Revista Dashboard Livre, Volume 1, Brasília-DF, 2019 - 5
Expediente
Revista Dashboard Livre
Primeira Edição
Título: Águas mais profundas
Organização
Paloma Amorim
Diagramação
Fernando Aquino
Revisão
Bianca Damacena
Autor convidado
Christian Puhlmann Brackmann
Autores selecionados
Arnaldo V. Carvalho
Carlos Eduardo de Oliveira
Carlos Sanches
Felipe Neves de Almeida
Louise Fhaedra da Silva Pereira
Ody Marcos Churkin
Sady Sidney Fauth Junior
Sibere Duarte Araújo
Thiago Marques Franco
Pesquisa
Natália Stanzioni
Marta Raquel
Wanderson Amorim
Assessoria de imprensa
Alen Guimarães
Apresentação
A primeira edição da Revista Dashboard
Livre está de capas abertas para inovação e
transversalidade. Traz temas relacionados a
arte e tecnologia; estudos de casos em gestão
e marketing; mecanismos neurológicos de
aprendizagem e recepção do conhecimento;
HVSHFLÀFLGDGHV� GD� FLrQFLD� GH� GDGRV�� EHP�
FRPR� D� JDPLÀFDomR� H� VXD� LQÁXrQFLD� QRV�
indivíduos, o pensamento computacional e
VXDV�DGMDFrQFLDV�H�PXLWR�PDLV��
A revista Dashboard Livre é formada por uma
seleta de autores, dentre os quais convidados
e selecionados via chamada pública. É uma
ação do Dashboard Livre, empreendimento
em Arte, Tecnologia e Cultura, patrocinado
pelo Fundo de Apoio à Cultura e Economia
Criativa do Distrito Federal.
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Organização responsável
Dashboard Livre
Periodicidade
Anual
Patrocínio
Fundo de Apoio à Cultura da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal
Revista Dashboard Livre, Volume 1, Brasília-DF, 2019 - 7
Sumário
9 Computação na Educação Básica Brasileira: Uma necessidade primordialChristian Puhlmann Brackmann
23�2�-RJR�GRV�'DGRV��*DPLÀFDomR��FRPSRUWDPHQWR�H�KiELWRALMEIDA, F.; MELO, F.
33 Arte e tecnologia: além da comunicação entre o fazer e o pensar arte.Thiago Marques
39 GERENCIAMENTO DE PROJETOS POR MEIO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS: O CASO DOS PROJETOS DE INOVAÇÃO DO CENTRO DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - CDT/UNBSady Sidney Fauth Junior, Marcilene Barros Lima, Edson Rodrigues da Silva, Oscar Galdino de Oliveira Junior, Roseane Souza de Aquino
55�%DQFR�GH�GDGRV��QRUPDOL]DomR��IRUPDV�QRUPDLV�H�GHSHQGrQFLD�IXQFLRQDOCarlos Eduardo de Oliveira
63 CONTRIBUIÇÕES DA NEUROPSICOLOGIA NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUALARAÚJO; Sibere Duarte
73 O desenvolvimento do Pensamento Computacional na Educação BásicaCarlos Sanches
79 O PAPEL DO PROFESSOR DE DANÇA DO SÉCULO XXI: DIÁLOGOS SOBRE A ARTE-EDUCAÇÃOLouise Fhaedra da Silva Pereira
83 CURADORIA NA EDUCADUÇÃO EM CINCO TÓPICOS: DESAFIOS NA CONECTIVIDADE E UBIQUIDADEOdy Marcos Churkin
97 REVER E RENOVAR PARA INOVAR: A EXPANSÃO CULTURAL DOS JOGOS DE TABULEIRO MODERNOS EM COMPASSO COM AS NOVAS IDEIAS PARA A EDUCAÇÃOArnaldo V. Carvalho
Resumo: Este artigo se propõe a analisar as possibilidades de inovação na educação através dos
jogos de tabuleiro, em sintonia com as últimas ocorrências e transformações na indústria de jogos.
