquisa na comunidade científica, o que é basicamente o sentido do sistema depublicações ao qual Whitley se refere.

10. Para uma discussão do empirismo lógico, segundo o qual todos os confrontos que envolvem avaliações sobreteoria e fatos podem ser resolvidos mediante o recurso a regras de evidência adequadas, ver Laudan (1984) eCollins (1992).

11. Por volta de 1820, os geólogos estavam preocupados em resolver o "problema da correlação", i.e., dacombinação de seqüências específicas de formação geológica encontrada em diferentes áreas. Subjacente àcontrovérsia estava o suposto de que "havia realmente uma seqüência universal a ser encontrada" (Rudwick,1985).

12. Embora houvesse um consenso sobre a seqüência de estratos geológicos na formação de rochas no terciárioe no secundário, a controvérsia sobre o problema da correlação em geologia estruturava-se em torno dadiscussão acerca do papel de alguns tipos de rochas intercaladas no secundário e no primário que eramconhecidas como "Greywacke" (ou rochas transicionais).

13. O livro recente de Shapin, A Social History of Truth, discute o íntimo parentesco existente entre ordemcognitiva e ordem moral resultante de processos de atribuição de "confiança". O surgimento da ciência modernaestá vinculado à confiança depositada em algumas pessoas em detrimento de outras. Isso explica parcialmente oinstigante fato de que raramente resultados experimentais sejam contestados. Torna inteligível também alegitimidade alcançada pelos sistemas reputacionais. "Knowledge is a collective good. In securing our knowledgewe rely upon others, and we cannot dispense with such reliance. That means that the relations in which we haveand hold our knowledge have a moral character, and the word I use to indicate that moral relation is trust"(Shapin, 1994:xxv).

14. Reconfigurações são "processos através dos quais entidades e seus relacionamentos são continuamentedefinidos e fixados dentro de formas de ordem que diferem, e tiram proveito de outras formas de ordem".Referem-se, portanto, a uma realocação de papéis em um domínio ontológico, entre os tipos de entidades e asformas de ordem com as quais essas entidades se relacionam umas com as outras.

15. José Israel Vargas. Depoimento, 1977. Rio de Janeiro, FGV/Cpdoc ¾ História Oral, 1985 (História da Ciência ¾Convênio Finep/Cpdoc).

16. Sergio Rezende. Depoimento, 1977. Rio de Janeiro, FGV/Cpdoc ¾ História Oral, 1985 (História da Ciência ¾Convênio Finep/Cpdoc).

17. Não é objetivo deste trabalho uma discussão mais aprofundada sobre ciência e tecnologia. O que se estáressaltando é como essa suposta aplicação da ciência pura age como um sinal para rememorar às pessoas asteorias científicas associadas a elas. Um exemplo interessante é fornecido por Latour (1988) ao mostrar como oprocesso de pasteurização transformou as leiterias em ambientes similares a laboratórios médicos.

18. Marcelo Damy. Depoimento, 1977. Rio de Janeiro, FGV/Cpdoc ¾ História Oral, 1985 (História da Ciência ¾Convênio Finep/Cpdoc).

19. Daí que a montagem de armas atômicas, grupos terroristas, traficantes ou nações belicosas não seja algo tãosimples. De um ponto de vista mais pessimista, entretanto, isso significa que o domínio desse tipo de armamentorepousa em boa medida no domínio de um tipo de conhecimento que não está sujeito aos controles tradicionais dacomunidade científica.

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ABSTRACT"Hard Sciences" and "Social Sciences": An Organizational Approach

The article offers an empirically guided discussion of the organizational model which Whitley has proposed foranalyzing scientific fields. The central, empirically tested dimensions of the model refer to a consensus-formingprocess. It is proposed that the model be expanded to include other dimensions related to consensus-formation indifferent fields: that is, the use of technologies and the division of labor.

Keywords: scientific organizations; sociology of organizations; sociology of science; scientists

RÉSUMÉ"Hard Sciences" et "Social Sciences": Une Approche Organisationnelle

Cet article a pour but d’établir un débat axé empiriquement sur le modèle organisationnel que Whitley proposepour analyser des disciplines du domaine scientifique. On argumente ici que les dimensions centrales,empiriquement testées, du modèle se rapportent à un processus de formation de consensus. Ce qui amène à laproposition élargie du modèle, de façon à incorporer d’autres dimensions relatives à la formation de consensus

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dans différents domaines disciplinaires, tels que l’utilisation de technologies et la division du travail.

Mots-clé: sociétés scientifiques; sociologie des organisations; sociologie de la science; science; chercheursscientifiques

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