Para sua escrita, foram utilizados dados oriundos de informativos eletrônicos, comunidades virtuais
de jogos, analistas de mercado, entre outros. A avaliação do autor é de que os jogos de tabuleiro
modernos podem representar um atrativo entre os jovens, sem que haja conflito com as estratégias
educacionais digitais e prestando-se assim como ferramentas pedagógicas inovadoras, em sintonia
com as demais surgidas no século XXI.
Rever e Renovar para Inovar: A expansão cultural dos jogos
de tabuleiro modernos em compasso com as novas ideias para
a educação
Por Arnaldo V. Carvalho*1
Um caminho de mão-dupla: Jogos inovadores e facilidade de captação, publicação e
distribuição, de um lado; do outro, um ser humano ávido por novidades e interação para além das
muitas telas. Indústria e consumidor, artistas e fãs, cultura e economia vêm impulsionando de
maneira orgânica o que especialistas consideram um fenômeno: uma atividade de nicho em torno
dos jogos de tabuleiro2 e atinge uma popularidade global, movimentando cerca de 10 bilhões de
dólares por ano.
Este artigo propõe-se a analisar as últimas ocorrências e transformações na indústria de
jogos de tabuleiro e na cultura do jogar, em sintonia com suas possibilidades inovadoras de uso na
educação. O objetivo é demonstrar, ao longo da trajetória recente dos jogos, pontos de inovação
fundamentais ao seu atual momento de sucesso traçar paralelos e fomentar novas situações
inovadoras na educação. Para sua escrita, foram utilizados dados oriundos de informativos
eletrônicos, comunidades virtuais de jogos, analistas de mercado, entre outros.
1995, a semente do fenômeno germinava
1 Graduado em Pedagogia pelo Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro – ISERJ - e terapeuta. Coordenador
voluntário do LabJog, projeto do Grupo de Pesquisa de Práticas Pedagógicas do ISERJ (ver Diretório CNPQ:
http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2536924013100189)
2 Jogos de tabuleiro ou jogos de mesa incluem jogos que utilizem tabuleiros e/ou cartas e/ou representação e outros
artifícios, onde os participantes interagem usualmente ocupando um espaço fixo para a atividade. Para efeito de
padronização nesse artigo, estaremos nos referindo a todos eles sumariamente como “de tabuleiro”.
A cidade de Essen, na Alemanha, é a “Meca” mundial dos jogos de tabuleiro. Sua feira anual
apenas no ano passado reuniu milhares de empresas e recebeu 190 mil pessoas em quatro dias de
evento. É lá que se anuncia a maior premiação sobre o assunto, o Spiel des Jahres, considerado o
“Oscar do tabuleiro”. Os jogos de tabuleiro são parte da cultura alemã, e por lá são apreciados por
pessoas de todas as idades. Para se ter uma ideia, desde os anos de 1960, programas de TV, jornais e
revistas dedicam tempo e mesmo colunas exclusivas de comentaristas dedicados a falar da
atividade. Inventar jogos, no entanto, não passava de extensão da prática familiar de jogar, comum
do país; O Spiel des Jahres, nesse tempo, era disputado por adeptos inveterados, que levavam suas
criações para competir. Como hobby.
Fora dali, tinham suas vidas.
As coisas começaram a mudar nos anos de 1990. Em 1995, o técnico dental Klaus Teuber,
um veterano ganhador de três prêmios anteriores lançava um novo jogo, Os Colonizadores de
Catan. Teuber, que levara quatro anos para desenvolver Catan, venceu de novo. Nesse momento,
porém algo diferente aconteceu. O sucesso de Catan alavancou recorde de venda na Alemanha,
expandiu-se rapidamente por toda a Europa e fez com que, mais quatro anos depois, Teuber
decidisse largar sua posição de diretor de laboratório odontológico e passasse a se dedicar apenas
aos jogos de tabuleiro. Vinte anos depois, o jogo em 2018 já alcançava a marca de 30 milhões de
cópias em todo o mundo, sendo traduzido para 38 idiomas.
Embora o mais difundido, Colonizadores de Catan não foi o único bestseller a ganhar o
mercado internacional. Muitos outros títulos com o “estilo alemão”3 foram lançados e alcançaram o
mundo, o que inclusive estimulou uma lista de inventores a também deixar seus antigos trabalhos, à
época. O caso mais icônico talvez seja o do executivo em finanças Reiner Knizia. Que em 1997,
após lançamentos bem sucedidos, fez as contas e entendeu que conseguiria largar sua rentável
atividade anterior e viver dos jogos.
O interessante é que estamos falando do mesmo momento em que os computadores
pessoais, celulares e a Internet se expandiram e revolucionaram a sociedade. Os anos que se
seguiram apontavam o crescimento exponencial do investimento em vídeo-tudo: vídeo games,
livros digitais, música digital. Analistas no mundo todo se perguntavam, baseando-se na queda de
vendas, por quanto tempo produtos como livros e jogos não eletrônicos existiriam. Contudo, o que
se viu após um baque inicial foi um novo aumento do consumo desses produtos físicos. Com o jogo
de tabuleiro moderno não foi diferente, e o ponto mais interessante é ter sido a chamada “geração
Y” (nascidos entre 1982 e 1994, e portanto vivido como crianças o salto tecnológico a girar em
torno da internet) a primeira propulsora do consumo de jogos não eletrônicos. O que se tem visto é
que a geração seguinte, “Z” (nascidos entre 1994 e 2010), marcada pelo nativismo digital, assimila
3 Esse é o que ao longo do artigo chamamos de “Jogo de tabuleiro moderno”, que também é conhecido
internacionalmente como “Eurogame”. (N. A.)
esse mesmo comportamento de consumo, talvez com ainda mais avidez. Cabe salientar que essa
geração hoje se encontra, em boa parte, no período escolar atual.
As respostas da sociedade e do mercado dos jogos de tabuleiro modernos
Como o caso particular da indústria de jogos de tabuleiro “venceu” os desafios da era digital
e se firmou como um mercado próspero e ainda cheio de oportunidades? Inovação.
A dialética entre cultura e mercado parece capaz de fazer compreender o crescimento
mundial do interesse pelos jogos de tabuleiro modernos. Não cabe a este artigo, entretanto, levar a
cabo uma investigação capaz de esgotar as muitas razões por trás do que parece ser o despertar da
sociedade para tais jogos.
Ainda assim, parece-nos importante dedicar um trecho deste trabalho ao elencar de fatos
relevantes sobre as movimentações sociais e do mercado em torno dos jogos. Seguem aqui apenas
resultados anunciados nos últimos cinco anos:
• Em 2014 que a venda dos jogos crescera de 25 a 40% em relação aos quatro anos
anteriores, sugerindo que os jogos de tabuleiro entravam em uma “época de ouro”.
• Em 2016, fora lançados mais de 5mil cafés temáticos só nos EUA.
• As principais convenções do planeta tiveram recordes de participação em 2018.
Como exemplo, UKGames Expo, no Reino Unido, reunião 40 mil participantes; a
GenCon, nos EUA, 200 mil participantes; e lembremos: a Spiel, na Alemanha obteve
uma participação de 190 mil pessoas nesse ano. Há muitas outras convenções de
porte, a reunir dezenas de milhares de jogadores, em todo o mundo4.
• Em 2018 foram lançados mais de 5.000 novos jogos de tabuleiro pelo planeta. O
número já chega a ser quase 10x maior do que o total de lançamentos por ano da
década de 1980.
• A empresa Asmodee, que em 1995 nascia como uma pequena empresa de nicho, hoje
conta com escritórios em 14 países, além de 13 estúdios de desenvolvimento
espalhados pelo mundo. Faturou mais de 440 milhões de euros em 2017 e vende em
média mais de 30 milhões de jogos anualmente.
• A maior comunidade virtual de jogos de tabuleiro é a americana Board Game Geek,
que em 2015 já concentrava mais de 1,2 milhões de usuários registrados de todo o
mundo5 e possui uma catalogação com cerca de 110 mil jogos de tabuleiro,
atualizada diariamente.
4 Ver: https://casualgamerevolution.com/game-cons-2019 e https://www.meeplemountain.com/articles/the-board-
gamers-guide-to-board-game-conventions/#world-boardgame-convention-list
5 Ver: https://boardgamegeek.com/thread/1518569/boardgamegeek-community-number-users
• A plataforma de financiamento coletivo Kickstarter, a arrecadação colaborativa de
fundos para criação de novos títulos no ano passado bateu a marca de US$ 27,3
milhões e superou as campanhas dos criadores de videogames, que ficaram na marca
de US$ 15,8 milhões. A comunidade de jogos da plataforma cresceu 393% e foi a
categoria fenômeno de 2017.
• No Brasil, a comunidade informal de jogadores já atinge dezenas de milhares de
pessoas, quase todas reunidas em redes sociais, sites temáticos e frequentadoras de
eventos. Não se tem ideia clara de quanta gente joga para além da participação
virtual, embora o aumento constante das vendas e surgimento de editoras e bares e
cafés não pare de aumentar e atingir todo o Brasil.
• O número de títulos lançados anualmente revela a demanda exponencialmente
crescente, como se pode observar na tabela abaixo:
Ano Lançamentos
2014 58
2015 82
2016 124
2017 210
2018 432
• Diversão Offline, maior evento de jogos de tabuleiro da América Latina, surgiu no Rio em
2015 e reuniu 900 pessoas. Em sua última edição pauistana, em 2018 São Paulo já
congregou cinco mil pessoas.
• A CCXP, evento que reune cerca de 220 mil pessoas por ano em SP e é considerado o
terceiro maior de cultura pop e Geek, criou um pavilhão somente para os jogos de tabuleiro
em 2017. Naquela e na edição seguinte, ficou lotado o tempo inteiro.
• Há dezenas de bares e cafés com jogos de tabuleiro de ponta a ponta do Brasil, uma
explosão apenas dez anos após a primeira, Ludus Luderia ser lançada em 2007, em São
Paulo. E diversas delas seguem abrindo.
• A ABRINC - Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos - reportou que, em 2017, o
setor de jogos teve faturamento de R$ 567 milhões, 6% maior do que em 2016. São quase
10% do total de todos os jogos e brinquedos vendidos, mais até do que brinquedos
eletrônicos (como tablets e laptops infantis e videogames) e LEGO.
• A maior editora brasileira especializada em jogos de tabuleiro moderno é a Galápagos.
Fundada por três estudantes de engenharia da USP em 2009, a empresa hoje conta com 30
funcionários. Em 2017, a companhia faturou cerca de R$ 16 milhões, aumento de 800%
desde que, em 2013, passaram a comercializar títulos internacionais no Brasil. Atualmente, a
Galápagos conta com cerca de 60 linhas de jogos e já vendeu mais de um milhão de
unidades de seus produtos. Ano passado, tornou-se multinacional, sendo absorvida pela
gigante francesa Asmodee.
• Editoras especializadas de pequeno porte vão abrindo e muitas prosperando, gerando um
salto de 3 para 30 disponíveis no mercado, apenas de 2010 para cá.
• Na Internet, a maior rede brasileira de jogos é a Ludopedia, que conta com mais de 65 mil
usuários. Destes, 81% está na faixa etária entre 18 e 35 anos, o que confirma nossas
reflexões: trata-se de uma cultura difundida entre as gerações Y e Z.
• As redes sociais e fóruns também são bastante frequentadas. No Facebook, por exemplo, há
diversos grupos e páginas com milhares de usuários inscritos. Boardgame Brasil, o maior
deles, conta com quase 20 mil usuários.
• Canais no Youtube feitos por brasileiros e dedicados aos jogos de tabuleiro reunem dezenas
de milhares de inscritos e contam com centenas de milhares de visualizações. Os jogadores
utilizam o vídeo para se expressar e reportar tudo: explicações de como jogar, análises de
jogos, empresas e do mercado, partidas filmadas, e até mesmo a experiência de abrir uma
encomenda com o jogo.
• Jogos são assunto de reportagem na mídia brasileira, seja como hobby, negócio, ou
movimento cultural6.
• Apesar dos muitos centros de encontro reais e virtuais de jogadores, a maior parte deles
parece se concentrar em casa. Segundo pesquisa realizada pelo site Ludopedia, 80% prefere
jogar em casa ou na casa de amigos.
Os dados acima não abordam algumas questões sociais dos tempos de hoje, como por
exemplo o aumento das entregas online e comércio direto, em que medida o medo da violência ou
as dificuldades com o trânsito nos grandes centros urbanos, ou mesmo a sensação de perda de
tempo por conta de deslocamentos, pode levar à busca por opções de entreterimento em casa, etc.
São fatores que poderiam estimular todo um consumo relacionado a, entre outras mercadorias,
jogos de tabuleiro.
Em todo caso, o levantamento sugere que o mundo onde as crianças estão crescendo é mais
povoada pelos jogos de tabuleiro e todo o mistério lúdico que eles despertam do que as gerações
anteriores. Esse fator, por si só, já nos propõe a uma investigação acerca de suas possibilidades de
utilização na educação.
6 Ver bibliografia.
Os aspectos de inovação por trás do sucesso dos jogos de tabuleiro modernos
Iniciamos este artigo afirmando que no tocante à inovação dos jogos de tabuleiro modernos, houve um caminho de mão dupla, cujos braços podem ser resumidos em mercado e cultura. Em outras palavras, estamos buscando entender que as transformações humanas e sociais levaram à reações do mercado, e ao mesmo tempo, respostas e propostas que o mercado pôde oferecer que geraram resultados, com indicativos de prosperidade por longo prazo. Passemos então ao exame de uma amostra de aspectos que compõem esse movimento orgânico e fluído, para então alcançarmos o objetivo de conectá-los às propostas inovadoras da educação.
Transformações sociais, a inovação tecnologica e seu impacto na cultura e na indústria de jogos
Como já mencionamos, a tecnologia digital concorreu com o mundo analógico, e chegou
parecer que iria suprimi-la. Todavia, seu estabelecimento gerou novos recursos e novas
necessidades humanas. São diversos os elementos que justificam tais afirmativas. Dentre eles,
podemos citar:
a) A virtualização da comunicação aumentou a necessidade ou desejo de socialização por contato
real;
b) A Internet como capaz de reunir entusiastas dos jogos de diferentes lugares;
c) Os meios digitais oferecendo acesso a conhecimento, intercâmbio, facilidades e novas estratégias
de design de jogos de tabuleiro;
d) A cultura lúdica está inserida em novos segmentos sociais como a “cultura geek”, com a qual
cada vez mais jovens se identificam;
e) Os jogos atuais incluem em seu design uma percepção sofisticada do que, nos jogos, de fato atrai
as pessoas e os torna “inteligentes”.
f) Em grandes centros urbanos, onde a cada dia cresce a violência e o deslocamento se torna mais e
mais caótico, a opção de ficar em casa favorece os entreterimentos domésticos.
g) A tecnologia simplificou processo e favoreceu negócios de nicho: Desenhar jogos no próprio
computador, pré-vende-lo através de uma estratégia de financiamento coletivo, enviar o projeto para
uma fábrica na China ou outra, e depois vendê-lo através de uma lojinha virtual, distribuindo-o sem
intermediários, se tornou possível para pequenos empreendedores. O negócio de nicho se tornou
uma realidade globalizada e com potencial de crescimento rápido.
h) Semelhante com o que ocorre com livros, as versões virtuais dos jogos de tabuleiro têm servido
não para substituir suas versões físicas, mas como “amostra grátis” para os jogadores, ajudando-os a
decidir se querem ter a cópia física ou não.
De todos os elementos citados, vamos destacar aquilo que concerne ao humano,
compreendendo que a natureza do jogo de tabuleiro, lida, essencialmente, com os aspectos
intrínsecos do que nos torna o que somos. Em entrevista, o premiado autor de jogos de tabuleiro
Wolfgang Kramer afirmou: “os jogos de tabuleiro têm seu próprio charme, ele tem qualidades que
os jogos de computador nunca terão. Por exemplo: Eu olho nos olhos do meu parceiro quando eu
faço um bom movimento e ele verá como eu sofro quando ele vence. Jogos de tabuleiro tem muito
mais a fazer com as emoções do que jogos de computador”7.
Interação cara a cara, dar risadas, observar pessoas se divertindo saudavelmente juntas.
Esbarrar numa peça, impacientar-se com a demora da jogada do outro, a expressão tensa, as
imprevisibilidades de comportamentos, os metajogos que ocorrem no contato presencial, para além
do jogo em si. Muitos jogos estão em cena quando se jogam jogos de tabuleiro, e estar presente
nessa trama relacional é exercer uma necessidade humana.
A crescente procura pelos jogos de tabuleiro é uma das várias reações dos jovens de hoje ao
encolhimento das famílias, a ausência dos pais, a redução do contato físico, real. Tal distanciamento
é, para a condição humana, um estorvo, associado hoje a múltiplas doenças e transtornos psíquicos.
Assim, o design inovador dos jogos de tabuleiro modernos encontrou na solidão do mundo digital
uma brecha para vingar. Jogar em volta da mesa tornou-se um inteligente contramovimento dos
jovens, uma tentativa de impedir a aniquilação dos seres humanos em sua essência8.
Inovação e sintonia com os tempos
Existem enormes mudanças em nosso tempo, nosso mundo, e
isso se reflete nos jogos. É maravilhoso para a mente criativa.
Reiner Knizia
Podemos dividir os jogos de tabuleiro entre dois momentos de sua existência: pré-industrial e industrial. O primeiro momento engloba todos os chamados “jogos tradicionais”, cujas origens são cercadas de mistério e, em geral, não se sabem quais são seus autores. Em geral, tratam-se de jogos abstratos, sem uma temática claramente definida ou atrelada às suas regras; Alguns requerem sorte, em parte ou totalmente, como Pakhisi (“escadas e serpentes”), gamão, baralho (vários), etc. Outros são puramente analítico-espaciais. como xadrez, go, damas, trilha, otelo, mancala e o jogo da onça.
7 Arquivo pessoal de entrevista concedida em junho de 2008 a mim, à época em que realizei uma série de entrevistas
com autores importantes de jogos de tabuleiro para a primeira grande comunidade virtual de jogos de tabuleiro em
língua portuguesa, a Ilha do Tabuleiro (extinta).
8 BYRNE, David. Eliminating the Human. MIT Technlogy Review. Agosto 2017. In:
https://www.technologyreview.com/s/608580/eliminating-the-human/
Na era pré-industrial, os jogos se difundiam lentamente dentro de culturas específicas. Dentre os citados, temos o xadrez e suas variações sendo jogado nesse tempo em todo o hemisfério norte à exceção da América; Go, no extremo oriente; Mancala, em toda a África; e o jogo da Onça, entre indígenas do Brasil, com variações expandindo-se aos mesoamericanos.
Os jogos tradicionais são tão arraigados culturalmente que ainda podem ser considerados os mais jogados em todo o mundo.
Já os jogos de tabuleiro industriais surgiram na virada do século XIX para o XX. Os Estados Unidos obtiveram os números de venda mais impressionantes, tendo conseguido ao longo do último século tornar seus jogos um sucesso internacional. Títulos conhecidos até hoje como Jogo da Vida, Batalha Naval e Banco Imobiliário são do começo do XX; outros, surgidos na segunda metade do século XX se somaram a eles (Detetive, Twister, Risk, Cartel, Combate, Cara a Cara, etc.).
Por todo o período, a indústria passou por momentos altos e baixos no desenvolvimento de títulos, crescendo por pequenos saltos de tempos em tempos. Tais saltos ocorreram quase sempre relacionando jogos-chave publicados num momento a contextos de época específicos os quais eles satisfaziam. Isso demonstra que a inovação bem sucedida é aquela que está em sintonia com uma dada situação.
Vejamos alguns exemplos: O Jogo da Vida, lançado em 1860 por Milton Bradley nos EUA é considerado o primeiro grande sucesso industrial da história. O jogo tem como premissa os jogadores percorrerem trajetórias de vida, que teria como parâmetros de sucesso ter uma profissão, casar, ter filhos e ser economicamente próspero – o determinante de vitória para o jogo. A fascinação burguesa americana e a associação entre caráter e prosperidade que se fazia após sua Guerra Civil se encaixou com a proposta lúdica e colocou Bradley como dono de uma das mais conhecidas marcas de jogos de tabuleiro do mundo9.
Seguindo a mesma lógica, Eskin (2010) observou o sucesso de Banco Imobiliário (Monopólio) é pela sintonia com o contexto comparável ao de Colonizadores de Catan. O autor lembra que o primeiro, de origem americana, fez sucesso em meio a Grande Depressão que assolou aquele país. O jogo, afinal oferece aos jogadores a oportunidade de se imaginarem promissores negociantes expandindo seus negócios e disputando quem será o magnata número 1 – e deixará os demais em maus lençóis. Já Catan tem como tema a exploração de uma terra imaginária e recém-descoberta em uma época não tecnológica e com recursos escassos. O paralelo é a surgida necessidade de encontrar soluções para essa escassez e gerenciar o que se produz a partir daí é um tema paralelo a uma época em que finalmente o ser humano oficializou se dar conta de que os recursos naturais começavam a se esgotar “pra valer”10. Diferente de Banco Imobiliário, aqui todos os jogadores conseguem crescer, prosperar, e o final da partida define um vencedor com pouca diferença para como o primeiro.
A inovação no design dos jogos de tabuleiro modernos
Apesar da relação estabelecida entre a temática do jogo com um abstrato interesse do grupo social que o consumia, os jogos modernos têm em seus conceitos mecânicos e artísticos seu maior atrativo. Isso inclui Colonizadores de Catan, ainda que a análise de Eskin faça sentido e se some a outras. A inovação dos Eurogames leva em conta um tipo de indivíduo que se caracteriza pela grande necessidade de interação, tem pouco tempo e está saturado de ofertas de entreterimento com todo o tipo de qualidade.
A geração atual dos jogos modernos leva esses fatores em conta, e seu passo inovador foi o de criar jogos com as seguintes características:
- O tempo de jogo é precisamente calculado, sendo que os principais sucessos estão programados para durar entre uma hora e uma hora e meia (o pouco tempo que as pessoas de hoje tem);
9
10 Como exemplo do quanto o tema se fez urgente, a Eco 92 reuniu um número histórico de chefes de estado para
discutir o tema.
- Não há eliminação de jogadores ao longo da partida;- O jogo possui uma série de mecanismos de equilíbrio fazem os jogadores chegarem ao fim de uma partida com condições reais de vitória.- Privilegia a estratégia, e a aleatoriedade programada envolve mais controle de risco do que propriamente “pura sorte”.- O jogador tem muitas opções de ação e a tomada de decisões pode envolver um certo nível de tensão por trás de cada jogada.
Está fora do escopo desse artigo, mas vale apontar que a análise de cada um desses itens, de um ponto de vista sociológico e educacional poderá ser de grande valia no futuro.
Além das inovações mecânicas, no plano artístico os jogos modernos são marcados por um salto na qualidade de seus componentes, sendo visualmente muito bonitos e resistentes, o que os torna bem vindos na decoração da sala e convidam os jogadores a abri-lo e imergir em sua proposta lúdica.
Notemos que a sintonia com o presente, revelada na escolha de títulos, componentes, mecânicas de jogo, revela que a escuta acerca do que as pessoas estão buscando é o primeiro item essencial para a inovação. Escutar mesmo antes de se produzir é o que antecede o rever para renovar. É na escuta dos aprendentes que se revê os velhos métodos, os renova, ou caso não seja suficiente, se inova. A escuta, por isso mesmo, oferece a possibilidade de uma educação não diretiva, já que desloca o suporte educacional para os desejos da alma e perspectivas do próprio aprendente.
.
Inovar exige envolvimento
Outro item que podemos destacar no case dos jogos de tabuleiro modernos para uso em uma
educação diz respeito ao intercâmbio e a capacidade de movimentar pessoas e grupos. O sucesso de
um processo de ensino-aprendizado passa por envolvimento: trata-se de um “pacto social”
implícito. Afinal, quando se reúnem pessoas, estão presentes seus sonhos, desejos, conhecimentos,
experiências pregressas, emoções, etc., e todos esses aspectos entram em contato. Confrontam-se,
conflituam-se, buscam consenso, encontram sinergias, letargias, tristezas e alegrias. Somam-se ou
subtraem-se. Constroem ou destroem. Tudo isso está presente no começo das relações, inclusive as
escolares.
Ao final de sua conferência “Maximum Impact Game Design”, realizada na Utrecht School
of the Arts11, Reiner Knizia aponta o elemento “envolver comunidades de jogadores: construir novas
estruturas sociais”. Ele se refere basicamente a capacidade de envolver e desenvolver redes
relacionais, criando eco em torno de uma ideia. Tal poder, a ocorrer de forma híbrida entre digital e
presencial, um feito de estupendo impacto nos grupos sociais. Trata-se de um mercado globalizado,
onde projetistas de todo o mundo disputam ter seus jogos reconhecidos. O que faz um jogo genial
ser capaz de ter sucesso e outro igualmente genial mal ser conhecido? Suas ações e consequências
podem ser conferidas na análise das campanhas de financiamento coletivo dos jogos de tabuleiro.
11 A palestra foi realizada na quinta conferência “Think Design Play”, organizada em 2011 pela Digital Games
Research Association (DiGRA). Ver: https://vimeo.com/30852674
Elas incluem um intensivo envolvimento dos autores, que participam de eventos, dão entrevistas,
ensinam o jogo para outros jogadores, respondem dúvidas em redes sociais e convidam
permanentemente ao jogo e ao compartilhamento. Jogos de tabuleiro utilizam ainda estratégias
como a do cinema, exibindo teasers, trailers, e fornecendo protótipos e todo tipo de informação à
crítica.
Em educação, aponta-se a metodologia híbrida de ensino-aprendizado (digital/analógica)
como uma tendência inovadora; No entanto, pouco se fala do envolvimento interpessoal em torno
das ferramentas que compõem o híbrido. Até que ponto as aulas online e off line estão integradas,
nas práticas que hoje ocorrem? Até que ponto elas não dependeriam de geradores e sintonizadores
entre os meios físicos e digitais, garantindo uma harmonia entre as informações e percepções
obtidas tanto em um mundo como de outro, de modo que estes já não sejam compartimentados? O
papel dos professores a lidarem com a metodologia híbrida também passaria por essa capacidade de
envolver o aluno?
Em outro spot, a ideia de envolvimento em torno de ideia nos traz as pedagogias baseadas
em projetos, que incluem o inovador aprendizado “maker”. O sucesso das variantes de projetos é o
envolvimento sempre. E mais uma vez nos perguntamos, que elementos ali estão presentes que
passam pelo envolvimento? Uma resposta centrada na “parte visível” seria: materiais de qualidade,
projetos inteligentes, protagonismo do aluno no processo… Mas há uma parte invisível e essencial:
uma rede de pessoas entusiasmada com a ideia, a trocar de forma híbrida entre meios digitais e
físicos… É contagiante, os alunos percebem esses elementos e se envolvem, exatamente como os
jogadores os percebem nos jogos modernos.
Estarão os profissionais de educação preparados para envolver para inovar?
Conclusão
O sucesso dos jogos de tabuleiro modernos estão intrinsecamente relacionados às inovações do
mercado, do design, e das próprias transformações de seu público. Pudemos ao longo deste texto
retratar esse sucesso, analisar três aspectos principais dessa inovação, e tecer alguns contrastes em
relação aos movimentos de inovação da educação. É possível ampliar essa lista, e radiografar de
modo ainda mais preciso as muitas sugestões que o case do tabuleiro moderno oferece às práticas
pedagógicas inovadoras. Consideramos que a escuta do aprendente do século XXI, somada a
preocupação com a criação de propostas em sintonia com seu tempo e a capacidade de envolver é
apenas um ponto de partida para muitas novas reflexões, inspirações e propostas.
REFERÊNCIAS
$12 Billion Board Games Market - Global Outlook and Forecast 2018-2023. ResearchAndMarkets. Dublin, 2018.
In: https://www.globenewswire.com/news-release/2018/08/07/1548201/0/en/12-Billion-Board-Games-Market-Global-
Outlook-and-Forecast-2018-2023.html
BLOOMBERG. The Bloomberg Innovation Index. Bloomberg. In: https://www.bloomberg.com/graphics/2015-
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